LIVRO A CULTA DA PESCA ARTESANAL: A ARTE DA SOBREVIVÊNCIA

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The Culture of Artisanal Fishing, The Art of Survival Fotografia | Marê Moraes

Textos | Francisco da Rocha Guimarães Neto

A Cultura da Pesca Artesanal, A Arte da Sobrevivência

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LAGOA




A Cultura da Pesca Artesanal,

A Arte da SobrevivĂŞncia The Culture of Artisanal Fishing,The Art of Survival


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Coordenador FRANCISCO DA ROCHA GUIMARÃES NETO

Associação dos Pescadores Artesanais e Amigos da Praia da Pitória

A Cultura da Pesca Artesanal,

A Arte da Sobrevivência

Rio de Janeiro 2017

A Cultura da Pesca Artesanal, A Arte da Sobrevivência

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Copyright © Francisco da Rocha Guimarães Neto, 2017 Todos os direitos desta edição reservados à Mavi Editora. Rua Frei Jaboatão, 201 – Bonsucesso Rio de Janeiro, RJ – CEP: 21041-115 editoramavi@gmail.com.br Proibida a reprodução total ou parcial deste conteúdo

Coordenação editorial Francisco da Rocha Guimarães Neto

Consultoria Jurídica Aline Silva Araújo Revisão e Tradução Paulo Magno Desenho: Processo evolutivo da situação de degradação e recuperação ambiental da lagoa Heloisa Teixeira Costa Produtor Gráfico Marcelo Henriques Gráfica Mavi Artes Gráficas e Editora

Fotografia Marê Moraes Assistente fotográfica (1ª fase) Letícia Gullo Projeto Gráfico e Diagramação Simone Oliveira Capa Marê Moraes e Simone Oliveira Tratamento de imagens Marê Moraes e Simone Oliveira

PATROCINADOR

ORGANIZADOR

APOIO

Associação dos Pescadores Artesanais e Amigos da Praia da Pitoria (APAAPP)

CIP – CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO C968 A cultura da pesca artesanal : a arte da sobrevivência = The culture of artesanal fishing : o art of survival / coordenador Francisco da Rocha Guimarães Neto ; tradução Paulo Magno ; fotografia Marê Moraes. – 1.ed. - Rio de Janeiro : MAVI, 2017. 256 p. : il. ; 28 cm

Acima do título: Associação dos Pescadores Artesanais e Amigos da Praia da Pitória Texto em português com tradução em inglês Inclui bibliografia e índice ISBS 978-5970-041-1

1. Pesca artesanal - São Pedro da Aldeia (RJ). 2. Recursos pesqueiros - São Pedro da Aldeia (RJ. I. Associação dos Pescadores Artesanais e Amigos da Praia da Pitória. II. Guimarães Neto, Francisco da Rocha, 1970-. III. Magno, Paulo. IV. Moraes, Marê. 0045/2017 CDD: 639.2098153 CDU: 639.2(815.3) Bibliotecária Eliane Lemos CRB 5866

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Francisco da Rocha GuimarĂŁes - Mestre Griot



Ö AGRADECIMENTOS

Este livro não seria possível sem a ajuda de Deus, pois foi quem nos manteve a esperança de um dia alcançar a publicação do mesmo. Agradecemos também aos pescadores da Praia da Pitória, os quais foram os protagonistas deste projeto, a Adriana Saad Guimarães e a seu Chiquinho de Clinêo, meu avô com 100 anos de vida e grande inspirador e nosso Griot (contador de histórias da lagoa e de suas pescarias), nosso marco histórico vivo que continua com sua graça e saúde nos dando a felicidade de vivenciar cada momento, seja no ato de nossas pescarias ou até mesmo de lazer. Nossos agradecimentos também a Marê Morais e a MAVI Artes Gráficas e Editora que sempre acreditou no potencial do livro e no nosso esforço para conseguir dias melhores para nossas comunidades. Não quer dizer que não tenhamos, mas precisamos nos adaptar às mudanças externas, tanto no beneficiamento e comercialização do pescado, quanto nos meios de educação e cultura; enfim, criar ferramentas necessárias para resistir às adversidades impostas a cada momento de nossa existência. E desde já agradecemos a você, leitor, que adquiriu este livro e, de certa forma, ajudou a manter nossa resistência pela A Cultura da Pesca Artesanal: A arte da Sobrevivência.

Francisco da Rocha Guimarães Neto

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Ö ACKNOWLEDGMENTS

This book would not be possible without the help of God, because it was the one who kept us hope of one day reaching the publication of it. We also thank the fishermen of Praia da Pitória, who were the protagonists of this project, Adriana Saad Guimarães and her Chiquinho de Clinêo, my grandfather with 100 years of life and great inspirer and our Griot (storyteller of the lagoon and its fisheries), our historical landmark that continues with its grace and health giving us the happiness of experiencing every moment, whether in the act of our fisheries or even of leisure. We also thank Marê Morais and MAVI Artes Gráficas e Editora who have always believed in the potential of the book and our effort to achieve better days for our communities. It does not mean that we do not have it, but we need to adapt to external changes, both in the processing and marketing of fish, and in the means of education and culture; in short, to create the necessary tools to resist the adversities imposed at every moment of our existence. And we thank you, reader, who bought this book and, in a way, helped to maintain our resistance for The Culture of Artisanal Fishing: The Art of Survival.

Francisco da Rocha Guimarães Neto

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Ö PALAVRAS

DO PATROCINADOR

A LAGOA ARARUAMA E A PESCA ARTESANAL É com muita satisfação que a Prolagos contribuiu para a realização deste livro que aborda parte da história do desenvolvimento econômico da Região dos Lagos. Esta obra vai nos levar a uma reflexão sobre tão importante fonte de renda dos pescadores da região, desde os primórdios da pesca artesanal até hoje. O livro nos revela ainda o potencial social, econômico, ambiental e cultural que essa atividade e a Lagoa Araruama têm na região. Há uma consciência coletiva de que é impossível deter o progresso da região que cresce continuamente. Porém, existe o consenso também da necessidade de corrigir, planejar e conduzir este crescimento, para que ele se dê de forma sustentável, priorizando o que a Região dos Lagos tem de mais precioso – sua natureza. O resultado da recuperação da Lagoa, que sofria com impactos desse crescimento, foi possível por conta de medidas tomadas a partir de 2000, quando a Lagoa entrou em falência ambiental e foi tomada por uma grande quantidade de algas. O cheiro e a poluição de suas águas afastaram os peixes e visitantes, causando prejuízos econômicos à região. Participamos do processo de recuperação da Lagoa Araruama que, por pouco, não sofreu um dano irreversível, pois durante anos recebeu contribuição de esgoto in natura. Hoje, felizmente, já é possível perceber a recuperação desse importante cartão-postal da região e a Prolagos teve e tem papel importante neste processo. Grande parte da recuperação deste importante ecossistema se deve ao programa de saneamento desenvolvido e executado pela Prolagos, que, em seus 19 anos, já investiu mais de R$ 1,2 bilhão em saneamento. Pioneira na implantação do sistema de tratamento de esgoto na região, a concessionária conta hoje com sete estações, que evitam que 80 milhões de litros de esgoto sejam despejados diariamente no meio ambiente. Hoje, a atividade pesqueira, com produção recorde de camarão e peixes como tainha e perumbeba, antes desaparecidos da Lagoa, tem fomentado a economia local. Este quadro de recuperação, hoje, é festejado por todos e temos orgulho de fazer parte dessa história, participando do desenvolvimento da região.

Carlos Henrique Roma Jr. Presidente da Prolagos

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Ö SPONSOR’S

WORDS

THE ARARUAMA LAGOON AND ARTISANAL FISHING It is with great satisfaction that Prolagos contributed to the realization of this book that addresses part of the history of the economic development of the Lakes Region. This work will lead us to a reflection on such an important source of income for fishermen in the region, from the beginnings of artisanal fishing to today. The book also reveals the social, economic, environmental and cultural potential that this activity and the Araruama Lagoon have in the region. There is a collective awareness that it is impossible to stop the progress of the continually growing region. However, there is also a consensus on the need to correct, plan and conduct this growth, so that it takes place in a sustainable manner, giving priority to what the most important of Lakes Region – its nature. The result of the recovery of Lagoon, which suffered from the impacts of this growth, was possible due to measures taken since 2000, when Lagoon went into environmental collapse and was taken by a lot of algae. The smell and the pollution of its waters have alienated the fish and visitors, causing economic losses to the region. We participated in the recovery process of the Araruama Lagoon, which almost suffered an irreversible damage, since for years it received a contribution of in natura sewage. Today, fortunately, it is already possible to perceive the recovery of this important postcard of the region and Prolagos had and has an important role in this process. Much of the recovery of this important ecosystem is due to the sanitation program developed and implemented by Prolagos, which, in its 19 years, has already invested more than R $ 1.2 billion in sanitation. A pioneer in the implementation of the sewage treatment system in the region, the concessionaire now has seven stations, which prevent 80 million liters of sewage from being dumped daily into the environment. Today, fishing activity, with record production of shrimp and fish such as mullet and perumbeba, previously disappeared from the lagoon, has fomented the local economy. This framework of recovery today is celebrated by all and we are proud to be part of this history, participating in the development of the region.

Carlos Henrique Roma Jr. Presidente da Prolagos

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Ö PALAVRAS

DA FOTOGRÁFA

Quando fui convidada para fotografar a Laguna Araruama e as comunidades de pesca artesanal que tiram seu sustento daquelas águas, foi a primeira vez que ouvi falar de Araruama. Ao imergir em seu universo, sua beleza e imensidão, conheci a unicidade do seu ecossistema, o que a torna a maior Laguna hipersalina permanente do mundo, como também as particularidades das centenas de famílias que vivem lá trabalhando nas artes de pesca artesanal. As técnicas utilizadas pelos seus ancestrais ao longo do tempo continuam as mesmas, mas só são possíveis após uma compreensão profunda da natureza e das suas peculiaridades que só são encontradas por lá. A Laguna, ora com águas tão rasas que fazem parecer com que os homens caminhem sobre as águas, permitiu que pequenos ranchos de pesca fossem construídos ao longo de toda sua extensão. Lugares que pescadores utilizam como ponto estratégico para construir redes fixas, armadilhas para peixe e camarão, além de ser ponto estratégico para alimentação, descanso e esconderijo em tempos de chuva. Com domínio e entendimento profundo da natureza, é fácil para um pescador saber sobre o tempo e as marés. Embarcados em seus pequenos barcos de madeira e usando sarrafos e pequenos motores a óleo diesel para se movimentar, avistam cardumes a grandes distâncias. Famílias inteiras trabalham juntas, como na pescaria de cerco. De duas até quatro embarcações pescam em pares e o entendimento dos pescadores é fundamental para o sucesso da pescaria. Entre assovios e gestos todos trabalham em perfeita sintonia. Pescar cardume de tainha, peixe típico da Laguna, é um grande desafio. A tainha ao ser encurralada salta para fora da água. Saltos esses que renderam boas fotos, mas também algumas pescarias de mãos vazias. Assim é a vida homens versus natureza: um dia da caça, outro do caçador. Os pescadores de mais idade costumam relembrar os tempos das grandes pescarias na Laguna: “Eram tantos peixes que era preciso fazer várias viagens de barco para conseguir retirar tudo”. Hoje os tempos são outros. A Laguna chegou a ser considerada “morta” por alguns anos, em função da grande exploração de seus recursos, pesca predatória e poluição. Nos últimos anos, muito foi feito pela conservação do meio ambiente, no entanto, ainda há muito a se fazer. Por muitas vezes, durante este projeto, vimos os pescadores retirarem as suas redes latinhas de refrigerante, cerveja, saquinhos de supermercado e garrafas pet em sua maioria. Nesta tarde, foram quatro sacos repletos de lixo e nenhum peixe. Não por acaso, a Laguna Araruama não conta com muitos pescadores jovens. Já foi o tempo em que a profissão era passada de pai para filho. Estes, vendo as dificuldades, acabam buscando o seu sustento na cidade. Cada vez mais longe também vão os pescadores

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Ö WORDS

FROM THE PHOTOGRAPHER

When I was invited to photograph the Laguna Araruama and the artisanal fishing communities that take their livelihood from those waters, it was the first time I heard of Araruama. As I immersed in its universe, its beauty and immensity, I knew the uniqueness of its ecosystem, which makes it the largest permanent hypersaline lagoon in the world, as well as the particularities of the hundreds of families who live there working in the artisanal fishing gear. The techniques used by their ancestors over time remain the same, but are only possible after a deep understanding of nature and its peculiarities that are only found there. The Laguna, sometimes with shallow waters that make it look like men walk on the water, allowed small fishing ranches to be built along its length. Places that fishermen use as strategic point to build fixed nets, traps for fish and shrimp, besides being strategic point for food, rest and hiding in times of rain. With mastery and deep understanding of nature, it is easy for a fisherman to know about the weather and the tides. Embarking on their small wooden boats and using slats and small diesel engines to move, they see shoals from great distances. Entire families work together, as in the purse-seine fishery. From two to four vessels fish in pairs and the understanding of fishermen is fundamental to the success of the fishery. Between whistles and gestures all work in perfect harmony. Fishing for shoals of mullet, fish typical of Laguna, is a great challenge. The mullet when cornered jumps out of the water. These jumps have yielded good photos, but also some empty-handed fisheries. Such is life men versus nature: one day of hunting, another of the hunter. Older fishermen often recall the times of the great fishing in Laguna: “There were so many fish that it was necessary to make several boat trips to get everything out”. Today is another time. The Laguna came to be considered “dead” for some years, due to the great exploitation of its resources, predatory fishing and pollution. In recent years, much has been done for the conservation of the environment, however, there is still much to do. For many times, during this project, we saw fishermen pull their nets out of soda’s and beer’s cans, grocery bags and pet bottles for the most part. In this afternoon there were four bags full of garbage and no fish. Not surprisingly, Laguna Araruama does not have many young fishermen. It was already the time when the profession was passed from father to son. These, seeing the difficulties, end up seeking their livelihood in the city. More and more fishermen also go in search of fish. In the community, it is

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em busca de peixes. Na comunidade, é comum passar a noite em lugares distantes em busca dos pescados. Assim, chegamos a “Ponta da Farinha” onde montamos acampamento. Pescadores se reúnem em volta da fogueira, onde o trabalho também se torna lazer. No cardápio, peixe na brasa com banana, farinha de mandioca, salada de tomate e cebola. Para finalizar o bom e velho café. Fotografar esta noite foi um grande desafio. Em meio à ilha, havia apenas a luz da fogueira, algumas poucas lanternas e o flash da câmera. O improviso trouxe um toque artístico e diferenciado as páginas deste livro. Nesta e em outras ocasiões, no entanto, a fotografia dos pescadores reunidos em volta da fogueira se tornou uma das imagens preferidas da comunidade neste livro. Na volta para casa, no fim da tarde, alguns são recepcionados pelos familiares quando separam, pesam os peixes, dividem entre as famílias e doam parte aos mais necessitados da comunidade que passam por lá. O excedente é vendido e o dinheiro repartido entre todos. E com a paz e a fé de que tudo será providenciado em seu devido tempo um pescador um dia me disse: “Todos os animais da terra tremerão de medo diante de vocês: os animais selvagens, as aves do céu, as criaturas que se movem rentes ao chão e os peixes do mar; eles estão entregues em suas mãos. Tudo o que vive e se move servirá de alimento para vocês. Assim como dei a vocês os vegetais, agora dou todas as coisas” Gênesis 9:2-3 Este livro é dedicado a todos os pescadores da Laguna Araruama que me fizeram perceber o verdadeiro conceito de liberdade. Pessoas que têm o privilégio de trabalhar em seus barcos e assistir todos os dias ao nascer e ao pôr do sol em meio às belezas da Laguna. Pessoas simples, mas que me ensinaram conceitos profundos sobre a natureza e a vida. E por isso eu agradeço.

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common to spend the night in distant places in search of fish. Thus, we arrive at “Ponta da Farinha” where we set up camp. Fishermen gather around the campfire, where work also becomes leisure. In the menu, grilled fish with banana, cassava flour, tomato salad and onion. To finish the good and old coffee. Photographing tonight was a big challenge. In the middle of the island, there was only the bonfire light, a few flashlights, and the camera flash. The improvisation brought an artistic touch and differentiated the pages of this book. On this and other occasions, however, the photograph of fishermen gathered around the campfire has become one of the community’s favorite images in this book. On their way home in the late afternoon, some are welcomed by their families when they separate, weigh the fish, divide between families and donate part of the neediest community that go there. The surplus is sold and the money distributed among all. And with peace and faith that everything will be provided in due course a fisherman one day said to me: “All the animals of the earth will tremble before you: wild animals, birds of the sky, moving creatures to the ground and the fish of the sea; they are delivered into your hands. Everything that lives and moves will serve as food for you. Just as I gave you the vegetables, now I give all things.” Genesis 9: 2-3 This book is dedicated to all the fishermen of Laguna Araruama who made me realize the true concept of freedom. People who have the privilege of working on their boats and watching every day at sunrise and sunset amidst the beauties of the Lagoon. Simple people, but they taught me deep concepts about nature and life. And for this I thank.

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Ö INTRODUÇÃO

Este livro foi um sonho da Associação dos Pescadores Artesanais e Amigos da Praia da Pitória (APAAPP) do município de São Pedro da Aldeia - RJ. O nosso propósito foi mostrar nossas artes de pesca e nosso modo de vida em uma das lagoas mais singulares do mundo, com locais e paisagens únicas. Nosso regime é com base na economia familiar, onde irmãos, primos, sobrinhos fazem sua arte de viver em conjunto. Segundo Sonia de Oliveira, nossas comunidades são remanescentes da região uma das mais lutadoras para a preservação da Lagoa e das espécies de peixes. Para se ter noção, nossa Lagoa ficou totalmente poluída no final da década de 90, porém arregaçamos as mangas e viemos lutando para a recuperação da mesma, e, atualmente, sua recuperação tem sido notória tanto para pescadores, moradores e visitantes. Além disso, conseguimos instituir o período de defeso e de recrutamento, tendo em vista que a maioria dos pescados comerciais não se reproduzem na Lagoa. A Câmara Técnica de Pesca do Comitê de Bacia formado por representantes das associações, colônias de pescadores, secretarias de meio ambiente, Consórcio Ambiental Lagos São João e o IBAMARJ através de Lisia Barroso, foi possível instituir a legislação IN 02/2013 MPA/MMA. Depois das operações de fiscalização com a atual legislação ficou claro o aumento dos estoques e seu tamanho comercial, porém enfrentar as barreiras políticas e administrativas para uma fiscalização efetiva ainda está longe do cenário brasileiro, tendo em vista a falta de mão de obra qualificada, infraestrutura e vontade política. No entanto, na Lagoa de Araruama conseguimos trabalhar dois anos (2013/2014) na conscientização dos demais pescadores e moradores da importância da preservação das espécies, isso porque o Prefeito de São Pedro da Aldeia, Cláudio Chumbinho e sua ex-Secretária do Ambiente do Município Adriana Saad e o ex-Secretário de Estado do Meio Ambiente Carlos Minc fizeram bem o dever de casa. Do outro lado, o Comitê de Bacia e o Consórcio Lagos São João também foram atuantes junto aos municípios no incentivo de uma fiscalização integrada, sem contar as guardas ambientais municipais e a UPAM (Unidade de Policiamento Ambiental e Marítima RJ) que realizaram um dos melhores trabalhos já feitos na lagoa. O livro A Cultura da Pesca Artesanal: A arte da sobrevivência é a forma de expressar nossa resistência em um modo de vida registrado no olhar da fotógrafa Marê Morais, apresentando nossas artes de pesca em uma das lagoas mais lindas do mundo.

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Ö INTRODUCTION This book was a dream of the Association of Artisanal Fishermen and Friends of Praia da Pitória (APAAPP) of the municipality of São Pedro da Aldeia - RJ. Our purpose was to show our fishing gear and way of life in one of the most unique lagoons in the world, with unique locations and landscapes. Our organization is based on the family economy, where siblings, cousins, nephews make their art of living together. According to Sonia de Oliveira, our communities are remaining of the region and one of the most fighters for the preservation of the Lagoon and fish species. To be aware, our Lagoon was totally polluted in the late 90’s, but we rolled up our sleeves and struggled for recovery, and today its recovery has been well known to fishermen, residents and visitors alike. In addition, we have managed to institute the closure and recruitment period, since most commercial fish do not breed in Lagoon. The Fishing Technical Chamber of the Basin Committee formed by representatives of associations, fishermen’s colonies, environmental secretariats, Lagos São João Environmental Consortium and IBAMARJ through Lisia Barroso, it was possible to institute legislation IN 02/2013 MPA / MMA . After the inspection operations, with the current legislation, it was clear the increase in stocks and their commercial size, but facing the political and administrative barriers to effective inspection is still far from the Brazilian scenario, due to the lack of skilled labor, infrastructure and political will. However, in the Araruama Lagoon we managed to work for two years (2013/2014) in raising awareness of other fishermen and residents of the importance of preserving species, because the Mayor of São Pedro da Aldeia, Cláudio Chumbinho and his former Secretary of the Environment of the Municipality Adriana Saad and former Secretary of State for the Environment Carlos Minc did their homework well. On the other hand, the Basin Committee and the Lagos São João Consortium were also active with the municipalities in the incentive for an integrated inspection, not counting the municipal environmental guards and the UPAM (Environmental and Marine Policing Unit RJ), which have performed one of the best works ever made in the lagoon. The book The Culture of Artisanal Fishing: The art of survival is the way of expressing our resistance in a way of life registered in the look of the photographer Marê Morais, presenting our fishing gear in one of the most beautiful lagoons in the world.

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Ö PREFÁCIO

O propósito foi mostrar nossas artes de pesca, nosso modo de vida, a importância de nossa luta e sugestões em defesa da sociobiodiversidade de uma das lagoas costeiras mais singulares do mundo, com locais e paisagens únicas. A Associação de Pescadores Artesanais e Amigos da Praia da Pitória (APAAPP) concorreu ao Ponto de Cultura no Estado do Rio de Janeiro em 2009, e, de 2010 a 2013, desenvolvemos a primeira etapa da construção do Livro da Pesca da Lagoa, proposto como um dos objetivos do Ponto de Cultura. Não conseguimos terminá-lo por não haver apoiadores para o mesmo e, assim que assumi a presidência da APAAPP em 2016, reiniciamos o projeto. Em 2017, conseguimos o patrocínio da PROLAGOS, empresa responsável pelo abastecimento e tratamento de esgoto da maioria dos municípios do entorno da Lagoa, que se integrou ao diálogo com as comunidades pesqueiras através do Consórcio Ambiental Lagos São João e Comitê de Bacia do São João. A publicação deste livro significa deixar para as presentes e futuras gerações um dos mais belos acervos da atividade pesqueira da Lagoa e das complexidades biológicas deste ecossistema, bem como os diversos esforços para manter e recuperar este ambiente de fundamental importância para a região. O leitor tem ao dispor fotografias belíssimas e conteúdos técnicos sobre os aspectos ecológicos deste ecossistema, bem como proposições dos saberes tradicionais dos pescadores da APAAPP, desde quando a Lagoa era cristalina até os dias de hoje, os processos de mortandade, despoluição, recuperação ambiental, proposta de mapeamento das artes de pesca fixa com canal de navegação demarcado, diretrizes para o desenvolvimento de ações e infraestrutura necessária para o ordenamento e controle pesqueiro. O livro é poético, cultural, formador de conhecimentos, com imagens positivas sobre a pesca artesanal e semeia a importância socioambiental, cultural e econômica da Lagoa de Araruama. Seja um multiplicador da Cultura da Pesca Artesanal: a Arte da Sobrevivência, viaje neste livro e aprenda cultura e meio ambiente. Francisco da Rocha Guimarães Neto Presidente da APAAPP

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Ö PREFACE

The purpose was to show our fishing gear, our way of life, the importance of our struggle and suggestions in defense of the socio-biodiversity of one of the most unique coastal lagoons in the world with unique places and landscapes. The Association of Artisanal Fishermen and Friends of Praia da Pitória (APAAPP) competed for the Culture Point in the State of Rio de Janeiro in 2009, and from 2010 to 2013 we developed the first stage of the construction of the Lagoon Fishery Book, proposed as one of the objectives of the Culture Point. We could not finish it because there were no supporters for it, and once we took over the presidency of APAAPP in 2016, we restarted the project. In 2017, we obtained the sponsorship of PROLAGOS, a company responsible for the supply and treatment of sewage from most of the municipalities around Lagoon, which integrated with the fishing communities through the Lagos São João Consortium and the São João Basin Committee. The publication of this book means to leave for present and future generations one of the most beautiful collections of the fishing activity of the Lagoon and the biological complexities of this ecosystem, as well as the various efforts to maintain and recover this environment of fundamental importance for the region. The reader has beautiful photographs and technical contents on the ecological aspects of this ecosystem, as well as propositions of the traditional knowledge of APAAPP fishermen, from when the Lagoon was crystalline to the present day, the processes of mortality, depollution, environmental recovery, proposal of mapping of fixed fishing gears with demarcated navigation channel, guidelines for the development of actions and infrastructure required for fisheries management and control. The book is poetic, cultural, knowledge-forming, with positive images about artisanal fishing and sows the socio-environmental, cultural and economic importance of the Araruama Lagoon. Be a multiplier of Artisanal Fishing Culture: the Art of Survival, travel in this book and learn culture and environment. Francisco da Rocha Guimarães Neto President of APAAPP

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SUMÁRIO


AGRADECIMENTOS / ACKNOWLEDGMENTS.............................................................................................................8 PALAVRAS DO PATROCINADOR / SPONSOR’S WORDS......................................................................................... 10 PALAVRAS DA FOTOGRÁFA / WORDS FROM THE PHOTOGRAPHER................................................................ 12 INTRODUÇÃO / INTRODUCTION................................................................................................................................... 16 PREFÁCIO / PREFACE ...................................................................................................................................................... 18 CAPÍTULO 1 / CHARPTER 1 A LAGOA COSTEIRA ARARUAMA / THE COAST ARARUAMA LAGOON.......................................................................23

CAPÍTULO 2 / CHARPTER 2 OS PESCADORES ARTESANAIS EM SEU AMBIENTE / THE ARTISANAL FISHERMEN IN YOUR ENVIRONMENT......... 37

CAPÍTULO 3 / CHARPTER 3 IMPORTÂNCIA SOCIOECONÔMICA / SOCIOECONOMIC IMPORTANCE....................................................................................... 51

CAPÍTULO 4 / CHARPTER 4 ARTES DE PESCA / FISHING ARTS....................................................................................................................................................... 69

CAPÍTULO 5 / CHARPTER 5 O ACAMPAMENTO E A CULINÁRIA / THE CAMP AND THE COOKING.......................................................................................201

CAPÍTULO 6 / CHARPTER 6 COMUNIDADES DE PEIXES E PRODUÇÃO PESQUEIRA DA LAGOA / FISH AND PRODUCTION

COMMUNITIES POND FISHER...............................................................................................................................................................221

CAPÍTULO 7 / CHARPTER 7 RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DA LAGOA E ORDENAMENTO PESQUEIRO / ENVIRONMENTAL RECOVERY OF THE LAGOON AND FISHERIES MANAGEMENT..........................................................................................................................241



CAPÍTULO CHAPTER

1 A LAGOA COSTEIRA ARARUAMA THE COAST ARARUAMA LAGOON


A LAGOA COSTEIRA ARARUAMA THE COAST ARARUAMA LAGOON

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Apesar de os sistemas costeiros apresentarem uma grande série de processos físicos e funcionais em comum, cada um deles possui diferenças estruturais que os separam em sua essência. Desta forma, KJERFVE (1994) definiu lagoas costeiras ou sistemas lagunares como corpos de águas interiores separados do mar por barreiras de areia e conectados com o oceano por uma ou mais entradas que, no entanto, podem ser fechadas ao longo do tempo por deposição de sedimentos devido à ação das ondas e dos ventos litorâneos. A Lagoa hipersalina de Araruama, localizada a leste do estado do Rio de Janeiro, apresenta variações de salinidade entre 35’e 65’, podendo ultrapassar este valor em ocasiões de seca. A sua salinidade deve-se ao alto índice de evaporação da região devido aos fortes ventos e à baixa precipitação de chuva. Sua beleza é sem igual, considerada uma das maiores lagoas hipersalinas do mundo, em estado permanente, e chegando a medir 220 km2, com profundidade entre 0,20 m a 21 metros em locais específicos e a média gira em torno de 2 m. A Lagoa de Araruama data de cerca de 7 mil anos. Segundo COE NETO (1984), esta laguna foi formada devido às transgressões e regressões marinhas, as quais foram responsáveis pelo fechamento da Lagoa e pelo aparecimento de um sistema de pequenas lagoas e a Restinga de Massambaba, que ficam entre o mar e a Lagoa de Araruama. Although coastal systems present a large series of physical and functional processes in common, each of them has structural differences that separate them in their essence. Thus, KJERFVE (1994) defined coastal lagoons or lagoon systems as bodies of inland waters separated from the sea by sand barriers and connected to the ocean by one or more entrances which, however, can be closed over time by deposition of sediments due to the action of waves and coastal winds. The hypersaline Araruama Lagoon, located to the east of the state of Rio de Janeiro, presents salinity variations between 35’ and 65 ‘, which may exceed this value in times of drought. Its salinity is due to the high rate of evaporation of the region due to the strong winds and the low precipitation of rain. Its beauty is unique, considered one of the largest hypersaline lagoons in the world, in a permanent state, and reaching 220 km2, with a depth of between 0.20 m to 21 meters in specific places and the average turns around 2 m. The Araruama Lagoon dates back to about 7,000 years. According to COE NETO (1984), this lagoon was formed due to transgressions and marine regressions, which were responsible for the closure of the Lagoon and the appearance of a system of small lagoons and the Restinga of Massambaba, that are between the sea and the Araruama Lagoon.

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A Lagoa abriga várias espécies de aves marinhas e serve de rota migratória para outras. Enseadas paradisíacas e ilhas servem de ninhal de pássaros como garças e biguás. A cada dia, a Lagoa mostra-se de forma diferente tanto à noite como durante o dia. Os ventos podem deixá-la revolta com inúmeras manchas brancas de espuma geradas pela concentração de sal, como também em dias de bonança, onde suas águas refletem o céu e as nuvens como se fossem um grande espelho de águas. As atividades econômicas ocorrentes na Lagoa são pesca, lazer, turismo, esporte, vela, entre outras. Os impactos sofridos ao longo ano, sejam pela especulação imobiliária, despejo de esgoto, retirada de conchas e o estrangulamento dos canais de ligação com a lagoa e o mar, fizeram com que ela chegasse à sua morte entre o período dos anos de 2000 a 2003. No período de 2003 a 2014, várias ações planejadas foram realizadas como o desassoreamento dos canais, o tratamento de esgoto, a criação de instrução normativa para o ordenamento pesqueiro e a integração das guardas ambientais municipais com a polícia ambiental do Estado do RJ. Estas ações foram possíveis devido a união, discussão e planejamento entre sociedade civil, usuários, poder público e inciativa privada. A legislação pesqueira atual da Lagoa é a INI 02/2013 MPA/MMA, e, para efeito de ordenamento, a Lagoa foi dividida em 3 setores: Áreas I, II e III como pode ser visto na contracapa do livro. The Lagoon is home to several species of seabirds and serves as a migratory route to others. Paradise coves and islands serve as birds’ nests like herons and cormorants. Every day, the Lagoon shows itself differently both at night and during the day. The winds can make you angry with numerous white spots of foam generated by the concentration of salt, as well as on days of calm, where its waters reflect the sky and the clouds as if they were a great mirror of waters. The economic activities occurring in Lagoon are fishing, leisure, tourism, sport, sailing, among others. The impacts suffered over the course of the year, due to real estate speculation, the dumping of sewage, the removal of shells and the bottlenecks of the connection channels with the lagoon and the sea, led to its death between 2000 and 2003. In the period from 2003 to 2014, a number of planned actions were undertaken, such as channel dredging, sewage treatment, creation of normative instruction for fisheries management, and integration of municipal environmental guards with environmental police in the State of Rio de Janeiro. These actions were possible due to the union, discussion and planning between civil society, users, public power and private initiative. The current fishing legislation of Lagoon is the INI 02/2013 MPA / MMA, and, for planning purposes, the Lagoon was divided into 3 sectors: Areas I, II and III as can be seen on the back cover of the book.

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Ö

Nascer do Sol na ponta do Alcaíra (Arubinha)

Ö Sunrise on the tip

of the Alcaíra (Arubinha)


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Ă– Salinas Ponta do Costa

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CAPÍTULO CHAPTER

2 OS PESCADORES ARTESANAIS EM SEU AMBIENTE THE ARTISANAL FISHERMEN IN YOUR ENVIRONMENT


OS PESCADORES ARTESANAIS EM SEU AMBIENTE THE ARTISANAL FISHERMEN IN YOUR ENVIRONMENT

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Ao longo de centenas de milhares de anos, homens e mulheres utilizaram e continuam a utilizar os recursos naturais dos ambientes aquáticos, desenvolvendo petrechos de pesca como arpões, anzóis, flechas, currais, redes de emalhar, de arrasto manual, tarrafas, covos e outros que o ambiente pode oferecer. A sobrevivência destas populações remete a um conhecimento mais apurado dos ecossistemas onde vivem. Para Cunha & Rougeulle (1989), os arranjos produtivos que se desenvolvem na pesca artesanal se caracterizam menos por uma ação transformadora da natureza “stricto sensu”, e mais por mecanismos adaptativos desenvolvidos ao longo do tempo, principalmente em relação a um conhecimento profundo dos ecossistemas aos quais fazem parte. “O saber pescar é algo que se produz e se acumula culturalmente no exercício da ‘profissão’ e se recria, continuamente, a partir do domínio e dos imperativos colocados pela especificidade do ambiente marinho, que se apresenta como cíclico, móvel e imprevisível, ou seja, a apropriação do mar e de seus recursos implica a detenção de todo um código do saber-fazer que se constrói e se ritualiza no mar, através da tradição, aprendizagem, experiência e intuição. Isso quer dizer que a apropriação desse espaço é, simultaneamente, um ato produtivo e cultural” (CUNHA, 1989:23).

Over hundreds of thousands of years, men and women have used and continue to use the natural resources of aquatic environments, developing fishing tools such as harpoons, hooks, arrows, corrals, gillnets, hand trawls, casting net, creels and other that the environment can offer. The survival of these populations leads to a better understanding of the ecosystems in which they live. According to Cunha & Rougeulle (1989), the productive arrangements developed in artisanal fisheries are less characterized by a transforming action of nature “stricto sensu”, and more by adaptive mechanisms developed over time, especially in relation to a deep knowledge of the ecosystems to which they belong. “Knowing how to fish is something that is produced and accumulated culturally in the exercise of the ‘profession’ and is continually recreated from the domain and imperatives posed by the specificity of the marine environment, which presents itself as cyclical, mobile and unpredictable, that is, the appropriation of the sea and its resources implies the detention of a whole code of know-how that is constructed and ritualized at sea through tradition, learning, experience and intuition. This means that the appropriation of this space is simultaneously a productive and cultural act” (CUNHA, 1989: 23).

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“Ao analisar as teorias da utilidade objetiva da natureza, critica os estudos naturalistas centrados na lógica das relações meios-fins (razão prática) onde o saber material substancializado na forma cultural é a sobrevivência de determinada população ou de sua ordem social” (SAHLINS, 2003). A Lagoa de Araruama era o terreiro dos tupis nambas, pescadores “a val” (pescadores sem embarcação), onde suas armadilhas eram constituídas por pedras, madeiras, fibras naturais como tucuns, covos, arpões, arco e flechas. Atualmente, os remanescentes pescadores artesanais continuam com as armadilhas, porém mais sofisticadas. As canoas de madeira a remo e a vela vindas de outros municípios do sul do estado do RJ, com redes de emalhar atualmente de monofilamento com barco a motor, abriram margem para um horizonte promissor de produção na pesca artesanal da Lagoa. No entanto, por outro lado, favoreceram ao descontrole do setor, que acabou por contribuir para a diminuição significativa dos recursos pesqueiros da Lagoa. Ainda nos anos 80, eram poucas as parceiradas de pesca de cerco (pesca de duas a quatro canoas) na Lagoa. Poderia contar nos dedos as comunidades de pesca de “lanço” (cerco de emalhar).

“In analyzing the theories of the objective utility of nature, he criticizes naturalistic studies centered on the logic of the means-ends (practical reason) relations where material knowledge substantiated in cultural form is the survival of a given population or its social order” (SAHLINS, 2003). The Araruama Lagoon was the Tupi Nambas territory, the “val” fishermen (fishermen without boat), where their traps consisted of stones, wood, natural fibers such as “tucuns”, creels, harpoons, bows and arrows. Nowadays, the remaining artisanal fishermen continue with the traps, but more sophisticated. Rowing canoes and sailing from other municipalities in the south of the state of Rio de Janeiro, with currently monofilament gillnets with motorboats, have opened the way for a promising horizon of production in artisanal fishing in Lagoon. However, on the other hand, they favored the lack of control of the sector, which eventually contributed to the significant reduction of the fishing resources of Lagoon. Still in the 1980s, there were few slave fishing partners (fishing for two to four canoes) in the Lagoon. I could count on the fingers of the fishing communities of “haul” (purse seine).]

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Na Praia da Pitória cerca de 30 anos atrás eram duas parceiradas de duas canoas, no bairro Praia da Baleia cerca seis de duas, nem uma parceirada nos municípios de Iguaba e Araruama; a não ser a pesca de troia de peixe, na Iguaba pelo saudoso Mario de Bento, o qual tive a oportunidade de vê-lo em ação como meu proeiro com 85 anos. Eu não aguentava com a tamanha disposição desse homem remando. Somando todas parcerias juntas, daria aproximadamente 30 embarcações e, atualmente, temos cerca de 200 embarcações. A pesca com armadilhas como ganchos de peixes e de camarão e redes de correntezas são as artes de pesca fixa, distribuídas nas áreas da Lagoa. Os ganchos de peixes ficam localizados na área 2, área intermediária da Lagoa. A nossa vida se constitui não somente da questão da sobrevivência econômica, mas também em um modo de vida que exala a juventude na conquista do dia a dia. É mais do que reprodução social e cultural; trata-se de uma conexão com toda vida, mesmo tendo os enfrentamentos de se manter acordado durante a noite, do sol escaldante durante o dia ou nas grandes tempestades, mas também “pegar uma boa quadra” (noite de bonança) e “dar um lanço” (realizar o cerco de emalhar) “cheio de tainha” superam todas dificuldades.

In Praia de Pitória about 30 years ago were two partners of two canoes, in the whale about six of two, nor a partner in the municipalities of Iguaba and Araruama; other than the fish-trout fishery, in Iguaba by the late Mario de Bento, who had the opportunity to see him in action as my 85-yearold progener. I could not stand the man’s disposition. Adding all the partnerships together, it would give approximately 30 vessels and currently we have about 200 vessels. The fishing with traps such as shrimp and fish hooks and current nets are the fixed fishing gear distributed in the Lagoon areas. The fish hooks are located in area 2, the intermediate area of ​​the Lagoon. Our life is not only the question of economic survival, but also a way of life that exudes youth in the conquest of everyday life. It is more than social and cultural reproduction; it is a connection with all life, even if you have the clashes of staying awake at night, the scorching sun during the day or in the great storms, but also “pegar uma boa quadra” (night of bonanza) and “dar um lanço” (carry out the gill-encirclement)” full of mullets “overcome all difficulties. On both full-moon and dark-nights, we can see life in a different way, by constantly architecting the next steps in the development of our actions and the relationship with our “companhas” (crew).

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Tanto nas noites de lua cheia como nas noites escuras, podemos enxergar a vida de forma diferente, arquitetando a todo momento os próximos passos de desenvolvimento de nossas ações e o relacionamento com nossas companhas (tripulação). “As comunidades marítimas se constituem pela prática dos pescadores em um ambiente marcado pelo perigo, risco, mobilidade e mudanças físicas. Mais do que em nenhuma outra profissão, a tomada de decisão de lançar uma rede, por exemplo, está sujeita à avaliação de uma série de fatores naturais que vão desde a posição da lua e sua influência nas marés até os hábitos migratórios do pescado na procura de seu alimento” (DIEGUES, 1983:97). A arte da sobrevivência na pesca artesanal está no comportamento do ser humano em desenvolver métodos de captura no ambiente, ou seja, sem precisar de escola ou faculdade para que se possa trabalhar e se manter como cidadão, já que na pesca os meios de estudo são a observação e a construção mental da armadilha que se necessita para captura do pescado. “Através do conhecimento que o pescador tem da natureza que explora para sobreviver e do seu trabalho no mar, o homem se apropria, de determinadas maneiras, dos ambientes produtivos e do mundo em que vive. Essa apropriação se realiza no processo de trabalho e o ultrapassa, pois inspira também modos de ser e de estabelecer relações sociais, de constituir família, de organizar o trabalho” (MALDONADO, 1986:7).

“The maritime communities are constituted by the practice of fishermen in an environment marked by danger, risk, mobility and physical changes. More than in any other profession, decision-making to launch a net, for example, is subject to the evaluation of a number of natural factors ranging from the position of the moon and its influence on the tides to the migratory habits of the fish in demand of their food “(DIEGUES, 1983: 97). The art of survival in artisanal fishing is in the behavior of humans in developing methods of capture in the environment, that is, without need school or college so that one can work and remain a citizen, since in fishing the means of study are observation and mental construction of the trap needed to catch the fish. “Through the fisherman’s knowledge of the nature he exploits to survive and his work at sea, man appropriates, in certain ways, the productive environments and the world in which he lives. This appropriation takes place in the work process and surpasses it, since it also inspires ways of being and of establishing social relations, of constituting a family, of organizing work “(MALDONADO, 1986: 7).

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Segundo Cunha (1987), “ao entrelaçar água, terra e céu como seus domínios de vida, os pescadores artesanais revelam possuir uma noção tridimensional do espaço, ao contrário da noção espacial urbana que se manifesta homogênea e horizontalizada”. “... os pescadores artesanais se identificam como um grupo possuidor de uma profissão. ‘Eu vivo da minha profissão de pescador’ não significa somente a dependência exclusiva dos produtos da pesca, mas também participar de um grupo que domina os segredos do mar, como se locomover nele, como identificar as diversas espécies de pescado, seus hábitos migratórios, etc. O que caracteriza o pescador artesanal não é somente o viver da pesca, mas é, sobretudo, a apropriação real dos meios de produção; o controle do como pescar e do que pescar, em suma, o controle da arte da pesca” (DIEGUES, 1983:197). “... não somente o conjunto das relações entre os homens em seu relacionamento com um ambiente determinado utilizando determinada tecnologia, mas também a relação que eles estabelecem entre si, produtores e não produtores, para a apropriação e o controle dos meios de produção e dos produtos do trabalho” (GODELIER, 1973 apud PESSANHA, 2003:17).

According to Cunha (1987), “by interweaving water, earth and sky as their domains of life, artisanal fishermen reveal to possess a three-dimensional notion of space, contrary to the urban spatial notion that manifests homogeneous and horizontal.” “... artisanal fishermen identify themselves as a group possessing a profession. ‘I live from my profession of fisherman’ does not only mean the exclusive dependence on fishery products, but also participate in a group that dominates the secrets of the sea, how to get around in it, how to identify the different species of fish, their migratory habits, etc. What characterizes the artisanal fisherman is not only the living of fishing, but is, above all, the real appropriation of the means of production; The control of how to fish and what to fish, in short, the control of the art of fishing “(DIEGUES, 1983: 197). “... not only the set of relations between men in their relationship with a given environment using a particular technology, but also the relationship they establish between themselves, producers and non-producers, for the appropriation and control of the means of production and of the products of the work” (GODELIER, 1973 apud PESSANHA, 2003: 17) .

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LA

LAGOA DE ARARUAMA / ARARUAMA LAGOON Localização: a leste do Rio de Janeiro 220 km², 636 milhões de m³ de água Salinidade: 35’ e 65’ Profundidade: entre 0,5 e 5 m Data: de 7 mil anos Atividades econômicas diretas: pesca, turismo, extrativismo do sal Atividades econômicas indiretas: setor imobiliário e saneamento Location: East of Rio de Janeiro 220 km², 636 million m³ of water Salinity: 35’ and 65’ Depth: between 0.5 m and 5 m Date: 7 thousand years Direct economic activities: fishing, tourism, salt extractivism Indirect economic activities: real estate and sanitation PRINCIPAIS ESPÉCIES DE PEIXES COMERCIAIS CAPTURADAS NA LAGOA DE ARARUAMA MAIN SPECIES OF COMMERCIAL FISH CAPTURED IN ARARUAMA LAGOON 1%

3%

7% TAINHA CARAPEBA PERUMBEBA SAUBA

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Espécies de maior ocorrência pescada na Lagoa de Araruama Species of highest occurrence fished in the Araruama Lagoon

DIVISÃO DA LAGOA DE ARARUAMA POR ÁREAS DE ACORDO COM A SALINIDADE DIVISION OF ARARUAMA LAGOON BY AREAS ACCORDING TO SALINITY

CARAPICU

Eucinostomus argenteus

PERUMPEBA Pogonias cromis

TAINHA Mugil liza

CARAPEBA Eugerres brasilianus

SARDINHA Opistonema oglinum

SAUBA Mugil curema

BICUDA Hemirramphus brasiliensis

UBARANA Elops saurus

LEGENDA ÁREA 1 S = 37

ÁREA 2 S = 48

ÁREA 2 S = 48

Pontos de coleta

Redes de pesca

Collection points

Fishing nets

PONTOS DE COLETA COLLECTION POINTS 01 - Anzol 02 - Araruama 03 - Ponta das coroinhas 04 - Castelinho 05 - Ponto da Alcaira 06 - Ponta da Farinha 07 - Ponta da Massambada 08 - Fundinho 09 - Evaristo

10 - Ponta dos Ferreiras 11 - Ponta dos Cardeiros 12 - Roberto Marinho 13 - Marnel Alcalis 14 - Boqueirão 15 - Perinas 16 - Canal Palmer 17 - Canal de Itajaru


PATROCINADOR

ORGANIZADOR

APOIO

Associação dos Pescadores Artesanais e Amigos da Praia da Pitoria (APAAPP) CONFREM BRASIL



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