Caderno 1 - ANDES-SN - 2.ed. - 1988

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CADERNOS DA ANDES

N9 1 2- Edição

Os Trabalhos aqui publicados podem ser reproduzidos total ou parcialmente, por associações de docentes e professores, desde que citada a fonte.

ANDES - Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior Sede: Caixa Postal 384 - São Carlos - SP - CEP 13560

JUIZ DE FORA JANEIRO/88


Apresentação

A reedição do Caderno ng 01 da ANDES, no formato editorial adotado para os exemplares subsequentes, recupera um pedaço importante da história da ANDES. Os textos que compuseram O primeiro número dos Cadernos, publicado pela primeira vez em 1981, em pleno período da ditadura, continuam abalizadíssimos, dado que a política educacional do governo da chamada "Nova República" nào faz outra coisa senão aprofundar com linguagem moderna, a mesma política de privatização e descompromisso do Estado em relação à educação. Como toda boa publicação, esta 2- edição também está atualizada. Os textos agregados, que dizem respeito justamente à fase mais recente da política privatizante do governo, foram elaborados por professores que fazem parte do movimento docente e contêm análises sobre o conteúdo dos documentos e ações produzidos pela tecnocracia do MEC a partir da gestão do Ministro Marco Maciel, primeiro Ministro da Educação da Nova República. Com esta 2- edição atualizada esperamos continuar contribuindo para o grande debate nacional da educação superior e os rumos para sua reestruturação.

São Carlos - Janeiro/88 Newton Lima Neto


ÍNDICE Pág. • A N D E S - Breve História

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- Carlos E d u a r d o Baldijão • Fundações, A u t a r q u i a s e Reforma A d m i n i s t r a t i v a - Renato Ortiz

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• Universidades Fundações - D a l m o de A b r e u Dallari

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• A Estrutura do Poder das Fundações Universitárias Federais: o caso de São Carlos - W o l f g a n g Leo Maar

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• Parecer Ferraz e o Ensino Pago - E d m u n d o F e r n a n d e s Dias

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• 0 l o n g o C a m i n h o da Privatização - L a u r i n d o L e a l Filho

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• Considerações sobre D o c u m e n t o Endereçado aos Dirigentes de Instituições de Ensino Superior pelo Secretário de Ensino Superior do M.E.C. e m 08/03/81 - G T s o b r e P o l í t i c a E d u c a c i o n a l da A N D E S - G T s o b r e E d u c a ç ã o da A P R O P U C - S P

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• Política Educacional: Falsas Prioridades e a Universidade Democrática -ADUFRGS

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• A Propósito da Reforma Universitária

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- Neidson Rodrigues • Gênese das Propostas - M a r i a José Féres Ribeiro

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• O Reino do faz-de-conta ou p o r q u e sou contra o Projeto GERES

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- P a u l o Rosas • Contribuição à Análise do Relatório do GERES - Marco Antonio Nascimento Pereira

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• Democracia ou Controle da Universidade? - M í r i a m Limoeiro Cardoso

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• O M o v i m e n t o Docente e a GRIPE - Newton Lima Neto

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ANDES BREVE HISTÓRIA A A N D E S é hoje u m a realidade. Implantada nas bases d o m o v i m e n t o de d o centes, a nível nacional, é reconhecida por todos, inclusive o MEC, c o m o legítima e única interlocutora dos professores universitários de t o d o o país. A trajetória de criação da entidade f o i u m longo c a m i n h o percorrido e m quase cinco anos de organização na luta e s e m p r e pautado pela preocupação de, a cada m o m e n t o , propor a f o r m a de luta e de organização adequada à realidade d o m o v i mento. As Associações de Docentes d o ensino superior c o m e ç a r a m a ser construídas no bojo do processo que se c o n v e n c i o n o u chamar de "rearticulação da sociedade civ i l " e m u m período de crise econômica e política do regime autoritário. Em julho de 1978, convocados por u m cartaz colocado pela A D U S P na secretaria da 30 3 Reunião da SBPC, dezessete ADs de vários estados r e u n i r a m - s e pela primeira vez. A l é m de u m balanço d o m o v i m e n t o então existente, p r o p ô s - s e a realização do I Encontro Nacional de Associações Docentes. Discutiu-se acaloradamente o caráter de u m Encontro Nacional e sua representatividade. Decidiram que estes encontros deveriam ser abertos a participação de qualquer docente, c o m direito a voz e que a votação seria por entidade, g a r a n t i n d o - s e assim a participação a m p l a e a representatividade das ADs. Decidiu-se t a m b é m respeitar sempre a a u t o n o m i a de cada A D , dando-se caráter consultivo ao e n c o n t r o , cujas decisões d e v e r i a m ser ratificadas pelas bases. Assim, realizou-se o I Encontro Nacional de Associações Docentes (ENAD) e m São Paulo, no mês de fevereiro de 1979, cuja pauta contemplava as principais bandeiras que iriam nortear a luta dos docentes universitários: 1) Ensino Público e Gratuito; 2) Democratização da Universidade; 3) Questões trabalhistas e salariais; 4) Controle Ideológico nas Universidades. 7


Em j u l h o do m e s m o ano, novamente durante Reunião da SBPC, e m Fortaleza, as ADs reuniram-se e m simpósio proposto pela A D U S P à SBPC. Nesta ocasião, tom o u - s e u m a iniciativa i m p o r t a n t e : a criação de u m a Coordenação Nacional, distribuindo-se responsabilidades por diferentes regiões d o país (norte, nordeste, centroeste, etc.) c o m a finalidade de facilitar o contato entre as ADs. M a r c o u - s e nesta reunião u m Encontro Extraordinário e m Salvador para o mês de setembro. Neste E N A D extraordinário discutiu-se mais objetivamente o e n c a m i n h a m e n t o de campanhas salariais a nível nacional, tanto para Universidades públicas, c o m o para as particulares. Aliás, pela primeira vez as Universidades privadas se r e ú n e m e levantam propostas contendo alguns pontos básicos, que incluem: 1. Campanha Nacional para a criação de ADs e m Universidades e Escolas Isoladas; 2. Campanha Nacional de Sindicalização dos professores universitários; 3. Luta pela democratização das decisões da Universidade, c o m a participação das ADs nos órgãos colegiados; 4. Unificação nacional da data base (1 9 de abril) das convenções coletivas de trabalho, contendo alguns pontos m í n i m o s c o m o a estabilidade durante u m ano (fevereiro a março), instituição do c o n t r a t o de trabalho c o m t e m p o reservado à pesquisa, preparapão de aulas, correção de provas, etc., carreira docente e outros. As Universidades Públicas, na maioria Federais Autárquicas, discutem t a m b é m questões trabalhistas, manifestando-se pela absorção d o professor-colaborador e do horista no quadro funcional. Não a d m i t e m a existência d o horista sob n e n h u m a hipótese e definem as condições especiais e m que se configura a necessidade de contratação do professor-colaborador. A plenária final p r o p õ e a intensificação das lutas salariais e trabalhistas, unificando estas campanhas através de u m Dia Nacional de Reivindicações Salariais, Trabalhistas e de Carreira nas Instituições de Ensino Superior. Este foi marcado para o dia 26 de setembro de 1979, no qual, nos locais o n d e fosse possível, deveriam ocorrer paralisações. Foi o início da organização do m o v i m e n t o essencialmente vitorioso das instituições federais no f i m de 1980. A l é m de ratificar as decisões do I E N A D , aprova-se a pauta para o II E N A D , a ser realizado e m João Pessoa: 1. Perspectivas da Universidade Brasileira (verbas, estrutura de poder, relações com a sociedade) 2. Questões trabalhistas e salariais (Campanha salarial de 1980) 3. Formas de organização das A D s a nível nacional 4. Formas de ação e m relação à Política Educacional. Em essência, esta pauta não difere das anteriores. Permanecem as preocupações levantadas desde a primeira reunião e m j u l h o de 1978. Desde então, o m o v i m e n t o de docentes vinha crescendo. Foram criadas várias A D s p o r t o d o o país, elaborou-se o Livro Negro da USP e t a m b é m da UFRGS, travaram-se lutas e m várias Universidades, salientando-se, no período, a greve das Universidades Estaduais de São Paulo, e m conjunto c o m t o d o o funcionalismo. No entanto, apesar das campanhas conduzidas pelas diversas A D s e das declarações do g o v e r n o de dissolução das ASI (assessoria de segurança), a triagem ideológica continuava. O n ú m e r o de professores d e m i t i d o s por t o d o o país, por participarem ativamente nas ADs é assombroso, principalmente nas IES particulares (cerca de 300 em 1979, segundo o levantamento efetuado d u r a n t e o II ENAD). A democratização da Universidade acompanhava o processo de abertura... Diante d o q u a d r o , as ADs reunidas e m João Pessoa, d e m o n s t r a m u m a disposição de fazer avançar, e m termos nacionais, os diversos pontos amadurecidos e m reuniões anteriores. 8


A s s i m , são aprovados diversos pontos relativos ao Ensino Público e Gratuito, à carreira docente e às questões salariais. Estabeleceu-se o dia 17 de abril de 1980 como Dia Nacional de Luta pelo Reajuste Salarial, quando dever-se-ia discutir a possibilidade de u m a greve nacional. As Instituições de ensino privado r e a f i r m a m as propostas aprovadas no encontro de Salvador e avançam e m algumas questões, c o m o a dotação de verbas públicas para o ensino privado. Consideram que estas verbas v ê m atender mais aos interesses dos proprietários das instituições e menos ao ensino, q u e as verbas já conced i d a s d e v e m ser aplicadas estritamente na melhoria d o ensino e de melhores salários e que sua utilização seja fiscalizada pela C o m u n i d a d e Acadêmica. Propõe ainda que, e m u m E N A D extraordinário durante a SBPC de 1980, se discuta a política de concessão de verbas para as IES privadas, bem c o m o o processo de sua desprivatização dentro do princípio de que o ensino deve ser público e gratuito e m todos os níveis. C o m relação à Organização Nacional das Associações de Docentes, discutiu-se p r o f u n d a e acaloradamente sobre a necessidade de uma direção nacional. Em p r i m e i r o lugar, considerou-se i m p r ó p r i a e anti-democrática uma decisão neste encontro a respeito da criação de u m a entidade nacional. No entanto, sentiu-se a necessidade da existência de u m a direção a este nível, que por diversas razões, a Coordenação Nacional se via impossibilitada de exercer. A Coordenação Nacional havia sido criada c o m o alternativa à u m a Direção Nacional, pois na época (julho de 1979), considerava-se precipitada qualquer decisão diferente, pois corria-se o risco de se criar apenas u m a sigla, sem dar-se u m salto qualitativo no m o v i m e n t o das ADs. Por o u t r o lado, a criação de u m a Coordenação poderia servir de experiência para det e r m i n a r - s e f u t u r a m e n t e sobre a m e l h o r f o r m a de organizar-se u m a direção nacional. Decidiu-se pela manutenção e fortalecimento da Coordenação, aprofundandose a discussão nas Assembléias das ADs sobre a m e l h o r f o r m a de organização a nível nacional. A proposta aprovada continha, entre outros, os seguintes pontos: 1. Discutir, nas Assembléias Gerais a serem realizadas nas várias ADs para enc a m i n h a m e n t o das campanhas de 1980, as alternativas de organização a nível nacional. 2. Convocar u m a reunião extraordinária das ADs para a p r ó x i m a reunião da SBPC (Rio de Janeiro) para deliberar sobre: 2.1. A conveniência de criação de u m a Entidade Nacional, seu caráter e sua forma de criação. Assim, mais u m a vez, o m o v i m e n t o de docentes respeita sua dinâmica e avança de m o d o seguro. No Rio de Janeiro aprova-se a convocação de u m Congresso Nacional de Docentes d o Ensino Superior, c o m delegados eleitos em Assembléias, a realizar-se em fevereiro de 1981, e m Campinas. Este Congresso, c o m a presença de cerca de 70 ADs e 300 delegados, cria a A N D E S e elege sua diretoria provisória, após u m vitorioso m o v i m e n t o das autarquias federais no fim de 1980, que evidencia não apenas a necessidade de u m a direção nacional, mas t a m b é m sua viabilidade. O M O V I M E N T O DOS DOCENTES E A POLÍTICA

EDUCACIONAL

E i m p o r t a n t e salientar que as pautas discutidas desde o p r i m e i r o encontro em São Paulo, ainda hoje c o n t i n u a m atuais. Já naquela ocasião, revelava a disposição dos docentes, reunidos e m t o r n o de suas associações, de lutar globalmente contra uma situação que castrava a atividade criadora na Universidade. Desde 1964, mas sobretudo a partir de 1968, o regime militar vinha desenvolvendo u m a política educacional responsável pelas péssimas condições de trabalho nas Universidades e contra a qual

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os docentes o r g a n i z a m sua luta. Esta política educacional pode ser resumida e m três aspectos: a) Privatização da Educação; b) Estrutura autoritária na Universidade e c) Deterioração das condições de t r a b a l h o . a) P r i v a t i z a ç ã o d a educação: A partir de 1964, o governo inicia u m a política global de transferência de u m a série de serviços públicos, c o m o a Educação e a Saúde, para a mão de particulares. Essa política de desobrigação do Estado acarretou u m a imensa proliferação de instituições particulares de ensino, calcada e m moldes puramente empresariais, onde a Educação é encarada apenas c o m o investimento e a finalidade única é o lucro fácil. A qualidade d o ensino m i n i s t r a d o nestas instituições é absolutamente lamentável e a pesquisa inexistente. b) E s t r u t u r a A u t o r i t á r i a : Para m e l h o r adequar a Universidade às tarefas a ela atribuídas pela política econômica, o g o v e r n o implantou, a partir de 1969, uma reforma universitária de cunho p r o f u n d a m e n t e autoritário. Os cargos de direção da Universidade são ocupados por propostas do g o v e r n o e a com u n i d a d e universitária não t e m o m í n i m o poder de decisão. Nas " i n s t i t u i ç õ e s " privadas de ensino, o quadro é ainda pior, já que os p r o fessores, sem n e n h u m a segurança no e m p r e g o , ficam sujeitos ao arbítrio dos patrões. Já são i n ú m e r o s os docentes que f o r a m sumariamente despedidos, quer por razões ideológicas, quer por tentarem organizar ADs e m seus locais de trabalho. c) D e t e r i o r a ç ã o d a s c o n d i ç õ e s d e t r a b a l h o : Os professores, c o m o os demais trabalhadores, t a m b é m f o r a m vítimas do p r o f u n d o arrocho salarial que foi u m dos esteios da política econômica do governo durante todos esses anos. Esta situação obviamente é mais crítica para os professores das escolas privadas onde, além do problema da estabilidade, não possuem nem carreira docente^ n e m atividade de pesquisa. A partir do exposto, fica claro porque t o m a r a m corpo as lutas e m defesa d o ensino p ú b l i c o e g r a t u i t o , por u m a universidade democrática e por melhores condições de t r a b a l h o e salário. Fica claro t a m b é m que existe no Brasil uma problemática geral relativa à Educação, que atinge indistintamente, e m b o r a diferenciadamente, t o das as instituições de ensino superior. E por isto que o m o v i m e n t o de docentes pode ser unitário a nível nacional, c o m o a própria experiência tem demonstrado. Indiscutível papel na construção dessa unidade nacional foi exercida pelos ENADs. Conseguiu-se articular m o v i m e n t o s nacionais sobre diversas reivindicações, b e m c o m o foi possível ter-se u m q u a d r o nacional da situação dos docentes e c o m p r e e n d e r - s e as especificidades regionais e setoriais. Surge a compreensão da necessidade de luta, a nível nacional, das autarquias federais, que iniciam seu m o v i m e n t o e m set e m b r o de 1979 e que culmina c o m a greve essencialmente vitoriosa do final de 1980. M u i t a s vezes articulado em cima de questões específicas, outras vezes sobre questões gerais, o m o v i m e n t o cresceu. Fez-se então necessária uma articulação a nível nacional, s o l i d a m e n t e implantada nas bases. A Coordenação Nacional de ADs, criada e m j u l h o de 1979, já não era mais capaz de responder ao crescimento da organização d o s docentes, nem ao nível das lutas já existentes. Surge, então, a necessidade da criação de u m a entidade nacional, representativa, com u m a organização interna democrática e f i r m e m e n t e implantada nas bases do m o v i m e n t o , para fazer avançar o m o v i m e n t o de docentes e potencializar as condições de contribuir para a construção de u m a Universidade essencialmente democrática, e c o m suas atividades de ensino voltadas para o interesse da maioria da população brasileira. A grande diversidade de instituições de ensino superior no Brasil trouxe pro10


blemas de natureza diversa para o m o v i m e n t o de docentes. À separação entre as IES públicas e privadas, s o m a m - s e as distinções entre autarquias e fundações federais, entre autarquias federais, estaduais e municipais. Dentre as particulares, m a n i f e s t a m se situações específicas entre as chamadas confessionais e as demais particulares. Cada u m destes setores t e m seus p r o b l e m a s específicos, desde a ausência total de carreira docente à incerteza no e m p r e g o e sobrecarga de t r a b a l h o nas IES particulares, c o m o a ingerência direta d o g o v e r n o nas Universidades Públicas, a nomeação de reitores das IES fundações e o absurdo das listas sêxtuplas. Este quadro, aparentemente desconexo, apresenta u m a coerência clara, quand o focalizado através da política educacional do g o v e r n o , em curso nos ú l t i m o s 17 anos. Esta política educacional t e m levado de m o d o intencional a u m a constante deterioração d o ensino, para responder às necessidades do m o d e l o de d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o vigente. Reflexo desta política se dá de m o d o acentuado, pelo a v i l t a m e n t o salarial e profissional, pela não obrigação do c u m p r i m e n t o de acordos salariais e pela perseguição política. A nível das IES públicas, pelo corte de verbas, baixos salários, t r i a g e m ideológica e autoritarismo. Desta f o r m a , a aparente diversidade de questões específicas encontra seus p o n t o s c o m u n s na luta pelo Ensino Público e Gratuito, na luta pela democratização da Universidade e do ensino, pela carreira docente, por m e l h o r e s salários, t e n d o c o m o pano de f u n d o a luta contra a política educacional d o g o v e r n o . E m uma" perspectiva mais ampla, professores universitários inserem-se nas lutas gerais das demais categorias de trabalhadores por u m a sociedade mais justa e democrática. Assim, a criação de uma entidade nacional - A N D E S - foi u m passo f u n damental para que o m o v i m e n t o de docentes continuasse avançando de m o d o unitário. Hoje, a A N D E S ocupa espaço nas lutas democráticas d o país, e mais que isto, está presente e m cada local de trabalho o n d e haja u m a associação de docentes, sendo u m a garantia de continuidade e fortalecimento do m o v i m e n t o a nível nacional, i m p e d i n d o que medidas divisionistas v e n h a m do g o v e r n o ou das m a n t e n e d o r a s e enfraqueçam o poder de luta dos professores. CARLOS E D U A R D O B A L D I J À O Vice-Presídente Regional São Paulo - 1981 - A N D E S

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FUNDAÇÕES. AUTARQUIAS E REFORMA ADMINISTRATIVA

Recentemente, o Ministro L u d w i g anunciou u m a mudança na política d o MEC e m relação às Universidades Federais Autárquicas. O p r o j e t o de t r a n s f o r m a ç ã o dessas universidades e m Fundações cedeu assim lugar a u m a r e f o r m a gerencial, c o m o se entre essas duas propostas houvesse u m a descontinuidade que as separassem u m a da outra. Por que esta mudança entre duas políticas apresentadas p e l o M E C c o m o distintas? Mas, t a m b é m , por que a insistência, d u r a n t e o p r i m e i r o semestre de 81, e m se implantar u m projeto de Fundação j u n t o às escolas federais autárquicas? Gostaria, neste artigo, de desenvolver u m pouco c o m o se articula a lógica do G o v e r n o e m relação à universidade e procurar discutir c o m o se inserem, d e n t r o da perspectiva governamental, as medidas aplicadas à educação. Durante o segundo semestre de 1980, as Universidades Federais Autárquicas se v i r a m diante de u m a discussão lançada pelo MEC e m t o r n o de três propostas que se t o r n a r a m conhecidas c o m o "pacote Portela": a t r a n s f o r m a ç ã o das autarquias e m autarquias d e regime especial, a elaboração de u m a nova carreira d e magistério, o projeto de escolha de dirigentes. Durante os debates, u m a interpretação corrente era que haveria u m processo de liberização d o M E C , a p o n t o d o p r ó p r i o m i n i s t r o ter t o m a d o a iniciativa de consultar democraticamente as universidades. Os acontecimentos posteriores indicaram u m a interpretação diferente para o fato. Na verdade, e a greve das Federais Autárquicas assim o d e m o n s t r o u , o m i n i s t r o Portela representava o elo fraco da equipe governamental. O q u e se buscava, na realidade, c o m a discussão d o pacote era o apoio da c o m u n i d a d e acadêmica a u m a política que o p r ó p r i o Ministério encontrava dificuldade e m implantar. Significativamente as discussões se desenvolv e r a m no mês de setembro de 1980 q u a n d o se percebeu, claramente, q u e os impasses colocados pela S E P L A N , DASP e Casa Civil, apresentavam-se c o m o instransponíveis. No que se refere ao projeto de transformação das autarquias e m autarquias de regime especial, já existia u m parecer negativo da Casa Civil, datado de j u n h o de 79. A res12


posta d o Ministro Golbery d o Couto e Silva é particularmente interessante: rejeitando a proposta do MEC, ele apresentava, explicitamente, uma nova recomendação t r a n s f o r m a r as autarquias e m Fundações. A o assumir o ministério, L u d w i g pretendia simplesmente dar c o n t i n u i d a d e a u m a política que já se encontrava esboçada no interior d o Governo: Golbery - L u d w i g - militares - SNI. Os t e r m o s se alinham. C o m o não .pensar n u m a aproximação c o m a ideologia da segurança nacional? No entanto, ao se consultar os d o c u m e n t o s relativos ao acordo M E C - U S A I D , deparamos com u m elem e n t o dispare. O acordo preparado e m conjunto c o m o g o v e r n o americano e sob a égide d o pensamento autoritário, é claro a respeito d o item que nos interessa: as Universidades Federais Autárquicas não d e v e m ser transformadas em Fundações. Gostaria de partir desta aparente contradição para compreender m e l h o r a política relativa ao ensino superior nas Universidades Federais Autárquicas. Os a r g u m e n t o s utilizados pelas autoridades governamentais em 1968 podem ser resumidos através da passagem relativa ao capítulo " F u n d a ç ã o " d o documento MEC-USAID: " P o d e - s e afirmar que o Poder Público, criando autarquias, as sociedades de economia mista, as empresas estatais, e as Fundações, fica, pouco a pouco, à mercê das entidades que criou, tal o seu crescimento, tal a força de suas decisões, tal o v o l u m e do seu capital, tal o v u l t o dos seus o r ç a m e n t o s , tal o campo de sua atuação, t u d o aos poucos absorvendo as atribuições e as prerrogativas da Administração Centralizada. E as entidades assim criadas, organizadas e dirigidas pelo Poder Público, paradoxalm e n t e se h i p e r t r o f i a n d o , passaram a asfixiar a Administração Pública Centralizada que é, justamente, o m e i o operante, o i n s t r u m e n t o de ação do p r ó p r i o Poder Público, ret i r a n d o dele, assim, t o d o o p o d e r d e d e c i s ã o e toda f o r ç a d e c o m a n d o " , (grifado no t e x t o ) . " O texto apresentado não deixa m a r g e m a dúvidas: a criação de órgãos desvinculados d o Poder Público enfraquece o " P o d e r Nacional". A comparação entre autarquias e fundações se faz, necessariamente, dentro desta perspectiva de fortalecimento d o poder central. Os autores reconhecem que o sistema fundacional possa, a curto prazo, resolver os p r o b l e m a s a d m i n i s t r a t i v o s das universidade; no entanto, prevalece o a r g u m e n t o f u n d a m e n t a d o na ideologia da segurança nacional. As Fundações teriam, e m princípio, m a i o r " a u t o n o m i a " do que as autarquias; isso leva os autores do M E C - U S A I D a c o n d e n a r e m esta f o r m a de organização administrativa. Para se c o m p r e e n d e r c o r r e t a m e n t e o desenvolvimento recente da educação no Brasil, é necessário levar-se e m consideração dois aspectos gerais que marcam a sociedade brasileira c o m o u m t o d o : a emergência de u m Estado autoritário e a consolidação de u m capitalismo avançado (pelo menos nos grandes núcleos urbanos). Neste sentido, 64 não é s i m p l e s m e n t e u m g o l p e de estado que substitui u m g r u p o de governantes por o u t r o . Os economistas t ê m , c o m razão, insistido para o fato de que os anos pós-64 significaram u m a reorientação da economia brasileira no interior do sistema e c o n ô m i c o internacional. Desta maneira, ao lado de uma crescente internacionalização do capital (maior penetração d o capital estrangeiro), tem-se u m a expansão do mercad o interno nacional. E v i d e n t e m e n t e esta expansão capitalista se dá em detrimento das classes subalternas e se associa a u m m o m e n t o de repressão incomparável a qualquer o u t r o na história brasileira. Otávio lanni tem razão ao atribuir ao g r u p o militar uma importância f u n d a m e n t a l na orientação dos r u m o s d o desenvolvimento i m p l e m e n t a do (')• Concentrando-se o p o d e r e m t o r n o de u m s e g m e n t o da sociedade, pode-se realizar u m a política de crescimento, atendendo aos interesses daqueles que se autod e f i n i r a m c o m o portadores da Nação Brasileira. O que nos interessa, p o r é m , é consi 13


derar c o m o este processo de d e s e n v o l v i m e n t o desigual t e m repercussão p r o f u n d a na política educacional. Os relatórios M E C - U S A I D , Meira Matos, G r u p o de Trabalho da Reforma Universitária (ver c o m e n t á r i o s neste Caderno), m o s t r a m c o m o se articulam os interesses da ideologia d o m i n a n t e e a estrutura de expansão do ensino universitário. Para se desenvolver, a sociedade necessita de q u a d r o s especializados; a Reforma Universitária visa, p o r t a n t o , objetivos práticos, isto é, procura conferir ao sistema social u m a racionalidade adequada à eficiência técnica e profissional. No e n t a n t o , a relação Estado-Sociedade não se manifesta s e m contradições: o p r ó p r i o Estado, ao p r o m o v e r diferentes medidas no campo educacional, se contrapõe ao m o v i m e n t o de u m a sociedade que se, por u m lado se encontra subjugada ao controle a u t o r i t á r i o , por o u t r o possui sua lógica própria. Vejamos c o m o se desenvolve a questão educacional. Dois aspectos caracterizam o ensino superior n o período analisado: a expansão da rede de ensino e a privatização da educação. O processo de cresc i m e n t o das escolas superiores se vincula diretamente ao processo de expansão d o capitalismo brasileiro. O d e s e n v o l v i m e n t o de u m mercado interno t e m influência decisiva na área cultural, pois cria, correlatamente, u m mercado de bens simbólicos d o qual a educação é u m d o s componentes. 0 crescimento da classe média, a concentração das populações nas grandes cidades, vão p e r m i t i r , apesar das contradições que d e t e r m i n a m , o p r ó p r i o capitalismo, a.criação de u m mercado cultural onde os bens culturais passam a ser c o n s u m i d o s por u m público cada vez maior. Durante o período 64-80 ocorre u m a f o r m i d á v e l expansão deste mercado, seja a nível da produção q u a n t o da distribuição e d o c o n s u m o - a u m e n t o d o n ú m e r o de matrículas n o ensino superior, a u m e n t o d o n ú m e r o de escolas superiores, emergência das indústrias culturais, " b o o m " da literatura, crescimento da indústria do disco e d o m o v i m e n t o editorial. É b e m v e r d a d e q u e o crescimento deste m e r c a d o se limita aos centros urbanos; isto não deve, p o r é m , ser atribuído a qualquer distorção social. A emergência de u m mercado cultural c o r r e s p o n d e à consolidação de u m mercado interno de bens materiais que t e m por característica básica, a concentração de riquezas nas cidades e j u n t o às classes médias e d o m i n a n t e . A distribuição dos p r o d u t o s culturais reproduz as contradições d o p r ó p r i o m o d e l o capitalista brasileiro, que acentua a diferença entre as regiões e reforça a divisão de t r a b a l h o entre cidade e campo. A educação reflete este m o m e n t o mais a m p l o da sociedade brasileira, ela reproduz u m m o v i m e n t o distorcido, mas real, a que se d e n o m i n o u d e s e n v o l v i m e n t o nacional. A expansão dos bens culturais se dá, p o r é m , na área educacional através de u m processo de privatização do ensino. Os dados a respeito d o ensino particular são claros a esse respeito.

ANO 1962 1973 1977

N? DE M A T R Í C U L A S PÚBLICAS PARTICULARES 62.721 42.460 318.412 492.825 403.000 714.000

O ensino superior público q u e e m 62 era de 59,6% cai para 27% e m 1977. Carlos Benedito M a r t i n s ( 2 ) m o s t r a m u i t o b e m c o m o se realiza a expansão educacional no setor privado. Ela significa u m a p r o v e i t a m e n t o do mercado gerado pelo " d e s e n v o l v i m e n t o " brasileiro, o q u e se dá através da implantação das empresas culturais. A e d u cação se t r a n s f o r m a e m mercadoria, passando a ser regulada pelas leis econômicas d o mercado. O processo de privatização é a c o m p a n h a d o , ainda, por u m a tendência d o Estado e m se desobrigar c o m a educação pública. É bem verdade que o Estado autoritário via-se na necessidade de criar q u a d r o s que administrassem o d e s e n v o l v i m e n t o 14


d o país. Entretanto, este m e s m o Estado, para coordenar seu crescimento, encontravase na situação de elaborar diretrizes prioritárias para sua política de intervenção social. U m a vez que desenvolvimento significa crescimento econômico, a educação passou a ser definida c o m o uma área secundária pelo planejamento estatal. O o r ç a m e n t o d o MEC que, em 64 era de 10% do o r ç a m e n t o da União, caindo para 4,17% e m 1978, reflete esta política prioritária dos investimentos governamentais. Reforçava-se, assim, o processo de privatização pois, ao lado de u m real crescimento d o mercado c o n s u m i dor, se articulava uma política de contenção do ensino público. O quadro d o ensino superior brasileiro se estrutura, assim, de f o r m a substancialmente distinta daquele descrito pelo relatório M E C - U S A I D e m 1968. U m dado n o vo v e m ainda complicar a política educacional do governo: a crise econômica. 0 que caracteriza a política autoritária, durante os anos 68-75, é u m a euforia desenvolvimentista que permeia os diversos escalões governamentais. Carlos Lessa m o s t r a c o m o este o t i m i s m o exagerado penetra na própria elaboração do planejamento econômico ( 3 ). O g o v e r n o Geisel chega, inclusive, a superavaliar o período do " m i l a g r e " e inclui n o II P N D u m novo a r g u m e n t o ideológico: a distribuição das rendas e das o p o r t u n i dades. U m a pequena abertura em relação às áreas culturais chega até m e s m o a se concretizar; são criados e m 75 alguns órgãos e políticas que representariam u m esforço para se desenvolver o chamado " s e t o r social", FUNARTE, E M B R A F I L M E ; esboçase u m Sistema Nacional de Saúde. A ilusão tem, porém, vida curta. A partir de 76 percebe-se claramente a dimensão da crise econômica internacional. As repercussões para o desenvolvimento interno do país são imediatas. Os gastos d e v e m ser contidos e o r i t m o de crescimento desacelerado. O projeto de transformação das autarquias em Fundações se insere no interior do q u a d r o acima esboçado: privatização do ensino, desobrigação d o Estado para c o m a educação, crise econômica. V i m o s que o a r g u m e n t o principal sobre o qual se assentava, e m 68, a recusa das Fundações, era a questão do poder. A p r ó p r i a história da sociedade brasileira encarregou-se de modificar essa situação. O " v o l u m e de capital" ou a " f o r ç a dos o r ç a m e n t o s " a que se referiam os ideólogos da segurança nacional, se verificaram na prática c o m o insignificantes. O m e d o da descentralização só poderia ocorrer j u n t o àqueles que partilhavam u m a ideologia otimista do d e s e n v o l v i m e n t o econômico. O s o n h o de u m Brasil-potência impedia, pelo m e n o s ideologicamente, a aceitação de u m d e s m e m b r a m e n t o d o Poder Central. Entretanto, no m o m e n t o e m que a sociedade brasileira passa a ser percebida através da crise econômica, t e m - s e que o processo de "descentralização" se apresenta c o m o u m e l e m e n t o de reequilíbrio das finanças governamentais. Descentralizar significa, agora, desobrigar-se. A auton o m i a universitária encontra-se, assim, definida c o m o independência econômica face ao Estado, o que de uma certa maneira resolve parcialmente o p r o b l e m a das verbas. O Estado se libera, desta f o r m a , do ú l t i m o elo que o vinculava à responsabilidade de assegurar u m a educação pública superior. É necessário lembrar ainda que, a partir de 69, o p r ó p r i o aparato jurídico se t r a n s f o r m a e enquadra as administrações fundacionais e m n o r m a s que não existiam no m o m e n t o e m que se escreve o relatório MECU S A I D . O decreto 900/69 (ver c o m e n t á r i o s neste Caderno) possibilita ao Estado u m a intervenção e u m controle real da a u t o n o m i a universitária nas Fundações. O círculo se fecha. O projeto de transformação das autarquias e m Fundações se expressa c o m o u m a resposta ideal que equaciona, h a r m o n i o s a m e n t e , os problemas e c o n ô m i c o s ao espírito do autoritarismo. A u t o n o m i a significa agora, maior dependência jurídica da universidade e m relação ao Estado. O projeto de Fundações parece estar, m o m e n t a n e a m e n t e , c o n g e l a d o pelo MEC; as condições estruturais que d e f i n e m a situação do ensino brasileiro p e r m a n e cem, no entanto, as mesmas. O que se deve ter claro é que tal projeto significou a ela15


boração de u m a das possíveis respostas a serem apresentadas para se resolver a " c r i se educacional". Na medida e m que o q u a d r o estrutural se m a n t é m , n o v a s " s o l u ç õ e s " deverão ser encaminhadas c o m vistas a resolver os problemas educacionais. A s últimas manifestações d o MEC a respeito de u m a Reforma Gerencial são, neste sentido, u m substituto à tentativa de se t r a n s f o r m a r as autarquias e m Fundações. É b e m v e r dade que o a r g u m e n t o gerencial já se encontrava implícito no p r o j e t o anterior ao se definir a a u t o n o m i a universitária c o m o u m a questão m e r a m e n t e administrativa. A Reforma Gerencial evidencia, p o r é m , u m aspecto que merece u m a atenção particular: a d i m e n s ã o d o planejamento. A o se falar e m " g e r ê n c i a " , " a d m i n i s t r a ç ã o " , o que se procura, de fato, é descobrir u m a justificativa para a crise atual, possibilitando, desta maneira, sua superação ao nível d o discurso. U m a vez q u e o Estado é incapaz de c o m p r e e n d e r as causas reais que definem a estrutura educacional brasileira, ele se volta para u m discurso ideológico que lhe possibilita u m a saída. Pensar a questão do ensino superior e m t e r m o s de gerência é, na verdade, assignar ao p l a n e j a m e n t o uma qualidade que lhe é externa, o u seja, a possibilidade de superar o impasse. Dentro desta perspectiva, t e m - s e que a sociedade estaria em crise por falta de planejamento, o que torna necessário u m projeto administrativo que a recoloque no seu devido lugar. A o afirmar que " f a l t a " alguma coisa, o Estado estabelece a sua posição de regulador da própria crise e chama para si a responsabilidade de resolvê-la. Define-se, desta f o r m a , a a u t o n o m i a universitária segundo os padrões w e b e r i a n o s da racionalização; procura-se " o t i m i z a r os recursos", "racionalizar as despesas", isto é, confere-se a u m a o r d e m burocrática o poder de se resolver os problemas que são sociais e que se v i n c u l a m a u m processo mais a m p l o - o do p r ó p r i o d e s e n v o l v i m e n t o d o capitalismo brasileiro. O resultado deste tipo de argumentação é imediato. As verbas existem; o que ocorre é que seriam mal administradas. O que o projeto das Fundações concretizava, através de u m a mudança jurídica das universidades, a ideologia presente manifesta, ao se insinuar no interior das próprias Autarquias Federais. Neste sentido, u m a proposta de Reforma Gerencial talvez seja mais difícil de ser c o m b a t i d a d o que o projeto das Fundações. C o n t r a r i a m e n t e à proposta anterior, que se consubstanciava n u m projeto exterior à c o m u n i d a d e universitária, ela se revela c o m o u m a ideologia difusa que penetra nas administrações das próprias universidades. Aceitá-la significa abdicarmos ao direito de se lutar por objetivos mais amplos, u m a vez que nos conf o r m a m o s ao limite do q u a d r o da própria "crise econômica". As ú l t i m a s investidas do m i n i s t r o L u d w i g contra a S E P L A N revela c o m o se dá este j o g o de oposições entre cavalheiros que t r a b a l h a m para os m e s m o s objetivos. E m n e n h u m m o m e n t o foi questionada pelo Ministério da Educação a falta de verbas, mas sim o corte de parte do orç a m e n t o de u m a determinada área. A o se fixar c o m o objetivo o a u m e n t o dos orçamentos, perde-se de vista a questão mais geral que é, precisamente, aquela de mais verbas para a educação. Este t i p o de prática v e m reforçar a ideologia d o planejamento, pois, ao se aceitar os limites i m p o s t o s pela "crise", cai-se, necessariamente, no discurso que procura administrar a penúria da maneira mais racional possível. RENATO ORTIZ

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Bibliografia citada

(<)lanni, O. • Estado e Planejamento no Brasil, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1979. ( 2 ) Acordo MEC-USAID. ( 3 ) Martins, C. B. - Ensino Pago: um retrato sem retoques. Global Editora, São Paulo, 1981. (<) Lessa, C. - "A Nação Potência como um Projeto do Estado para o Estado", Cadernos de Opinião n 9 15, 1980.

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UNIVERSIDADES FUNDAÇÕES A t r a n s f o r m a ç ã o das Universidades federais e m fundações é assunto de g r a n de i m p o r t â n c i a , que representa m u i t o mais d o que u m a simples mudança na f o r m a de organização das instituições universitárias. Antes de t u d o , é preciso saber, e m linhas gerais pelo menos, o que é u m a f u n dação, para se poder avaliar o alcance da modificação que v e m sendo discutida. A fundação é a vinculação de u m p a t r i m ô n i o a d e t e r m i n a d o f i m , c o m personalidade jurídica. O instituidor da fundação é q u e m cede os bens e estabelece os objetivos da instituição. E necessário que esses bens p r o d u z a m renda, que é utilizada para atender as necessidades financeiras da fundação. Cabe t a m b é m ao instituidor estabelecer c o m o será administrada a fundação, d i s p o n d o a lei que nos casos comuns, de fundações particulares, o Ministério Público exercerá fiscalização, para i m p e d i r o desvio de finalidade e a má gestão. E, se por insuficiência de renda o u por o u t r o motivo, a fundação não puder atingir seus objetivos, deverá ser extinta. Isso t u d o é o que dispõem os artigos 24 e seguintes do Código Civil. N o caso das Universidades federais, existem regras mais específicas que dev e m ser observadas, havendo dispositivos legais regulando a criação e o funcionam e n t o das fundações públicas federais. E já antigo, no Brasil, o uso da f o r m a de f u n dações por particulares, especialmente para objetivos de interesse social, sendo recente a utilização desse meio para fins lucrativos, c o m o ocorre, por exemplo, com fundações educacionais privadas. Mas, a instituição de fundações públicas é recente, aparecendo a partir de 1943 e sendo pouco freqüente até há poucos anos. Por esse m o t i v o , não s u r g i r a m normas legais específicas, até que, recentemente, vários setores públicos c o m e ç a r a m a utilizar a f o r m a de fundação para descentralizar a administração, d e c o r r e n d o daí a necessidade de uma disciplina legal especifica. 18


O decreto-lei n 9 200, de 25 de fevereiro de 1967, que dispôs sobre a organização da administração federal e estabeleceu diretriz para a r e f o r m a administrativa, começou a disciplinar o assunto. E m b o r a não i n c l u i n d o as fundações entre as espécies de entidades da administração indireta, só prevendo autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, esse decreto-lei fez o e n q u a d r a m e n t o legal das f u n d a ções públicas federais. C o m efeito, o parágrafo 2 9 d o a r t i g o 4 9 dispôs que as fundações instituidas e m virtude de lei federal e de cujos recursos participasse a União, ser i a m equiparadas às empresas públicas. Essa equiparação assegurou, entre outras coisas, a supervisão ministerial, prevista expressamente para as empresas públicas nos artigos 25 e 26. Tal supervisão c o m p r e e n d e o controle total da vida administrativa e financeira da entidade, podendo chegar, inclusive, à intervenção por m o t i v o de interesse público, a critério do Ministro. Essas n o r m a s legais f o r a m completadas por outras, estabelecidas pelo decret o - l e i n 9 900, de 29 de setembro de 1969, que alterou algumas partes d o decreto-lei n? 200. O artigo 2 9 d o decreto-lei n 9 900, t r a t o u especificamente das fundações, fixando, entre outras, a seguinte condição para sua instituição pelo poder público, participação de recursos privados no p a t r i m ô n i o e nas despesas de m a n u t e n ç ã o , equivalentes a, pelo menos, u m terço do total. E o artigo 3 ? m a n t e v e a previsão de supervisão ministerial q u a n d o as fundações receberem subvenções o u transferências d o g o v e r n o federal. Do p o n t o de vista financeiro, fica sendo a seguinte a situação legal das fundações instituídas por lei federal: a) c o m o regra elas não participam d i r e t a m e n t e do o r ç a m e n t o da União, não ficando esta obrigada a prever a n u a l m e n t e u m a dotação para as fundações; b) as fundações dependerão de seus p r ó p r i o s recursos para sobreviver, incluindo-se entre as fontes de recursos, a renda p r o p o r c i o n a d a pelo f u n d o , a contribuição de particulares, até u m terço, pelo menos, do total, eventuais auxílios e subvenções, b e m c o m o a renda proporcionada por convênios e pela prestação de serviços; c) as fundações poderão receber auxílio financeiro da União, q u a n d o esta julgar conveniente. C o n j u g a n d o - s e todos os dispositivos legais aplicáveis às fundações instituídas pelo poder público federal, chega-se a u m c o n j u n t o de regras m í n i m a s aplicáveis às Universidades que f o r a m convertidas e m fundações, p o d e n d o - s e já, c o m base na experiência e naquilo que é facilmente previsível, tirar algumas conclusões. As fundações universitárias deverão contar c o m a participação de, pelo menos, u m terço de recursos privados, na constituição de seu p a t r i m ô n i o e nos custos de m a nutenção. Isso representará, e m princípio, u m alívio para o o r ç a m e n t o federal, podend o a União reduzir consideravelmente seus gastos c o m o ensino superior. Coloca-se, entretanto, o p r o b l e m a da obtenção dos recursos privados, sendo certo q u e fica aberta a possibilidade de instituição do ensino pago nas Universidades federais, t o r n a n d o - s e praticamente obrigatória essa cobrança, através da qual se obteria u m a parte da contribuição privada prevista na lei. Mas, t e n d o em conta a realidade brasileira, as contribuições dos alunos, mesm o que para eles seja m u i t o pesado, não será suficiente para cobrir t o d o o custo de manutenção e modernização das Universidades. E não existe no Brasil a tradição de doações privadas substanciais às Universidades, c o m o não existem g r u p o s e c o n ô m i cos que se d i s p o n h a m a destinar uma parte de seus lucros a instituições universitárias, sem u m a compensação certa e imediata. E m conseqüência, seriam o n e r a d o s os alunos, afastando-se do ensino superior m u i t o s jovens de talento que, m e s m o não sendo considerados pobres, não d i s p o r i a m de m e i o s para custear seus estudos. E se, por hipótese, fossem conseguidos recursos financeiros através de doações de empresas, estas iriam condicionar o ensino e a pesquisa, t r a t a n d o a doação c o m o u m investi-

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mento e exigindo um retorno vantajoso, acabando aí a autonomia das Universidades. O mais certo, p o r é m , n u m a visão realista, é que a contribuição d o s alunos d e verá ser c o m p l e m e n t a d a por auxílios e subvenções federais. E c o m isso, as Universidades ficarão sujeitas à supervisão ministerial, na f o r m a e c o m a extensão previstas no artigo 26, parágrafo único, d o decreto-lei n - 200. Tal supervisão incluirá a presença p e r m a n e n t e de representantes do Ministério da Educação nos órgãos de direção da Universidade, além d o Reitor que já é n o m e a d o pelo Presidente da República. A U n i versidade ficará obrigada à execução de o r ç a m e n t o - p r o g r a m a e de p r o g r a m a ç ã o financeira previamente aprovados pelo Ministério, p o d e n d o este, a q u a l q u e r t e m p o , intervir na Universidade, se considerar que é de interesse público a intervenção. O M i nistro da Educação será o árbitro d o interesse público. C o m base em t u d o quanto acaba de ser exposto, p o d e - s e concluir que a transformação das Universidades e m fundações, tornará incerta a obtenção de recursos financeiros suficientes e, ao m e s m o t e m p o , irá gerar, para a Universidade, u m a dependência econômica de setores privados e u m a dependência política d o Ministério da Educação, anulando-se a a u t o n o m i a universitária, e m conflito c o m a p r ó p r i a idéia de Universidade e c o m o que dispõe expressamente a lei de diretrizes e bases da e d u cação superior. Por ú l t i m o , é i m p o r t a n t e acentuar que a simples mudança da estrutura a d m i nistrativa, sem criar mecanismos de modernização e dinamização d o ensino e da pesquisa, c o m a revalorização da cultura entre as prioridades nacionais, não se conseguirá u m a Universidade criativa e capaz de aproveitar t o d o o potencial das inteligências j o vens. E, c o m isso, as gerações mais velhas não poderão t a m b é m c o n t r i b u i r c o m seus conhecimentos e sua experiência para o avanço da ciência e o e n r i q u e c i m e n t o da cultura. A existência de dois ou três casos de Universidades federais organizadas c o m o fundações e c o m b o m r e n d i m e n t o , não invalida estas conclusões, pois as fundações já existentes recebem substancial apoio financeiro d o g o v e r n o federal, o q u e não irá ocorrer q u a n d o todas as Universidades federais do país f o r e m fundações. E m síntese, t u d o leva a crer que, transformadas e m fundações, as Universidades perderão sua a u t o n o m i a e, e m conseqüência, sua grandeza e sua condição de guardiãs de valores e redutos da liberdade, para se converterem e m apagadas e rotineiras organizações burocráticas. D A L M O DE A B R E U D A L L A R I

D E C R E T O S - L E I C I T A D O S NO A R T I G O DO PROF. D A L M O DE A. DALLARI D e c r e t o - L e i n? 2 0 0 , d e 2 5 . 0 2 . 6 7 - P a r á g r a f o 2- d o a r t . 4 ? . - O parágrafo 2 9 deste artigo, revogado pelo Decreto-Lei n ? 900, dispunha: " E q u i p a r a m - s e às Empresas Públicas, para os efeitos desta lei, as Fundações instituídas e m virtude de lei federal e de cujos recursos participe a União, quaisquer que sejam suas finalidades". - A r t i g o 25 - " A supervisão ministerial t e m por principal objetivo, na área de c o m petência do m i n i s t r o de estado: I - assegurar a observância da legislação federal; II - p r o m o v e r a execução dos p r o g r a m a s do G o v e r n o ; III - fazer observar os princípios fundamentais enunciados no título II; IV - coordenar as atividades dos órgãos supervisionados e harmonizar sua atuação c o m a dos demais ministérios; 20


V

- avaliar o comportamento administrativo dos órgãos supervisionados e diligenciar no sentido de que estejam confiados a dirigentes capacitados; VI - proteger a administração dos órgãos supervisionados contra interferências e pressões ilegítimas; VII - fortalecer o sistema do mérito; VIII - fiscalizar a aplicação e utilização de dinheiros, valores e bens públicos; IX - acompanhar os custos globais dos programas setoriais do Governo a fim de alcançar uma prestação econômica de serviços; X - fornecer ao órgão próprio do Ministério da Fazenda, os elementos necessários à prestação de contas do exercício financeiro; XI - transmitir ao Tribunal de Contas, sem prejuízo da fiscalização deste, informes relativos à administração financeira e patrimonial dos órgãos do ministério. - A r t i g o 2 6 - " N o que se refere à administração indireta, a supervisão ministerial visará a assegurar, essencialmente: I - a realização dos objetivos fixados nos atos de constituição da entidade; II - a harmonia com a política e a programação do Governo no setor de atuação da entidade; III - a eficiência administrativa; IV - a a u t o n o m i a administrativa, operacional e financeira da entidade. Parágrafo único. A supervisão exercer-se-á m e d i a n t e adoção das seguintes medidas, além de outras estabelecidas e m r e g u l a m e n t o : a) indicação ou nomeação pelo m i n i s t r o ou, se for o caso, eleição dos dirigentes da entidade, conforme sua natureza jurídica; b) designação pelo ministro, dos representantes do G o v e r n o Federal nas assembléias-gerais e órgãos de administração o u controle da entidade; c) recebimento sistemático de relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações que p e r m i t a m ao m i n i s t r o acompanhar as atividades da entidade e a execução do o r ç a m e n t o - p r o g r a m a e da p r o g r a m a ç ã o financeira aprovados pelo Governo; d) aprovação anual da proposta de o r ç a m e n t o - p r o g r a m a e da p r o g r a m a ç ã o financeira da entidade, no caso de autarquia; e) aprovação de contas, relatórios e balanços, diretamente o u através dos representantes ministeriais nas assembléias e órgãos de administração ou controle; f) fixação, e m níveis compatíveis c o m os critérios de operação econômica, das despesas de pessoal e de administração; g) fixação de critérios para gastos de publicidade, divulgação e relações públicas; h) realização de auditoria e avaliação periódica de r e n d i m e n t o e p r o d u t i v i d a de; i) intervenção, por m o t i v o de interesse público." D e c r e t o - L e i n? 9 0 0 , d e 2 9 . 0 9 . 6 9 - A r t i g o 2- - " N ã o serão instituídas pelo poder público novas fundações que não satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos e condições: a) dotação específica de p a t r i m ô n i o , g e r i d o pelos órgãos de direção da f u n d a ção segundo os objetivos estabelecidos na respectiva lei de criação;

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b) participação de recursos privados no p a t r i m ô n i o e nos dispêndios correntes da fundação, equivalentes a, no m í n i m o , 1/3 (um terço) do total; c) objetivos não-lucrativos e que, por sua natureza, não possam ser satisfator i a m e n t e executados por órgão da administração federal, direta o u indireta; d) d e m a i s requisitos estabelecidos na legislação pertinente a fundações (artigos 24 e seguintes d o Código Civil)." - A r t i g o 3 9 - " N ã o constituem entidades da administração indireta as fundações instituídas e m v i r t u d e de lei federal, aplicando-se-lhes, entretanto, q u a n d o recebam subvenções o u transferências à conta d o orçamento da União, a supervisão ministerial de que t r a t a m os artigos 19 e 26 d o Decreto-lei n? 200, de 25 de fevereiro de 1967."

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A ESTRUTURA DO PODER DAS FUNDAÇÕES UNIVERSITÁRIAS FEDERAIS: O CASO DE SÃO CARLOS

O Estatuto da Fundação Universidade Federal de São Carlos fala por si: o p r o blema das Fundações Universitárias é que são f i g u r a s j u r í d i c a s a n f í b i a s , por a l i a r e m u m g r a u m á x i m o d e c o n t r o l e e c e n t r a l i z a ç ã o (capítulo III) a u m g r a u m á x i m o d e d e s o b r i g a ç ã o f i n a n c e i r a (capítulo II). A g a r a n t i a l e g a l d e t o d o s os d i r e i t o s e p r a t i c a m e n t e n e n h u m d e v e r de p a r t e d o a g e n t e f u n d a d o r , no caso, o E s t a d o . E certo que, no caso de São Carlos, os únicos r e n d i m e n t o s p r ó p r i o s (item VII do art. 5 9 ), praticamente são auferidos pelos lucros do registro de d i p l o m a s e são m u i t o pequenos q u a n d o c o m p a r a d o s à dotação federal (art. 7 - ) , que é superior a 95%. (Como se sabe, a Universidade de Brasília tem r e n d i m e n t o s dos itens IV e V, etc.). T a m b é m a atuação do Conselho de Curadores não se p a u t o u por u m c u m p r i m e n t o das atribuições, e x t r e m a m e n t e abrangentes, exclusivas e centralizadoras, que config u r a m sua competência legal, de m o d o que pudesse i n d i s p ô - l o c o m a c o m u n i d a d e universitária. No entanto, aqui c o m o e m todas as questões relacionadas c o m as estruturas de poder, o que interessa não são as qualidades das pessoas que o c u p a m cargos, mas as próprias delimitações das atribuições que c o r r e s p o n d e m a estes cargos, que p o d e m até m e s m o tolher os melhores espíritos em sua ânsia de justiça. E a estrutura de poder traduzida no Estatuto da Fundação Universidade de São Carlos é a u t o r i t á r i a e e x cludente. Se é assim, naquela que é considerada a mais " l i b e r a l " das Fundações U n i versitárias Federais, i m a g i n e m o s nas outras. A u t o r i t á r i a porque a competência do Conselho de Curadores é praticamente total em todos os negócios que dizem respeito à vida da Universidade; basta lermos c o m atenção o artigo 13 ? . Ele constitui, ao lado d o CFE, e p o r t a n t o , d o M E C , o órgão m á x i m o que delibera sobre a administração e direção da Universidade, bem c o m o sua


prestação de confas. É a última instância, fora d o Executivo Federal, a definir os r u m o s da política universitária, frente à qual todos os o u t r o s colegiados e cargos administrativos t ê m obrigações e deveres. E x c l u d e n t e p o r q u e , c o n f o r m e o a r t i g o 11 ? , os m e m b r o s d o Conselho são n o m e a d o s diretamente, e m cargos de confiança, pelo Presidente da República; escolha que prescinde de qualquer referência à c o m u n i d a d e universitária e, inclusive, à competência administrativa ou ao mérito científico o u pedagógico. Não há referência a n e n h u m critério q u e diga respeito sequer de longe, à especificidade representada por u m a Universidade. A l é m disto, fora o CFE - por exemplo, itens f e s d o art. 1 3 ? - o Conselho de Curadores não t e m obrigação de prestar contas o u respeitar quaisquer posicionamentos, s o b r e t u d o os que dizem respeito à própria vida universitária concreta que representa. Desta f o r m a , erigindo-se entre o Estado e a Universidade, a Fundação - via Conselho de Curadores, que é a sua manifestação na prática - constitui u m p o n t o d e e s t r a n g u l a m e n t o da participação nos destinos da vida universitária por parte de q u e m nela trabalhe e estude. Estrangulamento inédito quando c o m p a r a d o a todos os outros conselhos o u colegiados, m e s m o levando e m conta a precariedade destes m e canismos de representação, seguramente carentes de aperfeiçoamentos democráticos. E m b o r a restritos, estes colegiados ainda p e r m i t e m u m a relativa participação da com u n i d a d e . O Conselho de Curadores não. Para sermos rigorosos, p o d e m o s afirmar que, ao Conselho de Curadores, aliad o ao MEC, c a b e d e t e r m i n a r o q u e é e c o m o d e v e ser a U n i v e r s i d a d e f o r m a l m e n t e , mediante parâmetros e n o r m a s i m p o s t o s à comunidade, q u e fica despojada de quaisquer requisitos legais para sua manifestação. O artigo 13 9 , item a, por exemplo, dá ao Conselho atribuições sobre a direção a ser dada ao ensino e à pesquisa, etc. Esclarece-se assim, o porque da Fundação - e c o m ela d o Conselho de Curadores; ela significa a abrangência da base social - representada pelos m e m b r o s d o Conselho - e m que, para a política oficial, repousa a sua proposta para as Universidades. No r e g i m e a d m i n i s t r a t i v o das F u n d a ç õ e s , r e s i d e a v e r d a d e d o s i g n i f i c a d o d a U n i v e r s i d a d e na a t u a l c o n j u n t u r a g o v e r n a m e n t a l brasileira. Verdade apenas desfocada e não eliminada pelas propostas gerenciais atualmente ventiladas. É nesta estrutura de Poder que se põe a nu o que o g o v e r n o entende por " a u t o n o m i a " universitária, realidade a que a lei 6733, por mais draconiana que seja, apenas acrescenta dispositivos legais sem provocar alterações estruturais. N o entanto, esta é apenas u m a verdade. Existe u m a outra, que é condicionada pelo d e s e n v o l v i m e n t o da situação real, assentada s o b r e a crescente participação da c o m u n i d a d e de docentes, estudantes e funcionários. Não esqueçamos que a própria constituição dos colegiados de representação (Conselho Universitário, Câmaras Departamentais, CEP, congregações, etc.), m e s m o e m bases ainda não p l e n a m e n t e democráticas, e p o r isto, insatisfatórias, resultou da necessidade f o r m a l de abrir espaço à participação real pretendida pela c o m u n i d a d e . A f o r m a precisa de se a d a p t a r à r e a l i d a d e , a estrutura do poder universitário, para ser realmente a u t ô n o m a , precisa dar acesso às aspirações reais contidas na sua especificidade c o m o Universidade, pelos seus objetivos de ensino e pesquisa e pela sua composição de estudantes, professores, etc. Estes objetivos, enfeixados na Universidade, não devem ser limitados pela ingerência de interesses de u m a base social particular, que é suporte d o Conselho de Curadores, e que t e m todas as atribuições para dirigir os r u m o s universitários nas Fundações. Porque, certamente, as estruturas de poder particular correspondem à garantia legal de interesses particulares, m e s m o que estes não se desfraldem inteiramente. 24


Resta construir instrumentos de poder que c o r r e s p o n d a m a interesses não particulares, que respeitem a autonomia da Universidade enquanto esta é depositária, m e diante os que nela trabalham e estudam, dos o b j e t i v o s da s o c i e d a d e e n ã o a p e nas d e p a r t e dela. A tarefa de dizer o q u e é e c o m o d e v e ser r e a l m e n t e a U n i v e r s i d a d e deve caber à participação mais ampla da c o m u n i d a d e universitária e do conjunto da sociedade, cuja representação é f o r m a l m e n t e t o l h i d a na estrutura das Fundações. W O L F G A N G LEO M A A R : - ex-Vicepresidente, por duas gestões, da Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Carlos.

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D e c r e t o n ? 8 4 . 7 1 6 , d e 19 d e m a i o d e 1980

Delega competência para nomeação das autoridades que menciona e dá outras providências.

O P R E S I D E N T E DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 81, i t e m III, da Constituição, e tendo e m vista o disposto no artigo 1'-' da Lei n - 6.733, de 4 de d e z e m b r o de 1979, e nos artigos 11 e 12 do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967. DECRETA, A r t . 1 ? - E delegada competência ao M i n i s t r o da Educação e Cultura para n o m e a r , e m comissão, Pró-Reitores, Sub-Reitores, Diretores e Vice-Diretores, ou dirigentes de hierarquia equivalente, nas instituições de ensino superior criadas sob a f o r m a de fundação o u mantidas por fundação instituída pela União. A r t . 2- - E delegada competência ao Reitor para nomear, em comissão, Decanos, Chefes e Subchefes de Departamento, o u dirigentes de hierarquia equivalente, nas instituições de ensino superior referidas n o artigo anterior. A r t . 3 9 - É reservada ao Presidente da República a nomeação dos Presidentes da Fundação, dos M e m b r o s dos Conselhos Diretor e Curador ou de hierarquia equivalente, b e m c o m o dos Reitores e Vice-Reitores, nas instituições de ensino superior de que trata este Decreto. A r t . 4 - - Este Decreto entra e m v i g o r na data de sua publicação, revogadas as disposições e m contrário.

Brasília, e m 19 de m a i o de 1980; 159- da Independência e 92? da República.

ass.) J o ã o Figueiredo E. Portella

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P R O J E T O DE L E I D O S E N A D O n? 2 , d e 1 9 8 0

Dispõe soore a escolha e a nomeação dos dirigentes das fundações de Ensino Superior. O Congresso Nacional decreta: Art. 1 ? - A Lei n ? 6.733, de 4 de d e z e m b r o de 1979, não se aplica à escolha e ã nomeação dos dirigentes das Fundações de Ensino Superior. A r t . 2Ç - Esta Lei entra e m v i g o r , na data de sua publicação. A r t . 3 ? - Revogam-se as disposições e m contrário. Justificação O presente projeto de lei visa a defender o princípio da a u t o n o m i a universitária, pedra angular d o nosso sistema de Ensino Superior. É que a Lei n 9 6.733, de 4 de d e z e m b r o de 1979, ao d i s p o r s o b r e a n o m e a ç ã o dos dirigentes das fundações instituídas o u mantidas pela União, não excepcionou os casos de escolha e nomeação dos dirigentes das Fundações de Ensino S u p e r i o r , isto é, de a l g u m a s universidades, c o m o pretendia a emenda que foi apresentada ao p r o j e t o o r i g i n a l pelo Senador Franco M o n t o r o . Aliás, d u r a n t e o seu a n d a m e n t o n o Congresso Nacional, a p r o p o s i ç ã o q u e resultou n o referido d i p l o m a legal foi alvo de acalorados debates, e m i m p o r t a n t e s setores de nossa sociedade, que p r o c u r a v a m justamente levantar o p r o b l e m a da a u t o n o mia de nossas Universidades. Para se ter u m a idéia de repercussão d o assunto, transcrevemos, na íntegra, a o p i n i ã o que, na época, foi emitida pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras: " N o t a Oficial: O Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, através de seu D i r e t ó r i o Executivo, e m sua 94- reunião, realizada e m Brasília, no dia 8 de n o v e m b r o de 1979. Considerando que é principio básico deste o r g a n i s m o atuar, p o r excelência, na expressão e defesa da a u t o n o m i a universitária e Considerando a preocupação manifesta das várias instituições filiadas, q u a n t o ao teor d o Projeto de Lei n ? 34/79 que dispõe sobre a n o m e a ç ã o dos dirigentes das fundações instituídas o u mantidas pela União, ora e m tramitação no Congresso Nacional, T O R N A PÚBLICO: O Projeto de Lei n ? 34/79, incluindo as Instituições de Ensino S u p e r i o r , instituídas e m a n t i d a s pela União, s o b a f o r m a de Fundação, constitui u m a violação ao p r i n cípio universal de a u t o n o m i a universitária. Esta a u t o n o m i a deriva de u m aspecto essencial da Universidade que é a liberdade de d e s e n v o l v i m e n t o d o c o n h e c i m e n t o , a liberdade de i n t e r c â m b i o acadêmico e a liberdade de crítica. Isto supõe, qualquer q u e seja sua f o r m a de organização, a independência ad27


ministrativa e de g o v e r n o , incluindo a indicação de seus dirigentes, sem interferência de interesses político-partidários e de o u t r o s alheios à natureza específica da instituição universitária. É t a m b é m , universalmente reconhecido que as universidades d e v a m contribuir para o mais alto d e s e n v o l v i m e n t o da c o m u n i d a d e nacional, c o l a b o r a n d o ativamente c o m as políticas e planos governamentais neste sentido. E a experiência t e m mostrado, claramente, q u e as instituições universitárias p o d e m c u m p r i r , de maneira mais efetiva, estas funções, q u a n d o desfrutam de autêntica a u t o n o m i a , o que torna mais enfática sua responsabilidade social. Dentro deste e n t e n d i m e n t o , este Conselho, convicto de que o referido Projeto de Lei não c o n t r i b u i r á para o aperfeiçoamento das relações entre o Estado, a Universidade e a Sociedade, conclama as autoridades d o Poder Legislativo e do Poder Executivo a r e e x a m i n a r e m a matéria, excluindo do Projeto as Fundações de Ensino S u perior. Brasília, 8 de n o v e m b r o de 1979 - Reitor Derblay Galvão - Presidente d o C R U B . "

Diante disso, não há senão que esperar que os meus nobres pares v e n h a m ao encontro deste projeto q u e se inspira no mais alto interesse público. Sala das Sessões, 4 de março de 1980 H u m b e r t o Lucena.

LEGISLAÇÃO CITADA Lei n? 6 . 7 3 3 de 4 d e d e z e m b r o d e 1 9 7 9 Dispõe sobre a n o m e a ç ã o dos dirigentes das fundações instituídas o u mantidas pela União. O Presidente da República, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: A r t . 1 ? - Serão livremente escolhidos e n o m e a d o s , e m comissão, pelo Presidente da República os dirigentes das fundações instituídas o u mantidas pela União, qualquer que seja sua natureza o u finalidade e sem prejuízo de sua a u t o n o m i a a d m i nistrativa e financeira. A r t . 2° - Esta Lei entrará e m vigor, na data de sua publicação, revogadas as disposições gerais e especiais e m contrário. Brasília, 4 de d e z e m b r o de 1979; 158 ? da Independência e 91 ? da República. J O Ã O FIGUEIREDO Petrônio Portella (Publicados no DCN - Seção II - de 6-3-80)

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O PARECER FERRAZ E O ENSINO PAGO Recentemente, o Conselho Federal de Educação (CFE) se p r o n u n c i o u - através do parecer da Conselheira Esther de Figueiredo Ferraz - a respeito da consulta m i n i s terial sobre " V a n t a g e n s e desvantagens da institucionalização d o ensino superior oficial pago, n o País". A solicitação foi feita via o Aviso n ? 288/81. Aviso: sintomático ato falho. O texto d o parecer é absolutamente cristalino: a implantação não t e m desvantagens mas, seguramente, traz alguns riscos e dificuldades. P o r é m , e m n e n h u m m o mento, coloca-se e m dúvida a justeza da medida, chegando m e s m o a relatora a afirmar que tal proposta, vista c o m o solução constitucional, " t e m merecido a aceitação da maioria dos juristas, dos economistas e educadores" (p. 3). Precisemos. A questão da aceitação dos juristas refere-se ao fato de que há u m a constância nos textos constitucionais sobre o assunto. E essa constância é a da gratuidade apenas na instrução primária - ver os parágrafos 32 e 33 do art. 179 da Constituição de 1824, art. 150 (1934), art. 168 parágrafo II (1946), art. 168 item III do parágrafo 3 ? (1967) e art. 176 parágrafo 3 ? itens 2, 3 e 4 (1969). Ora, diante dessa constância, se pode deduzir q u e o ensino pago está inscrito c o m o possibilidade mas não c o m o necessidade. S e m p r e se coloca a ressalva de que os que d e m o n s t r a r e m carência de recursos terão a gratuidade. Isto quanto à f o r m a . Q u a n t o ao m é r i t o , a questão é mais complexa. A s s i m , por exemplo, Sampaio Dória refere-se à cobrança de taxas c o m o " r a z o á v e l " (p. 21). Já entre os educadores, a relatora cita apenas dois pequenos parágrafos de Anísio Teixeira e u m parecer de A b g u a r Renault. O que parece pouco, diante da afirmação anterior d e que " m a i o r i a dos educadores" aceita a proposta do ensino pago. 1. A e s t r u t u r a d o r e l a t ó r i o C o m o se apresenta o parecer Ferraz sobre o ensino pago? E m p r i m e i r o lugar, a 29


relatora coloca a questão ministerial. E m seguida, apresenta as conclusões a que cheg o u . Feito isso, ela passa a apresentar a trajetória constitucional da educação desde a Carta de 1824 (outorgada) até a Emenda Constitucional n ? 1 de 1969 (outorgada). Este i t e m t e m a finalidade específica de mostrar que o ensino superior nunca foi pensado c o m o g r a t u i t o . D e m o n s t r a d a essa tese, somos surpreendidos por uma discussão jurídica entre leis " b a s t a n t e e m s i " e dos problemas daí decorrentes (pp. 13-20 do relatório). Tal discussão p e r m i t e afirmar que "se o Poder Público Federal chegar a se decidir pela implantação d o r e g i m e de ensino oficial pago, nos termos em que o defini a 'Constituição, deverá p r o m o v e r a expedição de Decreto que regulamenta o art. 11 da Lei n ? 5537/68" (p. 20). A s s i m , ficamos sabendo que a luta de estudantes e professores pelo ensino público e g r a t u i t o a todos os níveis está sobre o fio da navalha. Basta a expedição de u m decreto, independente de apreciação legislativa, para que se assassine a possibilidade de u m a educação superior pública e gratuita. Passa-se, após isso, a u m a tentativa de justificar o ensino pago através de textos de juristas, e c o n o m i s t a s e educadores. Trata-se de mostrar como os recursos que se destinam ao ensino superior p o d e m ser revertidos para o 1 ? e 2- graus e como se p o d e fazer u m a sistemática de cobranças. Informa, a senhora relatora, que já desde 1962, o CFE é favorável ao ensino superior público pago. Apesar desse tipo reiterado de ataque ao ensino público gratuito, a questão não é, em absoluto, pacífica, c o m o l e m b r a a relatora. E o relatório passa, então, a argumentar sobre q u e m defende o ensino g r a t u i t o . A questão que segue é a da sistemática de cobrança das anuidades. Fala-se na cobrança de u m adicional no i m p o s t o de renda. Mas, a própria relatora lembra - e isso é bastante significativo - que "a receita oriunda da cobrança desse p l u s não se dissolva n o o r ç a m e n t o geral da República, mas seja encaminhada para o setor da Educaç ã o " (p. 32). C o m p a r t i l h a m o s dessa preocupação, pois sabemos, entre outros, como f o r a m gastos os recursos da Previdência e o apetite pantagruélico do nosso ministro do p l a n e j a m e n t o . Mostra finalmente a relatora que soluções c o m o reservar a universidade pública para os carentes serão consideradas inconstitucionais. E, diríamos nós, demagógicas. Essa " s o l u ç ã o " , bem c o m o a do crédito educativo, não resolve o prob l e m a e reforça privilégios, i n f o r m a a Conselheira Ferraz. 2. O s a r g u m e n t o s p r ó - e n s i n o p a g o Neste capítulo, a questão do relatório se torna realmente pobre. Os recursos de a r g u m e n t a ç ã o vão da postura ética aos sofismas baratos. E x a m i n e m o s com algum detalhe. No item 3 das conclusões a relatora afirma: " N ã o existe o ensino oficial grat u i t o , pois, esse ensino estará sendo, em qualquer caso, pago por a l g u é m " (p. 4); e, depois dessa tirada acaciana, ataca com o a r g u m e n t o de que será o povo que pagará; " o p o b r e , o analfabeto, e m suma, o elemento não a t i n g i d o sequer pela educação de 1 9 grau, e que, no entanto, desconcertantemente, estará c o n t r i b u i n d o para sustentar na escola de 1 9 e 2° graus, o aluno das classes mais favorecidas"... (p. 4). O a r g u m e n t o t e m , o b v i a m e n t e , o peso da verossimilhança, mas não o da verdade. E preciso lembrar que u m a m e i a - v e r d a d e é s e m p r e uma mentira. Não se tratam, obviamente, de fazer justiça social p e r m i t i n d o a " i g u a l d a d e de o p o r t u n i d a d e " , via ensino pago. Primeiro, p o r q u e se trata de igualar por baixo, isto é, de i m p e d i r que m u i t o s que freqüentam as universidades públicas possam continuar a fazê-lo. Em universidades públicas, que possuem cursos n o t u r n o s , os alunos que trabalham só p o d e m cursá-las porque são gratuitas. A l é m disso, reduzir todo e qualquer estudante universitário à categoria de g i g o l ô da educação nacional, é uma violentação ideológica da realidade. Em segundo lugar, p o r q u e o p r o b l e m a da justiça social se faz pelo acesso da população à riqueza 30


produzida e não m e r a m e n t e à universidade. A vacuidade da argumentação d o ensino pago é tanto m a i o r q u a n t o a própria relatora reconhece q u e a cobrança de anuidades m e n o s que "captação de novos recursos para a educação" t e m a função de "desenvolver no aluno, ( ) o senso de solidariedade que deve inspirar toda a educação da j u v e n t u d e " (p. 4). Tal argumentação seria divertida se não fosse trágica, se não tratasse todos os educadores e t o d o s os educandos brasileiros c o m o seres incapazes de pensar. Obviamente, o desenvolvim e n t o da solidariedade da j u v e n t u d e não se faz através da cobrança de taxas mas, por e x e m p l o , pelo desenvolvimento da sua vida associativa. E, se o MEC está interessado no d e s e n v o l v i m e n t o da solidariedade da juventude, por que não aceita, pública e politicamente, o fato c o n s u m a d o da legitimidade das associações estudantis c o m o , por e x e m p l o , a UNE? Ainda no i t e m 3 das conclusões, a conselheira afirma que a cobrança de anuidades "se apresenta, assim, c o m o u m entre os vários processos corretivos de desigualdades sócio-econômicas, a ser utilizada n o setor educacional" (p. 4). V o l t a m o s a insistir que nos t r a t a m c o m o mentecaptos. Mas, não é só isso. A relatora afirma que m e s m o que, por hipótese, " a cobrança de anuidades (...) levasse a resultados economicamente apreciáveis (...) nem por isso ficaria o Poder Público menos o b r i g a d o a desenvolver esforços no sentido de injetar recursos cada vez mais significativos no setor educacional" (pp. 4-5). No m e s m o sentido, argumenta-se na página 30. E isso, não apenas p o r q u e a educação é u m dever do Estado, c o m o ela própria reconhece, mas p o r q u e todos sabem que se se quer u m a universidade realmente p r o d u t o r a , ela terá que ser absolutamente dependente, e m t e r m o s financeiros, d o Estado. M e s m o as universidades norte-americanas, pagas, e muitíssimo bem pagas, t ê m que obter recursos m u i t a s vezes superiores aos das anuidades para p o d e r e m existir, considerando seu m o d e l o de Fundação. E isto e m u m país o n d e não apenas as camadas intermediárias da população t ê m melhores condições de vida, mas t a m b é m , o n d e a inflação é relativ a m e n t e pequena. Pensar e m fazer universidade paga em país que t e m u m a inflação por volta de 100% ao ano e o n d e o processo de concentração de renda atingiu níveis nunca antes i m a g i n a d o , é simplesmente não querer, realmente, u m a Universidade mas, no m á x i m o , u m a pós-graduação d o secundário. O u t r o a r g u m e n t o , já bastante familiar, é o da contraposição entre o 1 S e 2 ? graus e a Universidade. T a m b é m este não faltou ao relatório. Ele fala da necessidade de "diligenciar no sentido de que se abram a todos, o b r i g a t o r i a m e n t e , as o p o r t u n i d a des do ensino f u n d a m e n t a l , ao m a i o r n ú m e r o possível as do 2- grau, e, a q u a n t o s se acham e m condições de plenamente usufruí-las, as d o ensino universitário"... (p. 5). Ora, sabemos t o d o s que, constitucionalmente, a competência pelo ensino de 1 ? e 2 ° graus cabe às esferas municipais e estaduais, basicamente. E é, efetivamente, ao brutal regime de centralização tributária que se deve culpar pela falta de recursos para a realização dessa necessidade tão reclamada de abrir o 1 ? e 2- graus. Obviamente, não é e m função dos gastos do sistema universitário. Fala-se de redução, e de redução brutal, do o r ç a m e n t o proposto pelo MEC este ano. Ora, se o g o v e r n o não fornece recursos, c o m o culpar a gratuidade d o ensino superior por todos os males da educação nacional? Por o u t r o lado, um g o v e r n o que se coloca abertamente contra os interesses vitais da população, p e r m i t i n d o o a u m e n t o indiscriminado d o custo dos elementos básicos do o r ç a m e n t o familiar (alimentação, moradia, transportes) ao m e s m o t e m p o que dá o m e l h o r de si para i m p e d i r que a população consiga aumentar o salário, só pode falar e m justiça social c o m o h u m o r . E h u m o r negro da pior qualidade. Falar e m igualdade de o p o r t u n i d a d e s na Universidade, via ensino pago, q u a n d o apenas 1% da p o pulação d e t é m mais de 30% da renda nacional, é simplesmente t r i p u d i a r sobre a inte31


ligência e a necessidade da população. Falar que só os ricos p o d e m freqüentar os " c u r s i n h o s " , que t o r n a m possível o acesso à universidade enquanto os pobres não o p o d e m fazer, é mistificar descaradamente. A questão é o b v i a m e n t e b e m outra e diz respeito à necessidade d o " c u r s i n h o " . Por que as escolas de 1 ? e 2 ? graus f o r a m tão abastardadas a p o n t o de sequer servirem para levar os alunos à Universidade? Responder tal questão, significa explicar que a escola de 1 ? e 2° graus não t e m qualquer significação prático-pedagógica: por u m lado, porque o arrocho salarial reduziu os professores a u m a tal situação de miserabilidade que os obriga a darem de 40 a 60 horas-aula por semana para sobreviverem e, por outro, porque a r e f o r m a do sistema educacional esvaziou t o t a l m e n t e a escola. Se o " c u r s i n h o " é o p r i m e i r o passo para a esterilização da universidade, o ensino pago é o passo final nessa direção. 3. As s o l u ç õ e s p r o p o s t a s Nas conclusões do parecer Ferraz encontramos a proposição de extinção da gratuidade generalizada por etapas. Trata-se de adotar u m sistema de gratuidade relativa para, p o s t e r i o r m e n t e , chegar-se ao f i m do regime de gratuidade. E x a m i n e m o s o trajeto. O m o m e n t o atual é visto c o m o de " g r a t u i d a d e indiscriminada" e é contra isso que se m o v e a Conselheira. Sugere-se, então, que apenas os carentes de recursos e de efetivo a p r o v e i t a m e n t o (nada disso é rigorosamente definido) t e n h a m a gratuidade. A meta é substituir a gratuidade por u m regime de "bolsas de estudo restituíveis" (p. 3). C o m isso se c u m p r i r i a , afinal, a Constituição. Nesse sentido, o p r o b l e m a para a senhora relatora é o da fixação de " u m critério básico para se identificar o carente e se apreciar o grau de sua carência"... (p. 6). A questão parece ser encaminhada e m t e r m o s do " l i m i t e de renda" d o estudante ou de seu responsável " a partir d o qual se torna exigível o pagamento de anuidades e outras contribuições escolares" (p. 6). Resolvido esse problema, o p r ó x i m o passo é determinar o custo da anuidade, l e m b r a n d o a relatora que "dificilmente p o d e r - s e - i a pretender repassar para os alunos a totalidade dos custos da universidade" (p. 6) pois, isso "resultaria e m anuidades incompatíveis c o m a renda média familiar do contexto, social" (p. 7), o que levará a postergar a implantação d o ensino pago " t e n d o e m vista a atual conjuntura econômica e social brasileira marcada, entre o u t r o s f e n ô m e n o s igualmente graves, pela inflação, pela recessão e pelo d e s e m p r e g o " (p. 7). A meta a atingir - o ensino pago - traz duas ordens de questões: por u m lado, as medidas jurídicas necessárias à sua implantação e, por o u t r o , o cálculo (em moldes empresariais, q u e m sabe!) do custo e a determinação do nível de renda a partir do qual se deve começar a cobrar já pelo ensino universitário. No que se refere às medidas jurídicas, é que se coloca o debate jurídico m e n cionado a n t e r i o r m e n t e . Na conclusão desse debate, a senhora relatora lembra que tud o se resolve através da regulamentação do art. 11 da lei n ? 5537 de 21 de n o v e m b r o de 1968. Tal artigo é explícito: " e m relação às novas matrículas nos estabelecimentos federais de ensino, seja cobrada anuidade daqueles alunos de alta renda familiar, financiando-se bolsas de estudos, de manutenção e de estágio, reembolsáveis a longo prazo, aos alunos de cursos superiores de menores ou insuficientes recursos" (p. 19). N o r m a essa que até agora não conseguiu produzir seus danosos efeitos graças à luta dos professores e dos estudantes brasileiros. E é o que salienta a senhora relatora ao falar de riscos e dificuldades na implantação. Quanto à questão de determinar c o m o e q u e m paga, o relatório é pouco preciso. As dificuldades parecem ser grandes. A cobrança de u m adicional sobre o imposto de renda, parece não garantir que, de imediato, ele seja revertido para a educação, mas, a própria relatora afirma " q u e não se encontrará aí uma 'alternativa' para subs32


tituir o pagamento de anuidades" (p. 32). Propõe-se a revisão da legislação sobre crédito educativo pois, apesar de pretender eliminar u m tipo de injustiça, " f e c h o u os olhos a u m o u t r o fato igualmente injusto - cobrar principalmente juros de q u e m não t e m recursos, e m b o r a possa vir a tê-los futuramente, e p e r m i t i r que continue sendo beneficiado pela gratuidade, aquele que pode pagar desde já, sem sacrifícios para si o u para os dependentes" (p. 33). Ora, tal colocação, que serve apenas para legitimar o ataque ao ensino gratuito, t e m c o m o m é r i t o revelar que o p a g a m e n t o do crédito educativo supõe que, futuramente, os que o recebem terão recursos para pagá-lo. Isto já foi devidamente d e m o n s t r a d o c o m o sendo u m a suposição abusiva e sem base de realidade. Acreditava-se (?) que o curso superior abriria condições para melhorias salariais, o que permitiria, por sua vez, o pagamento do crédito. A alta taxa de i n a d i m p l ê n cia do crédito educativo demonstra exatamente o contrário. Tal crédito t e m funcionad o c o m o válvula de escape, sem que a questão tenha sido resolvida. M e l h o r será que o g o v e r n o garanta a gratuidade indiscriminadamente do que o p r i m i r ainda mais o assalariado que consegue chegar à universidade. 4. O b s e r v a ç õ e s f i n a i s Caberia aqui relembrar que, desde a sua fundação, o CFE t e m d e m o n s t r a d o u m a forte tendência privativista. E que, portanto, não é de estranhar que seguidamente ele tenha se posicionado pelo ensino superior pago. Criado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o CFE t e m exercido sua atividade, quase sempre, e m benefício da rede privada de ensino. Muitas das suas figuras principais f o r a m e são representantes das escolas privadas. E estas não faziam mais d o que i m p l e m e n t a r a retrógrada Lei de Diretrizes e Bases. O peso dos privativistas no CFE é i m e n s o , o que t e m sido d e m o n s t r a d o não só pelos sucessivos ataques ao ensino público, b e m c o m o pela aprovação indiscriminada de faculdades, por t o d o o t e r r i t ó r i o nacional, sem condições de efetivamente funcionar c o m o ensino superior. Aliás, foi pela contenção d o ensino público, ou seja, pela não extensão da rede pública, que se t o r n o u possível o incremento do ensino universitário p r i v a d o . Foi t a m bém, c o m o todos sabemos, por esse ensino privado que se esvaziou a luta dos excedentes do final da década de 1960. E o que não é m e n o s relevante: f o i através desse ensino que se enriqueceram as i n ú m e r a s mantenedoras. O novo assalto à educação pública t e m sido contido graças à ação de professores e alunos durante mais de duas décadas. E esse é o nosso t r a b a l h o atual. Lutar contra a privatização do ensino, pela expansão da rede pública e m todos os níveis é hoje t a m b é m tarefa democrática. Luta esta que deve ser liderada pela A N D E S e pela UNE. Por fim, mas não menos importante, a Conselheira Ferraz lembra sua posição de defensora histórica do ensino pago. É de b o m t o m , cremos, que q u a n d o se entreg u e m questões para j u l g a m e n t o , o juiz não deve ser parte. Pedir a u m defensor d o e n sino pago para dar u m parecer sobre as vantagens deste é, s i m p l e s m e n t e , pedir a u m p r o p r i e t á r i o que j u l g u e da necessidade da propriedade. E d m u n d o Fernandes Dias UNICAMP

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O LONGO CAMINHO DA PRIVATIZAÇÃO O processo de privatização d o ensino no Brasil já percorreu u m longo caminho, sem nunca se desviar d o seu objetivo final. Iniciado na metade da década de 60, ele praticamente inverteu a relação entre ensino público e privado no país. Se naquela época m e n o s de u m terço desse serviço estava nas mãos de particulares, hoje temos u m a p r o p o r ç ã o e x a t a m e n t e inversa: mais de setenta por cento das vagas oferecidas no terceiro g r a u são controladas por instituições privadas, em sua maioria constituídas c o m o verdadeiras empresas dé ensino, sem qualquer projeto educacional que balize a sua linha de atuação. Apesar de l o n g o , o processo ainda não deu mostras de esgotamento. Iniciativa d o M E C , nas gestões d o s M i n i s t r o s Portella e L u d w i g , e pareceres recentes d o Conselho Federal de Educação, m o s t r a m que a idéia de privatizar praticamente todo o ensino superior continua presente na orientação da política educacional brasileira. As últimas manifestações oficiais neste sentido c o n s t i t u e m a ponta mais p r ó x i m a de u m a linha de atuação q u e t e m sua o r i g e m nos m u i t o citados relatórios Atcon, de 1966, e Meira Mattos, de 1968. Basta c o m p a r a r alguns trechos desses textos, c o m declarações oficiais recentes, para perceber que a m b o s , f a z e m parte da mesma proposta política para a educação. Eis o que dizia, e m 1966, Rudolf A t c o n , u m professor norte-americano que, às expensas d o seu g o v e r n o , elaborou u m projeto de reforma da universidade latinoamericana: " a p r i m e i r a , primeiríssima, tarefa da reformulação universitária t e m que ser a de desvincular seu pessoal docente e a d m i n i s t r a t i v o dos cânones do serviço público, c o m c o m p l e t a revisão da política salarial", t 1 ) E e m seguida defendia a idéia da implantação, nas universidades, de u m sistema administrativo tipo empresa privada, c o m a direção recrutada na c o m u n i d a d e empresarial e atuando sob sistema de a d m i nistração gerencial, desvinculada do corpo técnico-científico. Isso, segundo o professor A t c o n , poderia p e r m i t i r u m a m a i o r a u t o n o m i a universitária, d a n d o - l h e uma independência acadêmica e financeira e m relação ao Estado. 34


Quinze anos depois, o atual M i n i s t r o da Educação e Cultura a f i r m a , perante o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, reunido e m Maceió, que " a l é m da ação de desburocratizar a universidade pública, pela descentralização administrativa, pela simplificação de normas, pela extinção paulatina de controles m e r a m e n t e processuais, é i m p o r t a n t e que cada u m a se dedique, quanto antes, à reciclagem de sua capacidade gerencial." ( 2 ) Há pouco a acrescentar. Até algumas palavras são idênticas, refletindo que p e r m a n e c e m intactas as propostas de quinze anos atrás. Mas a questão da reforma gerencial, a p o n t a n d o para uma pretensa eficiência da universidade, é apenas uma d o s vários ângulos do projeto geral de privatização do ensino superior. Essa questão só foi colocada e m pauta depois que outra proposta oficial, a da t r a n s f o r m a ç ã o das autarquias federais e m fundações, foi engavetada diante da pronta reação contrária de professores e estudantes. Nela t a m b é m era utilizado o a r g u m e n t o da eficiência que decorreria da " m a i o r flexibilidade orçamentária e a d m i n i s t r a t i v a " das Fundações e m relação às autarquias. Na verdade, a tentativa era de eximir o Estado de u m a parte considerável d o ônus financeiro decorrente do custeio da Universidade, j o g a n d o essa responsabilidade para a Instituição de Ensino que deveria, sob a f o r m a de Fundação, buscar os recursos necessários para o seu f u n c i o n a m e n t o . A decorrência dessa proposta era evidente. Diante da notória escassez de recursos que eventualmente p o d e r i a m vir de fontes não estatais, só sobraria para as Universidades, c o m o único recurso de sobrevivência, a cobrança dos "serviços prestad o s " aos seus alunos. Uma f o r m a nada sutil de implantar definitivamente o ensino pago na Universidade pública. E t a m b é m nada original. Tal c o m o a idéia da reforma gerencial, t a m b é m a transformação das autarquias em fundações já era defendida pelo professor A t c o n e pelo General Meira Mattos e m seus t r i s t e m e n t e célebres relatórios. Na época, os estudantes, através de sua entidade nacional, repeliam tais p r o postas, a f i r m a n d o que "a t r a n s f o r m a ç ã o da universidade e m fundação pressupõe a existência de u m a f i r m e estrutura capitalista, na qual as empresas se sentirão e m condições de investir e m projetos de educação superior que lhes f o r n e ç a m q u a d r o s técnicos que se fazem necessários. Esse, no entanto, não é de m o d o a l g u m o caso d o capit a l i s m o brasileiro, d o m i n a d o pelo i m p e r i a l i s m o . Assim, a transformação da Universidade e m fundação significa a entrega da Universidade ao i m p e r i a l i s m o , pois só os g r u p o s m o n o p o l i s t a s do capital internacional terão condições de m a n t e r e orientar as universidades transformadas e m fundações, levando à progressiva privatização do ensino superior. C o m o conseqüência, t e r e m o s o e n q u a d r a m e n t o da estrutura educacional superior do país numa f o r m a de organização e m que ela dependerá m a t e r i a l m e n t e dos g r u p o s privados não nacionais, imperialistas que, em última análise, a d i r i g i r ã o " . <3> Esse debate mostra c o m o há quinze anos tentava-se, da m e s m a f o r m a que hoje, através de tortuosos caminhos, acabar com o ensino público e g r a t u i t o no t e r ceiro grau. As linhas mestras dessa política f o r a m traçadas naquela época e, e m g r a n de parte, colocadas e m prática no decorrer dos ú l t i m o s anos. Prova disso é a expansão indiscriminada da rede superior de ensino particular. Restaram alguns pequenos espaços ainda intocados e que v o l t a m a ser assediados agora, obedecendo as diretrizes traçadas na década de 60, c o m o ilustram os exemplos citados. Repelidos pela c o m u n i d a d e universitária, esses projetos o u são i m p l a n t a d o s à sua revelia - c o m o é o caso da r e f o r m a gerencial que já começa a ser ensaiada e m alg u m a s instituições - ou v o l t a m para os laboratórios do poder onde, depois de passarem por ligeiras modificações, são apresentados c o m o idéias novas para solucionar os p r o b l e m a s da universidade.

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A m a i s recente c r i a ç ã o d o C o n s e l h o Federal d e Educação, d e p o i s d o seu parecer f a v o r á v e l a i m p l a n t a ç ã o d o e n s i n o p a g o nas instituições públicas, é a classificação das u n i v e r s i d a d e s e m t r ê s t i p o s d i s t i n t o s , s e g u n d o o t i p o de atividade p o r elas d e s e n v o l v i d o . Para o CFE, d e v e r i a m existir " i n s t i t u i ç õ e s de p e q u e n o p o r t e - v o l t a d a s para as a t i v i d a d e s de e n s i n o , da pesquisa aplicada e da extensão - d i r i g i d a à c o m u n i d a d e r e g i o n a l ; a d e m é d i o p o r t e - c o m u m a área de influência q u e ultrapassa a visão m i c r o r e g i o n a l - c o m m a i o r o f e r t a de serviços t a n t o de e n s i n o c o m o se pesquisa aplicada e ensaios de pesquisa p u r a , a l é m de p r o g r a m a s de expansão; e as de g r a n d e porte, c o m acentuada m a g n i t u d e e m sua o r g a n i z a ç ã o e n o s serviços educacionais oferecidos, m a n t i d o s o u s u b s i d i a d o s p e l o s p o d e r e s p ú b l i c o s . " (') Esta é a p r o p o s t a m a i s b e m acabada de estender a privatização aos seus limites m á x i m o s . Colocada e m prática, ela reduziria a oferta de e n s i n o p ú b l i c o e g r a t u i t o a u m restrito c o n j u n t o de i n s t i t u i ç õ e s " c o m acentuada m a g n i t u d e e m sua o r g a n i z a ç ã o e nos serviços e d u c a c i o n a i s o f e r e c i d o s " o u o q u e a l g u n s p r e f e r e m c h a m a r de centros u n i v e r s i t á r i o s de excelência. S ó eles, parcela i n s i g n i f i c a n t e da U n i v e r s i d a d e brasileira, ser i a m " m a n t i d o s o u s u b s i d i a d o s pelos p o d e r e s p ú b l i c o s " . E a palavra " s u b s i d i a d o s " revela, ainda, q u e n e m esses c e n t r o s de elite s e r i a m c u s t e a d o s t o t a l m e n t e p o r v e r b a s públicas. C o n c l u i - s e a s s i m o l o n g o processo. Se, e m q u i n z e anos, foi possível reduzir de três para u m o n ú m e r o de v a g a s oferecidas pelas u n i v e r s i d a d e s públicas e m relação a rede p a r t i c u l a r , p o d e - s e esperar q u e e m t e m p o b e m i n f e r i o r seja a n i q u i l a d o esse u m t e r ç o restante de e n s i n o s u p e r i o r p ú b l i c o e g r a t u i t o . Pelos pareceres d o CFE fica clara a i n t e n ç ã o de t o r n á - l o tão r e d u z i d o q u e servirá apenas para m o s t r a r , às gerações f u turas, c o m o havia sido o e n s i n o n o Brasil e m t e m p o s r e m o t o s , t r a n s f o r m a n d o - o e m peça de m u s e u . O p r o f e s s o r A t c o n e o g e n e r a l M e i r a M a t t o s não f a r i a m m e l h o r . LAURINDO LEAL FILHO Vice-Presidente Nacional da A N D E S

BIBLIOGRAFIA CITADA: (<) citado por Tavares, José Nilo in "Gênese da Reforma que não houve", mimeografado - Rio de Janeiro 1978 (2) "Folha de São Paulo" - 22.07.81 (3) Tavares, José Nilo - idem («) "O Estado de São Paulo" - 07.10.81

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CONSIDERAÇÕES SOBRE DOCUMENTO ENDEREÇADO AOS DIRIGENTES DE INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PELO SECRETÁRIO DE ENSINO SUPERIOR DO M.E.C. EM 08/03/81 Se q u i s e r m o s compreender bem tal d o c u m e n t o elaborado pelo Secretário de Ensino Superior - Tarcisio Guido Delia Senta - enviado através dos dirigentes das IES para as A D ' s e para os DCE's, t e r e m o s que perguntar, e m p r i m e i r o lugar, por que a educação foi (e é) tão " v a l o r i z a d a " de 1968 para cá, apesar de nos parecer o contrário? Por que ela se torna u m i n s t r u m e n t o tão fundamental da ação política dos setores d o m i n a n t e s para a imposição de u m m o d e l o político-econômico? Não cabe aqui fazer u m a análise exaustiva dos conflitos e perspectivas da época, mas, t e n t a r e m o s levantar alguns aspectos da situação para c o n t r i b u i r para o início de u m a reflexão sobre a política educacional adotada hoje pela União. De 1930 a 1960, as relações entre a política e a economia caracterizavam-se c o m o mais ou m e n o s estáveis: tendências populistas e m o d e l o de expansão da indústria. C o m a penetração do capital estrangeiro foi ocorrendo u m r o m p i m e n t o d o equilíbrio entre o m o d e l o político e o econômico. O empresariado - internacional e nacional - e as forças armadas iniciaram a retirada do apoio ao m o d e l o político. As contradições chegaram a u m impasse de radicalidade e os rumos do d e s e n v o l v i m e n t o precisaram ser redefinidos. Esta definição foi dada pelo movimento de 1964, que assume o m o d e l o econômico de concentração da renda a partir de u m processo de modernização do sistema. Cabe l e m b r a r aqui que a expansão deste m o d e l o implicou no favorecimento de determinadas camadas sociais e m d e t r i m e n t o de outras. Isto i m p l i c o u n u m a redefinição das funções do Estado, tais como: reforço do executivo, a u m e n t o d o controle feito pela C.S.N., e centralização e modernização da administração pública. C o m essa m u -

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dança d o m o d e l o e c o n ô m i c o e político, a educação começa a ser percebida c o m o u m dos fatores f u n d a m e n t a i s para a implantação d o m o d e l o e é atingida - na prática - a partir de 1968. Neste sentido, tivemos dois m o m e n t o s para a educação. O primeiro, ao lado de m e d i d a s repressivas, buscava atender a u m crescimento da demanda à educação, o que serviu d e justificativa para a assinatura de u m a série de convênios entre o MEC e a A g e n c y f o r International D e v e l o p m e n t (AID). Em outras palavras, este é o período d o s c h a m a d o s " a c o r d o s M E C - U S A I D " . O s e g u n d o m o m e n t o é o das medidas mais práticas e a c u r t o prazo: por influência da assistência técnica dada pelo USAID, iniciou-se a i m p l a n t a ç ã o de medidas " e m d e f i n i t i v o " . A assinatura dos convênios possibilitou a reorganização d o sistema educacional brasileiro pelos técnicos da AID. Situaram o p r o b l e m a educacional na estrutura d o n o v o m o d e l o p o l í t i c o - e c o n ô m i c o e lançaram as principais bases das reformas que se seguiram e s e r v i r a m de f u n d a m e n t o para a comissão educacional brasileira completar sua definição da política educacional a ser posta e m prática. (') Nas palavras da Escola Superior de Guerra as metas da " r e v o l u ç ã o " de 1964 p o d e r i a m ser traduzidas pelo b i n ô m i o segurança-desenvolvimento. O objetivo era segurança, e m benefício d o desenvolvimento d o país, na manutenção d o modelo polític o - e c o n ô m i c o e t a m b é m era o p r ó p r i o crescimento e c o n ô m i c o que deveria se dar e m beneficio da segurança. Portanto, segurança-desenvolvimento define bem, como bin ô m i o , as metas propostas pelo m o d e l o p o l í t i c o - e c o n ô m i c o brasileiro. Dentro dessa perspectiva, a educação se t o r n a u m a questão de segurança nacional p o r q u e é considerada - na teoria e na prática - u m dos agentes de institucionalização e f o r t a l e c i m e n t o d o m o d e l o e m destaque, isto é, fortalecimento do estágio atual (68 até hoje) d o capitalismo brasileiro; é u m e l e m e n t o que age sem perder de vista o seu o b j e t i v o p r i m e i r o e ú l t i m o : barateamento e f o r m a ç ã o (técnica) de m ã o - d e obra que são os e x e m p l o s mais diretos deste processo. ( 2 ) O papel p r o c l a m a d a m e n t e atribuído pelo Estado à Educação é o de instrum e n t o de correção de injustiças sociais: crê-se que é preciso " e q u a l i z a r as o p o r t u n i d a d e s " de se educar p o r q u e desta f o r m a as desigualdades que passam a existir são naturais, s e g u n d o os m é r i t o s de cada u m , e, p o r t a n t o , a hierarquização social será mais " j u s t a " . É neste raciocínio que está apoiado t o d o o d o c u m e n t o do MEC, isto é, as vagas f o r a m a u m e n t a d a s de 68 para cá no terceiro grau ('), não há mais " c o n f l i t o s " causados por excedentes d o s vestibulares, o p o r t u n i d a d e s são " i g u a i s " para todos, na concorrência os " m e l h o r e s " se sobressaem e a " j u s t i ç a " c u m p r e sua missão. Dentro desta análise, o problema da equalização de oportunidades deve ser r e t o m a d o : a equalização é de o p o r t u n i d a d e s , mas esta e q u a l i z a ç ã o significa diferenciação, isto é, é i m p o r t a n t e que todos acreditem q u e possam se educar; porém, não é i g u a l m e n t e interessante que isto ocorra e, se ocorrer, será de maneira desigual, ou seja, a q u a l i d a d e d o ensino variará de acordo c o m a classe que a receber. A nível do 3 ? grau, q u e m o f r e q ü e n t a nas " e m p r e s a s de nível s u p e r i o r " é diferenciado (também no mercado de trabalho) daqueles que f r e q ü e n t a m universidades de qualidade reconhecida. E m geral, o estudante f o r m a d o pelas p r i m e i r a s f o r m a o "exército industrial de reserva", q u e t e m por função o barateamento da m ã o - d e - o b r a . T o d o o fracasso fica, assim, a t r i b u í d o à não aptidão pessoal. Baseando-se no m e s m o raciocínio, a União v e m proclamando sua preocupação c o m o e n s i n o f u n d a m e n t a l , seja através d o d o c u m e n t o d o MEC, seja pela i m p r e n sa, c o m o o b j e t i v o de convencer a opinião pública da "justeza" de suas intenções. N o entanto, o l e v a n t a m e n t o de alguns fatos já é suficiente para colocarmos e m dúvida as manifestações a p a r e n t e m e n t e coerentes d o g o v e r n o : 1. O ensino d o 1 9 g r a u não está sob a jurisdição da União, mas sim de cada 38


Estado da Federação. A t u a l m e n t e , á União só é responsável pelo 3 9 grau. ( 4 ) 2. A o m e s m o t e m p o que apregoa sua preocupação c o m o Ensino Fundamental e " o b r i g a t ó r i o " , que legalmente vai dos 7 aos 14 anos, a União permite a licença, t a m bém legal, para crianças de 12 anos t r a b a l h a r e m (inclusive registradas), o que c o m p r o m e t e sua permanência na escola. 3. O n ú m e r o de vagas que se oferece nos centros urbanos é razoável, mas a oferta de vagas é limitada na zona rural, fazendo c o m que m u i t o s não c h e g u e m a freqüentar escolas. 4. S e g u n d o o p r ó p r i o MEC, das crianças que chegaram até a escola no 1 9 ano d o 1 9 grau e m 1971, evadiram durante este ano, 13,1%; 28,3% f o r a m reprovadas e 37,7% não v o l t a r a m para o 2 9 ano e m 1972. Assim, o fracasso dos alunos c o m u m a condição econômica e social menos privilegiada é quase inevitável, p o r q u e é d e t e r m i n a d o fora da escola, e m b o r a se concretize d e n t r o dela. É preciso q u e se reflita que o p r o b l e m a do 1 9 grau não se resume a mais vagas, assim c o m o este p r o b l e m a não se resolve c o n j u n t u r a l m e n t e , enviando as verbas destinadas ao 3 9 grau para o 1 ? . A l é m disto, quando o MEC afirma suas prioridades ao Ensino Fundamental, e m d e t r i m e n t o d o Ensino Superior, esquece que, para efetivamente a m p l i a r e m e l h o r a r as condições daquele, é indispensável a contribuição decisiva da Universidade, tanto no t r e i n a m e n t o de professores, q u a n t o na busca de alternativas educacionais à nossa realidade econômica e social. ( 5 ) 1. P r e s s u p o s t o s d o D o c u m e n t o do S r . S e c r e t á r i o do E n s i n o S u p e r i o r Tal d o c u m e n t o visa retomar as definições da política educacional que v i v e m o s e dar c o r p o mais f i r m e a ela daqui para frente. Destacamos a n t e r i o r m e n t e que, no período pós 64 (mais explicitamente pós 68) a Educação brasileira foi redefinida e m função d o novo m o d e l o p o l í t i c o - e c o n ô m i co i m p l a n t a d o . Os países do 3 9 m u n d o , f o r a m considerados atrasados e m relação aos países capitalistas desenvolvidos. Esta visão faz c o m que as agências internacionais (AID), a p o n t e m c o m o meta a ser atingida, o estágio em que se encontram estas sociedades desenvolvidas, a d m i t i n d o c o m isto que o desenvolvimento seria "questão de t e m p o " . Se p r o p u s e r a m estratégias de ação que determinassem, nas populações dos países " a t r a s a d o s " , u m a modificação nos hábitos de consumo, de ação e pensamento, c o m o f o r m a s viáveis de atingir o m o d e l o ideal de sociedade, o dos países desenvolvidos. Nesta medida, se privilegiava a aprendizagem e m si, isolada de seu contexto, assim c o m o separou-se a educação e n q u a n t o ciência: a pesquisa educacional torna-se toda voltada para o estudo compartimentalizado d o ensino e se desvaloriza estudos do " s i s t e m a " educacional e m suas relações c o m o contexto sócio-político e econômico e m que se insere. A ajuda internacional para a educação se efetivou através de vários acordos estabelecidos entre o MEC e o U S A I D (,6), e teve c o m o seus dirigentes os Srs. J o h n Hilliard, diretor d o " O f f i c e of Education an H u m a n Resources" da A I D , e n t r e 1966 e 1973, e Rudolph A t c o n , m e m b r o da A I D que o r i e n t o u os p r o g r a m a s e p r o p ô s as linhas gerais de r e f o r m u l a ç ã o da Universidade Brasileira. Hilliard sintetizou a estratégia da A I D do seguinte m o d o : " A A I D t e m por função não a concepção de u m a estratégia da educação, mas, influenciar e facilitar esta estratégia nos setores nos quais seus conhecimentos, sua experiência e seus recursos financeiros p o d e m ser u m a força construtiva que ajudará a atingir os objetivos e decisões e d i s p o n h a m dos recursos necessários. E, então, aos dirigentes 39


dos países e m vias de d e s e n v o l v i m e n t o que cabe decidir sobre a estratégia da educação. ( 7 ) A t c o n expõe alguns princípios c o m o : "... conseguir a f o r m a ç ã o do espírito cívico e da consciência social, c o n f o r m e os ideais d o desenvolvimento pacífico, de respeito aos direitos h u m a n o s e da justiça social". E a i n d a , " . . . a explosão demográfica, o s u r g i m e n t o de vastas populações sem conhecimentos gerais e sem autodisciplina, a diluição da qualidade acadêmica que só se mantinha quando os n ú m e r o s e r a m inexpressivos, nos levam a reconhecer q u e nossa época, forçosamente, exige novos mecanismos para conseguir os m e s m o s antigos fins de u m a real educação". ( 8 ) Estes pensamentos g e r a r a m a f o r m a de atuação da A I D no Brasil (acordos M E C - U S A I D ) , c o m o por e x e m p l o , a utilização de intermediários para a reformulação d o sistema educacional. ( 9 ) É no contexto desses acordos mencionados que surge hoje, e m 1981, o d o c u m e n t o d o Sr. Secretário d o Ensino Superior que t e m c o m o intenção retomar alguns aspectos da educação brasileira já definidos desde aquela época. n 2. C o m e n t á r i o d o D o c u m e n t o d o S r . S e c r e t á r i o d o E n s i n o S u p e r i o r d o M E C I - Recursos p a r a a E d u c a ç ã o Estamos de acordo - c o m o já foi explicitado - que o Ensino Fundamental deve ter prioridade. C o m relação aos recursos para a Educação, problemática que interessa a toda sociedade, o d o c u m e n t o do M E C procura estabelecer: a. u m a n t a g o n i s m o entre o nível superior de ensino e os níveis 1 - e 2- graus; b. considera que o a u m e n t o de recursos para a educação não deve decorrer de a u m e n t o na participação orçamentária, mas sim da busca de o u t r o s meios de financiamento; c. o MEC aceita os limites i m p o s t o s pela política econômica q u a n d o diz: " A compatibilização das grandes prioridades nacionais é u m a decisão e m i n e n t e m e n t e política, que postula não apenas u m a diretriz do g o v e r n o , mas t a m b é m o envolvim e n t o da sociedade c o m o u m t o d o " . No entanto, p e r g u n t a m o s : que possibilidades reais tem a sociedade brasileira de envolver-se c o m o u m " t o d o " no estabelecimento de prioridades, cuja decisão é política, c o m o sugere o p r ó p r i o d o c u m e n t o ? Não é a sociedade brasileira c o m o u m t o d o que decide as prioridades nacionais. Não foi o c o n j u n t o da sociedade que decidiu pelo gasto da o r d e m de 30 bilhões de dólares n u m acordo nuclear que nossa c o m u n i d a d e científica d e m o n s t r o u cabalmente ser u m absurdo. Q u e m decidiu pela c o m p r a de radares na França, que poderiam ser fabricados no Brasil? S e g u r a m e n t e , não foi o c o n j u n t o da sociedade, c o m o t a m b é m não foi ela q u e m discutiu e a p r o v o u prioridades de o r ç a m e n t o de n e n h u m nível, seja ele federal, estadual o u municipal. O Estado v e m se d e s c o m p r o m i s s a n d o cada vez mais c o m serviços que deveriam ser públicos. O brasileiro é infelizmente, u m povo doente; no entanto, o orçam e n t o d o M i n i s t é r i o da Saúde é apenas da o r d e m de 3%. A privatização neste setor é alarmante e o lucro das empresas médicas é garantido mensalmente c o m 8 % dos salários de cada trabalhador, servindo o g o v e r n o apenas de intermediário para o repasse do dinheiro, sustentando c o m isto, u m a assistência médica altamente lucrativa, de altos custos e de eficiência e x t r e m a m e n t e duvidosa. Na área de educação, os recursos t ê m sido irrisórios: entre 1970 e 1973, enquanto o PNB subia de 9,5% para 11,4%, o percentual orçamentário para a Educação 40


caia de 3,1% para 2,9%, chegando até 2,5% e m 1975. Hoje, mal ultrapassa os 4,0%, enq u a n t o a U N E S C O , assim c o m o a nossa constituição de 1964, consideram a o b r i g a t o riedade de investir e m educação c o m pelo menos 12% da receita da União (e na Constituição, c o m pelo m e n o s 20% da receita dos Estados). Consideramos que a União deve participar d i r e t a m e n t e , c o m recursos orçamentários, e m t o d o s os níveis de educação, assim c o m o consideramos que é a sociedade c o m o u m t o d o que deve r e a l m e n t e decidir sobre as prioridades nacionais. Neste item, o d o c u m e n t o d o MEC deixa claro que não pretende expandir a rede pública d o ensino superior, seja e m t e r m o s de instituições, seja e m t e r m o s de n o v o s cursos. Considera ainda que a rede federal de ensino de 3- grau dispõe de: - u m espectro a m p l a m e n t e diversificado de oferta de p r o g r a m a s de formação profissional, c o b r i n d o as diferentes áreas do conhecimento; - u m expressivo contingente de professores pós-graduados e e m dedicação integral à atividade didático-científica; - u m a oferta igualmente expressiva de cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado); - u m a intensa e diferenciada produção de pesquisas; - u m elenco de atividades estruturadas e de caráter continuado, v o l t a d o para a prestação de serviços e o e n v o l v i m e n t o e m p r o g r a m a s de ação comunitária. Considera ainda que o reforço de recursos financeiros às Instituições d e Ensino S u p e r i o r Federais, sob a f o r m a de suplementação, no decorrer d o exercício dos últim o s três anos, t e m se elevado a mais de 100% d o orçamento inicial. Vejamos c o m o o d o c u m e n t o d o CRUB de 05 de setembro de 1980 considera esta questão: " A partir de 1973 decresceram sistematicamente as dotações para o u t r o s custeios e capital, e m franca contradição c o m ò apoio até então recebido pelas IES para se m o dernizarem. Os dados básicos são os seguintes: 1 ? . Os recursos para outros custeios e capital diminuíram, desde 1973 até 1978, de 32%, e m v a l o r real; apenas e m 1979, nota-se pequeno acréscimo, de 13%, e m relação ao ano inicial. No m e s m o período, as dotações de pessoal a u m e n t a r a m de 106% (ver q u a d r o IV e gráfico 2). A dotação original, no exerício de 1980, foi de 43% inferior, em t e r m o s reais à de 1973. 2°. A composição dos recursos destinados ao ensino superior federal alterou-se, no m e s m o intervalo, c o m evidente depreciação das dotações de custeios e capital, que representavam, e m 1973, 32% dos recursos totais e passaram a 15% e m 1979, ating i n d o o m í n i m o de 9% e m 1978 (ver q u a d r o IV e gráfico 3). 3 ? . A s aplicações dos citados recursos por d o c e n t e e m t e m p o i n t e g r a l , p o r m e s t r e e d o u t o r e por a l u n o , d i m i n u í r a m todas no período: respectivamente de 77%, 72% e 28% (ver quadro V e gráfico 3 e 4). 4 - , A participação das dotações de o u t r o s custeios e capital na receita da União foi a m e s m a nos dois anos extremos da série: 0,8% e m 1973 e 1979, havendo passado pelo m í n i m o de 0,3% e m 1978. O crescimento e m 1979 deve-se à retardada suplementação daqueles recursos n o final desse ano (ver quadro VI e gráfico 5). Estes dados bastam para evidenciar que as IES têm convivido, desde 1973, c o m elevad o déficit nas rubricas de o u t r o s custeios e capital, que se acumula desde então. Apenas e m 1979, n o t o u - s e tímida m e l h o r a , por conta da tardia suplementação recebida e m d e z e m b r o desse ano. Em conseqüência, t e m - s e tornado cada vez mais difícil atender à expansão d o c o r p o discente e da atividade de pesquisa - e s t i m u l a d a s a p r i n c i p i o p e l o G o v e r n o F e d e r a l - que r e q u e r e m mais espaço físico, mais recursos para

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manutenção e reparo, m a i o r c o n s u m o de energia, material de c o n s u m o e combustíveis, mais livros e periódicos, mais e q u i p a m e n t o s didáticos e científicos. Não podemos fugir à evidência de q u e tais necessidades são sistematicamente ignoradas pelos ó r gãos responsáveis' pela política econômico-financeira; aliás, estes órgãos não mais analisam as propostas de o r ç a m e n t o das IES, limitando-se a fixar tetos de " e x p a n s ã o " de cada rubrica, c o m base e m taxas teóricas de inflação, s e m p r e inferiores aos valores reais de desvalorização da moeda. Entre as unidades de apoio ao ensino e à pesquisa que estão sendo mais duramente atingidas pela insuficiência de recursos para custeio e capital, destacam-se os Hospitais Universitários. E m todas as IES Federais, o n d e existem, os hospitais de ensino, v ê m funcionando precariamente, s e m p r e abaixo de sua capacidade n o m i n a l de leitos. A s IES devem ter a c o r a g e m de denunciar p u b l i c a m e n t e que a formação prática de seus médicos e enfermeiras está sendo c o m p r o m e t i d a nessas condições; mais ainda, d e v e m revelar que t ê m d e t e r i o r a d o v i s i v e l m e n t e as c o n d i ç õ e s s a n i t á r i a s dos hospitais universitários, e crescido o índice de infecção, e não se prevê que m e l h o r e m a curto prazo. Há ostensiv o prejuízo, t a m b é m , para a assistência médica, primária e especializada, por eles prestada à população mais carente. Para m i n o r a r seu déficit, os hospitais universitários, c o m o de resto toda a Universidade, recorrem a convênios, n e m s e m p r e de seu interesse, mas que asseguram alguma receita adicional. Todavia, a instabilidade e descontinuidade dos convênios, c o m b i n a d a s c o m a prévia vinculação dos recursos gerados a rubricas diversas da de custeio, neutralizam em grande parte os benefícios q u e deles p o d e r i a m resultar. Isoladamente, os encargos para m a n u t e n ç ã o dos hospitais constituem o maior ônus que afetam as IES. A u m e n t a a cada ano o percentual de recursos de custeio e capital absorvido pelos hospitais; a d i m i n u i ç ã o de tais dotações levará, e m breve, a se destinar praticamente a t o t a l i d a d e desses recursos para a manutenção precária dos hospitais d e e n s i n o . " Vemos, p o r t a n t o , q u e a situação das Universidades Federais não permite o des e n v o l v i m e n t o real d o q u a d r o q u e o d o c u m e n t o m o s t r o u auspicioso. II - S u b s í d i o a o E n s i n o P a r t i c u l a r A q u i , a tendência à particularização d o ensino do 3 9 grau, já apontada por nós, se manifesta até m e s m o pela naturalidade da fala d o d o c u m e n t o d o MEC e m relação aos 75% d o ensino superior que pertencem à rede privada. A imensa maioria das Instituições de Ensino Superior particular, são meras " r e p e t i d o r a s " d o c o n h e c i m e n t o , s e m n e n h u m a contribuição ao d e s e n v o l v i m e n t o da ciência, da cultura e da arte. E m b o r a sejam 75% d o ensino superior, a elas corresponde (excluídas as PUC's) apenas 4% dos cursos de mestrado e 3% dos de d o u t o r a d o do país. As PUC's, sozinhas, m a n t ê m 8 % dos mestrados e 4% dos d o u t o r a d o s . E m b o r a , n o papel, as Instituições de Ensino Superior particulares sejam entidades sem fins lucrativos, na prática, seus lucros são enormes, c o m o evidenciam os grandes investimentos patrimoniais. Este lucro é conseguido às custas de u m a péssima qualidade de ensino; há u m grande n ú m e r o de alunos por sala para d i m i n u i r os custos, professores e m r e g i m e de horas-aula, mal remunerados, sem o m í n i m o de estabilidade, e m u i t a s vezes, i m p e d i d o s de organizar suas entidades representativas, não existem os regimes de trabalho compatíveis c o m o ensino ( c o m o o t e m p o integral) e t a m p o u c o carreira docente. Os docentes vêem-se tolhidos tanto para se orga-

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nizar c o m o para debater os t e m a s que j u l g a m i m p o r t a n t e s para a sociedade brasileira. A estrutura de poder qí existente é t o t a l m e n t e autoritária e os colegiados existentes, além de viciados na f o r m a , são t o t a l m e n t e inoperantes. E m síntese, estas não p o d e r i a m ser consideradas, de fato, instituições de Ensino Superior, m e n o s ainda Universidades, o n d e o debate deve ser a m p l o e p r o f u n d o , garantindo u m clima propício para a f o r m a ç ã o e a informação. Estas Instituições são, e m sua grande maioria, " f á b r i c a s " de diplomas que são c o m p r a d o s e m prestações nada suaves. Ainda assim, o d o c u m e n t o do MEC indica a intenção d o g o v e r n o de ampliar a assistência ao ensino privado através de: a) ampliação d o sistema de isenção fiscal; b) revisão dos critérios de f i n a n c i a m e n t o visando ampliar as facilidades de obtenção de e m p r é s t i m o s pelas IES particulares; e c) reestudo do crédito educativo. Já v i m o s c o m o se e n c o n t r a m as Universidades públicas e m t e r m o s de verbas; no entanto, o g o v e r n o se dispõe, e m b o r a fora do o r ç a m e n t o para a Educação, acarrear verbas públicas para o ensino privado, seja através de recursos da Caixa Econômica, seja através de incentivos fiscais. Que garantias existem de que o d i n h e i r o conseguido implicará na queda d o valor das mensalidades e na m e l h o r i a d o ensino? Que garantias t ê m os professores de que seus salários serão aumentados e de q u e as condições de trabalho serão dignificadas? A estrutura autoritária e repressora destas Instituições fazem prever o contrário, o u seja, o a u m e n t o d o lucro, aliás, finalidade precípua da imensa maioria das IES particulares. Quanto ao crédito educativo, que garantia t ê m os estudantes de que q u a n d o f o r m a d o s terão e m p r e g o certo e salário d i g n o para poder pagá-lo? N e n h u m a . O incentivo do g o v e r n o à privatização do ensino superior, levou a resolver questões i m portantes para ele (governo). Em p r i m e i r o lugar, resolveu o p r o b l e m a dos "excedentes" que se a c u m u l a v a m nos fins dos anos 60. Em segundo lugar, criou u m excedente ao nível de mercado e de baixa qualificação, resultando na d i m i n u i ç ã o dos níveis de salários (só no Estado de São Paulo, há mais de 10.000 engenheiros desempregados). Esta política v e m b e m de acordo c o m os princípios estabelecidos e m lei: " A Educação deve servir ao d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o " . O excedente de m ã o - d e - o b r a leva aos baixos salários que p r o p i c i a m maiores lucros e, p o r t a n t o , m a i o r acumulação de capital. A l é m disto, o p r ó p r i o setor da educação, c o m o o da saúde, passa a ser u m a f o r m a de acumulação e m si p r ó p r i a . Q u a n t o ao setor privado ainda, o d o c u m e n t o do MEC joga os professores contra os estudantes q u a n d o a f i r m a que o a u m e n t o semestral das anuidades é decorrência d o a u m e n t o semestral dos docentes, levando a u m a falsa oposição. III - G r a t u i d a d e d o E n s i n o S u p e r i o r P ú b l i c o Neste i t e m o d o c u m e n t o do MEC recoloca a antiga idéia de q u e os estudantes da escola pública s u p e r i o r são aqueles mais privilegiados, e m condições de pagar seus estudos, e n q u a n t o q u e os estudantes mais pobres são os que p a g a m o ensino nas IES particulares. N o v a m e n t e o d o c u m e n t o releva que as causas deste f e n ô m e n o são externas ao sistema educacional. A discussão deve ser posta e m o u t r o s t e r m o s . Não se trata de eliminar uma "injustiça social" através da cobrança d o ensino nas Universidades públicas; trata-se de discutir o m o d e l o c o n c e n t r a d o r de renda, o regime t r i b u t á r i o injusto, as prioridades nacionais. Trata-se, p o r t a n t o , da discussão de "fatores externos ao sistema educacion a l " a que se refere o d o c u m e n t o d o MEC. Enfim, a g r a t u i d a d e d o ensino r e m e t e - n o s à discussão dos recursos para a educação, o que significa - para a sua solução adequada - u m debate real e a m p l o das prioridades do o r ç a m e n t o público. 43


Trabalharam na elaboração deste documento: Gruoo de Trabalho sobre Política Educacional da A N D E S - Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior. Carlos Baldijão, Renato Ortiz, Wolfgang l e o Maar, Alexandre Magalhães e José Gaspar Grulwf d e T r a b a l h o sobre Educação da A P R O P U C / S P - Associação dos Professores da PUC/SP: Branca Jurema Ponce, Regina Maria Gonçalves P. Lopes, Maria Luiza dos Santos Ribeiro, Márcia Rocha Pitta e José Gaspar Ferraz de Campos. BIBLIOGRAFIA ATCON R., Rumo â Reformulação Estrutural da Universidade Brasileira, MEC, Rio de Janeiro, ' 1966. COMBLIN, Pe. Joseph, A Ideologia da Segurança Nacional: O Poder Militar na América Latina, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978. CUNHA, L. A., Educação e Desenvolvimento Social no Brasil, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975. FÁVERO, Maria de Lourdes, A Universidade Brasileira em Busca de sua Identidade, Petrópolis, Ed. Vozes Ltda., 1977. FREITAG, Bárbara, Escola, Estado e Sociedade, São Paulo, EDART, 1977. HILLIARD, J., " V e r s une stratégie de 1'AID en matière d'education", in Perspectives, vol. IV, n 5 2, UNESCO, 1974. IANNI, O., O Colapso do Populismo no Brasil, Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1971. IANNI, O., Estado e Planejamento no Brasil ( 1 9 3 0 - 1 9 7 0 ) , Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1971. Relatório Meira Mattos, Revista Paz e Terra, Rio de Janeiro, 9, pp. 199-242, outubro, 1969. CRUB - Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras - A Situação das Universidades e E s c o las Superiores Isoladas Federais, setembro, 1980. ADUFRS - A Nova Política Educacional - versão preliminar - 07.05.81. ( 1 ) Relatório Meita Mattos. ( 2 ) Como no caso dos professores do 3 9 grau: aumento do número de vagas para este nível educacional em desproporção com a qualidade do ensino oferecido. ( 3 ) Vale lembrar aqui que as camadas médias, com o processo de monopolizaçáo crescente do capital, foram destituídas de suas possibilidades de ascensão social através do estabelecimento de pequenas e médias empresas, tornando-se a escola o último recurso para a almejada ascensão social. Forçam, destajorma, a entrada nas Universidades e geram um dos grandes problemas da década de 60: o dos excedentes. ( 4 ) É importante enfatizar que em momento algum pedimos atenção ao 3 9 grau em detrimento do 1 g ; pelo contrário, nosso interesse é de que a educação brasileira se torne digna em todos os seus níveis e extensões. ( 5 ) Ver análise feita pela ADUFRS, "A 'Nova' Política Educacional" (versão preliminar) - 07.05.81. ( 6 ) United State Agency for International Development. ( 7 ) Hilliard, Vers une stratégie de l'AID en matière d'education" - in Perspectives, vol. IV, n 9 2, UNESCO, 1974. ( 8 ) Atcon, Rumo à Reformulação Estrutural da Universidade Brasileira. ( 9 ) Estes acordos MEC-USAID geraram vários decretos-lei para a educação universitária, tais como o de n 9 53 de 10 de novembro de 1966; o de n 9 252 de 28 de fevereiro de 1967, etc. Foi criada também pelo Governo Federal, no final de 1967, no auge da crise estudantil, uma Comissão Especial que tinha por função traçar, com base nos acordos, as novas diretrizes da educação brasileira. O produto do trabalho dessa Comissão é o Relatório Meira Matos ( 1 °) Como, por exemplo, o aspecto que consta como um dos itens do Relatório Meira Matos: "instituir a cobrança de anuidade do ensino superior".

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POLÍTICA EDUCACIONAL: FALSAS PRIORIDADES E A UNIVERSIDADE DEMOCRÁTICA

INTRODUÇÃO U m a das características da política educacional brasileira t e m sido a dependência a m o d e l o s estrangeiros e u m a e n o r m e distância da realidade nacional, e m termos de a t e n d i m e n t o às necessidades da maioria da população. Este distanciamento das necessidades da população se acentua na medida e m que a discussão dos problemas educacionais fica restrita a u m pequeno g r u p o de técnicos; e assim, as reformas são impostas de f o r m a autoritária. A história recente da educação brasileira mostra que a necessidade de u m a r e f o r m a universitária somente assumiu a condição de p r i o r i t á r i a , q u a n d o a pressão dos excedentes por mais vagas na universidade assumiu u m caráter político, princip a l m e n t e n o ano de 1968. A resposta dada pelo g o v e r n o à q u e s t ã o u n i v e r s i t á r i a foi proposta c o m o t e n d o u m caráter e m i n e n t e m e n t e técnico, baseando a política educacional e m relatórios apresentados por pequenos g r u p o s de especialistas, com forte influência norteamericana, tais c o m o o relatório A t c o n , os acordos M E C - U S A I D e o relatório Meira Matos, entre outros. A Lei 5.540/68, conhecida c o m o a da Reforma Universitária, que orienta a estruturação das instituições de ensino superior, refletiu o caráter autoritário do regime, ao ser i m p o s t a sem a participação dos grupos interessados e evitando críticas à sua 45


implantação através d o Decreto 477, que previa punições de professores e alunos descontentes c o m a situação vigente. A Reforma Universitária, ao estabelecer r e g i m e de créditos, ciclo básico, vestibular unificado, licenciatura curta, departamentalização, contribuiu para a desmobilização da c o m u n i d a d e acadêmica, sendo, certamente, u m dos fatores responsáveis pela qualidade d o ensino e da pesquisa, praticados nas instituições de ensino superior. A t u a l m e n t e há m u i t o pouco de concreto e preciso e m t e r m o s das alternativas a serem encaminhadas pelo governo no que diz respeito à política educacional. Duas propostas, entretanto, estão sendo esboçadas pelo Ministério da Educação e Cultura c o m o parte de u m a estratégia de ir i n t r o d u z i n d o , vagarosamente, proposições às vezes a p a r e n t e m e n t e contraditórias, a f i m de preparar a população para u m a política educacional c o m crescente d e s c o m p r o m e t i m e n t o d o setor público c o m a educação em geral e, e m particular, c o m o ensino superior. T a n t o em d o c u m e n t o s enviados às universidades (ver, por e x e m p l o , a circular S E S U / M E C de março de 1981) e e m estudos e n c o m e n d a d o s a seus assessores (ver, por e x e m p l o , o estudo de Esther de Figueiredo Ferraz a p r o v a d o pelo CFE), c o m o e m p r o n u n c i a m e n t o s políticos ao grande público, o MEC t e m - s e m o s t r a d o interessado e m encaminhar duas propostas: a primeira, diz respeito à valorização e e n v o l v i m e n t o d o MEC c o m o ensino de 1 ? e 2° graus; a segunda, apresentada c o m o desligada da anterior, refere-se à transformação das universidades autárquicas e m fundações, recentemente substituída por uma proposta, ainda não explicitada, de reforma gerencial. A primeira proposta baseia-se e m uma aspiração de escolarização universal, pública e gratuita no 1 9 grau de ensino, prevista na Constituição, e n q u a n t o que a segunda se enquadra em u m a perspectiva de privatização da educação superior. A Universidade e a Prioridade ao 1- Grau Há consenso q u a n t o à relevância e à necessidade do ensino de 1 ? grau universal e gratuito. Existem, neste País, cerca de sete milhões de crianças e m idade escolar que não recebem a t e n d i m e n t o educacional; além disso, o n ú m e r o de alunos que não logra aprovação nas primeiras séries, ou seja, que não t e m sucesso no processo de alfabetização f o r m a l , é espantoso; por conseqüência, a pirâmide educacional brasileira não consegue alterações substanciais e m sua f o r m a . É imperioso, pois, que se torne realidade o direito de t o d o s os cidadãos, de sete a quatorze anos, à escolarização, além da necessidade de ampliação das o p o r t u n i d a d e s educacionais após os o i t o anos de escolarização o b r i g a t ó r i a . Sem se perguntar pelas causas desta grave situação, o MEC parece estar decidido a redefinir suas prioridades educacionais e t o m a r a si a tarefa de escolarizar aqueles que não t ê m acesso à escola, n u m a tentativa de substituição aos governos estaduais e municipais, a q u e m c o m p e t e legalmente a oferta de escolaridade de 1 ? e 2 9 graus. As dificuldades financeiras de estados e municípios, derivados da política tributária vigente no país, q u e os impede de c u m p r i r integralmente c o m suas responsabilidades para c o m a população escolar, não são consideradas pelo MEC. Da mesma f o r m a , não são considerados os fatores extra-escolares derivados da estrutura social que i m p e d e m as crianças oriundas das famílias das classes subalternas, de freqüentar a escola. S e m precisar ainda o c a m i n h o a seguir, a estratégia apontada pelo MEC seria a de transferir recursos d o o r ç a m e n t o d o MEC de u m a o u t r o nível; isto é, retirar recursos hoje investidos no 3 9 grau e aplicá-los na necessária ampliação de vagas e melhoria da qualidade d o ensino de 1 9 grau.

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Entretanto, depositar na alteração da distribuição interna d o o r ç a m e n t o d o MEC, t o d a a ação e m p r o l da universalização da educação pública, é desmerecer o valor filosófico e político deste o b j e t i v o e aviltar a possibilidade de se estabelecer, de fato, u m a mudança na situação educacional. A este respeito, há três considerações distintas a fazer: a. Se é m o m e n t o para a mobilização de esforços g o v e r n a m e n t a i s para a expansão de matrículas, m e l h o r i a da qualidade de ensino e m a i o r produtividade d o ènsino f u n d a m e n t a l , deveria ser t a m b é m ocasião para se colocar a educação e m u m lugar adequado, isto é, relevante entre as prioridades nacionais. Para tanto, é necessário a u m e n t a r o o r ç a m e n t o d o M E C , comparativamente a o u t r o s Ministérios (especialmente e m relação aos das áreas não-sociais), e apoiar a tendência à municipalização d o ensino, q u e v e m sendo i m p l e m e n t a d a ao longo da última década, através da alocação de maiores recursos financeiros aos estados e municípios. Desta f o r m a , a inversão de prioridades a nível i n t e r n o d o atual o r ç a m e n t o do M E C se t o r n a u m a questão secundária. Ademais, não p o d e ser esquecido que o m o n t a n t e da parcela que p o deria ser carreada para o ensino de 1 ? grau, dentro do o r ç a m e n t o ministerial, não seria tão significativa para provocar alterações substanciais e d u r a d o u r a s nas condições escolares. O princípio básico é d e que mais recursos são necessários à educação e que estes deveriam ser acrescentados aos atualmente disponíveis, evitando-se a disputa intraministerial e se assegurando a sua continuidade; b. Se a verdadeira intenção desta proclamada ênfase n o ensino f u n d a m e n t a l é oferecer ao indivíduo e à c o m u n i d a d e o i n s t r u m e n t a l f u n d a m e n t a l para a satisfação das necessidades básicas, d o s direitos sociais e de participação d o Estado nacional, entende-se que, c o m o a p o i o d e f i n i t i v o d o g o v e r n o federal, a descentralização d o processo decisório e de i m p l e m e n t a ç ã o é u m a condição para o êxito. Trata-se, p o r t a n t o , de u m a redefinição do papel e da posição da educação no contexto de outras políticas g o v e r n a m e n t a i s a exigir adequada alocação dos recursos públicos; c. O ensino de nível s u p e r i o r (graduação e pós-graduação), é fator indispensável para a melhoria das condições de aprendizagem nos d e m a i s níveis de e n sino. É a universidade que f o r m a os professores e que deve, p o r t a n t o , desenvolver a pesquisa (de c o n t e ú d o específico, psico-pedagógico o u sócio-política) necessária para m a i o r relevância social e eficiência do ensino m i n i s t r a d o e m t o d o s os níveis. A s s i m sendo, parece ficar claro que a ênfase anunciada pelo MEC c o m relação ao ensino f u n d a m e n t a l , é a nova f o r m a de encaminhar a política educacional, no sentido da redução da responsabilidade d o Estado na oferta de educação de nível superior, c o m o está sendo p r o p o s t o no estudo da Professora E s t h e r d e Figueiredo Ferraz, recentemente aprovado pelo Conselho Federal de Educação. Partindo da prioridade inegável d o ensino f u n d a m e n t a l , o g o v e r n o propõe a solução falsa da implantação d o ensino pago nos o u t r o s níveis, mediante a transformação da educação e m m e r c a d o r i a a ser ofertada por empresas capitalistas. Mais eficaz, social e e c o n o m i c a m e n t e , é a busca de alternativas para o f i n a n c i a m e n t o público de u m a educação de m e l h o r q u a l i d a d e , extensiva ao m a i o r n ú m e r o da população. Algumas Idéias sobre u m a Universidade Democrática O pressuposto básico d o q u a l se parte ao pensar a questão da Universidade brasileira hoje, é de, que ela só t e m sentido (enquanto o lugar o n d e se realiza o mais alto nível de educação e t r e i n a m e n t o ) se estiver voltada para o a t e n d i m e n t o d a s n e c e s s i d a d e s da m a i o r i a d a p o p u l a ç ã o . A partir deste pressuposto e da própria ne-

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cessidade de definição do seu significado, o passo inicial básico para redefinição da universidade brasileira, só p o d e ser dado por u m debate e n v o l v e n d o amplos setores da população. Tal debate envolve não somente aqueles diretamente ligados à universidade (alunos, professores, e outros servidores), b e m c o m o (e, talvez, principalmente) todos os setores da sociedade, democraticamente organizados, c o m o por exemplo, organizações de classe, partidos políticos, etc. S u p e r a d o o isolamento conformista ora vivido pelos integrantes da universidade, tal debate permitiria pensar a atividade da universidade e m função das necessidades, a curto e a longo prazo, da sociedade brasileira. Nas condições atualmente vigentes, as características da atividade universitária estão definidas a partir dos interesses dos grupos dirigentes d o Estado (via MEC, CFE) e da própria universidade, sem u m real contato e constante q u e s t i o n a m e n t o por parte de a m p l o s setores sociais. Em geral, o debate sobre as linhas mestras da universidade brasileira, não consegue extravasar os gabinetes ministeriais. As questões não são levadas a debate n e m sequer entre os corpos docente e discente, que c o m p õ e m a universidade. A atual participação de representantes de setores patronais e m órgãos colegiados de a l g u m a s universidades, mascara e desvirtua o real sentido desta integração universidade-sociedade. Este debate, no entanto, não parte de u m a tabula rasa c o m o se pela primeira vez fora e m p r e e n d i d o . Ele t e m c o m o ponto de partida questões ora e m debate na sociedade e na própria universidade b e m c o m o outras interpostas pelos grupos até então excluídos d o debate. Dentre as questões a t u a l m e n t e e m debate, cabe destacar: o e n s i n o público e g r a t u i t o , as p r i o r i d a d e s de pesquisa e a f o r m a ç ã o profissional. A questão d o ensino público e gratuito envolve, por sua vez, o exame do princípio filosófico sobre a oferta da educação, a saber: d e que a educação é u m bem p ú blico acessível à população, e m contraposição à c o m p r e e n s ã o de educação c o m o uma mercadoria a ser oferecido n u m mercado de bens e distribuída de acordo com a preferência e capacidade de c o n s u m o de u m a dada população. Tal concepção da educação, remete a definições c o m p r e e n d e n d o aspectos tais c o m o : q u e m oferece, q u e m recebe, qual q u a n t i d a d e e q u e m é responsável pela qualidade da educação e m geral e do ensino superior e m particular. U m princípio básico f u n d a m e n t a d o na igualdade entre os cidadãos de uma sociedade democrática é aquele que considera a educação c o m o u m b e m público acessível a todos, sem discriminação, e m contraposição à compreensão da educação c o m o u m a mercadoria oferecida no mercado, de acordo c o m as preferências e capacidade de c o n s u m o (isto é, de pagamento) de uma população. A partir deste princípio, todos devem ter o p o r t u n i d a d e de acesso à educação pública a f i m de que todas as orientações filosófico-políticas prevalecentes em uma sociedade democrática t e n h a m igualdade de condições de serem veiculadas; toda a educação deve ser gratuita a f i m de que todos possam ter condições de acesso. Este aspecto merece alguns c o m e n t á r i o s adicionais: - P r i m e i r o , sabe-se que a existência de vagas escolares não é único fator det e r m i n a n t e da possibilidade de educação dos setores menos privilegiados da população. A concentração de renda, que leva crianças a se i n c o r p o r a r e m ao mercado de trabalho (ou de biscate) ainda e m idade escolar, aliada à falta de atratividade dos currículos escolares, afeta a possibilidade de uso das vagas escolares existentes; - S e g u n d o , a gratuidade escolar implica na utilização de recursos financeiros derivados dos i m p o s t o s pagos pela população e m progressão inversamente proporcional à sua renda (isto é, os pobres pagam mais), e n q u a n t o que, nas condições atuais, a permanência na escola ou a número de anos de escolarização, é diretamente proporcional à renda (isto é, o mais rico t e m m a i o r escolaridade). Mas, é mediante a 48


cobrança de anuidades destes ú l t i m o s que se poderá solucionar as dificuldades de a t e n d i m e n t o à escola por parte dos demais. Para tanto, medidas de o r d e m estrutural, bastante mais i m p o r t a n t e s e profundas.do que as restritas ao sistema educacional sâo necessárias para que haja qualquer alteração n o q u a d r o . M e s m o a nível de ensino superior, onde apenas pequenas parcelas das classes subalternas t ê m acesso, a cobrança de anuidade não resolve o problema, seja pela pequena quantidade de recursos que proporciona, seja pelas questões políticas (controle ideológico) e econômicas (redução de quantidade de força de trabalho qualificada) que suscita. O significado de toda a educação superior ser ministrada mediante pagamento, é de que a educação será, definitivamente, caracterizada c o m o uma mercadoria e, com o conseqüência, sua qualidade e quantidade dependerão do interesse e capacidade de c o n s u m o de g r u p o s populacionais. Determinadas áreas profissionais, cuja f o r m a ç ã o é extremamente cara e, e m geral, e m p r e g a d a pelo setor público (ex.: medicina, a g r o n o m i a , saneamento) poderão ter u m a redução de demanda c o m imediatos e graves prejuízos a toda população. Outras, t a m b é m caras, mas absorvidas pelo setor privado (ex.: as engenharias), t a m bém deverão sofrer restrições de demanda, resultando e m escassez deste tipo de profissionais, p r o v o c a n d o dificuldades de operação de m u i t o s setores econômicos e aum e n t o dos salários de u m a m i n o r i a , c o m conseqüente agudização da concentração de renda. Por o u t r o lado, é i m p o r t a n t e lembrar que nossa estrutura fiscal é f u n d a m e n talmente baseada e m impostos sobre a renda e não sobre o lucro e o capital. A f i m de que se possa definir q u e m deve pagar o seu custo, mais que isto, é i m p o r t a n t e considerar q u e m são os maiores beneficiados pela educação da população. E ó b v i o q u e o indivíduo educado absorve privadamente parte destes benefícios, não só d o p o n t o de vista cultural e psicológico, mas t a m b é m e principalmente, do ponto de vista financeiro, na medida e m que possibilita melhores salários. A l é m do indivíd u o , a sociedade c o m o u m t o d o t a m b é m se beneficia de ter cidadãos mais educados. Mas alguns se beneficiam mais que outros: as empresas ao empregar indivíduos mais educados e, principalmente, profissionais treinados, a u m e n t a sua taxa de lucro sem ter contribuído, e n q u a n t o empresa, para o t r e i n a m e n t o desta força de trabalho. Ou, e m jargão técnico, o benefício (lucro) que os setores econômicos derivam da m ã o - d e obra qualificada pelas escolas e, e m particular, pela universidade, é infinitamente maior d o que os benefícios privados (salários) obtidos por profissionais assalariados e pela população e m geral. Desta f o r m a , a educação e m t o d o s os níveis, deve ser subsidiada pelo setor público, isto é, via impostos junto aos setores mais favorecidos pela difusão da educação. A estrutura fiscal, sendo baseada e m impostos sobre os salários e sobre o cons u m o , e não sobre o lucro, beneficia ao capital. Pois os setores que mais se beneficiam c o m t r e i n a m e n t o de m ã o - d e - o b r a e c o m a pesquisa desenvolvida na universidade isto é, as empresas públicas e privadas nacionais e multinacionais - são os setores que m e n o s t ê m c o n t r i b u í d o para sua sustentação financeira. Cobrar anuidades o u criar u m i m p o s t o educação (sobre salários) penaliza d u p l a m e n t e a população continuando a manter desobrigados os setores patronais empregadores da força de trabalho m e lhor treinada. A escassez de recursos para ampliar as vagas escolares e m e l h o r a r a qualidade d o ensino m i n i s t r a d o e da pesquisa realizada, sugere que este setor não receba tratam e n t o p r i o r i t á r i o por parte do setor público. Isto é, entre as diferentes alternativas e necessidades atendidas pelo o r ç a m e n t o público, os subsidios à iniciativa privada e ao capital m u l t i n a c i o n a l , c o n c o r r e m c o m os recursos para a t e n d i m e n t o aos setores básicos para as condições de vida da população, tais c o m o educação, saúde, habitação e transporte.

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O p r i n c í p i o de q u e a educação é u m b e m p ú b l i c o , indica q u e ela não p o d e ficar sujeita ao s a b o r das oscilações da c h a m a d a lei de o f e r t a e p r o c u r a . A o f e r t a de e d u c a ção não p o d e ficar sujeita a interesse de lucro d e g r u p o s p r i v a d o s , q u e c o n c e n t r a m suas atividades nas áreas o n d e há p o s s i b i l i d a d e de m u l t i p l i c a ç ã o de seu capital, assim c o m o não p o d e ficar sujeita às respostas i m e d i a t a s do m e r c a d o de t r a b a l h o , face a d e t e r m i n a d a s a t i v i d a d e s p r o f i s s i o n a i s . É necessário q u e os interesses da m a i o r i a da p o p u l a ç ã o (e não apenas d o s g r u p o s n o p o d e r ) , d e f i n a m a política de f o r m a ç ã o de p r o f i s s i o n a i s de nível s u p e r i o r , t a n t o n o q u e se refere ao t i p o q u a n t o à q u a n t i d a d e . O c o n s t a n t e i n t e r c â m b i o da u n i v e r s i d a d e c o m as f o r ç a s vivas de u m a s o c i e d a d e e não apenas c o m g r u p o s no p o d e r , é f a t o r d e f i n i d o r das características da política e d u c a c i o n a l a ser i m p l a n t a d a . O u , e m o u t r a s palavras, q u e m t e m a l e g i t i m i d a d e de definir a política e d u c a c i o n a l ( o u d e s a ú d e , p o r e x e m p l o ) de u m País? Parece c l a r o q u e órgãos m i n i s t e r i a i s e a d m i n i s t r a ç õ e s d e escolas e u n i v e r s i d a d e s , b u r o c r a t i z a d o s cargos de confiança das classes d o m i n a n t e s , não são o s m a i s i n d i c a d o s . Por ser a educação u m b e m p ú b l i c o , a f o r m a ç ã o p r o f i s s i o n a l e t a m b é m a pesquisa d e s e n v o l v i d a nas i n s t i t u i ç õ e s escolares, não p o d e m c o n t i n u a r a ser i m p l e m e n t a das a partir das d e f i n i ç õ e s e m a n a d a s das c h a m a d a s a u t o r i d a d e s e d u c a c i o n a i s e dos p a t r o c i n a d o r e s de pesquisa; a r e s p o n s a b i l i d a d e (capacidade e l e g i t i m i d a d e ) pela definição d o q u e é r e l e v a n t e e necessário Ser p e s q u i s a d o , deve partir de f o r m u l a ç õ e s derivadas de u m a m p l o d e b a t e q u e d e f i n e as linhas m e s t r a s , a partir das q u a i s professores e p e s q u i s a d o r e s o r g a n i z e m suas a t i v i d a d e s de e n s i n o e pesquisa.

Este texto é parte do documento sobre "POLÍTICA EDUCACIONAL: GRATUIDADE, FUNDAÇÕES E UMA NOVA UNIVERSIDADE", encaminhado pela Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ao II CONAD, em julho de 1981, como produto das discussões do Grupo de Trabalho/ADUFRGS sobre Política Educacional. 50


A PROPÓSITO DA REFORMA UNIVERSITÁRIA 1. C o n s i d e r a ç õ e s P r e l i m i n a r e s Uma análise mais c o m p l e t a da política educacional que serviu de suporte à realização da Reforma Universitária de 1968, através da lei 5.540, exigiria u m exame detalhado de u m a série de d o c u m e n t o s o r i u n d o s de encontros, conferências, congressos e de agências oficiais estatais, p r o d u z i d o s no período i m e d i a t a m e n t e posterior ao m o v i m e n t o político de 1964 até a véspera da Reforma de 1968. Entre esses d o c u m e n tos, poderíamos indicar o Plano Decenal de Educação, elaborado na Conferência de Punta dei Este e os relatórios das conferências sobre Educação e Desenvolvimento de Santiago d o Chile (dezembro de 1961), Conferência de W a s h i n g t o n (1961), passando igualmente pelos Relatórios A t c o n , Meira Matos, M E C - U S A I D , etc. A esses documentos poderíamos acrescentar a leitura atenta dos planos setoriais de Educação, constantes dos Planos Gerais de G o v e r n o , f o r m u l a d o s pelos órgãos de planejamento dos governos pós-64. Tais d o c u m e n t o s d e n u n c i a m a idéia dos " d o n o s d o p o d e r " referente ao papel que a Educação e m geral e o Ensino Superior e m particular d e v e m desempenhar no conjunto de política de d e s e n v o l v i m e n t o : servir de i n s t r u m e n t o para a geração de recursos tecnológicos e h u m a n o s para o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o e industrial brasileiro, ao m e s m o t e m p o e m que possibilita, por extensão, o d e s e n v o l v i m e n t o social, e m conseqüência da m e l h o r capacitação dos trabalhadores para a ocupação de e m prego mais qualificado e m e l h o r r e m u n e r a d o . No entanto, o objetivo e o espaço deste artigo p e r m i t e - n o s apenas u m rápido exame do d o c u m e n t o final que antecede à promulgação da Lei 5.540/68 da Reforma Universitária e que se refere ao Decreto Presidencial que cria o G r u p o de Trabalho constituído por 11 m e m b r o s , c o m a finalidade de estudar a r e f o r m a da Universidade Brasileira, visando "a sua eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e f o r 51


mação de recursos h u m a n o s de alto nível para o d e s e n v o l v i m e n t o d o país." (art. 1 9 ) O Decreto Presidencial que constitui o g r u p o (Decreto n 9 62.937, de 02 de j u l h o de 1968), é por si m e s m o ilustrativo. A b a i x o , r e p r o d u z i m o s o decreto, e c h a m a m o s a atenção d o leitor para três aspectos que consideramos fundamentais a partir de sua leitura: 1) o papel que é conferido à Educação c o m o i n s t r u m e n t o de desenvolvimento econômico; 2) os limites de competência d o g r u p o de trabalho, disciplinados que estão a políticas já estabelecidas no Programa Estratégico de Desenvolvimento; 3) os órgãos governamentais que são indicados c o m o "setores integrados da Reforma Universitária":

D E C R E T O N 9 6 2 . 9 3 7 - d e 02 d e j u l h o d e 1 9 6 8 Dispõe sobre a instituição de g r u p o de t r a b a l h o para p r o m o v e r a r e f o r m a universitária e dá outras providências. O Presidente da República, usando.da atribuição q u e lhe confere o artigo 83, item II, da Constituição. Considerando que a educação é p r o b l e m a de i m p o r t â n c i a f u n d a m e n t a l para o País, assim c o m o i n s t r u m e n t o de valorização da pessoa h u m a n a , c o m o elemento essencial à criação de riquezas; Considerando que nas diretrizes setoriais para a educação, d o Plano Estratégico d o Desenvolvimento, estão expressos os princípios através dos quais se realizará a ref o r m a universitária; Considerando que, encaminhada a reorganização administrativa d o Ministério da Educação e Cultura, t o r n a r - s e - á possível utilizar u m a estrutura ajustada às modernas exigências d o trabalho, para a imediata f o r m u l a ç ã o da nova política universitária, que o País reclama c o m o i m p e r a t i v o de valorização da cultura superior é d o desenvolvim e n t o das pesquisas científicas e tecnológicas; e Considerando, ainda, que a solução d o p r o b l e m a d o mais alto sentido para a ascensão social da c o m u n i d a d e brasileira deve associar os esforços e a colaboração efetiva de educadores, cientistas, especialistas e estudantes, decreta; A r t . I 9 - Fica instituído, no Ministério da Educação e Cultura, u m g r u p o de trabalho, c o m 11 (onze) m e m b r o s designados pelo Presidente da República, para estudar a reforma da Universidade Brasileira, visando a sua eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e f o r m a ç ã o de recursos h u m a n o s de alto nível para o desenvolvimento do País. S único - O Poder Executivo solicitará a u m a das casas d o Congresso Nacional, a designação de representante, e m caráter de missão cultural, para integrar o g r u p o de trabalho de que trata este artigo. A r t . 2 9 - O g r u p o de trabalho a que se refere o artigo anterior, será presidido pelo Ministro da Educação e Cultura e deverá convocar a colaboração de educadores, cientistas, estudantes, especialistas e m educação superior e representantes de outros setores governamentais, para a assistência técnica indispensável aos objetivos visados. A r t . 3 9 - Os estudos e projetos deverão estar concluídos d e n t r o de 30 (trinta) dias após a instalação do g r u p o de trabalho, cujos encargos constituirão matéria de alta prioridade e relevante interesse nacional.

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A r t . 4 9 - Os funcionários públicos requisitados para prestar serviços aos m e m b r o s d o g r u p o de trabalho, ficarão sujeitos ao regime de t e m p o integral. A r t . 5 9 - Decorrido o prazo de 30 (trinta) dias, os Ministros da Educação e Cultura, Planejamento e Coordenação Geral, Fazenda e Justiça, que representam os setores integrados da reforma universitária, p r o m o v e r ã o , e m conjunto e a c u r t o prazo, a revisão dos projetos elaborados. A r t . 6 ? - O Conselho Federal de Educação será o u v i d o nas matérias relacionadas c o m suas atribuições especificas. A r t . 7- - Revogadas as disposições e m contrário, o presente decreto entrará e m vigor na data de sua publicação. Brasília, 02 de j u l h o de 1968,147 9 da Independência e 80 9 da República. A. COSTA E SILVA Luís A. da Gama e Silva A n t o n i o Delfim Neto Tarso Dutra J o ã o P. dos Reis Velloso

2. C o n s i d e r a ç õ e s à m a r g e m do D e c r e t o Considerar a Educação c o m o fator de desenvolvimento econômico e social não constitui n o v i d a d e o u pensamento educacional brasileiro. De f o r m a explícita e o r g â n i ca já e n c o n t r a m o s concepção idêntica sobre tal papel da Educação, n o m o v i m e n t o da Escola Nova e na quase totalidade das iniciativas de renovação e inovação educacional a partir de 1930 n o Brasil. No entanto, a partir do início da década de 60, iniciativas de agências internacionais c o m o a U N E S C O e encontros c o m o a Conferência de Punta dei Este, concorrem para gerar e m nossos governantes a necessidade de se dotar o país de condições estruturais para a arrancada final de seu desenvolvimento. E entre as condições julgadas básicas, se encontra a convicção de que somente através da Educação se poderia criar recursos h u m a n o s e tecnológicos ajustados às necessidades do desenvolvimento e c o n ô m i c o , e só pela Educação se poderia realizar o d e s e n v o l v i m e n t o social. Isto garantiria t a m b é m a transferência da responsabilidade política d o progresso social para o â m b i t o d o esforço pessoal e da competência individual. Desta f o r m a , através da educação, o g o v e r n o poderia realizar dois objetivos ao m e s m o t e m p o ; dotaria o país das condições necessárias para o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o - i n d u s t r i a l e ofereceria u m a porta aberta para a p r o m o ç ã o social d o cidadão. A educação é assumida c o m o u m i n s t r u m e n t o de dupla ação: u m a , no plano econômico, d o t a n d o o setor p r o d u t i v o de m ã o - d e - o b r a m e l h o r qualificada e mais produtiva; outra, n o plano político, pois cria m e c a n i s m o s de ascensão social, capazes de superar as propostas de pensadores de inspiração marxista, por e x e m p l o , que só acreditam na ascensão das massas através da luta de classes. Tal e n f o q u e para o setor educacional, engrossado pelas idéias dos planejadores do d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o n o Brasil e pelos teóricos d o desenvolvimento capitalista, de que o crescimento residual da economia se faz pelo a u m e n t o da p r o d u t i vidade e q u e para o a u m e n t o da p r o d u t i v i d a d e , o fator recursos h u m a n o s concorre 53


c o m parcela considerável, concorre para colocar a r e f o r m a educacional n o Brasil, com o u m a das tarefas prioritárias dos g o v e r n o s pós-64. E, se o c o r r e u a l g u m a d e m o r a e m sua i m p l e m e n t a ç ã o , já que apenas e m 1968 a r e f o r m a universitária f o i realizada e s o m e n t e e m 1971 se p r o m o v e u a r e f o r m a d o e n sino de 1 s e 2- graus, é possível que isso se dê unicamente, devido às próprias características estruturais da politica de d e s e n v o l v i m e n t o i m p l e m e n t a d a , que se estrutura na existência de condições plenas para o d e s e n v o l v i m e n t o que postula perfeita integração entre os capitais físico, social e h u m a n o . O Estado pós-64 estabelecera, através d o s órgãos de planejamento, u m a estratégia que f o i sendo seguida à risca para a geração de capitais físicos e sociais (estradas, meios de comunicação, energia elétrica, políticas de poupança, r e f o r m a c a m bial, f u n d o s de financiamentos, etc). U m a vez garantidos tais capitais, i m p o r t a v a e só então, atacar o setor mais frágil da sociedade: a f o r m a ç ã o dos recursos h u m a n o s que, então, completaria o tripé d o d e s e n v o l v i m e n t o capitalista. Há, pois que se realizar a Reforma Universitária e dotar a Universidade de m e lhores condições para u m a efetiva participação c o m recursos e p r o d u t o s na totalidade d o processo de d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o e social. Mas, há i g u a l m e n t e q u e se estabelecer limites. A Universidade deverá estar u m b e l i c a l m e n t e atrelada e integrada à Política de D e s e n v o l v i m e n t o f o r m u l a d a e seguida pela totalidade dos órgãos e das instituições consideradas de ponta no processo. A Universidade é necessária, professores são necessários, pesquisadores são necessários, estudantes são necessários, produção cultural é necessária... desde q u e adequados às "exigências nacionais". Q u e m estabelece o caráter e a a m p l i t u d e dessas exigências? O Decreto acima reproduzido traça e m seus considerandos, os princípios básicos sobre os quais o g r u p o deve trabalhar. Os princípios são aqueles constantes no Plano Estratégico de Desenvolvimento, q u e deve ser pois, o " g u i a " para a r e f o r m a da Universidade b e m c o m o a reorganização d o M i n i s t é r i o da Educação. O g r u p o de trabalho, preso a tais limitações, se esforça n o seu relatório final para d e m o n s t r a r a a m p l i t u d e das tarefas de que f o i investido, b e m c o m o para justificar a racionalidade d o processo seguido. Critica a estrutura anacrônica da universidade, que chega a entravar o processo de d e s e n v o l v i m e n t o nacional e os g e r m e s da i n o vação. Aceita a exigência de que a universidade não pode existir e m si e por si, nem ser u m lugar de expressão de u m a cultura alienada, diante das realidades históricas da sociedade. Reafirma a exigência de sua integração às carências da sociedade brasileira. No entanto, e aqui parece se situar o pecado capital d o g r u p o , assume integ r a l m e n t e o papel instrumental da universidade c o m o instituição capaz de atender às necessidades da Política d o D e s e n v o l v i m e n t o planejada, não deixando à Universidade qualquer espaço para a discussão e r e f o r m u l a ç ã o dessa Política. Q u e m traça a política é o ó r g ã o de planejamento. C o m o se u m ente d i v i n o já tivesse revelado essa verdade: que há u m planejamento de d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o e social delineado, racional, perfeito, acabado. Que tal planejamento exige que a universidade c u m p r a algumas funções. E que cabe à universidade atender aos reclamos desse p l a n e j a m e n t o p r o d u zindo os recursos que ele reclama. Não c o m p e t e à universidade discutir o plano, analisar seus objetivos, denunciar seus princípios. N ã o compete t a m b é m à universidade participar d o processo n e m orientar a sociedade para u m a participação efetiva e consciente na f o r m u l a ç ã o de qualquer política de d e s e n v o l v i m e n t o . Essa iniciativa é exclusiva dos órgãos superiores do Estado, já q u e o Estado é u m ente racional, detentor do controle d o b e m e d o mal, d o saber e d o s recursos. Diante desse ser s u p e r i o r , c o m pete a todos os o u t r o s seres inferiores, apenas acatar suas determinações e c u m p r i r o seu papel. Esse ente superior (O Estado Racional) já d e f i n i u os papéis dos vários atores. A

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f o n t e da r a c i o n a l i d a d e (do p l a n e j a m e n t o técnico) se e n c o n t r a nos ó r g ã o s d o Estado, locus d o s anseios m a i o r e s da nação; as e m p r e s a s p r o d u t i v a s (industrial, agrícola e de serviços, etc.) c o n c r e t i z a m os o b j e t i v o s nacionais, m u l t i p l i c a n d o os e m p r e g o s , aum e n t a n d o a p r o d u ç ã o , a c u m u l a n d o capital e d i v e r s i f i c a n d o a p r o d u ç ã o e a o f e r t a de bens e serviços. E a escola, f o r m a o capital h u m a n o , o recurso necessário à r e p r o d u ção d o capital físico e social, ao a u m e n t o da p r o d u t i v i d a d e , à o c u p a ç ã o d o s e m p r e g o s técnicos e a d m i n i s t r a t i v o s , à i n o v a ç ã o t e c n o l ó g i c a , etc. A escola estará i n t e g r a d a ao processo de d e s e n v o l v i m e n t o se r e s p o n d e r c o m eficiência pela sua p a r t e no processo. O Estado é considerado f a t o r de e q u i l í b r i o e de d i r e ç ã o da c o m u n i d a d e . Ele é c i t a d o no r e l a t ó r i o d o g r u p o p o r 3 o u 4 vezes de m o d o a d e m o n s t r a r a universalização de sua presença. N u m p r i m e i r o m o m e n t o , é o " e n t e " que assegura " a existência legal e p r o v e a u n i v e r s i d a d e de recursos para a execução de suas t a r e f a s " , a l e r t a n d o ainda q u e a u n i v e r s i d a d e não p o d e ser a única " i n s t â n c i a decisória de sua inserção na socied a d e " . N u m o u t r o m o m e n t o , o Estado é c o l o c a d o ao lado da t o t a l i d a d e de setores q u e d e v e m ser c o n s i d e r a d o s c o m o c o m p o n e n t e s da nação, c o m o o e c o n ô m i c o , o social e o c u l t u r a l . E para c u l m i n a r , o Estado é c o l o c a d o c o m o u m d o s t r ê s p o n t o s da relação " d i a l é t i c a " U n i v e r s i d a d e , C o m u n i d a d e e Estado, q u e d e v e m se e n c o n t r a r e m relação recíproca, relação essa apresentada c o m o c o n d i ç ã o para u m a r e f o r m a legítima e p r o funda. Dá, pois, o grupo de t r a b a l h o , l e g i t i m i d a d e ao Estado como i n s t i t u i ç ã o s o b e r a na para o e s t a b e l e c i m e n t o das linhas g e r a i s de atuação da u n i v e r s i d a d e , capaz, pois, de disciplinar a atividade educacional no â m b i t o p r ó p r i o d o s interesses q u e ele representa. Isso talvez j u s t i f i q u e e e x p l i q u e d o i s fatos f u n d a m e n t a i s : o p r i m e i r o , i n d i c a d o pelo p r ó p r i o d e c r e t o , s u b o r d i n a a politica e d u c a c i o n a l a u m nível setorial d o Plano de D e s e n v o l v i m e n t o E c o n ô m i c o e Social d o g o v e r n o . A partir de 1968, o s p l a n o s da e d u cação são s e m p r e planos setoriais d o s p l a n o s gerais. O s e g u n d o , está de certa f o r m a i n d i c a d o na letra e no espírito d o art. 5 9 , q u e reza: " D e c o r r i d o o prazo de 30 dias, os M i n i s t r o s da Educação e C u l t u r a , P l a n e j a m e n t o e C o o r d e n a ç ã o Geral, Fazenda e J u s tiça, q u e r e p r e s e n t a m os setores i n t e g r a d o s da r e f o r m a u n i v e r s i t á r i a , e m c o n j u n t o e a c u r t o p r a z o , p r o m o v e r ã o a revisão d o s p r o j e t o s e l a b o r a d o s " . O r a , p o r q u e a revisão d o s p r o j e t o s exige o c o n c u r s o dos M i n i s t r o s d o P l a n e j a m e n t o , da Fazenda e da J u s t i ça? N ã o nos consta q u e a R e f o r m a J u d i c i á r i a , a Previdenciária o u a C a m b i a l e x i g i r a m a presença d o M i n i s t r o da Educação. A nós, isso parece indicar mais d o q u e diz. Isso indica q u e , t r a n s f o r m a d a a Educação n u m a peça i n s t r u m e n t a l para o d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o , a v e r d a d e i r a política e d u c a c i o n a l passa a ser a s s u n t o p r i o r i t á r i o d o M i n i s tério d o P l a n e j a m e n t o e m p r i m e i r o l u g a r . E, p o r m o t i v o s ó b v i o s , é a s s u n t o q u e interessa ao M i n i s t é r i o da Fazenda, ó r g ã o q u e libera recursos, e ao M i n i s t é r i o da Justiça. A s agências d i r e t a m e n t e c o m p r o m e t i d a s c o m a t d u c a ç ã o . . . serão i g u a l m e n t e o u v i d a s q u a n d o necessárias. O art. 6 ? c o n c l u i c u r i o s a m e n t e : " O C o n s e l h o Federal de Educação será o u v i d o nas matérias r e l a c i o n a d a s c o m suas a t r i b u i ç õ e s específicas".

AUTOR: Prof. NEIDSON RODRIGUES, da Universidade Federal de Minas Gerais, Vice-Presidente da APUBH - Associação de Professores Universitários de Belo Horizonte. Bibliografia: Ministério da Educação e Cultura, Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 50, n 9 III, jul/set, 1968, pp. 119-126.

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1.GÊNESE DAS PROPOSTAS POSIÇÃO DA A N D E S A proposta t e m o r i g e m nas discussões que os professores d o ensino superior v ê m realizando e m t o d o o país desde 1978. Destacamos os seguintes eventos: - a p r i m e i r a versão da proposta foi entregue ao MEC e m 1982, resultante do V. Conselho Nacional de Associações Docentes, realizado e m Belo Horizonte entre 9 e 12 de j u l h o daquele ano; - e m j u l h o de 1983, a A N D E S p r o m o v e u u m S i m p ó s i o s o b r e a universidade brasileira no Rio de Janeiro, que resultou n o livro O P ú b l i c o e o P r i v a d o , o P o d e r e o S a b e r : a U n i v e r s i d a d e e m Debate; - e m maio d e 1985, a A N D E S , a UNE e a F A S U B R A p r o m o v e r a m u m Seminário Nacional sobre a Reestruturação da Universidade, em Brasília, no qual diversos setores da sociedade se p r o n u n c i a r a m sobre a universidade, e d o qual resultou o d o c u m e n t o " U n i v e r s i d a d e e m Debate"; - em j u n h o de 1985, o XI Conselho Nacional das Associações Docentes, e m O l i n d a - P E , r e t o m a n d o as discussões acumuladas, chegou às propostas hoje existentes. P O S I Ç Ã O DA

COMISSÃO

DE A L T O N Í V E L

A Comissão Nacional de Reformulação da Educação S u p e r i o r foi criada pelo decreto 91.177, sendo composta por 24 m e m b r o s . Foi instalada a 2 de m a i o de 1985 pelo Presidente da República, c o m o prazo de seis meses de f u n c i o n a m e n t o . A Comissão foi f o r m a l m e n t e composta de indivíduos, e não de representantes de associações, entidades ou sindicatos.

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" D u r a n t e seis meses (...) a Comissão realizou dez reuniões plenárias e n u m e r o sas outras de sub-comissões e de g r u p o s de trabalho, tanto f o r m a l c o m o i n f o r m a l m e n t e . F o r a m o u v i d a s instituições e pessoas vinculadas ao p r o b l e m a educacional e recebidas várias contribuições individuais e de associações, que mereceram a devida consideração". (Caio Tácito, presidente da Comissão, em ofício ao Ministro Marco Maciel).

1.2 D I A G N Ó S T I C O A S I T U A Ç Ã O D O E N S I N O S U P E R I O R POSIÇÃO DA ANDES Quatro aspectos caracterizam a história recente do ensino superior, sobretudo a partir da r e f o r m a universitária i m p o s t a pela Lei 5540 de 1968; a) p r o g r e s s i v a a c e l e r a ç ã o d o processo d e p r i v a t i z a ç ã o e d e e m p r e s a r i a m e n t o d o ensino. " O ensino superior, que e m 1962, constituía 59.6% do n ú m e r o de matrículas, caiu para 25% e m 1984" (p.2). Foram estimuladas a lucratividade e as inversões privadas no ensino superior, que se manifestam nos grandes p a t r i m ô n i o s imobiliários, nos altos salários pagos aos dirigentes e e m outras f o r m a s ; b) c r e s c e n t e d e s o b r i g a ç ã o do E s t a d o c o m o f i n a n c i a m e n t o das U n i v e r s i d a d e s . A participação d o MEC nas verbas orçamentárias da União caiu de 10.6% e m 1965 para 5.1% em 1982. Há anos as vagas nas universidades públicas não se e x p a n d e m e algumas delas não apresentam condições efetivas de f u n c i o n a m e n t o , devido à falta de docentes e de manutenção. c) a d e f i n i ç ã o pelo p o d e r p ú b l i c o de u m a política e d u c a c i o n a l q u e não a s s e g u r o u e f e t i v a m e n t e c o n d i ç õ e s reais d e e n s i n o e pesquisa. O Estado o m i t i u - s e e m fixar n o r m a s m í n i m a s para o ensino superior privado, de m o d o q u e os professores recebem salários baixos, não t ê m carreira d o cente n e m estabilidade de e m p r e g o , a produção universitária é prejudicada por u m a relação professor/aluno incompatível e por falta de condições infraestruturais (laboratórios, bibliotecas, salas de trabalho), entre outras. N o setor público, os salários aviltaram-se, as condições de trabalho declinaram e m t e r m o s de conservação, atualização e modernização das condições de ensino e pesquisa. " E m conseqüência, cria-se u m clima favorável à desagregação do a m b i e n t e acadêmico, favorecendo o individualismo, o e m presariamento de docentes e pesquisadores" (p.2). d) A u t o r i t a r i s m o e s t a t a l . As universidades t r a n s f o r m a r a m - s e e m espelhos da sociedade autoritária: sistemas de decisão centralizados, reduzida participação dos s e g u i m e n t o s da c o m u n i d a d e universitária nas decisões, sistemas indiretos e não representativos de escolha de dirigentes, não reconhecim e n t o das entidades representativas de docentes, servidores e alunos, e forte burocratizaçáo. E m anos recentes, o g o v e r n o fez várias tentativas de reformas gerenciais da universidade, baseadas e m pressupostos de uma racionalidade e m presarial (assim foi e m 1982, c o m os avisos 473 e 474 da Ministra Esther Ferraz; em 1983, c o m a comissão CRUB/MEC; em 1984, c o m o CFE; e e m 1985, c o m o projeto de a u t o n o m i a universitária da Ministra Esther, enviado pelo Presidente Figueiredo ao Congresso). O m o v i m e n t o docente vem resistindo às tentativas de privatização, de r o m p i m e n t o da isonomia salarial e da carreira unificada e da atribuição de u m a " a u t o n o m i a universitária" que

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descompromissa o Estado com a educação. P O S I Ç Ã O D A C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L A avaliação da Comissão é retirada da Exposição de M o t i v o s d o M i n i s t r o M a r co Maciel ao encaminhar a proposta de criação da Comissão: - professores mal remunerados; - carência de equipamentos, laboratórios e bibliotecas; - deficiências na formação profissional dos alunos; - descontinuidade das pesquisas; - discriminação social no acesso às universidades; - sistemas antidemocráticos de administração e escolha de q u a d r o s dirigentes; - crise financeira e pedagógica do ensino privado; - excesso de controle burocrático nas universidades públicas; - pouca clareza na prevalência d o sistema de m é r i t o na seleção e promoção de professores; - "(...) a universidade não está se p r e p a r a n d o a p r o p r i a d a m e n t e para os desafios das p r ó x i m a s décadas (fortalecimento da pesquisa científica, a formação polivalente de alto nível, (...), o estabelecimento d o p l u r a l i s m o de estruturas organizacionais, conteúdos curriculares e requisitos de cursos, (p. 1 e 2).

2. PADRÃO ÚNICO DE UNIVERSIDADE P O S I Ç Ã O DA A N D E S " O processo de constituição e i m p l e m e n t a ç ã o de u m padrão único para a universidade brasileira deverá se nortear basicamente s e g u n d o os seguintes princípios: a) E n s i n o p ú b l i c o e g r a t u i t o : e n t e n d e n d o que educação e m todos os níveis é u m direito público e dever do Estado, i m p õ e - s e u m a reestruturação legal e m todas as instâncias, que permita viabilizar m a t e r i a l m e n t e a ampliação da rede pública ao m e s m o t e m p o e m que se m a n t é m o ensino gratuito. Tal viabilização pressupõe dotações orçamentárias progressivas d o g o v e r n o federal, e t a m b é m dos governos estaduais e municipais. b) A u t o n o m i a e d e m o c r a t i z a ç ã o : a a u t o n o m i a da instituição na gestão de seus recursos e no direcionamento de sua p r o d u ç ã o , na composição das instâncias de execução e deliberação e na escolha de cargos de direção e representação está indissociavelmente vinculada à postulação de u m a participação e m moldes democráticos efetivos. Na rede particular, a autonomia t a m b é m se expressa pela garantia de existência de u m a independência da universidade e m relação às entidades m a n t e n e d o r a s . Nas fundações, é condição para o estabelecimento de a u t o n o m i a plena a desvinculação das decisões da universidade e m relação ao Conselho de Curadores. T a m b é m nas autarquias federais e estaduais é necessário a f i r m a r a independência política e administrativa e m relação às esferas d o poder executivo. O exercício da cidadania no interior da c o m u n i d a d e universitária constitui u m dos pilares da prática pedagógica que viabiliza o debate crítico assentado no pluralismo e na diversidade, que é a razão de ser mesmo da instituição universitária. Somente u m a r e f o r m u l a ç ã o p r o f u n d a dos atuais estatutos e regimentos poderá garantir u m a participação plena nas decisões pelos diversos segmentos da vida acadêmica.

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c) U n i f i c a ç ã o das c o n d i ç õ e s d e t r a b a l h o , p e s q u i s a e e n s i n o : a definição de u m padrão único para o ensino superior exige a implementação de m e d i das que visem a instaurar critérios h o m o g ê n e o s para o desempenho da prática pedagógica e científica, tais c o m o : carreira unificada para t o d o o magistério superior, isonomia salarial, estabilidade n o e m p r e g o , carga e estrutura curricular, regime de contratação, concursos públicos de ingresso na carreira, critérios de aprovação de projetos de pesquisa, etc." 0 padrão único de universidade defendido na proposta da A N D E S , " l o n g e de pretender eliminar as diferenciações mais que naturais e positivas entre as diversas universidades, ditadas por especificidades locais o u regionais, por vocações diferenciadas o u por razões históricas, pretende elevar o nível do ensino superior no país". Na verdade, o padrão único de universidade corresponde a u m padrão m í n i m o de qualidade que se deve pleitear nas instituições de ensino superior. E uma f o r m a concreta de se perseguir a competência acadêmica. P O S I Ç Ã O D A C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L Toda a discussão de produtividade e competência desenvolvida pela Comissão de A l t o Nível leva à implementação de a l g u n s C e n t r o s d e Excelência.

3.FINANCIAMENTO DA UNIVERSIDADE POSIÇÃO DA A N D E S 1 - A o Estado c o m p e t e financiar o ensino, a pesquisa e as atividades de extensão nas universidades públicas, destinando-lhes recursos orçamentários e m montante não inferior a 12% do o r ç a m e n t o da União, e m dotação específica para a educação e vinculada a este f i m . 2 - E prioritária a expansão da rede pública de ensino e m todos os graus, asseg u r a n d o - s e recursos para o pleno a p r o v e i t a m e n t o da capacidade física instalada para ensino, pesquisa e extensão. 2.1 - No planejamento de expansão da rede pública de ensino, dar-se-á especial atenção à expansão d o ensino n o t u r n o atualmente c o n f i g u r a d o c o m o reserva de mercado da rede privada. 3 - Os orçamentos das universidades d e v e m ser elaborados por colegiados democraticamente constituídos, concebidos de f o r m a global e atendidos de m o d o a satisfazer plenamente as necessidades das IES, definidas a partir de seus planos acadêmicos globais. 4 - O poder público deverá garantir o f i n a n c i a m e n t o pleno das atividades de pesquisa da universidade nas próprias dotações orçamentárias. Os recursos adicionais, provenientes de outras fontes de f i n a n c i a m e n t o , terão caráter c o m p l e m e n t a r . Os projetos de pesquisa deverão ser elaborados e executados sob a responsabilidade de organismos colegiados democraticamente contituídos de f o r m a que as diretrizes da política de pesquisa sejam definidas a u t o n o m a m e n t e pelas universidades em lugar de estarem atreladas a prioridades fixadas externamente pelas agências financiadoras, públicas ou privadas. 5 - A prestação de serviços e realização de atividades de extensão devem ser concebidas e estruturadas e n q u a n t o i n s t r u m e n t o s de f o r m a ç ã o acadêmica, de desenv o l v i m e n t o de pesquisa e de apoio à c o m u n i d a d e e não p o d e m estar subordinadas ao 59


objetivo de captação de recursos para a complementação de verbas insuficientes nas dotações orçamentárias. Aos departamentos envolvidos cabe gerenciar os recursos eventualmente provenientes dessas atividades dentro das normas gerais estabelecidas de forma democrática. 6 - Cabe à/universidade a prestação pública de contas da dotação e da aplicação de todos os seus recursos. A prestação de contas deverá ser acompanhada de um relatório geral de atividades e submetida ao Congresso Nacional. 7 - No que diz respeito à rede privada de ensino e considerando a perspectiva de sua transição, através do padrão mínimo de qualidade: 7.1 - Deve-se reverter a tendência de crescimento da rede privada de ensino, proibindo-se o aumento do número de vagas ou a criação de novos cursos. 7.2 - As universidades particulares não poderão utilizar para o desenvolvimento de suas atividades as instalações e equipamentos das IES públicas nem o seu pessoal docente ou técnico-funcional. 7.3 - O Estado não deve oferecer subsídios às mantenedoras, que já são subsidiadas pelas isenções fiscais de que gozam por força de lei, além dos benefícios indiretos que já recebem. Tais incentivos têm apenas beneficiado a lucratividade e a acumulação patrimonial dessas entidades, sem reverter na melhoria da qualidade do ehsino e no incentivo à atividade de pesquisa na rede particular. 7.4 - O aporte de recursos públicos deve estar condicionado à sua exclusiva utilização no sentido da consecução do padrão único e de impedir que o custo da melhoria das condições de ensino e de trabalho seja repassado aos estudantes através do aumento de mensalidades. 7.5 - É imprescindível que o financiamento público seja exclusivamente destinado a projetos e programas integrados no planejamento pedagógico global da instituição; a) projetos de pesquisa; b) programas de capacitação docente; c) programas de extensão de serviços de interesse social; Esse projeto e programas deverão ser condicionados aos interesses da comunidade e à melhoria da qualidade do ensino. 7.6 - O controle dos recursos deve ser assegurado pela comunidade universitária através de órgãos colegiados democraticamente eleitos e a gestão dos recursos restrita exclusivamente aos setores diretamente envolvidos na execução dos projetos. E m nenhuma hipótese se permitirá o repasse total ou parcial dos recursos ao controle das entidades mantenedoras. 7.7 - A seleção de projetos para financiamento, bem como sua administração, o controle periódico da execução de programas e da aplicação dos recursos serão feitos de forma pública. 7.8 - Quando o financiamento se destinar à aquisição de equipamentos, este assumirá a forma de contrato de depósito, não se incorporando ao patrimônio das mantenedoras e permanecendo vinculados ao órgão público responsável pelo financiamento do projeto ou programa. A mantenedora receberá os equipamentos como depositária, sendo o órgão público o depositante. 7.9 - Os recursos para reformas e/ou construção de instalações necessárias para o desenvolvimento dos projetos ou programas serão providos pela mantenedora, na medida e m que contituem benfeitorias incorporadas ao seu patrimônio.

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7.10 - A s entidades m a n t e n e d o r a s d e v e m c u m p r i r sua definição legal de entidades sem fins lucrativos e assumir efetivamente o c o m p r o m i s so c o m a m e l h o r i a das condições de ensino, pesquisa e extensão. Devem oferecer contrapartida ao financiamento público, através da injeção de recursos na instituição de ensino, destinados à contratação dos docentes e m r e g i m e de dedicação integral; à infra-estrutura material e à participação financeira no d e s e n v o l v i m e n t o dos programas. P O S I Ç Ã O DA C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L A s propostas básicas da Comissão de A l t o Nível para o financiamento da educação superior são as seguintes: 1 - Caberá ao poder público responder pela manutenção e desenvolvimento das IES públicas, incluindo e m seus o r ç a m e n t o s sob a f o r m a de d o t a ç õ e s globais, recursos destinados a cada u m a delas e assegurando-lhes a oportuna transferência. A fixação de recursos deve levar e m consideração as necessidades da instituição e o resultado da a v a l i a ç ã o d o d e s e m p e n h o de suas atividades (p. 25). 2 - Ativação de u m a sistemática de o r ç a m e n t o por centros de custos, com identificação de funções e p r o g r a m a s , para permitir e m nível decisório central a visualização das ações desenvolvidas nas unidades e escolas superiores, e para possibilitar às próprias administrações das instituições u m a percepção adequada das atividades que desenvolvem (p. 61). 3 - A a m p l i a ç ã o da a u t o n o m i a na g e s t ã o f i n a n c e i r a d e v e ser c o n d i c i o n a d a a u m m a i o r c o m p r o m e t i m e n t o c o m p a d r õ e s de q u a l i d a d e e p r o d u t i v i d a d e ; e p a d r õ e s d e custo m o d u l a r e s p o d e r i a m ser e s t a b e l e c i d o s a partir da a v a l i a ç ã o d o d e s e m p e n h o das i n s t i t u i ç õ e s de m e l h o r q u a l i d a d e , (p. 15). 4 - Grande parte das instituições federais de ensino superior dispõe de uma infra-estrutura docente e a d m i n i s t r a t i v a capaz de absorver e sustentar u m a maior oferta de vagas, c o m redução das e x a g e r a d a s r e l a ç õ e s p r o f e s s o r / a l u n o hoje existentes. A partir de uma decisão política, u m a razoável expansão poderia ser adotada e m certas áreas, desde q u e ocorra u m aporte maior de recursos para o u t r o s custeios e itens específicos de capital, c o m m e l h o r a p r o v e i t a m e n t o do pessoal docente existente (p. 62). 5 - Expansão d o crédito educativo, de f o r m a a democratizar o acesso às inst i t u i ç õ e s r e s p o n s á v e i s p e l a f o r m a ç ã o das elites d i r i g e n t e s d o país. (p. 62). 6 - Transferência de ações de empresas estatais rentáveis para u n i v e r s i d a d e s p ú b l i c a s selecionadas, a f i m d e dar m a i o r liberdade orçamentária aos c e n t r o s d e excelência (p. 62). 7 - Que seja criada, por lei, a possibilidade de que instituições particulares de ensino superior reconhecidas pelo seu p a d r ã o d e q u a l i d a d e sejam consideradas c o m o entidades de utilidade pública educacional, para efeito de obtenção de recursos públicos.

A Comissão de Alto Nível substitui a contradição p ú b l i c o / p r i v a d o por outra: c o m p e t e n t e x incompetente. A Comissão procura i m p l e m e n t a r a idéia de centros de excelência. A proposta da A N D E S defende a universidade p ú b l i c a , g r a t u i t a e c o m p e tente. A l é m disso, é proposta u m a política de financiamento q u e garanta u m padrão

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de qualidade ao ensino, pesquisa e extensão, à universidade pública e gratuita, em geral. Não se trata de se ter apenas a l g u m a s IES competentes. T o d a s as instituições de ensino superior d e v e m ter condições de atingir padrões de qualidade e competência. A A N D E S não a d m i t e recursos públicos para as IES particulares da forma com o está p r o p o s t o pela Comissão.

4. DEMOCRATIZAÇÃO E AUTONOMIA POSIÇÃO DA A N D E S Na proposta da A N D E S , a a u t o n o m i a da universidade está vinculada à d e m o cracia interna, garantida estruturalmente nos mecanismos d e decisão, controle e gestão. 1 - a Universidade Brasileira deverá organizar sua estrutura administrativa e acadêmica segundo os seguintes princípios gerais: a) A a u t o n o m i a , de qualquer o r d e m , deve estar vinculada è democracia interna, garantida estruturalmente nos m e c a n i s m o s de decisão, c o n t r o l e e gestão. b) Devem estar garantidos padrões nacionais m í n i m o s de salários, condições de trabalho e acesso à capacitação acadêmica. c) A universidade será gratuita e terá a garantia de recursos d o Estado para seu f u n c i o n a m e n t o pleno, de acordo c o m orçamentos e l a b o r a d o s de f o r m a democrática e pública. d) Os m e c a n i s m o s de avaliação do d e s e m p e n h o universitário deverão ser plen a m e n t e democratizados, c o m o condições para evitar q u e a a u t o n o m i a seja subordinada à lógica do mercado ou ao clientelismo político. e) O e n f r e n t a m e n t o de interesses organizados, seja d o clientelismo, seja da privatização, deverá estar respaldado na existência de i n s t r u m e n t o s de controle político nacional desvinculados d o executivo. 2 - A a u t o n o m i a pedagógica e científica das universidades será garantida, respeitadas as n o r m a s m í n i m a s ordenadoras da estrutura universitária nacional definidas por u m o r g a n i s m o colegiado interuniversitário. 2.1 - O Conselho Interuniversitário terá caráter público, t o t a l independência d o poder executivo e será constituído por representantes eleitos democraticamente e m cada universidade. 2.2 - A universidade fixará seus objetivos pedagógicos e suas metas científicas, tecnológicas, artísticas e culturais, respeitadas as n o r m a s m í n i m a s referidas acima, de m o d o a desempenhar seu papel criador na contribuição ao desenvolvimento soberano d o país. 2.3 - A universidade buscará a integração c o m o ensino d e 1 ? e 2° graus, ent e n d i d o c o m o meta prioritária para a definição de u m a nova política nacional de educação. A universidade contribuirá especialmente na capacitação dos professores de 1 ? e 2- graus. 2.4 - A universidade deverá definir f o r m a s de participação da sociedade civil na gestão universitária, para assegurar sua integração às necessidades sociais, superando as f o r m a s elitistas atuais de representação dos segmentos organizados da sociedade. 2.5 - A universidade será dotada de competência para criar, organizar, reconhecer e credenciar cursos de graduação, p ó s - g r a d u a ç ã o e outros, a serem realizados em sua sede o u fora dela, obedecidas as n o r m a s mínimas referidas acima. 62


2.6 - A universidade estabelecerá critérios e n o r m a s de seleção e admissão de candidatos aos seus cursos, e m t o d o s os níveis. 3 - Os Estatutos e Regimentos deverão ser elaborados e a p r o v a d o s e m processos definidos n o â m b i t o de cada universidade, e que nele se e s g o t e m , c o m a participação de toda a comunidade universitária, através de m e c a n i s m o s democráticos e representativos. 4 - A universidade será organizada segundo o princípio da descentralização administrativa, respeitando a a u t o n o m i a dos centros, unidades e departamentos. 4.1 - A administração da universidade será estruturada e m ó r g ã o s colegiados e e m cargos executivos. O poder de deliberação dos cargos executivos será subordinado ao poder de decisão d o s colegiados competentes. 5 - T o d o s os docentes serão elegiveis para funções administrativas e para colegiados, independentemente de sua referência carreira ou titulação. 6 - Os cargos de direção, e m todos os níveis, serão preenchidos através de eleições diretas e secretas, que assegurem a participação dos três segmentos da comunidade universitária, preferencialmente de f o r m a paritária, respeitando a especificidade de cada caso. A indicação dos dirigentes deverá esgotar-se no interior da instituição. 7 - Os colegiados serão constituídos por representantes de t o d o s os segmentos da comunidade universitária, eleitos direta e secretamente, preferencialmente de forma paritária, e neles não haverá m e m b r o s natos. 7.1 - Por deliberação interna e democrática de cada instituição, poderão excetuar-se os casos e m q u e , pela natureza d o ó r g ã o colegiado, não seja necessária a participação de todos os segmentos. P O S I Ç Ã O D A C O M I S S Ã O DE A L T O

NÍVEL

Para a Comissão, o p r é - r e q u i s i t o da a u t o n o m i a é o critério da excelência. 1 - As Universidades deverão ter a liberdade de d e t e r m i n a r seus cursos de graduação e pós-graduação e os correspondentes currículos, seus planos de pesquisa e atividades de extensão. As instituições isoladas, o u integradas, deverão estruturar seus cursos c o m a intermediação de universidades para esse f i m selecionadas (p. 25). 2 - Cada IES deverá ter o direito de distribuir i n t e r n a m e n t e os recursos recebidos, segundo planos e prioridades que estabelecer, s e m a limitação de percentuais obrigatórios de despesa. A concessão de o u t r o s recursos para atividades de pesquisa, pós-graduação e extensão se submeterá a mecanismos externos de avaliação, (p. 25). 3 - As IES públicas federais devem ser excluídas do processo de supervisão previsto no artigo 26 e seu parágrafo único e do sistema de atividades auxiliares, estabelecido nos artigos 30 e 31 d o Decreto-lei 200, de 26/02/67, que i m p o r t a m limitação à sua autonomia. 4 - A prática da a u t o n o m i a deve envolver a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade acadêmica na gestão universitária, s e g u n d o os procedimentos fixados e m seus estatutos e r e g i m e n t o s gerais. 5 - As IES devem estabelecer, e m seus estatutos, a f o r m a de p r o v i m e n t o dos cargos superiores de direção (reitor e vice-reitor nas universidades; diretor e vice-diretor nas isoladas). Entende a maioria da Comissão que, nas instituições públicas, deve ser aplicado o sistema de listas tríplices, d e m o d o a p e r m i t i r a participação d o g o verno na escolha de dirigentes d e entidades que i n t e g r a m o serviço público.

No que diz respeito à democratização interna das IES, a Comissão majoritaria63


mente se coloca contrária às eleições diretas para os cargos dirigentes, c o m o processo se esgotando no interior das Instituições. A Comissão defende a elaboração da lista tríplice c o m participação da comunidade universitária e nomeação pelo Presidente da República. Para os docentes, as eleições diretas para os cargos dirigentes c o n s t i t u e m u m passo f u n d a m e n t a l para o processo de democratização das IES, b e m c o m o para a consolidação de sua autonomia. É óbvio que a universidade t e m q u e prestar contas da sua atuação à sociedade brasileira. É f u n d a m e n t a l que se desenvolvam f o r m a s de controle social da universidade, o que é substancialmente diferente de permanecer atrelado ao Estado. As eleições diretas para os cargos dirigentes fazem parte de u m processo que, ao c o n t r á r i o de procurar trancar a universidade dentro de si mesma, c o m o alegam alguns, procura redimensionar a sua função e integrá-la à sociedade, de acordo c o m os interesses da maioria da população. Responsável pela desvinculação universidade-sociedade é o autoritarismo, não a democracia.

5. A REFORMULAÇÃO DO CFE POSIÇÃO DA A N D E S A A N D E S p r o p õ e a criação de u m Conselho interuniversitário de c a r á t e r p ú blico c o m total independência d o poder executivo e constituído por representantes eleitos diretamente e m cada universidade. Esse Conselho fixará n o r m a s m í n i m a s de f u n c i o n a m e n t o pedagógico e científico nas IES. P O S I Ç Ã O D A C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L O CFE deverá exercer, basicamente, atividades de assessoramento ao g o v e r n o federal no planejamento nacional e na política de desenvolvimento da educação, i n clusive e m m a t é r i a o r ç a m e n t á r i a e d e f i n a n c i a m e n t o . Sua presença deve ser a de u m f ó r u m privilegiado de estudo e diagnóstico da realidade educacional e de o r i e n tação dos p r o g r a m a s setoriais de g o v e r n o que d e v e m atender, e m sua plenitude, às demandas da sociedade. Para que possa desempenhar esses papéis, o CFE terá de estabelecer m e c a n i s m o s de a v a l i a ç ã o p e r m a n e n t e do s i s t e m a b r a s i l e i r o de educação, c o m o apoio de comissões a d h o c d e especialistas p o r e l e d e s i g n a d o s - mecanismos esses que s o m e n t e terão legitimidade se f o r e m inter-pares. Apenas assim é que o CFE, isento de influências indébitas, poderá servir de canal de comunicação e de i n f o r m a ção entre o g o v e r n o e a comunidade acadêmica para a proposição de políticas educacionais de m é d i o e longo prazo. No tocante à composição, os imperativos de representatividade de t o d o o sistema de ensino brasileiro exigem maior participação da c o m u n i d a d e na escolha d o s m e m b r o s d o CFE. Com esse propósito, sugere-se que o colegiado seja elevado a trinta m e m b r o s , d e n o t ó r i o saber na á r e a da educação, escolhidos de tal f o r m a que se estabeleça u m equilíbrio de representantes d e diversas regiões do país, por u m lado, e dos ensinos de 1 9 , 2° e 3 ? graus, por o u t r o . A escolha desses m e m b r o s , a s e r e m n o m e a d o s p e l o P r e s i d e n t e da República, obedecerá aos seguintes critérios: a) 10 professores, representantes das universidades, e s c o l h i d o s a p a r t i r de lista t r í p l i c e e l a b o r a d a por u m c o l é g i o e l e i t o r a l c o m p o s t o por elas; 64


b) 8 personalidades de reconhecido v a l o r acadêmico e científico, indicadas a partir de listas tríplices elaboradas pelas sociedades científicas de â m b i t o nacional, especificadas para esse fim pelo g o v e r n o federal; c) 4 representantes das escolas superiores isoladas, escolhidos a partir de listas tríplices f o r m u l a d a s por u m sistema de consultas; d) 4 representantes d o 1 ? e 2q graus, indicados pelos M i n i s t r o da Educação; e) 4 representantes indicados, respectivamente, pelas entidades nacionais de docentes d o ensino s u p e r i o r , de docentes de 1 ? e 2° graus, d o s estudantes universitários e dos servidores técnico-administrativos. O m a n d a t o dos conselheiros será de q u a t r o anos, p e r m i t i d a u m a recondução, salvo a dos representantes especificados na alínea " e " , que será de dois anos. (p. 50 e 51).

6. AVALIAÇÃO POSIÇÃO DA A N D E S A A N D E S distingue duas avaliações: a) A v a l i a ç ã o da política i n s t i t u c i o n a l . Sob esta f o r m a c o m p e t e , além de analisar as principais funções da universidade ( f o r m a r b e m , produzir o saber e servir à c o m u n i d a d e e m que se encontra), avaliar g l o b a l m e n t e o papel da universidade no m o d e l o e c o n ô m i c o e de sociedade que se deseja para a nação. " N ã o lhe cabe apenas preencher u m a função de reprodução de estruturas, relações e valores, mas acolher elementos que possam constituir q u e s t i o n a m e n t o s críticos, indispensáveis para configurá-la c o m o u m dos fatores d i n â m i c o s na evolução histórica da sociedade" (p. 2). b) A v a l i a ç ã o d o t r a b a l h o d o c e n t e . " O trabalho docente (ensino, pesquisa e extensão) precisa ser avaliado sistematicamente, a partir de critérios definidos de f o r ma pública e democrática não só para se defender da tutela estatal e da influência d o capital, mas t a m b é m de qualquer e s q u e m a d e privilégios c o r p o r a t i v o s da categoria" (p. 3). P a r t i n d o de u m conceito a m p l o de t r a b a l h o docente, a A N D E S p r o p õ e que: - a avaliação da produção científica dos docentes seja feita por seus pares; - a avaliação para fins de progressão na carreira seja feita através de mecanism o s de avaliação q u e utilizem c o m o critérios não apenas a titulação formal, mas também o d e s e m p e n h o d o professor nas atividades essenciais da universidade: ensino, pesquisa e extensão. A definição desses critérios deve levar e m conta as peculiaridades de cada área d e trabalho. O t e m p o de serviço é critério para remuneração, mas não deve ser critério para progressão na carreira; - a avaliação da competência e d o d e s e m p e n h o e m sala de aula seja feita c o m a participação dos estudantes. P O S I Ç Ã O DA C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L Embora reconhecendo a falta de parâmetros de avaliação do ensino superior, a Comissão constata uma crescente consciência sobre a necessidade de desenvolver sistemas de avaliação. E estabelece u m princípio básico para reforma universitária: a elevação dos padrões de desempenho das instituições. Em razão do princípio do m é rito, propõe que este seja o critério básico pelo qual as instituições e os docentes sejam avaliados e não sistemas formais. 65


A Comissão recomenda várias f o r m a s possíveis de avaliação, a depender de qual seja a categoria avaliada (alunos, professores, servidores) o u a instância (cursos, carreiras, avaliação didático-pedagógica d o ensino). No que se refere ã avaliação dos professores, por e x e m p l o , afirma que a avaliação de pesquisa e pós-graduação já está bastante desenvolvida pelos mecanismos CAPES. Por o u t r o lado, propõe a avaliação reputacional dos professores, que " c o n siste e m verificar a reputação dos professores entre seus colegas, por u m a parte, e entre os alunos, por o u t r a " (p. 56). A Comissão sugere u m a grande m a r g e m de experimentação c o m essas distintas f o r m a s de avaliação. I m p o r t a n t e destacar que a Comissão confere ao CFE, depois de renovado, "a missão de t o m a r a iniciativa e dar legitimidade e respeitabilidade aos processos de avaliação que v e n h a m a ser desenvolvidos" (p. 59).

7. POLÍTICA DE PESSOAL DOCENTE 7.1 - C A R R E I R A D O M A G I S T É R I O

SUPERIOR

POSIÇÃO DA A N D E S A A N D E S p r o p õ e que a carreira d o magistério superior deva ser única, os s a l á r i o s i s o n ô m i c o s e mantida a i n d i s s o c i a b i l i d a d e entre ensino, pesquisa e extensão. O i n g r e s s o na carreira e o acesso a titular será feito s o m e n t e através do c o n curso público. A p r o g r e s s ã o f u n c i o n a l far-se-á mediante a a v a l i a ç ã o d o d e s e m p e n h o d o d o c e n t e e m ensino, pesquisa e extensão, observada a peculiaridade de cada área de conhecimento e mediante a t i t u l a ç ã o f o r m a l . A A N D E S p r o p õ e que a posição funcional não i m p l i q u e e m diferenciações de atribuições administrativas nem exclusão de participação e m cargos eletivos. Propõe ainda que a lotação de cargos e m cada IES deva ser definida no â m b i t o de cada instituição. P O S I Ç Ã O D A C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L A Comissão reconhece a liberdade de cada universidade de estabelecer sua própria política de pessoal, tendo prevalecido "a opinião dos q u e consideram a c a r reira única u m a l i m i t a ç ã o ao p r i n c í p i o da a u t o n o m i a u n i v e r s i t á r i a " (p. 14). O ingresso na carreira e o acesso ao posto m á x i m o d e v e m ser feitos por concurso público de provas e títulos. A progressão funcional deverá t o m a r c o m o critérios a titulação, a produção científica, a participação nas atividades de ensino, pesquisa e extensão e a experiência na administração acadêmica. 7.2 S A L Á R I O P O S I Ç Ã O DA A N D E S A A N D E S propõe a isonomia dos salários (para trabalhos iguais salários iguais).

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No setor particular, a A N D E S propõe o fim do regime de hora-aula e a adoção do regime de contratação por tempo contínuo. A A N D E S propõe a recuperação dos níveis históricos mais elevados dos salários dos docentes das universidades públicas e particulares. P O S I Ç Ã O D A C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L A Comissão propõe a liberdade para cada instituição definir a remuneração adequada. "Cabe ao governo, tão somente, estabelecer os valores mínimos de remuneração dos professores" (p. 14). (...) "É importante (...) que a legislação estabeleça um piso salarial a ser obedecido, tanto pelas EIS públicas como pelas particulares" (p. 87). 7.3 - R E G I M E D E T R A B A L H O POSIÇÃO DA A N D E S "O regime de trabalho fundamental para o cumprimento dos objetivos da universidade é a dedicação exclusiva à docência, pesquisa e extensão. Nas áreas profissionais, é também necessária a participação de docentes em dedicação parcial (20 horas) para que possam manter paralelamente exercício profissional atualizador" (p. 7). Em conseqüência, a A N D E S propõe a e x t i n ç ã o , nas IES federais, do regime de 4 0 h o r a s (sem dedicação exclusiva), e nas IES particulares d o regime de h o r a aula. A A N D E S propõe ainda estabilidade no emprego, demissão somente após processo administrativo e direito à aposentadoria integral. Propõe semestre sabático, vinculado à aprovação de plano de atividades. Propõe o afastamento docente sujeito à aprovação prévia do departamento, prevendo-se delimitação de tempo máximo de afastamento. P O S I Ç Ã O D A C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L A Comissão propõe que o "regime de dedicação exclusiva deve ser preferencialmente adotado para os integrantes da carreira, sendo t a m b é m admissível o tempo parcial" (p. 87). A Comissão prevê ainda que "as instituições de ensino disponham de flexibilidade para contratação de professores visitantes e extra-carreira. A Comissão propõe que seja vedado o sistema de pagamento por hora-aula. A Comissão propõe o sistema de semestres sabáticos segundo programas estabelecidos pelos colegiados superiores, mediante aprovação pelos departamentos de planos de trabalho que visem o aprimoramento individual e o intercâmbio científico e cultural. 7.4 C A P A C I T A Ç Ã O

DOCENTE

P O S I Ç Ã O DA A N D E S O padrão de qualidade proposto para a universidade brasileira exige uma política de elevação da capacitação docente. Nas IES públicas, a A N D E S propõe a ampliação do quadro docente e m uma certa porcentagem como forma de estabelecer uma política contínua de capacitação docente. 67


Estabelece que quando afastados os docentes preservarão t o d o s os direitos. Q u a n d o o docente realizar a pós-graduação na própria instituição, a A N D E S p r o p õ e a dispensa da atividade didática, durante o período de c u m p r i m e n t o de créditos. Nas IES particulares, a A N D E S propõe u m plano de capacitação docente c o m suporte financeiro do Estado e vinculado à contrapartida das instituições particulares. P O S I Ç Ã O D A C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L " A s IES d e v e m criar condições para o aperfeiçoamento constante de seus quadros docentes, através da qualificação em cursos pós-graduação e da capacitação e m instituições n o país e no exterior, 0 MEC deve fortalecer, por i n t e r m é d i o de suas agências, p r o g r a m a s específicos de a p r i m o r a m e n t o para docentes, tais c o m o o PICD e o P A D E S " (p. 87 e 88).

8. RELAÇÃO ENSINO E PESQUISA P O S I Ç Ã O DA A N D E S A A N D E S p r o p õ e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. P O S I Ç Ã O D A C O M I S S Ã O DE A L T O N Í V E L A Comissão p r o p õ e a separação entre ensino e pesquisa chegando a p r o p o r remunerações diferenciadas para a figura d o p r o f e s s o r - p e s q u i s a d o r e do p r o f e s s o r - p r e s t a d o r d e serviço.

É incompatível c o m a busca de excelência e de competência a separação entre professor que ensina e professor que pesquisa. A s funções básicas da universidade (ensino, pesquisa e extensão) não p o d e m ser vistas de f o r m a estanque e separada. A postura de separar ensino e pesquisa t e m gerado distorções graves na vida acadêmica. A mais grave delas t e m sido a de colocar a função ensino c o m o menos i m p o r t a n t e e, por isso m e s m o , não exigiria pessoas de alta qualificação. Concretamente, o ensino de graduação v e m sofrendo as conseqüências dessa política, sem nenhuma ligação m a i o r c o m a pós-graduação e a pesquisa. A i n d a sobre este assunto, o recente m o v i m e n t o grevista das IES fundações federais conseguiu que a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão fosse o f i cialmente aceita pelo Ministério da Educação (Portaria 742/SESU, de setembro de 1985, e PCSs a p r o v a d o s para as fundações federais.

Novembro/85 Maria José Féres Ribeiro - Pres. A N D E S 84/86

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O REINO DO FAZ-DE-CONTA OU PORQUE SOU CONTRA O PROJETO DO GERES

Relutei por certo t e m p o e m divulgar u m a posição pessoal relativa à proposta do GERES, de reformulação da universidade pública federal, preferindo l i m i t a r - m e a e x p r i m i r meu p e n s a m e n t o i n t e r n a m e n t e , nas reuniões da A D U F E P E , e acompanhar as decisões da maioria. Contudo, o Relatório do GERES menciona repetidas vezes as recomendações da Comissão Nacional para a Reformulação da Educação S u p e r i o r Brasileira. Fui u m dos m e m b r o s dessa Comissão e disputei a presidência da A N D E S , pela Chapa 2, de oposição: A N D E S , HOJE - EM DEFESA DA U N I V E R S I D A D E . Por tais razões, sintome m o r a l m e n t e no dever de p r o n u n c i a r - m e , não apenas n o interior da ADUFEPE, quanto nacionalmente. Desde l o g o , o fato de ter i n t e g r a d o a chamada Comissão de A l t o Nível de m o do a l g u m m e obriga a fazer minhas decisões que contestei - posso dizer desde o prim e i r o encontro de trabalho d o G r u p o - , inclusive apresentando propostas divergentes, apesar de minoritárias e m plenário. Mais do que isso: manifestei minha posição divergente e m declaração de v o t o assinada e publicada e m anexo ao Relatório da Comissão; e m relatório pessoal, a m p l a m e n t e d i v u l g a d o no m o v i m e n t o docente; em artigos publicados e m E d u c a ç ã o B r a s i l e i r a ( n ú m e r o s 15 e 16); e m n u m e r o s o s debates, e m quase t o d o o país. Seria, pois, de se esperar de m i n h a parte - c o m o efetivamente acontece - q u e rejeitasse a proposta do GERES, por considerá-la prejudicial à Universidade Brasileira. O que falta é dizer p o r q u e sou contra o projeto do GERES, p o r q u e o considero nocivo e equivocado: e a m e u ver ele ultrapassa os equívocos da linha de pensamento que, sem ser a única, p r e p o n d e r o u na Comissão de A l t o Nível. E m b o r a eu naturalmente 69


reafirme a l g u m a s das posições já assumidas pelas associações de docentes, estudantes e servidores, acrescento outras considerações pessoais e o m o d o pessoal de expor, s e m c o m p r o m e t e r decisões coletivas. POR QUE R E G I M E DE U R G Ê N C I A , AGORA? A n t e s de discutir o c o n t e ú d o da proposta d o GERES, é preciso rejeitar - c o m o se t e m feito nos ú l t i m o s dias e m t o d o o Brasil - a f o r m a q u e seria utilizada pelo G o v e r n o para fazer valer sua vontade: o e n c a m i n h a m e n t o , e m r e g i m e d e u r g ê n c i a , d o A n t e p r o j e t o de Lei elaborado pelo GERES ao Congresso Nacional. O q u e eqüivale a dizer, neste m o m e n t o político da vida nacional: forçar sua aprovação sem discussão. Isto, agora? Escrevo no dia 19 de o u t u b r o . Espero que a reação de repulsa a tal medida e m quase todos os meios ligados à educação tenha a esta altura sustado o ato anunciado para amanhã. Mas o só fato de ter sido aventado pelo Governo d e i x a - n o s apreensivos e envergonhados. Onde, então, o respeito ao c o m p r o m i s s o d o P r e s i ^ j n t e Tancredo Neves, de ser a proposta oficial do MEC para a reformulação da educação superior encaminhada ao Congresso Nacional, para a m p l o debate entre os parlamentares e pela população e m geral? Onde, o c u m p r i m e n t o da reafirmação d a q u e l e c o m p r o m i s s o pelo M i n i s t r o Marco Maciel? O que nos deixa apreensivos e envergonhados é perceber n o p r o c e d i m e n t o pensado u m a estratégia que poderia dar certo mas, e m última análise, nos lançaria e m u m m u n d o de faz-de-conta. Faz-de-conta que as promessas f o r a m cumpridas: não seria a proposta encaminhada ao Congresso Nacional? Faz-de-conta q u e u m a a m p l a discussão nacional aconteceu: não foi distribuído o projeto c o m u m prazo de faz-deconta para apresentarmos emendas e sugestões? Por que regime de urgência agora? A g o r a , c o m o Congresso e m recesso branco, às vésperas de sua renovação e da instalação de u m Congresso Constituinte? Só u m a resposta percebo: a renúncia aos " r i s c o s " de u m debate d e m o c r á t i c o e a opção pela " s e g u r a n ç a " de u m a decisão autoritária. Isto, agora? Não é possível receber a notícia de u m a democracia de faz-de-conta sem u m d o l o r o s o s e n t i m e n t o de logro. S e n t i m e n t o que não se apaga c o m o possível recuo tático d o G o v e r n o . F A Z - D E - C O N T A QUE SE P R O J E T A U M A U N I V E R S I D A D E SÉRIA U m a reflexão sobre o conteúdo do relatório do GERES e d o A n t e p r o j e t o de Lei q u e o acompanha, leva e m p r i m e i r o lugar à estranha constatação de t e r m o s de discutir não u m a lei completa mas u m " p e d a ç o de lei". C o m o avaliar as conseqüências maiores de u m projeto de lei que reforma o ensino superior p ú b l i c o federal, i g n o r a n do o que disciplinará a " l e i geral" que deverá r e f o r m a r o ensino s u p e r i o r c o m o u m todo? O que pretende o Governo e m relação ao ensino superior particular? A o CFE? E há várias outras questões correlatas fundamentais, que poderão dar r u m o s b e m diversos ao anteprojeto de lei e m exame. Este é u m p o n t o que m e parece grave. E m segundo lugar, salta aos olhos o que parecia mascarado: o verdadeiro " f i o c o n d u t o r " d o projeto do GERES é u m a filosofia, u m a lógica da a m b i g ü i d a d e . T u d o dá u m a primeira impressão que talvez seja; mas logo adiante se verifica que certamente não é. V i v e m o s e m u m reino d o faz-de-conta. Seja a a u t o n o m i a u m p r i m e i r o exemplo. Lidos alguns artigos f o r a de seu contexto poderiam até animar. Contudo, c o m o v e m advertindo o m o v i m e n t o docente, a u t o n o m i a sem democratização interna quer dizer apenas transferência d o c a m p o de exercício do a u t o r i t a r i s m o . Sem democratização interna, a a u t o n o m i a de cada IES

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t e r m i n a por ser autonomia de alguns. O a u t o r i t a r i s m o é m a n t i d o . E democratização interna, c o m incrível infelicidade c o n f u n d i d a c o m anarquia, pelo d o c u m e n t o d o GERES, passa a ser simplesmente inexistente na universidade pública federal brasileira. Não apenas no concernente à eleição d o Reitor e de o u t r o s dirigentes acadêmicos. Mas, c o m a consagração de uma representatividade simbólica de estudantes e servidores técnico-administrativos nos diversos colegiados da universidade, escamoteia-se o princípio de participação efetiva, inerente à proposta de democratização interna. E mais u m a vez permanece o sentimento de v i v e r m o s e m u m m u n d o de fantasia, e m que faz-de-conta existir participação. Faz-de-conta existir a u t o n o m i a . Faz-de-conta e x p e r i m e n t a r m o s anos de renovação democrática na universidade brasileira. U m o u t r o exemplo. É verdade que não t e m o s tradição de pesquisa na quase totalidade da universidade no Brasil. É verdade que o esforço no sentido de conjugar ensino-pesquisa-extensão t e m sido realizado c o m seriedade por n ú m e r o reduzido de IES. Que algumas nem sequer tentaram até o m o m e n t o sair d o m a r a s m o e da repetição. Vejo três caminhos para se atacar o p r o b l e m a . O p r i m e i r o , a m e u ver único legít i m o para se chegar a médio prazo a u m padrão de qualidade c o m p a t í v e l c o m as necessidades nacionais e regionais, consiste no desenvolvimento de u m p r o g r a m a que reforce continuamente os setores que estão p r o d u z i n d o bem e, ao m e s m o t e m p o , que se dê toda a atenção aos que a n d a m mal, a j u d a n d o - o s efetivamente a superarem suas limitações atuais. O segundo, p r ó p r i o de u m a visão imediatista, c o m limitados horizontes pedagógicos, consiste em reduzir a ajuda aos que a n d a m b e m e facilitar a m o r t e dos que andam mal. O terceiro é o c a m i n h o do faz-de-conta. No f u n d o , tende a m a n t e r produtivos os setores considerados "faixa A " : universidades de ensino e pesquisa, talvez sobretudo de pesquisa, eventualmente talvez de extensão. E a conservar p r o l o n g a n d o artificialmente a vida de u m a universidade descerebrada: universidade de ensino, oficialização de u m padrão de universidade "faixa E " . " B o a " , para prestar um certo serviço, em certos locais d o país. Universidade de f a z - d e - c o n t a , para oferecer u m ensino de faz-de-conta, c o m professores de faz-de-conta e q u e percebem salários de faz-de-conta. Porque t a m b é m no que concerne á isonomia, o projeto dá u m a p r i m e i r a i m pressão de que talvez seja, para logo constatarmos que certamente não é. Concedido u m piso único, isonômico, para os professores e servidores d o " n o v o e n t e " , l o g o se a d m i t e diversidade tal de salários, por meio de u m engenhoso sistema de incentivos, que t e r m i n a por institucionalizar u m a estranha f ó r m u l a : S = SB + SD + ST + SP. E m que: S é o salário total; SB é o salário-base, dito isonômico; SD é o percentual de desempenho; ST é o percentual por titulação; e SP é o percentual por permanência. Por sua vez, o percentual por permanência, SP, c o m p r e e n d e o percentual pelo custo de vida + o percentual pelo mercado de trabalho + o percentual por o u t r o s f a t o r e s . Esta f ó r m u l a não está explicitada no projeto d o GERES mas é a ela que s o m o s obrigatoriamente levados. Fórmula que não se presta apenas a premiar professores mais dedicados e competentes ou pesquisadores mais p r o d u t i v o s , mas a priorizar universidades (soma do desempenho, titulação, custo de vida), cursos de uma m e s m a universidade, centro ou departamento ( m e r c a d o d e t r a b a l h o ) , e, m o v i d o s por o u t r o s f a t o r e s , universidades, centros, departamentos, cursos, professores, funcionários... saber, quem há-de? Q u e r o deixar bem claro que sou favorável à avaliação dos docentes e servidores, à cobrança de responsabilidades, ao orçamento global, à a u t o n o m i a (com d e m o 71


cratizaçáo), à instauração de u m sistema que incentive o desenvolvimento pessoal e a p r o d u t i v i d a d e . Defendo uma universidade que resulte de u m a nova política para a educação superior brasileira, que facilite o crescimento constante de q u e m está p r o d u z i n d o e busque a recuperação de q u e m não está. Avaliação, sim. P o r é m , nada é mais injusto, desigual, m e n o s objetivo, d o que avaliar com critérios ditos únicos, justos e objetivos a pessoas e entidades que não se encontram e m nível idêntico de desenvolv i m e n t o - e assim se encontram e m grande parte c o m o conseqüência de u m a política de g o v e r n o que, ao l o n g o dos anos, v e m acentuando as distâncias. 0 projeto d o GERES possibilita a alguns inegável o p o r t u n i d a d e de crescimento e p r o d u ç ã o . Acena c o m u m modelo de Universidade c o m u maiúsculo. Mas, s i m u l t a neamente avisa que só os privilegiados, por já t e r e m alcançado d e t e r m i n a d o nível de qualidade, p o d e m integrar o círculo dos excelentes. Aos outros, resta esperar a a p o sentadoria. E m e s m o aquele modelo de Universidade com u maísculo repousa em u m conceito l i m i t a d o de conhecimento e de experiência, que afasta dos processos decisórios alunos, servidores e professores " m e n o r e s " ; que afasta do círculo dos eleitos os tanto por cento considerados incompetentes. Sem negar aos que c o m p õ e m o GERES e ao Executivo o direito de pensar d i ferente, d e f e n d o o direito dos professores, alunos, servidores, i n d i v i d u a l m e n t e o u por i n t e r m é d i o de suas associações próprias, a f i r m a r e m não ser dessa r e f o r m a que o país necessita. T e m o s o direito de ser ouvidos pelo Congresso Nacional. Pela nação. N ã o q u e r e m o s uma r e f o r m a de faz-de-conta.

Novembro/85 Paulo Rosas

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CONTRIBUIÇÃO À ANÁLISE DO RELATÓRIO DO GERES (Projeto oficial do governo para a universidade) DIRETORIA DA ANDES - Brasília 15.10.86 "DIA DO PROFESSOR EM DEFESA DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E GRATUITA" 1. O Q U E É O P R O J E T O D O G O V E R N O P A R A A U N I V E R S I D A D E E m 1985, o g o v e r n o criou a Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior, que ficou conhecida c o m o Comissão de A l t o Nível, c o m p o s t a por pessoas convidadas diretamente pelo p r ó p r i o g o v e r n o . Essa Comissão f u n c i o n o u de m a r ço a n o v e m b r o , apresentando c o m o resultado u m d o c u m e n t o intitulado " U m a nova política para a educação superior brasileira". Dada a grande heterogeneidade na c o m posição da Comissão, esse d o c u m e n t o c o n t é m contradições entre suas propostas. Essa heterogeneidade não excluiu p o r é m a p r e d o m i n â n c i a de concepções conservadores, o que levou a que o d o c u m e n t o final se chocasse f r o n t a l m e n t e c o m os princípios fundamentais defendidos pelo m o v i m e n t o docente para a universidade. O d o c u m e n t o final da comissão era p o r é m bastante genérico, não se c o n s t i t u i n d o u m i n s t r u m e n t o operacional, que permitisse o i m e d i a t o e n c a m i n h a m e n t o da reformulação da universidade peío governo. O MEC criou então o GERES - G r u p o Executivo para a Reformulação da Educação Superior - , c o m a finalidade de elaborar u m a proposta operacional para o g o verno i m p l e m e n t a r a reestruturação da universidade, c o m base nos princípios básicos definidos pela Comissão de A l t o Nível. O GERES foi instalado e m m a r ç o deste ano, apresentando suas conclusões e m u m Relatório datado de s e t e m b r o de 1986. Os trabalhos do GERES f o r a m desenvolvidos a portas fechadas, sem serem divulgadas sequer as idéias e m d e s e n v o l v i m e n t o . A p ó s concluído, seu Relatório foi mantido secreto, c o m seus integrantes, bem c o m o as autoridades do M E C contatadas, recusando-se a entregar uma cópia do m e s m o à A N D E S , apesar da reiterada insistên73


cia nesse sentido. A importância de se conseguir acesso a uma cópia desse d o c u m e n t o t o r n a v a - s e cada vez mais clara, à medida que declarações oriundas d o p r ó p r i o g o v e r no d a v a m conta dele c o m o sendo a base sobre a qual o MEC e n c a m i n h a r i a a r e f o r mulação d o ensino superior. Finalmente, após intensa insistência, a A N D E S recebeu uma cópia d o Relatório n o dia 29.09.86, véspera d o Seminário Nacional sobre Trabalho Intelectual e Avaliação Acadêmica, que antecedeu o XIV C O N A D , e m Curitiba. Uma análise p r e l i m i n a r do d o c u m e n t o c o n f i r m o u os piores receios da A N D E S : o Relatório consta de duas partes, sendo a p r i m e i r a i n t r o d u t ó r i a , onde é desenvolvida a argumentação que se materializa na parte seguinte, c o m u m anteprojeto de lei q u e reestrutura as IES federais e que, mais do que base para a ação governamental, é o p r ó p r i o projeto d o MEC para a rede federal de ensino superior. E m ambas as partes, define-se u m projeto que elimina a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, rompe a a u t o n o m i a da universidade ao abrir o c a m i n h o para o controle de sua atividade por agentes financiadores, induz a institucionalização do ensino pago, elimina a isonomia salarial e provoca u m retrocesso na democratização da universidade ao proibir as eleições diretas para reitores e diretores. Observe-se ainda que, e m b o r a o Relatório faça menção a u m o u t r o a n t e p r o j e t o de lei, r e f o r m u l a n d o o Conselho Federal de Educação, ele não foi incluído na versão divulgada pelo MEC. Por proposta da diretoria da A N D E S , o XIV C O N A D propôs a todas as ADs o estudo cuidadoso do projeto do governo, de m o d o a que, até o dia 15.10.86, Dia Nacional de Luta pela Universidade Pública e Gratuita, a reunião dos delegados das ADs das IES federais e m Brasília defina a posição oficial d o m o v i m e n t o d o c e n t e a esse respeito. O presente texto constitui u m a contribuição à reunião nacional d o dia 15.10. 2. D I F E R E N T E S C O N C E P Ç Õ E S DE U N I V E R S I D A D E E m sua parte introdutória, o Relatório do GERES afirma q u e o atual processo de transição política gerou duas " t e n d ê n c i a s " no debate sobre a universidade. U m a dessas tendências defenderia " u m a universidade alinhada, cujas atividades são meios para atingir certos objetivos políticos para a sociedade e cujos paradigmas são ditados não pelo d e s e m p e n h o acad ê m i c o dos agentes mas pelo seu grau de c o m p r o m i s s o político-ideológico c o m as forças p o p u l a r e s " (Relatório, p. 18). A outra tendência defenderia " O p r o j e t o m o d e r n i z a n t e de uma universidade d o conhecimento, baseada e m paradigmas de d e s e m p e n h o acadêmico e científico, protegida das flutuações de interesses imediatistas, sem inviabilizar c o n t u d o sua interação com as legítimas necessidades da sociedade" (Relatório, p. 18). É evidente que, c o m a primeira " t e n d ê n c i a " , o GERES quer identificar o m o v i m e n t o docente e, c o m a segunda, o p r ó p r i o GERES e o g o v e r n o . Tal caricatura é porém radicalmente falsa. 74


A "Proposta das Associações de Docentes e da A N D E S para a universidade brasileira" entende que "a universidade é uma instituição social de interesse público", o que "se efetiva simultaneamente pela sua capacidade de representação social, cultural, intelectual e cientifica", representatividade essa que pressupõe "a capacidade de assegurar uma produção de conhecimento inovador e crítico, que exige respeito à diversidade e ao pluralismo" (Proposta A D s - A N D E S , p. 1). Ou seja, o movimento docente defende uma universidade em que estejam presentes todas as principais vertentes contemporâneas do pensamento científico e filosófico. Esse pluralismo, longe de substituir o melhor desempenho acadêmico pelo maior "grau de compromisso político-ideológico", como acusa o GERES, leva à afirmação da necessidade de que "o trabalho docente (ensino, pesquisa e extensão) precisa ser avaliado sistematicamente, a partir de critérios definidos de forma pública e democrática", afirmação essa desdobrada em orientações concretas. (Proposta A D s - A N D E S , pp. 26-27). Por outro lado, o projeto do governo encaminha, como veremos, a privatização da produção de conhecimento na universidade, submetendo suas atividades, sobretudo de pesquisa e extensão, mas também de ensino, ao controle de agentes financiadores. Ou seja, é esse projeto, e não o do movimento docente, que propõe o "alinhamento p o l í t i c o - i d e o l ó g i c o " da universidade, no caso ao grande capital privado e ao Estado. 3. O C O N C E I T O DE U N I V E R S I D A D E Na parte introdutória do Relatório do GERES lê-se que "no Brasil, historicamente, o ensino foi a função primordial desempenhada pelas instituições de ensino superior. A Lei n- 5540/68, ao estabelecer o principio da indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa" (corresponde a uma concepção que] "introduz um elemento estranho è tradição de nosso ensino superior: a pesquisa" (Relatório, p. 9). Prosseguindo, o GERES conclui que o resultado dessa medida é, hoje, a existência de instituições em que apenas se ensina, ao lado de outras, e m que há também pesquisa. Além disso, a política de expansão do ensino superior levou à disseminação de instituições isoladas e ao crescimento das universidades privadas - e m ambos os casos inexistindo quase sempre à pesquisa. Buscando consagrar e mesmo radicalizar essa situação, o Art. 42 do anteprojeto de lei extingue a indissociabilidade entre ensino e pesquisa como obrigação legal, não apenas em algumas, mas em todas as IES federais, ao determinar que deixe de aplicar-se a elas o disposto nõ Art. 2- da Lei 5540/68, que diz: "O ensino superior indissociável da pesquisa será ministrado em universidades e, excepcionalmente, e m estabelecimentos isolados, organizados como instituições de direito público e privado". Tanto as universidades públicas como as particulares gozam - pelo menos segundo afirma a legislação - de autonomia didática, administrativa e financeira, independente do desenvolvimento ou não de atividades de pesquisa. O que as separa das instituições isoladas é sua "universalidade de campo" - a abrangência de diversos 75


campos d o c o n h e c i m e n t o . O GERES defende p o r é m a proposta da Comissão de A l t o Nível, a qual " r e c o m e n d a apenas que, no que se refere às universidades, a nova legislação abandone a tradicional concepção de 'universalidade' ao definir a abrangência das funções da instituição no campo do ensino e da pesquisa" (Relatório, p. 12). E m decorrência, o Art. 42 do anteprojeto de lei abole a universalidade de campo enquanto marca o b r i g a t o r i a m e n t e característica das universidades federais, ao excluí-las da abrangência do A r t . 11 da Lei 5540/68, que diz: " A s universidades organizar-se-ão c o m as seguintes características: [...] e) universalidade de c a m p o , pelo cultivo das áreas fundamentais dos conhecimentos humanos, estudados em si m e s m o s ou e m razão de ulteriores aplicações e de uma ou mais áreas técnico-profissionais". A s s i m , o GERES, adotando uma postura que procura apresentar c o m o realista e flexível, e seguindo explicitamente as indicações da Comissão de A l t o Nível, p r o p õ e a " a u t o n o m i a " c o m o único critério definidor de u m a universidade e n q u a n t o tal. Dessa f o r m a , "estabelecimentos isolados que c o m p r o v e m sua competência através dos m e canismos de avaliação previstos no projeto" p o d e m pleitear a u t o n o m i a didática, administrativa e financeira e, c o m isso, " o 'status' u n i v e r s i t á r i o " (Relatório, p. 16). O conceito de universidade que orienta t o d o o trabalho do GERES, inclusive o anteprojeto de lei, choca-se frontalmente c o m o defendido x pelo m o v i m e n t o docente. Este, ao rejeitar a possibilidade de que a universidade se limite ao papel de mera rep r o d u t o r a do conhecimento já existente, exige, como condição para o desenvolvim e n t o de u m p e n s a m e n t o crítico e pluralista, tanto a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, c o m o a universalidade de c a m p o . C o m a pesquisa, o professor faz avançar o conhecimento na sua área de trabalho, ao m e s m o t e m p o em que age no sentido de se desenvolver enquanto profissional e de a p r o f u n d a r a formação dos estudantes, tanto os diretamente envolvidos na pesquisa q u a n t o os que se beneficiarão das aulas enriquecidas pela mesma. C o m a extensão, leva-se o conhecimento gerado na universidade a parcelas da população, enriquecendo-o c o m o debate com essas parcelas. Por sua vez, a universalidade f o r nece as condições concretas e o estímulo à interdisciplinaridade no ensino, na pesquisa e na extensão, evitando a redução da atividade de ensino superior à mera formação de m ã o - d e - o b r a qualificada. O conceito de universidade adotado pelo GERES e o MEC não constitui p o r é m u m equivoco, que possa ser corrigido ao ser m o s t r a d o a a m b o s . Trata-se de uma formulação claramente assumida pelo governo, c o m o parte de sua política voltada para sua desobrigação crescente frente ao ensino superior e c o n c o m i t a n t e avanço da privatização, seja através d o crescimento da rede privada, seja através do controle da rede pública por agentes financiadores. 4. F I N A N C I A M E N T O D A U N I V E R S I D A D E O anteprojeto de lei elaborado pelo GERES e assumido pelo MEC diz e m seu A r t . 33: " A União assegurará às universidades federais p a t r i m ô nio e receita necessários à realização dos seus objetivos institucionais, em função de planos plurianuais de desenvolvimento e de programas anuais de t r a b a l h o " . 76


Essa f o r m u l a ç ã o , à primeira vista, parece a s s e g u r a r a completa cobertura, pelo Estado, das necessidades financeiras das IES federais. Q u a n d o integrada no conjunto do Relatório do GERES, p o r é m , ela ganha o u t r o significado. S e g u n d o o GERES, a "necessidade de a u m e n t a r a eficiência" d o sistema federal de ensino superior e a existência de p r o b l e m a s políticos restritivos, geraram a adoção de mecanismos burocráticos de c o n t r o l e de m e i o s (recursos), c o m abandono da avaliação dos fins (desempenho, produto) das IES (Relatório, pp. 10-11). O GERES identifica aí u m duplo erro: de u m lado, a a u t o n o m i a acadêmica, que é " a verdadeira a u t o n o m i a " , t e m que estar associada à a u t o n o m i a financeira, u m a vez que a restrição dos meios pode tolher a liberdade acadêmica (Relatório, p. 14); de o u t r o lado, c o m o " n o caso das instituições de educação superior públicas os recursos são o r i u n d o s do c o n t r i b u i n t e " , é "inevitável o controle social da aplicação dos recursos públicos c o m o dever inalienável d o Estado" (Relatório, p. 17). O problema, para o GERES, reside então na compatibilização entre " u m aum e n t o da a u t o n o m i a na gestão universitária", inclusive dos recursos financeiros, e " u m controle finalístico das instituições". A solução é encontrada na proposta de que " o controle social seja feito a partir de u m sistema de avaliação de d e s e m p e n h o " (Relatório, pp. 17-18). A avaliação de desempenho não se destina p o r é m apenas ao controle da utilização de recursos. Ela deve c u m p r i r papel i m p o r t a n t e " n o processo de f o r m u l a ç ã o de políticas e de estabelecimento de normas para o sistema educacional" (Relatório, p. 19). A l é m disso - e esse ê q p o n t o nevrálgico da questão - , o GERES, e o MEC, entend e m que " o processo de avaliação do desempenho das instituições de ensino superior deverá oferecer i m p o r t a n t e s subsídios para a alocação de recursos entre as instituições federais. C o m o resultado d o processo avaliativo, recomendações específicas poderão ser feitas e m relação às necessidades e disponibilidades d e cada instituição" (Relatório, pp. 3839). Segundo o GERES, o mais adequado " é que o processo de avaliação seja conduzido pela Secretaria da Educação Superior (SESu) d o M E C , que já está a d o t a n d o as providências iniciais nesse s e n t i d o " (Relatório, p. 18). Confirma-se assim a denúncia da A N D E S sobre o verdadeiro papel destinado ao processo de avaliação que a SESu está começando a aplicar às IES federais: estabelecer u m " r a n k i n g " na rede pública de ensino superior, a partir d o qual os recursos serão distribuídos desigualmente, p e r p e t u a n d o desse m o d o a desigualdade entre as diferentes IES, parte do legado de décadas de u m a política educacional p r o f u n d a mente danosa ao ensino superior. C o n f i r m a - s e t a m b é m a informação, obtida extra-oficialmente pela A N D E S enquanto decorria o trabalho a portas fechadas d o GERES, de que o g o v e r n o pretende, através do corte real de verbas, induzir as universidades a buscarem recursos adicionais pela venda de serviços e da institucionalização d o ensino pago, c o m o meio de garantir seus gastos c o m custeio e salários. De fato, se o Art. 33 obriga a União a garantir os m e i o s para a "realização dos objetivos institucionais das universidades federais", por o u t r o lado será a própria União, através do MEC, que definirá e m última instância as "necessidades e disponibilidades de cada instituição", c o m base no "processo avaliativo", e n c a m i n h a d o atualmente pela SESu. Definidas as "necessidades" a atender, e d a d o o m o n t a n t e de ver-

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bas a serem dotadas à rede federal de ensino superior pelo MEC, este determinará então a parcela destinada a cada IES. Quanto mais insuficiente o desempenho de u m a universidade, a critério da SESu, m e n o r será a parcela a ela destinada e maiores, p o r tanto, suas dificuldades para elevar aquele desempenho. No caso das "universidades de e n s i n o " , m e n o r tenderá a ser a dotação de recursos federais e m a i o r deverá ser sua necessidade de cobrança de altas taxas aos estudantes, além de sua dependência e m relação à " c o m u n i d a d e " de associações comerciais, federações de indústrias etc., que sei convençam da necessidade de destinar recursos à manutenção em f u n c i o n a m e n t o da universidade pública local, ou pelo menos de alguns de seus cursos. Por o u t r o lado, quanto m e n o r o v o l u m e de recursos destinados pelo MEC ao c o n j u n t o das IES federais, m a i o r tenderá a ser a necessidade de que todas elas, inclusive as consideradas c o m o d e m e l h o r desempenho, recorram à cobrança dos alunos, à venda de serviços pesquisa e extensão - e a apoio financeiro, para a manutenção das atividades de ensino, por parte de agentes financiadores. Essas constatações se u n e m a declarações c o m o a do m i n i s t r o da Educação, J o r g e Bornhausen, de que as universidades " d e v e m sair do i m o b i l i s m o e não esperar u m a atitude paternalista do governo, p r o c u r a n d o apoio do setor p r i v a d o " (FSP, 01.08.86), e que " o que precisamos é buscar justiça social e dar gratuidade àqueles q u e não p u d e r e m p a g a r " (FSP, 15.08.86). U n e m - s e t a m b é m a afirmações vindas de escalões i n t e r m e d i á r i o s do MEC e d o governo, nunca assumidas oficialmente mas q u e nem por isso deixam de se repetir, no sentido de que os recursos destinados ao ensino superior d e v e m d i m i n u i r , sendo transferidos ao 1 ? e 2- graus. O resultado é u m a política clara: sem precisar deixá-lo explícito e m a l g u m artigo, o anteprojeto de lei do g o verno deixa aberto o caminho para, ao lado do fortalecimento da rede particular, pressionar a rede pública de ensino superior no sentido da captação de recursos j u n t o a órgãos financiadores, tendo c o m o resultado global a privatização da geração de conhecimento nas universidades brasileiras. C o m p r e e n d e - s e assim o verdadeiro significado da a u t o n o m i a financeira e administrativa defendida pelo MEC para as IES federais. Trata-se de o Estado se desobrigar progressivamente de sua manutenção e, sobretudo, de encaminhar sua adequação à política global de privatização referida acima. A universidade pública, c o m o q u e r e m a Comissão de Alto Nível, o GERES, o MEC, o governo, deve caminhar para s u b o r d i n a r - s e à dinâmica do mercado, o que significa sua subordinação à lógica da acumulação capitalista no Brasil. 5. I S O N O M I A DE C A R G O S E S A L Á R I O S T a m b é m a política salarial nas universidades deverá, segundo o projeto g o v e r namental, s u b o r d i n a r - s e a essa lógica. A s s u m i n d o proposta o r i g i n a l m e n t e levantada pela Comissão de Alto Nível, o GERES defende " u m justo equilíbrio entre os ideais de u m a carreira de âmbito nacional, que respeite os valores de igualdade e isonomía, entre as diversas instituições, e os de diferenciações salariais, a partir de pisos iguais, e m função dos valores e critérios do m é r i t o , desempenho, localização" (Relatório, p. 22) E m decorrência, após o Art. 18 estabelecer a "identidade de estrutura de cargos e funções, isolados e de carreira, e respectiva retribuição" para " t o d a s as universidades federais", o Art. 19 do anteprojeto de lei estabelece que 78


" o estatuto do servidor de cada universidade incorporará (...1 concessão de incentivos salariais em razão do desempenho funcional do servidor; [...] concessão de incentivos salariais de permanência na universidade, que, uma vez atendidos os pressupostos de titulação e desempenho do servidor, levem e m conta, dentre o u t r o s fatores, as condições locais de mercado de trabalho e do custo de vida". C o n f i r m a n d o mais uma vez denúncias f o r m u l a d a s a n t e r i o r m e n t e pela A N D E S , o governo nega assim a concessão da isonomia salarial aos docentes e servidores técnico-administrativos das IES federais, substituindo-a pelo que autoridades do MEC v ê m c h a m a n d o de "piso salarial isonômico", t e r m i n o l o g i a com que se procura encobrir a radical rejeição da isonomia. Pior que isso: além da desigualdade entre os salários pagos nas IES f u n d a c i o n a i s e nas autárquicas, o g o v e r n o implanta a desigualdade entre as diversas universidades e entre as diferentes unidades de cada universidade. A menção a " f a t o r e s " c o m o "custo de v i d a " não encobre o fato de que quaisquer " i n centivos salariais" dependerão sobretudo do v o l u m e de recursos captados por cada IES, o que por sua vez depende do grau de industrialização; de expansão do comércio etc., além do interesse específico do empresariado local e de órgãos governamentais e m , na região, e s t i m u l a r e m c o m recursos determinadas áreas de atuação da universidade. Fica assim esclarecido o verdadeiro m o t i v o p o r q u e o g o v e r n o v e m protelando desde o u t u b r o de 1985 a concessão da isonomia q u e ele p r ó p r i o declarou publicamente ser u m direito do corpo docente das IES federais. Trata-se de enquadrar a questão no interior da reforma da universidade, negando o a t e n d i m n t o da reivindicação. 6. D E M O C R A T I Z A Ç Ã O D A U N I V E R S I D A D E O anteprojeto de lei i m p õ e u m sério retrocesso ao processo de democratização hoje e m curso na universidade. U m a longa argumentação é desenvolvida na parte introdutória (Relatório, pp. 30-37), afirmando que " a especificidade institucional d o ente universitário" (p. 36) exclui a validade de "processos de eleição direta plebiscitária" (p. 34). O uso d o t e r m o "plebiscitária" deve-se evidentemente apenas ao objetivo de desqualificar a eleição direta, u m a vez que esta nada t e m de plebiscito. A parte isso, os argumentos c o n t i d o no Relatório resumem-se à afirmação, não d e m o n s t r a d a , de que a escolha dos dirigentes por eleição direta poderá gerar " u m a universidade politizada, democrática, mas dificilmente (...] uma boa universidade" (p. 34); que " a universidade não é a sociedade e m m i n i a t u r a " (p. 34); que a defesa da eleição direta significa a negação da especificidade da organização universitária, própria de q u e m " a d e r e ao m o delo de u m a universidade alinhada, vista c o m o arma na luta política m a i o r , instrum e n t o utilizado pelo poder e m regimes políticos de m o b i l i z a ç ã o " (p. 33). A rejeição das eleições diretas encontra assim sua justificativa na busca d o "respeito à especificidade institucional do ente universitário", o que será alcançado " c o m a fixação de n o r m a s relativas à hierarquia na carreira dos candidatos aos cargos de direção, a definição dos colegiados deliberativos c o m prevalência dos docentes sobre as demais categorias, mas com representação e voz para estas" (Relatório, p. 36). Dessa f o r m a , o anteprojeto de lei estabelece que: - a administração superior da universidade caberá a co79


iegiado deliberativo, presidido pelo Reitor, e constituído dos dirigentes e representantes das universidades que a integram" (Art. 7?); - " n o s órgãos deliberativos de qualquer nível (...] haverá representantes d o corpo discente e d o c o r p o técnicoadministrativo, na proporção que for fixada e m estatut o " , respeitada a condição de q u e essa representação " n ã o poderá, em conjunto, exceder de u m q u a r t o d o n ú m e r o de docentes" (Art. 10); -

" O Reitor e o Vice-Reitor de universidade serão n o meados pelo Presidente da República, escolhidos de lista de três nomes de professores titulares o u adjuntos, eleitos por colégio eleitoral especial, sendo este ú l t i m o constituído pelo colegiado deliberativo, acrescido " d e delegados eleitorais em número não superior aos dos m e m b r o s daquele colegiado", representando os d o centes, os servidores técnico-administrativos e os estudantes, e representando todas as unidades (art. 11). (Mutatis mutandis, o m e s m o se aplica à escolha d o diretor e vice-diretor de unidade, pelo reitor).

C o m o presente anteprojeto de lei, o governo pretende p o r t a n t o i m p o r u m recuo de g r a n d e importância ao processo de democratização na universidade, onde está hoje generalizado o recurso às eleições diretas, c o m participação paritária das três categorias, para o preenchimento dos cargos dirigentes. O veto estende-se t a m b é m à reivindicação de que esse processo de escolha se esgote no â m b i t o da própria IES, sem ingerência do poder executivo. 7. O U T R A S

QUESTÕES

A l é m de o u t r o s aspectos a serem detidamente analisados pelos docentes, cabe ainda aqui destaque para três questões: a mudança da organização e m d e p a r t a m e n t o s e colegiados, o regime de trabalho e a aposentadoria. C o m u m a simples penada, o MEC, através do Art. 42 d o anteprojeto de lei determina o f i m da obrigatoriedade da estruturação em departamentos e colegiados de cursos, ao excluir as IES federais da abrangência do Art. 11, do §3 9 d o A r t . 12 e d o A r t . 13 da Lei 5540/86, que os prevêem. O m o d o c o m o cada IES se estruturará será definido pelo estatuto adotado por ela, c o m o determina o Art. 3 ? do anteprojeto de lei, estabelecendo-se assim uma provável profunda heterogeneidade na rede federal. É evid e n t e m e n t e inaceitável que mudança de tamanha envergadura se dê sem qualquer discussão na c o m u n i d a d e universitária, camuflada no ú l t i m o artigo d o anteprojeto. O GERES rejeita a reivindicação do m o v i m e n t o docente de que seja explicitam e n t e p r o i b i d o o regime de 40 horas semanais sem dedicação exclusiva (Relatório, pp. 25-26; Proposta A D s - A N D E S , p. 27). Em decorrência, o anteprojeto de lei, sem estabelecer aquela proibição, institui duas modalidades para " o regime de trabalho do pessoal docente": "dedicação exclusiva" e " t e m p o parcial, em função d o n ú m e r o de horas semanais de atividade" (Art. 25). A redação desse artigo deixa e m aberto a possibilidade do r e t o r n o do professor-horista, figura extinta na rede federal pela luta do m o v i m e n t o docente e que, prevalecendo ainda nas IES particulares, p e r m i t e a drástica exploração dos docentes, com conseqüente redução da qualidade d o ensino. O anteprojeto de lei prevê a aposentadoria integral, c o m p l e m e n t a d a pela uní80


versidade unicamente no caso de ocorrer a aposentadoria " c o m p u l s o r i a m e n t e , por i m p l e m e n t o de i d a d e " (Arts. 29 e 30), o que significa 70 anos para os servidores do sexo masculino e 65 anos para os do f e m i n i n o . Permanece sem a t e n d i m e n t o p o r t a n t o mais essas reivindicação - de aposentadoria integral e m t o d o s os casos - dos docentes e servidores técnico-administrativos. 8. C O N C L U S Õ E S É certo que, no caso de o g o v e r n o conseguir a aprovação no Congresso d o anteprojeto de lei elaborado pelo GERES, a atuação organizada e consciente da com u n i d a d e universitária poderá vir a neutralizar parte de seus efeitos radicalmente nocivos. Mas não é menos verdade que, havendo aquela aprovação, a universidade pública e gratuita terá sido atingida no essencial, talvez m o r t a l m e n t e . Não cabe p o r t a n t o qualquer raciocínio contemporizador, que aposte e m u m a possível resistência futura c o m o justifificativa para empenhar agora a p r ó p r i a existência dessa universidade. E m p r i m e i r o lugar, cabe u m c o m p l e t o repúdio ao e n c a m i n h a m e n t o que o g o verno está dando à questão, procurando fazer passar seu projeto s e m discussão na comunidade universitária, e m u m m o m e n t o e m que o Congresso não se reúne. Inversamente, o m o v i m e n t o docente s e m p r e defende que a reestruturação da universidade passe por uma ampla e aprofundada discussão na c o m u n i d a d e universitária. Esse é o único c a m i n h o efetivamente democrático para o t r a t a m e n t o da questão e o único capaz de p e r m i t i r que a reestruturação seja p r o g r a m a d a e conduzida c o m a p r o f u n d i d a de, correção e eficácia necessárias. O procedimento do governo mostra, além de irresponsabilidade para c o m a universidade pública, o objetivo de colocar e m u m a armadilha o m o v i m e n t o docente e o dos servidores técnico-administrativos, t e n t a n d o forçá-los a escolher entre o aband o n o de sua reivindicação de isonomia e a aceitação de u m a r e f o r m a da universidade absolutamente inaceitável. O anteprojeto de lei do MEC t e m c o m o objetivos: - privatizar a geração do c o n h e c i m e n t o na universidade pública e s u b m e t e r esta última à lógica do capital pela via da subordinação de suas atividades ao controle de agentes financiadores, o que significa a concessão de a u t o n o m i a financeira à universidade de m o d o a r o m p e r sua a u t o n o m i a acadêmica; - eliminar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a b r i n d o o c a m i n h o para a transformação de grande parte da rede pública de ensino superior e m m e r o ensino de 3 9 grau; - induzir a institucionalização do ensino pago nas IES federais; - eliminar a isonomia salarial e provocar a competição entre docentes, unidades e universidades por recursos financeiros a serem captados j u n t o à iniciativa privada e a órgãos governamentais; - p r o m o v e r u m retrocesso na democratização hoje em d e s e n v o l v i m e n t o na universidade, p r o i b i n d o as eleições diretas para cargos dirigentes. Por essas razões, o ante-projeto de lei é inaceitável no essencial e deve ser rejeitado g l o b a l m e n t e pelo m o v i m e n t o docente. Tentar " c o r r i g i - l o " , visando sua adaptação às propostas desse m o v i m e n t o para a universidade, seria incorrer em três erros: - as correções seriam tantas e tão essenciais, que p r o d u z i r i a m u m o u t r o anteprojeto, radicalmente distinto d o atual; - c o n f u n d i r - s e - i a a chamada opinião pública e os p r ó p r i o s docentes ao c o n d u zi-los a encarar o projeto d o g o v e r n o c o m o p o n t o de partida válido para a reestruturação da universidade; - e deixar-se-ia o caminho aberto para o governo, j o g a n d o e m seu p r ó p r i o 81


terreno (o texto do anteprojeto de lei), trabalhar pela aprovação do essencial de seu projeto pelo Congresso. Por o u t r o lado, a A N D E S e as ADs precisarão ter muita iniciativa, agilidade e habilidade para enfrentarem a escorregadia tática do MEC. Este, vinculando a concessão da i s o n o m i a - na verdade, o "piso i s o n ô m i c o " , ou seja, a negação da isonomia - à aprovação d o a n t e p r o j e t o de lei, procurará apresentar os docentes c o m o irresponsáveis, por rejeitarem " u m a proposta concreta" do MEC, não só para a " i s o n o m i a " , com o t a m b é m para os " m a l e s da universidade". Frente a essa armadilha e m que o g o verno procurará aprisionar o m o v i m e n t o docente, será indispensável deixar claro, para o c o n j u n t o da c o m u n i d a d e universitária, para a imprensa e a população, que o projeto d o governo: - ataca f r o n t a l m e n t e a universidade pública e gratuita; - nega a isonomia salarial. Por t u d o isso, a luta central hoje do m o v i m e n t o docente nas IES federais deve ser contra à aprovação pelo Congresso do anteprojeto de lei elaborado pelo GERES. Se apesar de t u d o o governo o enviar ao Congresso, o m o v i m e n t o deverá lutar para que não o seja e m regime de urgência - o que implicaria e m u m a provável aprovação por decurso d e prazo - e para que fique para apreciação e deliberação na Constituinte. A o m e s m o t e m p o , e m b o r a não mais ocupando o lugar central, deve ser m a n t i da a reivindicação de imediata instituição da isonomia salarial, porque: - a i s o n o m i a tecnicamente pode ser tratada em separado da r e f o r m a da universidade; - a b a n d o n a r agora essa reivindicação seria expor o flanco a acusações de " i r responsabilidade" e " i n c o n s e q ü ê n c i a " da parte do governo; - deixar de reivindicar a isonomia seria condenar ao isolamento o m o v i m e n t o dos servidores técnico-administrativos, hoje em greve e m t o r n o dessa reivindicação. Chegou agora o m o m e n t o em que o m o v i m e n t o docente poderá provar que fala a verdade, ao afirmar que suas lutas salariais, por verbas e democracia, são sobretudo parte da luta e m defesa da universidade pública, gratuita, democrática e c o m petente. N e n h u m a outra, reivindicação aparece hoje em p r i m e i r o plano. Salvar essa universidade é o papel histórico posto a todos os docentes de todas as universidades federais. Não f a l t a r e m o s a esse c o m p r o m i s s o . Brasília - 15/10/86 A u t o r : M A R C O A N T O N I O N A S C I M E N T O PEREIRA - Diretor A N D E S Texto a p r o v a d o pela diretoria da A N D E S

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DEMOCRACIA OU CONTROLE DA UNIVERSIDADE? - U m c o n f r o n t o entre as propostas da A N D E S e da Comissão do MEC para a universidade brasileira.

I - A p r o p o s t a da A N D E S As grandes lutas que o M o v i m e n t o Docente t e m travado através das ADs e da A N D E S são pelo ensino público e gratuito e m todos os níveis, pelo ensino e pela pesquisa de qualidade com condições dignas de trabalho, pela a u t o n o m i a e pela d e m o cratização interna das IES. Estas lutas são norteadas por princípios gerais e se v o l t a m contra processos concretos que têm sido impostos à educação e m nosso país. 1 - Luta pelo ensino público e g r a t u i t o , c o n t r a a p r i v a t i z a ç ã o da e d u cação " A política governamental brasileira tem se caracterizado, n o t a d a m e n t e nos últimos vinte anos, pela combinação entre a progressiva desobrigação d o Estado com a manutenção dos serviços públicos de caráter social e a criação de mecanismos que apoiam e facilitam a sua transformação e m atividades rentáveis pelo capital privado. A par do a b a n d o n o da atividade educacional aos interesses do capital privado, ocorre uma redução progressiva das dotações para o financiamento de atividades de pesquisa nas universidades e nos centros de pesquisa... Uma das conseqüências mais funestas dessa política de estrangulamento das IES públicas foi a criação, no seu interior, de u m processo de acelerada privatização interna. Através de mecanismos vários, c o m o a criação de fundações internas, a formação de grupos de consultoria técnico-científica, etc., esse processo de privatização interna vem desagregando toda a vida acadêmica... S u b o r d i n a n d o - s e a universidade à lógica imedíatista do capital privado, ... a política 83


g o v e r n a m e n t a l brasileira vem descaracterizando a universidade enquanto instituição de caráter público e despojando-a, portanto, de sua condição de instituição a serviço da população brasileira." ("Proposta das Associações de Docentes e da A N D E S para a Universidade Brasileira, B o l e t i m da A N D E S " , Encarte Especial, p. 5). Nos ú l t i m o s anos, o governo federal t e m feito inúmeras tentativas no sentido de ordenar sob f o r m a legal o processo de privatização em curso. Hoje nos defrontam o s c o m mais u m a proposta d o MEC, através de uma Comissão designada especialmente para este f i m e que f o r m u l a as bases de u m a " n o v a " política para a educação superior que d á continuidade, radicalizando-as, m e s m o , às diretrizes da política oficial, o que v a m o s analisar na segunda parte deste d o c u m e n t o . O caráter daquela política já vinha sendo definido com clareza. " A proposta do governo Figueiredo, hoje encampada por o u t r o s setores, sob o discurso aparentemente progressista da a u t o n o m i a universitária, p r o p õ e uma reforma gerencial e administrativa das IES federais, c o m base e m u m a concepção conservadora e tecnocrática da Universidade, que mensura o r e n d i m e n t o do ensino superior a partir de u m a racionalidade empresarial. O projeto de ' a u t o n o m i a universitária' que foi enviado ao Congresso Nacional efetiva o e m p r e sariamento d o ensino superior público". (ANDES, p. 2). O M D t e m reagido c o m firmeza a esse processo de privatização, defendendo o caráter público e gratuito da educação, reafirmando a necessidade do c o m p r o m i s s o do Estado c o m a educação em todos os níveis, entendendo a universidade c o m o " u m a instituição social de interesse público" e p r o p o n d o a generalização da gratuidade com o " c o n d i ç ã o básica para a constituição de u m sistema educacional não elitizante e d i s c r i m i n a t ó r i o " . (ANDES, p. 2) 2 - L u t a p o r condições d i g n a s d e t r a b a l h o e pela e l e v a ç ã o d e q u a l i d a d e da u n i v e r s i d a d e , contra a f o r t e d e p r e c i a ç ã o s a l a r i a l c o m a c e n t u a d a p e r d a d e q u a l i d a d e do t r a b a l h o u n i v e r s i t á r i o . É alarmante a deterioração das condições de trabalho na universidade brasileira: salários baixíssimos, regime de hora-aula c o m o norma nas IES particulares, acentuada diferenciação salarial no interior das IES federais (entre autárquicas e f u n dacionais); dotação para pesquisa sem continuidade e em quantidade escassa e descrescente, instalações e equipamentos insuficientes, inadequados, sem reposição e sem manutenção. O M D tende a tratar estas questões - que são tantas e de tamanha m a g n i t u d e - através de dois encaminhamentos principais: u m diz respeito ao padrão de qualidade do trabalho universitário, a carreira e salário; o o u t r o se refere à f o r m a da organização das universidades (autonomia-democratização interna). Quanto ao 1 9 encaminhamento, as propostas do MD são de padrão unitário de qualidade, de isonomia salarial e de carreira unificada. Este é u m e n c a m i n h a m e n t o central e estratégico do M D neste m o m e n t o . O padrão de qualidade da universidade brasileira é m u i t o variável e, e m geral, m u i t o baixo. A unificação deste padrão contempla uma preocupação acadêmica c o m a qualidade do ensino e da pesquisa e uma preocupação social, através da caracterização desta qualidade não em termos de u m a suposta neutralidade (que, de fato, sob a aparência de neutralidade, serve a interesses bem definidos, interesses dos segmentos dominantes da sociedade), mas de uma qualidade relevante para a maioria da população. A proposta de padrão unitário de qualidade se apresenta c o m o u m conjunto articulado e m í n i m o de condições de trabalho capazes de permitir que a universidade desenvolva u m a produção criadora c o n f o r m e as aspirações e necessidades da maioria da população. Tal proposta traz para o centro do debate o projeto de universidade que prioriza o social, no qual se dá a preponderância de critérios educacionais sobre a lógi84


ca da administração empresarial. O projeto de padrão unitário de qualidade encaminhado pela A N D E S parte do ponto de vista da educação c o m o direito do cidadão e, portanto, c o m o dever do Estado para c o m os cidadãos. Sua i m p l e m e n t a ç ã o supõe necessariamente a transformação e a expansão da rede pública atual e a retração da rede privada de ensino superior hoje existente. Deste m o d o , a perspectiva da unificação é u m e n c a m i n h a m e n t o que concretiza a defesa da universidade pública e gratuita, buscando ao m e s m o t e m p o a elevação do padrão m é d i o de qualidade da universidade brasileira. Por o u t r o lado, e t a m b é m m u i t o i m p o r t a n t e : a unificação como bandeira de luta tende a fortalecer o M D . A força do m o v i m e n t o decorre, em 1 9 lugar, da justeza de suas bandeiras de luta, mas decorre t a m b é m da capacidade de união que o m o v i m e n t o t e m sabido alcançar. O caráter nacional da luta tem sido u m dos seus traços mais marcantes, que t e m dado ao m o v i m e n t o u m a dimensão que torna difícil ao g o v e r n o desconsiderá-lo. A união entre os diferentes segmentos que constituem a universidade - M D , MS e ME, conseguida ao longo das lutas concretas - t e m sido o u t r o elemento i m p o r t a n t e de fortalecimento do m o v i m e n t o na universidade. A união no m o v i m e n t o dos diferentes tipos de universidade - autárquicas, fundacionais, estaduais e particulares - , apesar da e n o r m e diferenciação dos seus padrões - de remuneração, de ensino e de pesquisa - , t e m sido o u t r o aspecto relevante de fortalecimento. C o m o parte da luta pelo padrão unitário de qualidade da universidade, o M D encaminha a unificação da carreira e a i s o n o m i a salarial. São concretizações que atendem a necessidades prementes de condições de t r a b a l h o dos professores e que, sendo conquistadas, p e r m i t e m começar a implantar o padrão unitário de qualidade da universidade no Brasil. 3 - L u t a pela a u t o n o m i a e pela d e m o c r a t i z a ç ã o i n t e r n a da u n i v e r s i d a de. contra a dominação pelo poder público e econômico e a reprod u ç ã o das relações de d o m i n a ç ã o A universidade é u m a instituição submetida aos controles d o poder político e do poder econômico. O poder se faz presente na universidade através de todas as f o r m a s de clientelismo (cargos, verbas, facilidades), b e m c o m o através dos critérios de prioridade da alocação de verbas (da diferenciação à exclusão de áreas d o saber, de temas, etc.), q u a n d o não se apresenta d i r e t a m e n t e através da ingerência do poder (Executivo. Conselho de Curadores, mantenedoras) nas nomeações dos dirigentes ou através d o controle ideológico, político-partidário, religioso o u qualquer outra f o r m a de discriminação. O poder econômico s u b m e t e a instituição universitária através da ingerência direta, no caso das particulares (anuidades, contratação, p a g a m e n t o e demissão de funcionários) e através da organização da instituição (ensino, pesquisa e extensão) e m função d o mercado. A o estar submetida aos controles d o poder político e e c o n ô m i c o , a universidade serve aos interesses dos g r u p o s econômicos e políticos d o m i n a n t e s . A l é m de estar submetida aos controles diretos d o p o d e r , a universidade também serve aos interesses dos grupos d o m i n a n t e s - e serve c o m m a i o r eficácia, porque mais sutilmente - enquanto é reprodutora das relações de poder estabelecidas: enquanto sua hierarquia e seu m o d o de p r e e n c h i m e n t o dos cargos e vagas reproduz a hierarquia social, e n q u a n t o sua diferenciação acadêmica reproduz a diferenciação social. E, mais i m p o r t a n t e ainda, ao emprestar à diferenciação e à hierarquia social a sua característica acadêmica (competência o u saber diferenciado), a universidade se torna agente da d o m i n a ç ã o estabelecida e agente tanto mais eficaz q u a n t o mais escamoteado (pela suposta neutralidade d o saber) for esse agenciamento. A s s i m , o saber c o m o u m bem ( v a l o r - d e - u s o ) e a produção crítica deste saber são substituídos pelo saber 85


c o m o mercadoria (valor-de-troca), t r a n s f o r m a n d o conseqüentemente a escola e o ensino t a m b é m e m mercadorias. 0 M D t e m se insurgido contra a submissão da universidade aos controles d o poder e contra a sua função m e r a m e n t e r e p r o d u t o r a das relações sociais. É neste sentido preciso que o M D v e m lutando pela a u t o n o m i a : a u t o n o m i a c o n t r a a d o m i n a ção da u n i v e r s i d a d e p e l o p o d e r político e p e l o p o d e r e c o n ô m i c o , a u t o n o m i a c o n t r a a d o m i n a ç ã o da u n i v e r s i d a d e pelos interesses dos g r u p o s e c o n ô m i cos e p o l í t i c o s d o m i n a n t e s , a u t o n o m i a c o n t r a ser m e r o a g e n t e d e d o m i n a ção r e g i d a por c r i t é r i o s de p r o d u t i v i d a d e cuja base é a escola, o e n s i n o e o saber c o m o mercadorias. A a u t o n o m i a pela qual o MD luta caminha j u n t o c o m a democratização interna da universidade, sobre a base da universidade pública e gratuita e do padrão unitário de qualidade da universidade e se traduz por dois tipos principais de medidas: I) oposição à ingerência do Executivo (nas federais autárquicas e nas estaduais), dos Conselhos Curadores (nas fundações), das mantenedoras (nas particulares) e a todos os controles ideológicos, político-partidários, religiosos o u qualquer outra f o r m a de discriminação. " E s t r u t u r a s de poder excludentes cerceiam significamente a participação da c o m u n i d a d e na esfera das decisões acadêmicas e administrativas, a t e n d e n d o a propostas clientelistas o u às que c o r r e s p o n d a m a interesses privatizantes... A universidade, por ser u m a instituição social de interesse público, exige que todas as decisões estejam submetidas a critérios públicos e transparentes". (ANDES, p. 3,18) II) " É preciso construir uma universidade que corresponda aos interesses da maioria da p o p u l a ç ã o " . (ANDES, p. 3, §9) " É f u n d a m e n t a l que o avanço do processo de democratização interna das IES, tenha por objetivo u m a reorientaçáo global da política institucional da universidade, levando e m conta o seu c o m p r o m i s s o social e as suas f u n ções principais: f o r m a r bem, produzir o saber e servir à c o m u n i d a d e e m que se encontra... E preciso redimensionar a função social da universidade..." ( A N D E S , p. 3, §9) A a u t o n o m i a da universidade é entendida deste m o d o pelo MD c o m o a u t o n o mia face à d o m i n a ç ã o a que a universidade está submetida e c o m o c o m p r o m i s s o social, na construção de u m a universidade que produza criticamente o conhecimento relevante que atenda às necessidades e aos interesses da maioria da população, e m que os mecanismos excludentes, elitistas e elitizantes que hoje i m p e r a m sejam substituídos por m e c a n i s m o s democráticos e produtivos. O suporte da organização interna desta a u t o n o m i a c o m p r o m e t i d a socialmente c o m a maioria da população é o processo de democratização da universidade. Nas propostas que o M D faz quanto à implementação deste processo cabe notar que os critérios não são p r o p r i a m e n t e acadêmicos (ou supostamente acadêmicos, p o r q u e na verdade, se não a s s u m i r e m sua dimensão política, t o r n a r - s e - ã o de fato m e r a m e n t e r e p r o d u t o r e s da o r d e m estabelecida). " T o d o s os docentes serão elegíveis para funções administrativas e para colegiados, i n d e p e n d e n t e m e n t e de sua referência na carreira ou titulação. Os cargos de direção, e m todos os níveis, serão preenchidos através de eleições diretas e secretas, que assegurem a participação dos três segmentos da c o m u n i dade universitária, preferencialmente de f o r m a paritária, respeitando a especificidade de cada caso. A indicação dos dirigentes deverá esgotar-se n o interior da instituição. Os colegiados serão constituídos por representantes de t o d o s os segmentos da c o m u n i d a d e universitária, eleitos direta e secretamente, preferencialmente de f o r m a 86


paritária, e nele não haverá m e m b r o s natos". (ANDES, p. 7, §5,6 e 7). II - A p r o p o s t a da C o m i s s ã o d o M E C E n q u a n t o o M D assume o ponto de vista da escola pública e gratuita, a Comissão do MEC assume o p o n t o de vista da iniciativa privada, c o m a ética própria da escola particular. Deste m o d o , não é de estranhar que toda a proposta da Comissão do MEC se contraponha às propostas encaminhadas pela A N D E S . A Comissão d o MEC centra a sua proposta na liberação dos " f o r m a t o s educacionais" de cada IES, estimulando a concorrência das instituições entre si, especialmente no que concerne à obtenção de recursos para o próprio funcionamento: é a isto que a Comissão chama de aut o n o m i a . Correlativamente a este centro de sua proposta, a Comissão do MEC propõe o a u m e n t o dos controles efetivos do governo sobre as universidades, porque, por u m lado, m a n t é m o controle d o g o v e r n o sobre a nomeação dos mais altos dirigentes das IES, nomeação a ser feita sobre lista tríplice; por o u t r o lado, p o r q u e amplia s o b r e m o do o controle do g o v e r n o sobre as dotações orçamentárias das universidades, a serem diferenciadas c o n f o r m e o desempenho de cada uma, o que é apresentado c o m o sendo uma contrapartida da " a u t o n o m i a " . O f u n d o da proposta c o m o u m t o d o é a racionalização do uso dos recursos n u m esquema empresarial de livre concorrência: as instituições d e v e m ser livres na gestão dos recursos que consigam obter e m função da sua competência e m g e r i - l o s eficientemente. E isto o que a Comissão do MEC p r o p õ e sobre a f o r m a do b i n ô m i o a u t o n o m i a - c o m p e t ê n c i a , que de fato representa o cerne da sua proposta de liberalização sob controle. A d o t a n d o o p o n t o de vista das empresas privadas de ensino, a Comissão trabalha sob o impacto (explícito) da aprovação da Emenda João C a l m o n e sob o i m pacto (implícito) d o fortalecimento dos m o v i m e n t o s no interior da universidade. A Comissão afirma: " A ampliação de verbas para o ensino proporcionada pela Emenda C a l m o n requer que o financiamento passe a ser feito de maneira mais eficiente". ( P o r u m a n o v a p o l í t i c a para a e d u c a ç ã o s u p e r i o r brasileira, Comissão do MEC, p. 15). Não há dúvidas de que o m o v i m e n t o de docentes, de servidores t é c n i c o - a d m i nistrativos e de estudantes t e m conduzido questionamentos i m p o r t a n t e s à universidade e ao poder público quanto à universidade. T a m b é m não há dúvida de que a unificação do m o v i m e n t o (quer e m termos nacionais, quer em t e r m o s dos seus setores tem sido fator decisivo de sua força política, possivelmente a ser consolidada e a m pliada c o m as propostas de unificação orgânica que o m o v i m e n t o v e m fazendo mais recentemente (propostas de padrão unitário de qualidade da universidade, de carreira unificada e de isonomia salarial). A Comissão do MEC manifesta-se pelo estabelecim e n t o de u m piso salarial c o m u m (em lugar da isonomia salarial proposta pelo MD) e é f r o n t a l m e n t e contrária à proposta de padrão unitário de qualidade da universidade. E m b o r a sem consenso interno, t a m b é m não aceita a carreira unificada, e m n o m e da a u t o n o m i a das universidades. O M D aponta para a unificação, a Comissão aponta para a diferenciação e a concorrência, destruindo a perspectiva de unificação e desarticulando o m e s m o grau de unificação já alcançado. Analisemos a proposta da Comissão do MEC e m termos de suas três questões fundamentais: 1 - O p o n t o d e vista da e m p r e s a privada de e n s i n o A r r o l a n d o os princípios da nova política para o ensino superior, a Comissão coloca e m 1- lugar o princípio da responsabilidade do poder público, assim definido: "cabe ao g o v e r n o assegurar a manutenção e a expansão do ensino público e m todos

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os níveis, inclusive o s u p e r i o r " (Comissão, p. 3). Reconhecendo que " n o Brasil, hoje, a maior parte dos estudantes de nível superior está matriculada e m estabelecimentos privados, que constituem a maioria das instituições deste nível existentes no País" (Comissão, p. 4), afirma que " a responsabilidade d o poder público não significa que o setor privado deva ser estatizado, mas: a) que o Estado não pode contar c o m a iniciativa privada para financiar os setores mais significativos da pesquisa universitária e do ensino superior, devendo ao contrário, aumentar progressivamente sua contribuição; b) que cabe ao Estado garantir a liberdade do ensino e m todos os seus aspectos e apoiar o f i n a n c i a m e n t o às iniciativas e d u c a c i o n a i s de o r i g e m p r i v a d a o u c o m u n i t á r i a d e i n e g á v e l interesse público e relevância social; c) que cabe ainda ao Estado contribuir para o a p r i m o r a m e n t o da qualidade do ensino superior e m t o d o s os seus aspectos e m o d a l i d a d e s institucionais". (Comissão, p. 4, grifado por m i m - M.L.C.) O g o v e r n o deve manter e expandir o ensino público. Reconhece-se a supremacia quantitativa d o ensino superior privado e a variação da qualidade, tanto d o ensino público, q u a n t o d o privado. Reconhecido o princípio e os fatos, o Estado " n ã o pode contar c o m " o financiamento privado para a educação superior (!), mas, ao contrário, deve apoiar a escola privada " d e inegável interesse público e relevância social" e contribuir para a p r i m o r a r a qualidade do ensino superior e m todas as suas " m o d a l i d a d e s institucionais". Ou seja, o princípio da educação pública deve ser preservado, mas com o há escolas e universidades privadas que pleiteiam verba pública e que se proclam a m c o m o sendo " d e interesse público e relevância social", o governo deve apoiá-las financeiramente, e m n o m e da liberdade de ensino, e contribuir para a elevação da qualidade tanto e m universidades públicas quanto privadas. A n o v a política para o ensino superior m a n t é m , assim, o subsídio público à educação privada, cuidando para que ele seja a m p l i a d o e dirigido a escolas particulares de maior qualidade. C o m o diz a Comissão, a "utilização de recursos públicos para o financiamento de estabelecimentos particulares deve privilegiar somente instituições de reconhecida qualidade, e desde que suas atividades t e n h a m indiscutível interesse social. O controle de preços do sistema privado deve se basear e m cálculos realistas dos custos d o ensino feitos pelo CIP e aprovados pelo n o v o C.F.E., c o m a participação de u m conselho f o r m a d o por representantes das partes interessadas. O sistema de bolsas de estudo para o ensino privado deve ser expandido, destinando-se as bolsas a estudantes de instituições de reconhecida q u a l i d a d e " . (Comissão, p. 16) Financiamento direto, bolsas de estudo: dinheiro público a l i m e n t a n d o as e m presas privadas do ensino. C o m o justificativa para esta alocação de recursos escassos apareceu a " q u a l i d a d e " do ensino nestas empresas que, assim, d e v e m ser reconhecidas c o m o prestadoras de serviços de interesse público, c o m o se não fossem e m p r e sas. Para tratar da questão do caráter público o u privado do ensino, a Comissão recorre à história, justificando o ensino particular c o m o algo sedimentado entre nós: "Nossa história mostra, desde seus primórdios, a presença ativa d o ensino particular, com destaque para o ensino religioso" (Comissão, p. 41), ao p o n t o de se encontrar garantido pela Constituição. " N a atual Constituição, o ensino privado está mais uma vez assegurado, sendo garantida a liberdade de ensino, condicionada à sua fiscalização pela autoridade pública". (Comissão, p. 41). E justamente sobre a questão da privatização do ensino q u e a Comissão discute, negando, o padrão unitário de qualidade da universidade: " o crescimento do setor privado nos ú l t i m o s anos suscita interrogações sobre o equilíbrio do conjunto. Há setores que criticam a tendência privatizante, que teria sido estimulada pela política educacional d o g o v e r n o federal; há os que defendem o ensino público e gratuito e m

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todos os níveis; e há, ainda, os que defendem o ensino privado c o m o legítimo, exercendo função essencial no sistema educacional brasileiro. Esta questão necessita ser examinada à luz da e n o r m e variedade de situações e regiões geográficas e m que surg i r a m e se desenvolveram as instituições de ensino privadas, o que i m p e d e que ela seja tratada a partir da idéia de u m m o d e l o único para o ensino superior e m todo o País" (Comissão, p. 41). A o concluir a discussão sobre ensino público e privado, a Comissão, " t e n d o e m vista a existência de instituições particulares de porte e padrões de qualidade reconhecidos, e que v ê m sendo subsidiadas pelo Estado de f o r m a aleatória, a Comissão faz as seguintes recomendações específicas: " q u e seja criada, por lei, a possibilidade de que instituições particulares de ensino superior reconhecidas pelo seu padrão de qualidade, sejam consideradas c o m o entidades de utilidade pública educacional, para efeito de obtenção de recursos públicos". (Comissão, p. 45) E b e m mais do que o reconhecimento da liberdade de ensino, p o r q u e defende a alocação de recursos públicos para a sustentação da escola privada, defendendo, deste m o d o , o p o n t o de vista da empresa privada de ensino que pleiteia verbas públicas. 2 - A u t o n o m i a : l i b e r a l i z a ç ã o dos f o r m a t o s e d u c a c i o n a i s S o b r e o reconhecimento do principio de diversidade e pluralidade do ensino superior, a Comissão aceita e entende " q u e as instituições de ensino superior p o d e m ter objetivos, vocações e especializações distintas" e p r o p õ e "assegurar a cada instituição de ensino a plena liberdade para adotar os f o r m a t o s organizacionais e institucionais que lhe parecem mais adequados". (Comissão, p. 6) É neste sentido m e s m o que a Comissão entende o princípio de autonomia: " A u t o n o m i a universitária significa liberdade para que as universidades decidam internamente sobre as pesquisas que realizam, os currículos de seus cursos, seus sistemas administrativos e organizacionais e a gestão de seus recursos". (Comissão, p. 6) Claro que esta concepção de a u t o n o m i a é incompatível c o m o padrão unitário de qualidade da universidade. " D i a n t e da complexidade econômica, cultural e política do País, i m p o r u m m o delo único de universidade é, mais d o que comprometer sua liberdade, perverter sua função e sua responsabilidade perante a sociedade. Daí o imperativo de que cada universidade possa fazer sua própria experiência". (Comissão, p. 24) Para a Comissão, a u t o n o m i a caracteriza ampla liberdade de cada IES no plano acadêmico, didático e pedagógico. Cada universidade deve poder decidir sobre o conteúdo de seus cursos, pesquisas e atividades de extensão, sobre seus currículos, sobre sua estrutura e m departamentos o u escolas, sobre a organização de seus cursos em sistemas de créditos, ciclo básico, sobre seus mecanismos de seleção, n ú m e r o de vagas, etc. T a m b é m sobre a gestão de seus recursos cada instituição deve ser livre para consegui-los e alocá-los. " A a u t o n o m i a universitária deve incluir a liberdade de cada universidade estabelecer sua própria política de pessoal, d e n t r o dos princípios de valorização do mérito, da dedicação e da remuneração a d e q u a d a " (Comissão, p. 13). C o m o conseqüência, apesar de haver controvérsia no interior da Comissão, "prevalece a opinião dos que consideram a carreira única uma limitação ao princípio da autonomia universitária" (Comissão, p. 14). De acordo com o m e s m o p o n t o de vista, a diferenciação salarial deve ser entendida c o m o u m direito das instituições universitárias, cabendo " a o governo, tão somente, estabelecer os valores m í n i m o s de remuneração dos professores" (Comissão, p. 14). Até aí a proposta assume f o r m a bem liberalizante. Mas a Comissão entende 89


que é necessário certo c o n t r o l e o u contrapartida desta liberalização. 3 - C o m p e t ê n c i a : r e p r o d u ç ã o das r e l a ç õ e s d e d o m i n a ç ã o e a m p l i a ç ã o do controle do governo sobre a universidade " N o plano administrativo, a eleição das autoridades m á x i m a s - reitor e vicereitor nas universidades e diretores nos estabelecimentos isolados - deve ser feita com a participação ativa e apropriada dos diversos setores da c o m u n i d a d e acadêmica, com o estabelecido a u t o n o m a m e n t e nos estatutos de cada instituição. Não houve consenso na Comissão quanto aos limites da a u t o n o m i a que as instituições superiores públicas devem ter na escolha de seus dirigentes m á x i m o s . Na opinião da maioria, cabe ao governo participar desse processo, pela escolha dos dirigentes a partir de listas tríplices encaminhadas pelas instituições. S e g u n d o esse p o n t o de vista, o poder público legitimamente constituído deve ter u m papel ativo na condução de universidades financiadas c o m recursos públicos, cuja a u t o n o m i a não pode ser entendida c o m o soberania. As listas tríplices s u r g e m , assim, c o m o u m a f o r m a adequada de combinar o exercício da autoridade pública c o m a a u t o n o m i a que a universidade requer". (Comissão, p. 12) " C o m exceção dos cargos de Reitor e Vice-Reitor, Diretor e Vice-Diretor de IES isoladas, todos os demais cargos acadêmicos deverão ser designados por meio de atos internos da instituição, s e g u n d o seus estatutos e regimentos. Os cargos de PróReitor, S u b - R e i t o r ou equivalentes devem ser de indicação privativa do Reitor". (Comissão, p. 28) M a n t é m - s e , assim, a ingerência d o poder na universidade, retornando-se às listas tríplices. N o caso das instituições particulares, a proposta segue caminho semelhante: "a a u t o n o m i a deve ser a t r i b u t o tanto de universidades públicas q u a n t o privadas, e exercida através de mecanismos p r ó p r i o s de auto-gestão acadêmica, administrativa e financeira estabelecidos e m consonância c o m as respectivas mantenedoras". (Comissão, p. 14) O controle pretendido c o m o contrapartida da a u t o n o m i a não se restringe somente nem p r i n c i p a l m e n t e à nomeação d o s dirigentes m á x i m o s das universidades, mas se dirige especialmente no sentido d o controle das dotações orçamentárias através da eficiência no uso dos recursos. " A a u t o n o m i a não pode ser entendida, naturalmente, c o m o u m cheque em branco que a sociedade passa a seu sistema universitário e a seus diversos segmentos, ao contrário, ela supõe u m a contrapartida b e m definida e m t e r m o s de desempenho. Não pode haver a u t o n o m i a sem essa contrapartida de responsabilidade". (Comissão, p. 6). " A liberdade de planejar e gerir serviços conduz à responsabilidade pelos resultados alcançados, exígindo-se u m a contrapartida definida e m t e r m o s de desempenho eficiente". (Comissão, p. 25) "Cabe ao governo... se reservar o direito de l i m i t a r os recursos das instituições que utilizem de maneira inadequada as verbas que recebem". (Comissão, p. 14) Já que c o m a aplicação da E m e n d a J o ã o C a l m o n haverá mais verbas destinadas à educação, parte delas caberá às universidades, que, no entender da Comissão, deverão competir entre si para conseguir sua parte nesta verbas. E o padrão desta concorrência deverá ser a competência o u a eficiência para a obtenção e a gestão dos recursos. C o m esta concepção de " u m a nova u n i v e r s i d a d e " , calcada neste particular bin ô m i o a u t o n o m i a - c o m p e t ê n c i a , a Comissão d o MEC cria dois estímulos paralelos: por um lado, estimula a concorrência entre as universidades, concorrência por verbas para que possam sobreviver e, algumas poucas, se expandir quantitativa e/ou qualitativamente, c o m o resultado inevitável desta concorrência s o m e n t e sairá fortalecido q u e m detiver o poder sobre as verbas: poder político o u tecnocrático, este, sim, au-

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mentará m u i t o a sua força. Já as universidades - q u e a m p l i a r a m seu poder de barganha a partir dos m o v i m e n t o s de luta de seus segmentos e das articulações que estabeleceram umas c o m as outras, u n i n d o - s e pela própria precariedade c o m u m estas estarão inexoravelmente desunidas e desarticuladas. Por outro lado, a Comissão, subscrevendo a perspectiva da modernização c o m seu p r o g r a m a racionalizador, cria u m e n o r m e reforço para a ideologia da competência, acentuando, deste m o d o , o caráter de reprodução das relações de dominação de que a universidade já é tão sobrecarregada. S a b e m o s que a p i r â m i d e escolar reproduz a pirâmide social, o u que o desempenho escolar reproduz o desempenho social. Sabemos que a escola é o aparelho de reprodução por excelência das relações sociais, porque na escola o poder tal c o m o existe na sociedade (poder econômico/político) é travestido em poder do saber (competência). E reproduz a o r d e m estabelecida e a dominação que a percorre tanto m e l h o r quanto mais esconda que a reproduz. A suposta neutralidade deste saber o u competência legitima a o r d e m estabelecida, que é diferenciada e diferenciadora, l e g i t i m a n d o a diferenciação que sustenta esta o r d e m c o m o se essa diferenciação fosse devida ao talento o u à competência c o m o tal. Com uma política assim definida, estão legitimados e conseqüentemente b e m dotados de verbas e facilidades alguns poucos centros considerados de excelência por se adequarem aos padrões de eficiência e produtividade estabelecidos pelo poder vigente. Na busca de verbas, todas as universidades terão, de u m a f o r m a ou de outra, que buscar sua própria adequação àqueles padrões. Reconhecendo que tais padrões de produtividade, eficiência ou competência estão longe de serem neutros o u " a u t ô n o m o s " e m relação à sociedade diferenciada dentro da qual estão sendo impostos, podemos aí reconhecer a exacerbação de u m mecanismo ideológico de reprodução das relações do poder que caracteriza o sistema escolar que temos. Enquanto a função social da universidade for reprodutora, aumentar a competência e a eficiência significa ser mais competente e mais eficiente no exercício da função reprodutora das relações de dominação vigentes.

Curiosa a oposição das propostas da A N D E S e da Comissão do MEC. O M D , através da A N D E S , adota o p o n t o de vista da escola pública e encaminha sua preocupação com a qualidade da universidade através da melhoria das condições de trabalho e especialmente através do par autonomia-democratização. A a u t o n o m i a pela qual o MD t e m lutado e que está expressa na p r o p o s t a das A D s da A N D E S se opõe à dominação e às f o r m a s pelas quais a dominação se reproduz na universidade. Nesta proposta, a universidade assume suas contradições e recusa a função eminentemente reprodutora das relações de poder que a t e m caracterizado. O par a u t o n o m i a - d e m o cratização, que o M D exige em sua bandeira de luta, questiona a d o m i n a ç ã o que atravessa a universidade e assume seu c o m p r o m i s s o c o m a maioria da população. Enquanto isso, a Comissão d o MEC adota o p o n t o de vista da empresa privada, entende autonomia c o m o liberalização sob o controle da concorrência e m t o r n o d o padrão da competência. O lastro dessa proposta é a dominação e sua reprodução na universidade, sob a capa da competência, que, c o m sua suposta neutralidade, garante o c o m p r o m e t i m e n t o c o m os g r u p o s e padrões dominantes. Míriam Limoeiro Cardoso A D U F F - N i t e r ó i , 18 d e i a n e i r o d e 1986 C o n t r i b u i ç ã o ao V C o n g r e s s o da A N D E S

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O MOVIMENTO DOCENTE E A GRIPE

"A Gratificação Individual de Produtividade é um processo de esterilização em massa da inteligência na Universidade Pública Brasileira. Prof. Carlos Chagas -

UFRJ."

A GRIPE - Gratificação Individual de Produtividade de Ensino - é u m instrum e n t o decretado pelo Governo para dar s e g u i m e n t o à sua política educacional para o ensino superior. Dentro do objetivo maior de descompromissar-se com a educação pública e de t r a n s f o r m a r a maior parte das IFES e m simples f o r m a d o r a s de m ã o - d e obra (transmissão do Saber) em d e t r i m e n t o da p r o d u ç ã o de saber, o g o v e r n o procura, através de medidas c o m o a GRIPE (adicional de 20% para os docentes c o m 14 horasaula por semana) introduzir o essencial d o seu projeto GERES. É inadmissível imaginar-se qualquer qualidade no trabalho de 14 horas em sala de aula para u m docente em 40 horas. T o d o s os Docentes que exercem c o m responsabilidade suas funções sabem que 1 hora e m sala de aula demanda 3 horas de atividades de ensino distribuídas entre a preparação renovada do curso, a atualização bibliográfica, a assistência aos alunos, a elaboração de avaliações, a correção das avaliações, preparação de aulas práticas, etc. Este aliás, é o critério usado nas Universidades Estaduais Paulistas (USP, U N I C A M P , UNESP) já que, pelo Estatuto, u m docente e m DE m i n i s t r a no m á x i m o 6 horas aula por semana o que eqüivale a 18 horas de atividade de ensino por semana e, por via de conseqüência 22 horas por semana para as atividades de pesquisa e extensão. Impossibilitados de dedicarem-se às atividades de pesquisa e extensão, teremos ou c o n t i n u a r e m o s a ter, departamentos apenas minis-

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t r a n d o aulas, t r a n s f o r m a n d o suas unidades ou Universidades e m g r a n d e s Colégios de 3? grau. E sem pesquisa e extensão e c o m carga horária elevadíssima, a qualidade do trabalho e m sala de aula fica p r o f u n d a m e n t e c o m p r o m e t i d a . Mas para o Governo pouco i m p o r t a . O G o v e r n o não está, na verdade e a despeito da retórica, interessado na qualidade do ensino e na p r o d u ç ã o intelectual da Universidade Brasileira. O MEC raciocina e m t e r m o s de cruzados, o u m e l h o r , e m term o s de relação custo/benefício. Em outras palavras, para o MEC i m p o r t a q u a n t o s alunos são f o r m a d o s por cruzado investido. É o p r ó p r i o G o v e r n o que realiza e estimula estatísticas m o s t r a n d o que as Universidades privadas gastam m e n o s na f o r m a ç ã o do m e s m o n ú m e r o de profissionais graduados; afinal a privatização precisa ser f r e q ü e n t e m e n t e enaltecida. Então, através da GRIPE, procede-se a u m a racionalização de recursos através de u m investimento m e n o r (20% de i n c r e m e n t o salarial para aqueles que se p r o p õ e m a ministradores de aula), c o n t o r n a n d o assim o grave p r o b l e m a da oferta represada de disciplinas nas IES que v e m o c o r r e n d o e m função da sistemática proibição de contratação de pessoal, cuja revogação foi u m dos eixos da greve nacional realizada pelos docentes do ensino superior no 1 9 semestre deste ano. Assim, mais do que quebrar o princípio da isonomia - ao estabelecer pagam e n t o diferenciado entre os docentes - a GRIPE golpeia o princípio da indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão, c o n t r i b u i n d o para implantação, na prática, da nociva política g o v e r n a m e n t a l para o ensino superior brasileiro, estabelecida pelo projeto GERES. O G o v e r n o , e m nome da " a u t o n o m i a da u n i v e r s i d a d e " delegou por decreto a implantação da GRIPE em cada IFE ao seu colegiado superior. A l e r t a m o s para o caráter tático da decisão porque o Governo, habilmente, j o g o u a questão intra-categoria docente. E a discussão já está o c o r r e n d o dentro das IFES. Vários colegas m o v i dos por interesses f u n d a m e n t a l m e n t e financeiros d i s p õ e m - s e a requerer a referida gratificação, desatentos, desavisados ou m e s m o contrários às ponderações apresentadas pelo m o v i m e n t o docente. Observa-se, de o u t r o lado colegas e dirigentes elocub r a n d o saídas imaginativas para " d r i b l a r " a GRIPE, a m p l i a n d o artificialmente - mesm o que e n v o l t o por u m nobre arrazoado acadêmico - sua carga, e m horas-aula. Imagina-se dividir t u r m a s da m e s m a disciplina, fazer rodízio de carga elevada entre docentes, t r a n s f o r m a r o conteúdo e o n ú m e r o de créditos de disciplinas, criar novas disciplinas, brigar pela responsabilidade de disciplinas de o u t r o s d e p a r t a m e n t o s , e n f i m toda a sorte de artifícios para se chegar às 14 horas semanais d e n t r o dos rigores da ética acadêmica, constituem-se e m c a m i n h o s politicamente incorretos pois levam a Universidade Pública a cair na armadilha da desmoralização, a r m a d i l h a essa tão ao gosto do MEC nestes tempos. Isto porque o G o v e r n o v e m t e n t a n d o , c o m o u m a das suas táticas que as Universidades Públicas não são sérias. A o contrário, além de caras, ineficientes, pouco produtivas e ociosas, apresentam toda a sorte de irregularidades administrativas. Seria, portanto, ingenuidade supor que o MEC não fiscalizará r i g o r o samente a carga individual de 14 horas-aula por semana por professor até p o r q u e , seg u n d o o M i n i s t r o , o objetivo da GRIPE é o de "oferecer cursos n o t u r n o s para possibilitar o acesso das camadas populares d o ensino g r a t u i t o " . Desprezando-se esta evidente d e m a g o g i a governamental, já que sabemos que não é a GRIPE que i m p l a n t o u os cursos noturnos, antiga e permanente reivindicação da A N D E S , fica a pergunta; qual deveria ser, frente a todos esses considerandos, a atuação do m o v i m e n t o docente? Este é o m o m e n t o i m p o r t a n t e de provar, definitivamente que o M o v i m e n t o Docente não é corporativo. Este é o m o m e n t o de provar, d e f i n i t i v a m e n t e , que o objetivo m a i o r do M D é a defesa da universidade pública, gratuita e a u t o n ô m a , d e m o c r á t i ca, competente. Este é o m o m e n t o privilegiado que t e m o s para, d e n t r o da categoria. 93


politizarmos e conscientizarmos ainda mais nossos colegas q u a n t o aos princípios defendidos pela AISíDES e pelas ADs. É, evidentemente, uma luta árdua que poderá trazer alguns reveses ao m o v i m e n t o docente. Mas já aprendemos q u e a nossa força adv é m , acima das conquistas e dos reveses conjunturais, da determinação e da firmeza c o m que d e f e n d e m o s nossos inarredáveis princípios. Assim, trata-se, de f o r m a prioritária, que as ADs t r a b a l h e m para derrubar a GRIPE no â m b i t o da sua IFE, travando o debate, procurando conscientizar os professores, s u p o r t a n d o as pressões, discutindo com alunos, funcionários e administração, para que o colegiado superior não aprove a implantação da GRIPE a nível local. Se c o n s e g u i r m o s u m número expressivo de IFES que não implantem a GRIPE estaremos desmoralizando este aspecto negativo do Plano Único de Carreira, e criand o condições políticas para que os 20%, que nos f o r a m cassados, sejam, e m n o m e da isonomia, incorporados aos salários de todos os docentes de ensino superior das IES Federais.

Setembro/87 Texto do Prof. N e w t o n Lima Neto - Pres. A N D E S

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ANDES DIRETORIA - 86/88 PRESIDENTE PROF. NEWTON LIMA NETO

2° SECRETÁRIO PROF. PEDRO ANTÔNIO CECATO

15 VICE-PRESIDENTE SUPLENTE DE SECRETARIA

PROF. SYDNEY SÉRGIO F. SOLIS

PROF. MARCO ANTÔNIO N. PEREIRA 2« VICE-PRESIDENTE PROF. LUIZ POMPEU DE CAMPOS

19 TESOUREIRO PROF. ARI VICENTE FERNANDES

SUPLENTE DA PRESIDÊNCIA PROF. OSVALDO DE OLIVEIRA MACIEL

29 TESOUREIRO SECRETÁRIO GERAL PROF. MÁRCIO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

PROF. RENATO DE OLIVEIRA

SUPLENTE TESOURARIA

19 SECRETÁRIO PROF. ANTÔNIO IBANEZ RUIZ

PROF. ILDEU CASTRO MOREIRA

REGIONAL NORTE VICE-PRESIDENTE PROF. SILVÉRIO DE ALMEIDA TUNDIS

SUPL. VICE-PRESIDÊNCIA PROF-, ZÉLIA AMADOR DE DEUS

REGIONAL NORDESTE I VICE-PRESIDENTE PROF. ANTÔNIO DE PÁDUA RODRIGUES

SUPL. VICE-PRESIDÊNCIA PROF. JOSÉ DA ROCHA FURTADO FILHO

REGIONAL NORDESTE II VICE-PRESIDENTE

SUPL. VICE-PRESIDÊNCIA

PROF. RUBENS PINTO LYRA

PROF-, MARIA BERNADETE F. OLIVEIRA

REGIONAL NORDESTE III VICE-PRESIDENTE PROF-, SOFIA OLSZEWISKI FILHA

SUPL. VICE-PRESIDÊNCIA PROF-, RITA DE CÁSSIA SILVA O U V I E R I

REGIONAL C E N T R O - O E S T E VICE-PRESIDENTE PROF. SIDNEY VALADARES PIMENTEL


R E G I O N A L R I O DE JANEIRO VICE-PRESIDENTE

SUPL. VICE-PRESIDENCIA

PROF5. MÍRIAM LIMOEIRO C A R D O S O

P R O P . CIBELI R E Y N A U D

REGIONAL LESTE VICE-PRESIDENTE

SUPL. VICE-PRESIDÊNCIA

PROF. B E N E D I T O T A D E U CÉSAR

PROF. T A R C Í S I O FERREIRA

REGIONAL SÃO PAULO VICE-PRESIDENTE

SUPL. VICE-PRESIDÊNCIA

PROF 3 . SILVIA HELENA SIMÕES BORELLI

PROF. F R A N C I S C O MIRÁGLIA

R E G I O N A L SUL VICE-PRESIDENTE

SUPL. VICE-PRESIDÊNCIA

PROF. ANÍBAL SANCHEZ MOURA

PROF. JOSÉ G O N Ç A L V E S M E D E I R O S

REGIONAL RIO G R A N D E D O SUL VICE-PRESIDENTE

SUPL. VICE-PRESIDÊNCIA

PROF. FLORISMAR OLIVEIRA T H O M A Z

PROF. E D S O N N U N E S DE MORAIS

COORD. SECRETARIA REGIONAL LESTE PROF. VANDERLI FAVA DE OLIVEIRA

Esta edição foi coordenada pela Secretaria Geral Caixa Postal 1061 - Juiz de Fora-MG

COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO ZAS GRÁFICA E EDITORA RUA SANTO ANTONIO, 437 TEL.: 211-8862 - JUIZ DE FORA-MG


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