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Uma Perspectiva Otimista para o Movimento Sindical Vicente Paulo da SIlva
Uma Perspectiva Otimista Para o Movimento Sindical
Vicente Paulo da Silva
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Omovimento sindical brasileiro está chamado a desempenhar, nos anos 90, um papel bastante diferente daquele que tivemos a partir de 1978 e no início da década de 80.
Aquela fase foi o momento de rompimento com o velho sindicalismo pelego ou conciliador. Foi a hora de desafiar e enfrentar a ditadura militar. Foi a etapa do lançamento das bases do sindicalismo que se expressa hoje na CUT, como força inegavelmente autêntica e hegemônica.
Essa consolidação custou muitas lutas e heroísmo, como todos sabem. Não foi um processo fácil, nem consensual no próprio campo das forças democráticas e populares. Mas não teria o menor sentido, principalmente num artigo para uma revista da ANDES, ficar aprofundando a discussão sobre nossos méritos do passado. O que interessa mais é ver como estão as coisas hoje e por onde é preciso prosseguir.
O ponto de partida de nossa reflexão é a constatação de que o Brasil mudou muito desde 1978. O mundo também mudou muito. E raramente uma tática que traz vitórias e se mostra correta numa determinada situação conjuntural continua gerando bons frutos quando a realidade sofre mudanças tão radicais.
Também não é o caso de gastar argumentos, aqui, para fundamentar que as mudanças ocorridas foram realmente profundas. É melhor ir direto às conclusões.
A primeira delas é que o imposto reinvidicatório, radicalmente oposicionista, em certa medida corporativista, de nossas lutas pós78 já não consegue responder a todas as questões colocadas por um cenário em que nós próprios, os autores principais das mudanças, amadurecemos até o ponto de termos, hoje, amplas condições de ser governo neste país.
Fique bem claro que, hoje, o movimento sindical brasileiro e a CUT logicamente precisam manter o tom reinvidicatório e oposicionista. Afinal, isso representa a própria natureza da organização sindical. Mas precisamos ter claro que isso, isoladamente, não responde mais às questões e aos dilemas que a classe trabalhadora brasileira tem diante de si.
Na presidência da República não temos mais uma figura como Geisel, Figueiredo ou Sarney. A sociedade civil está expulsando, a pontapés, esse indivíduo que se beneficiou da grande fraude de 1989 e que, em seu mandato, só fez agravar ainda mais a profunda crise econômica e social em que estamos mergulhados. Nesse bota-fora, o Brasil começa a exibir um perfil de país com instituições democráticas sólidas.
Mais ainda: a tendência geral de cada momento eleitoral vem sendo o reforçamento dos partidos de esquerda e centroesquerda, especialmente o PT, que já respondem por parcelas expressivas do poder político.
Num país assim, é imperdoável a miopia dos companheiros de certas correntes na própria CUT, que se apegam aos padrões do passado para defender táticas quase idênticas às adotadas quinze anos atrás, como se a classe trabalhadora estivesse dispensada de estudar as mudanças ocorridas, para adaptar-se a elas.
As greves continuam ocorrendo e vão continuar ocorrendo por décadas e décadas, mesmo diante de governos democráticos e populares. São indispensáveis no conflito da sociedade capitalista e valem como escolas de conscientização política. Mas não passa de tolice imatura a postura de alguns que seguem enxergando a greve como única arma à disposição de uma determinada categoria
profissional ou do próprio movimento sindical em seu conjunto.
Nesse sentido, temos insistido na idéia de que o sindicato precisa existir, hoje, numa crise tão ampla e profunda como a vivida pelo Brasil, como verdadeiro ser social: um sindicato como sujeito social, que luta, mas luta pensando que é capaz de conversar e, sempre que necessário, senta em mesas de negociação com os mais repelentes adversários, sem medo de ser tragado ou perder a identidade pelo simples fato de conversar. Um sindicato que, mesmo sendo expressão de uma categoria, não deve e não pode limitar-se aos horizontes estreitos da própria categoria.Não poder por que?
Por uma razão muito simples: se entendemos que os trabalhadores devem participar ativamente da vida política e mesmo partidária do país, fatalmente os sindicalistas estarão atuando simultaneamente na trincheira política, institucional, parlamentar e até administrativa. Não teria cabimento assumir uma espécie de dupla personalidade, defendendo uma coisa no sindicato e outra na ação estritamente política. Por isso, nossa ação precisa compatibilizar nosso projeto global de reorganização doEstado e da Sociedade, com nossas exigências imediatas.
Se cada liderança da classe trabalhadora comparece ao debate pensando exclusivamente nos interesses de sua própria categoria ou entidade, quem vai conseguir montar o quebra-cabeças do antendimento de todas as reinvidicações?
Alguns responderão, com uma fraseologia falsamente esquerdista, que isso é problema para os políticos. Ora, mas nossa proposta, mesmo a dos grandes teóricos do socialismo, não é a de engajar a classe trabalhadora, cada vez mais, nas esferas de decisão política?
Então não temos alternativa: nem a da dupla personalidade nem a da fuga à questão política. A solução é articularmos um plano de intervenção sindical que seja capaz de satisfazer às reinvidicações centrais de cada categoria ao mesmo tempo em que não fugimos da responsabilidade de oferecer sugestões e propostas de política global para tirar este Brasil do lamaçal em que foi jogado.
Nesse caminho o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, por exemplo, terá um compromisso tão forte com as demandas de sua categoria quanto com os preparativos e a viabilização de um futuro governo voltado para a defesa da classe trabalhadora em escala nacional.
E que ninguém se iluda: se cada sindicato não for capaz de fazer uma reflexão sobre um cronograma amplo de conquistas, que saiba distinguir entre exigências de curtíssimo prazo e outras que sejam de alcance gradual, nem com Lula no Palácio do Planalto será possível resolver a equação de um país paralisado há mais de dez anos, com 40 milhões de miseráveis,
uma classe trabalhadora mantida no limite mais extremo do arrocho salarial e o crescimento persistente do desemprego e da marginalização social.
Tendo isso claro, e superadas as dificuldades internas que a CUT naturalmente terá para solucionar suas divergências através de um debate realmente democrático, o Sindicato como sujeito social que defendemos não enfrenta como obstáculo apenas a miopia das facções de uma esquerda conservadora, presa a dogmas e cenários do passado.
O problema mais sério está do outro lado, lá nas fileiras de sindicalistas como esse dirigente da Força Sindical, que dispõe de amplos espaços para sabotar o sindicalismo combativo, oferecendo-se como alternativa mais flexível aos patrões e como aliado a governantes tão corruptos e antinacionais como esse que está sendo derrubado agora.
Só venceremos a disputa contra esse tipo de agente da burguesia no seio da classe trabalhadora se formos capazes, efetivamente, de abandonar os discursos principistas que nos distanciam do nível real de
compreensão das próprias bases.
Foi com essa compreensão que, em março deste ano, estivemos debatendo com representantes patronais e do governo, sem qualquer constrangimento, mas também sem proximidades descabidas, um entendimento que trouxesse algum fôlego para a indústria automobilística nacional, com defesa de nossos empregos e salários, como forma de ganhar tempo até que o Brasil reunisse condições para introduzir mudanças mais consistentes em nosso sistema industrial, pondo fim à recessão e, em nossa ótica, enterrando também o neoliberalismo suicida imposto pelo grande chefe da quadrilha.
Aliás, o Sindicato sujeito social que defendemos não é uma idéia presente apenas em nossas cabeças. É já uma experiência concreta que vamos iniciando, desde algum tempo, na entidade que temos o orgulho de dirigir, entre os metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.
Conscientes da importância estratégica de nosso Sindicato, que teve papel tão central no surgimento da CUT, que foi fundamental na luta contra a ditadura, que produziu lideranças tão expressivas como Lula, Meneguelli e tantos outros, mesmo conscientes dessa força não perdemos de vista que o passado não basta para manter ninguém vivo.
Por isso temos buscado orientar nossa ação ali, no sentido de projetar esse sindicato como sujeito social em termos concretos.
Já bem antes do acordo do setor automotivo, tínhamos convidado alguns empresários, governantes, dirigentes sindicais, líderes religiosos e dirigentes partidários para uma vigília contra a recessão, em dezembro de 1991, por compreendermos que a gravidade da crise nacional exigia um diálogo onde fôssemos capazes de abandonar preconceitos, em busca de determinados objetivos comuns.
Na mesma linha, há vários anos temos investido num projeto ambicioso de comunicação de massa, que gerou a primeira TVT e nossa estação piloto de Rádio dos Trabalhadores, embora até agora o crescimento do projeto esteja sendo barrado pelos poderes ditatoriais do Ministério das Comunicações e da Secretaria que lhe sucedeu.
Na mesma linha de preocupação, há vários anos a formação política vem sendo posta mais perto do que seria o centro da vida cotidiana de nosso sindicato, uma vez que a tendência de valorização crescente do saber, até mesmo como arma de dominação, exige dos trabalhadores uma disciplina corajosa na ampliação ilimitada de seu campo de conhecimentos teóricos, gerais e específicos.
Nesse particular, sabemos do peso decisivo que o fator cultural desempenha em qualquer construção de hegemonia e, por isso, vamos tentando ampliar sempre mais nosso arco de atividades nessa área.
Por fim, compreendo que a concepção de um sindicalismo democrático e de massas, tão presente em nossas teses e em nossos confrontos sindicais, não pode ser um palavreado oco, sem alicerce no real, temos iniciado um esforço inédito de fortalecimento da organização da categoria nos próprios locais de trabalho, conquistando novas Comissões de Fábrica, reorganizando CIPAS, formando grupos, diversificando, sindicalizando, estruturando o trabalho de base.
Sem pretender apresentar nosso sindicato como modelo para ninguém, queremos apenas relatar nossa experiência como um caminho positivo de fortalecimento de uma entidade sindical que tinha tudo para viver uma etapa de estagnação ou paralisia, após tantos anos de greves heróicas, fornecimento de quadros dirigentes para o PT e para a CUT, sacrifícios incomensuráveis dos trabalhadores da base.
Ao contrário, temos mantido o nível de sindicalização em bom patamar, apesar da perda de milhares e milhares de postos de trabalho, periodicamente nos manifestamos através de iniciativas pioneiras, como a recente vigília pela Reforma Agrária, de 24 de julho, e sempre que necessário comparecemos com força às grandes mobilizações nacionais lideradas pela CUT, como agora na recente batalha pelo impeachment.
O movimento sindical brasileiro não tem pela frente nenhuma perspectiva catastrófica, como gostam de apregoar alguns intelectuais amigos dos modismos. Mas precisa saber adequar seu perfil, suas demandas, seus métodos e sua estratégia aos novos tempos e aos novos desafios que são abertos com as mudanças ocorridas no mundo e no país.
Mudanças essas, é bom lembrar, que em boa parte foram fruto de nossa própria luta.
Se alguém pedisse um resumo, a gente diria que a consolidação desse sindicato-construtor, que continua dizendo “não” mas já é capaz de oferecer alternativas, começa por um necessário - e democrático - acerto de contas dentro da própria CUT, exige o desmascaramento de elementos oportunistas e inconseqüentes como o chefe da Força Sindical e requer a combinação da luta pelo atendimento das reinvidicações setoriais das categorias, com um trabalho de viabilização - teórica e prática de um projeto alternativo de governo, que realmente mexa nas raízes do atual impasse que trava o desenvolvimento de nosso futuro enquanto Nação.
Não está claro se as mudanças serão obtidas todas com base na atual institucionalidade, ou se é preciso construir uma nova, para viabilizá-las.
O que está claro é que o movimento sindical brasileiro tem amplíssimas perspectivas de ação e de crescimento no cenário atual e que ninguém melhor do que ele pode oferecer (aos partidos, às instituições e ao próprio Estado) o sopro saudável e democrático da pressão de massas, da fiscalização social.
Vicente Paulo da Silva é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.