Infraestrutura fora dos trilhos

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infraestrutura fora dos trilhos Documento da CNI mergulha no diagnóstico das causas que conduzem o país a um risco de colapso na infraestrutura Por patrícia moreira

Operários trabalham nas obras da Ferrovia Oeste Leste, no município de Brumado

16  Bahia Indústria

om uma pergunta – Por que o Brasil investe pouco em infraestrutura? – a Confederação Nacional da Indústria (CNI) procurou respostas para um problema que há décadas inquieta o setor produtivo e suas respectivas entidades representativas. Reconhecidamente obsoleta e precária, a infraestrutura nacional poderia alavancar o crescimento econômico e o desenvolvimento do país, desde que fossem assegurados os aportes necessários por parte do poder público, associados a uma política clara de atração de investimentos e segurança jurídica. Mas não é bem assim que vem acontecendo.


Elói Correa/Secom-ba

O estudo da CNI traz algumas respostas, levando em conta um cenário de crise fiscal e de vulnerabilidade das contas públicas, em que a elevação dos gastos normalmente não vem acompanhada do aumento de receitas. Entre 1971/1980 e os anos 2000, os investimentos em infraestrutura recuaram de 5,42% para 2,12% do Produto Interno Bruto (PIB) e entre 2011 e 2014, o nível médio de investimento recuou ao padrão negativo da década de 1990: -2,27% do PIB. O Brasil também é uma nota dissonante quando se comparam os investimentos em infraestrutura com outros países. Em 2014, o Brasil ocupou a décima posição (ver infográfico) com a aplicação de apenas 1,47% de recursos do Orçamento da União, ficando com o pior desempenho na lista de 10 países de economia avançada ou emergente. Na América do Sul, Peru e Colômbia alocam, respectivamente, 8 e 3 vezes mais recursos federais que o Brasil. Até mesmo os Estados Unidos, onde parte significativa da infraestrutura já está construída Bahia Indústria  17


João Alvarez/Sistema FIEB/Arquivo

e onde dois terços dos gastos são de responsabilidade de estados, condados e cidades, a proporção assegurada do orçamento federal chega a ser 55% superior à do orçamento brasileiro. Se a alocação de recursos é um problema, fazer com que o orçamento deixe de ser uma peça de ficção e os recursos destinados a investimentos sejam executados, é um outro desafio. Até o final do primeiro semestre de 2015, apenas 23% dos investimentos previstos haviam sido executados. Avaliação O documento preparado pela CNI é esclarecedor, na avaliação dos coordenadores dos conselhos de Portos e de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), Sérgio Faria e Marcos Galindo, respectivamente. “Basicamente o documento é a constatação da incapacidade do governo brasileiro e de suas esferas de realizar investimentos em infraestrutura”, complementa Marcos Galindo. Segundo ele, o investimento em infraestrutura nesta última década está em torno de 2% do PIB, o que é muito pouco para um país como o Brasil que tem um déficit tão grande nesta área. “O que governo investe é fazendo déficit no orçamento”, destaca. 18  Bahia Indústria

Sérgio Faria observa que o relatório trouxe uma base numérica para algo que já era percebido pela sociedade e revelou o quanto a Constituição de 1988 contribuiu para acentuar essa retração nos investimentos federais em infraestrutura. O coordenador do Conselho de Portos reconhece que a Carta de 1988 trouxe importantes avanços sociais, mas tornou o orçamento muito inflexível. Ele observa que o problema não é tão evidente porque o país não está crescendo. “Se estivesse crescendo no ritmo médio de 5% ao ano o colapso seria evidente”, alerta. O que preocupa, na opinião de Sérgio Faria, é que o governo gasta mal os seus recursos e elege como alternativa para fazer face ao seu custeio, o aumento da carga tributária. “É preciso rever o conceito de gestão do Estado. O governo tem que pensar como empresa: gastar menos, reduzir o desperdício, combater a corrupção e tornar-se mais eficiente”, arremata. A situação agrava-se quando se considera que 95% do comércio externo nacional se dá por via portuária. Portos eficientes são fundamentais em uma economia globalizada, o que não acontece no Brasil. “O produto nacional paga um imposto adicional que é a ineficiência do sistema portuário. Ele é repassado ao preço final, reduzindo nossa competitividade”.

Porto de Salvador: setor é um dos que demandam investimentos


DISTRIBUIÇÃO DA ARRECADAÇÃO FEDERAL - 2014

PIB 22,17%

4,65%

12,12%

6,1%

foram transferidos para estados e municípios.

direcionados necessariamente para gastos sociais (seguridade social e educação).

pagos sob a forma de juros e amortização da dívida, restando um saldo negativo de 0,7% do PIB para a União lidar com os demais gastos.

A União enfrentou um déficit nominal de 0,7% do PIB antes mesmo de considerar os gastos com as funções não relacionadas à dimensão social do orçamento.

DESEMPENHO DOS SETORES DE INFRAESTRUTURA EM 2015

23

Apenas % dos investimentos propostos foram executados até o final do primeiro semestre.

Valor executado dos investimentos em infraestrutura sobre o orçamento total foi de

Taxa é inferior à execução do conjunto dos investimentos federais, que foi

do a 2,72% para o conjunto dos investimentos federais.

de

0,45%, compara-

25,3%.

Fonte: CNI

João Alvarez/Sistema FIEB/Arquivo

Rodovias federais respondem pelo grande fluxo de cargas

O relatório mostra ainda que 54% dos investimentos em infraestrutura no país estão sendo feitos pela iniciativa privada. “O Estado transferiu este papel, mas ao mesmo tempo, não evoluiu na regulamentação destas contratações. Esta situação gera incerteza jurídica e acaba impedindo a atração de novos investimentos”, destaca Sérgio Faria. A falta de regras claras é apontada como responsável pelo atraso logístico. “O governo muda constantemente as diretrizes no setor portuário, por exemplo. Isso inibe a iniciativa privada e desestimula o investidor estrangeiro diante da falta de clareza das regras”, acrescenta Faria. BAHIA Considerando este cenário pouco animador, a situação da Bahia é ainda mais delicada, na avaliação de Marcos Galindo. “A Bahia está muito mal contemplada no Plano Integrado de Logística (PIL). A não ser em logística portuária, cujos investimentos estão a caminho de se concretizar, não vejo a Bahia beneficiada com investimentos federais em logística e transporte. A exceção é a obra do metrô, uma dívida muito antiga, mas que é uma obra urbana”, lembra. Em relação aos investimentos previstos, a Ferrovia Bahia Indústria  19


roberto abreu/Coperphoto/Sistema FIEB

de Integração Leste Oeste (Fiol) está praticamente parada, apesar de ser um empreendimento com alto potencial de alavancar novos investimentos. Galindo explica que o Porto Sul precisa encontrar uma fórmula que o viabilize para atrair a iniciativa privada. O principal avanço registrado no Estado é na implantação dos parques eólicos, uma política que ele considera acertada, mas que está sendo viabilizada com investimento privado. O entrave reside na execução das linhas de transmissão, sob a responsabilidade do setor público. A consequência é perda da capacidade do estado de atrair novos investimentos. “O investimento chega, mas o empresário não encontra na infraestrutura disponível meios eficientes de escoar seus produtos e receber matérias primas”, observa Galindo. E acrescenta: “Por não conhecermos o que deixou de ser investido, não percebemos o quanto perdemos de oportunidades. Grande quantidade de empresas deixa de vir para cá porque na Bahia não há energia, porto, rodovia e ferrovia”, arremata o representante do Coinfra. Marcos Galindo lembra que o estudo realizado pela CNI coloca várias propostas para reverter o atual cenário. “Reduzir as vinculações do orçamento, em especial os gastos obrigatórios, é uma das propostas, mas ela não vai acontecer da noite para o dia e vai depender de uma mobilização por parte do Congresso, população e agentes econômicos. Se isso não mudar, não vamos progredir na infraestrutura”, defende. O estudo também sugere conter as despesas correntes, que cresceram nos últimos os anos e que acabam elevando acima da inflação 20  Bahia Indústria

marcelo gandra/Coperphoto/Sistema FIEB

Marcos Galindo, do Coinfra, e Sérgio Faria, do Conselho de Portos, avaliaram o estudo

Investimento em infraestrutura do Governo Federal de cada país em relação ao Orçamento Federal (Em %, ano mais recente disponível) País Ano Investimentos em Infraestrutura

Peru Paraguai Índia Portugal Colômbia Malásia Reino Unido México Estados Unidos* Brasil**

2014 2013 2014/2015 2014 2014 2014 2014 2013 2014 2014

11,00 11,00 8,32 7,23 4,44 3,20 2,86 2,65 2,64 1,47

Fontes: Siafi; SIGA Brasil, Secretaria do Tesouro; BID, Banco Mundial. * Os investimentos de infraestrutura nos EUA são descentralizados. Todas as instâncias de governo gastaram 7,76% do orçamento agregado ou total. Relativamente ao Governo Federal, os estados (principalmente), condados e cidades dos EUA gastam substancialmente mais; em relação ao orçamento total de todos os entes da União, por ser um sistema federativo. Assim, o Governo Federal despende 1,66% do orçamento total ou agregado de todos os entes (2,64% em relação ao Orçamento Federal, conforme o Quadro 18, e os estados e municípios, 6,1%). ** A porcentagem é em relação ao somatório do Orçamento Federal e do Orçamento de Investimentos. Elaboração: Inter.B.

os gastos correntes. Outro ponto negativo e que precisa ser corrigido, de acordo com o estudo, é a revisão da política de incentivos fiscais. “O governo investe em um conjunto de incentivos e desonerações que beneficiam alguns setores, mas deixa de arrecadar bilhões que poderiam ser investidos em infraestrutura e gerar riqueza para melhorar a economia”, acrescenta Galindo. O coordenador do Coinfra reitera que o poder público precisa adotar mais racionalidade nos gastos e combater o desperdício. “A iniciativa privada faz isso o tempo todo porque é a saída para a sobrevivência. Já o poder público está sempre emitindo moeda, aumentando a carga tributária. Fica um nível de conforto do gasto público que não dá mais para sustentar”, acrescenta. [bi]

Investimentos em infraestrutura por setor (% do PIB) Setor/Período

Transportes Eletricidade Telecomunicações Saneamento Total

1971/1980

2,03 2,13 0,80 0,46 5,42

1981/1990 1991/2000

1,48 1,47 0,43 0,24 3,62

Pinheiro e Giambiagi (2012), Frischtak (2011) e Inter.B (2014)

0,63 0,76 0,73 0,15 2,27

2001/2010

2011/2014

2011/2014

0,63 0,62 0,69 0,18 2,12

0,89 0,70 0,48 0,19 2,26

-55,6% -67,1% -38,8% -58,7% -57,8%


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