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MORAL EM ROUSSEAU
capítulo i
A LIBERDADE E OS FUNDAMENTOS DA ORDEM MORAL EM ROUSSEAU
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19 Hegel considerou as Luzes francesas o momento culminante em que «o pensamento é idêntico ao objectivo» e acrescenta: «a objectividade do pensar, a razão como una e absoluta . É o que os franceses têm em vista»7 . Ora, a identidade do pensar e do objectivo, em que o espírito alcança uma absoluta consciência de si, é a característica da modernidade . «O interesse principal é menos o de pensar os objectos na sua verdade do que o de pensar o pensamento e a concepção dos objectos, de passar a esta unidade que é a tomada de consciência de um objecto pressuposto»8 . Não é somente a passagem da filosofia do conceito à filosofia do juízo: a promoção da consciência de si toma a forma da exaltação da finitude que é a própria forma da liberdade . Esta liberdade é a descoberta das Luzes francesas: o princípio da liberdade não está somente no pensamento, mas na raiz do pensar; o princípio da liberdade é 7 Hegel, G .W .F ., Leçons sur la philosophie de l’histoire, trad . P . Garniron . Paris, Vrin, 1971-1985, t .VI, p . 1756 . 8 Hegel, G .W .F ., Leçons sur la philosophie de l’histoire, t . VI, p . 1248 . Preview
A Ordem Moral em Rousseau
também absolutamente concreto . O pensamento livre é o princípio absoluto da filosofia, o conceito é a objectivação do princípio, e o finito é a forma de objectivação da liberdade . Rousseau foi o herói desta filosofia da liberdade, um herói que anuncia Kant . Com Rousseau, «ergueu-se o princípio da liberdade e o homem alcança-se a si próprio como infinito, ele deu-lhe esta força infinita. Alcança-se assim a transição à filosofia kantiana, que se deu este princípio por fundamento do ponto de vista teórico .
O conhecer tomou interesse na sua liberdade e num conteúdo concreto, ao conteúdo que ele tem na sua consciência»9 . Rousseau 20 terá, pela liberdade da vontade, acabado por fazer entrar o pensamento na objectividade . Se o regime desta liberdade diz respeito tanto à política como à moral, Rousseau defendeu nas coordenadas das Luzes que não há subjectividade sem liberdade: «renunciar à sua liberdade, é renunciar à sua qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até mesmo aos seus deveres . Uma tal renúncia é incompatível com a natureza do homem, e é retirar toda a moralidade às suas acções, bem como toda a liberdade à sua vontade»10 . Mas o trajecto da filosofia moderna não foi percorrido senão pela metade e para a dialéctica hegeliana restaria fazer coincidir este movimento pelo qual o pensamento entra na objectividade com aquele pela qual a objectividade entra no pensamento para que a dialéctica seja acabada . Quando a subjectividade se compreender como concreta, é necessário que, uma vez desenvolvida, ela se supere como objectividade abstracta em que, enfim, o «pen9 Hegel, G .W .F ., Leçons sur la philosophie de l’histoire, t . VI, p . 1748 . 10 rousseau, J-J ., Contrat social, O. C., III, I, 4, p . 356 . Preview
Manuel João Matos
sar se torna de novo Deus»11 . Tal é a crítica hegeliana das Luzes – a sua abstracção; as Luzes seriam uma filosofia do puro Einsicht, da pura intelecção e, mesmo que se admire uma filosofia da claridade, resta determinar se não é inútil e vã sem um mundo para a receber: a pura intelecção perde-se num entendimento fragmentado . Será que em toda a tarefa moral de fazer entrar a liberdade no pensar e o pensar no sujeito, Rousseau negligenciou a objectividade, numa palavra, a prosa do mundo e a essência do espírito? Hegel mostra que Rousseau, contra toda a epistemologia materialista do século, lançou os fundamentos da liberdade do sujeito, 21 garantindo a sua actividade epistemológica e a sua liberdade moral . É este o objectivo declarado da Profissão de fé do Vigário saboiano inserto em Emílio . Hegel defende que Rousseau acabou com as Luzes francesas, levando-as ao seu ponto culminante que é o seu ponto final. Rousseau recusa a génese empírica das faculdades humanas como em Locke e Condillac, e salvou a espontaneidade do sujeito livre, de tal modo que Rousseau pensa a liberdade do sujeito como sujeito de liberdade. Mas deve pensar-se que o trabalho ficou incompleto e que à filosofia das Luzes falta o mundo do qual a Fenomenologia do espírito desvendou as entranhas do espírito? Ou supor ao contrário, que o conceito de ordem é o outro plano da doutrina rousseauista que articula a doutrina da subjectividade e conjuga o movimento pelo qual o conceito entra no pensar e o pensar entra no conceito . Se o conceito de ordem tem uma importância capital no pensamento de Rousseau, é porque possibilita a coincidência que Hegel quer realizar racionalmente e que reprova a Rousseau ter falhado . 11 Hegel, G .W .F ., Leçons sur la philosophie de l’histoire, t . VI, p . 1756 . Preview