Viagem Inclusiva

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SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

BH . MG 2013

Viagem inclusiva: a importância do lúdico no processo de inclusão social da pessoa com deficiência

ORGANIZAÇÃO DULCE HELENA COUTO ALVES

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Ficha Técnica

GERÊNCIA DE PROTEÇÃO SOCIAL (GPSO) Shirley Jacimar Pires GERÊNCIA DE PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA (GPSOB) Magali Ceotto Deslandes Cardoso ORGANIZAÇÃO Dulce Couto – Coordenadora de Projetos Socioculturais e Facilitadora do Processo de Formação da Equipe do SPSPD EQUIPE DE ACOMPANHAMENTO TÉCNICO DA GERÊNCIA DE PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: Dayse Araújo Dutra – assistente social / Maria Patrícia Lopes Lamêgo – pedagoga / Mercês Maria de H. C. Garcia - psicóloga / Silvia Mara Pereira – socióloga EDIÇÃO DE TEXTO Dulce Couto FORMULAÇÃO DOS TEXTOS Dulce Couto e membros do Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência REVISÃO Marco Antônio Dieguez de Souza PROGRAMAÇÃO VISUAL Rodrigo Furtini – Núcleo de Comunicação e Mobilização Social - GPAS NORMALIZAÇÃO Rosângela Alves Guimarães – Centro de Memória e Pesquisa Serviço Interno de Informação – GEIMA CRÉDITOS DAS IMAGENS Dulce Couto e arquivos das regionais ISBN: 978-85-60851-08-9

A474

Viagem Inclusiva: a importância do lúdico no processo de inclusão social da pessoa com deficiência/org. Dulce Helena Couto Alves. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte - Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social. Belo Horizonte: ASCOM, 2013. 104p. 1- Lúdico. 2. Pessoa com deficiência 3.Inclusão Social CDU-362.41

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Ficha catalográfica: Rosângela Alves Guimarães CRB6/1966


A todos vocês, e a muitos outros que não estão aqui,

que já nasceram convidando o mundo a enxergar

a vida de forma sensível, bela e lúdica.

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Sumário Compromisso com a Inclusão 07 Por uma intervenção sensível

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Uma breve viagem : introdução ao mundo do brincar 10 O caminho da viagem: diretrizes, planejamento e ações no trabalho com as famílias 13 Por que embarcar nessa viagem? O lúdico como exercício de cidadania 19 A plataforma de embarque: conexões de uma formação profissional continuada 23 Uma rica bagagem: concepção, metodologia e acervo da Mala de Recursos 27 Arrumando a mala: um trabalho em equipe

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O valor e o peso da mala: a importância de avaliar

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Aconteceu na viagem: algumas experiências envolvendo a Mala de Recursos 41 Início ou fim da viagem: a inclusão como constante recomeço 99

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Prefeitura Municipal de Belo Horizonte Marcio Araujo de Lacerda Secretaria Municipal de Políticas Sociais Maria Gláucia Costa Brandão Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social Marcelo Alves Mourão

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Um compromisso com a inclusão “esperança...vidas em construção! alegrias e movimentos... Ação!”

Maria Efigênia medeiros

A atuação da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social de Belo Horizonte sempre se pautou pela universalização e garantia dos direitos sociais, em consonância ao respeito, à dignidade e à elevação da autonomia dos cidadãos belo-horizontinos. Por meio do Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência proporcionamos novas possibilidades e oportunidades, que motivam e incluem a pessoa com deficiência, traduzindo, muitas vezes, a essência desse Serviço. Somos todos sujeitos de direitos, sem distinção, e por isso fomentamos o desenvolvimento de mecanismos para a inclusão, a participação social e comunitária de pessoas com deficiência, de modo a potencializarmos seu protagonismo, reconhecendo as capacidades e diminuindo as limitações. Entendemos que adequação é a palavra que guia o trabalho dos nossos educadores sociais na lida com as pessoas com deficiência e que também deve pautar toda a comunidade, implicando poder público e sociedade civil na co-construção do sentimento de pertencimento social por parte das pessoas com deficiência. Toda e qualquer forma de discriminação deve ser erradicada. E ratificando o nosso compromisso com a inclusão social, traçamos um caminho e damos agora mais um passo para a consolidação de uma política protetiva e inclusiva. Os desafios são muitos, mas o compromisso de ampliar potencialidades é maior. Marcelo Alves Mourão

Secretário Municipal Adjunto de Assistência Social

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Por uma intervenção sensível “Olhar perdido no espaço Vazio que logo se encontra No som de um assovio”

Dalva Sales

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As páginas que se seguem relatam uma das estratégias de atendimento e acompanhamento das famílias atendidas pelo Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência do município de Belo Horizonte. A Mala de Recursos, instrumento prático de trabalho balizado na experiência lúdica, traz para a cena a pessoa com deficiência, destacando seu protagonismo e condição de sujeitos de direitos humanos e sociais, a partir de sua forma de ler e interagir com o universo que a cerca. A ideia de se utilizar uma bagagem contendo acervo lúdico surgiu com o extinto programa Muriki. Nele, realizavam-se as “oficinas do brincar” destinadas às famílias com crianças entre 0 e 6 anos. Objetivava-se, com essas atividades, demonstrar o quanto o brincar poderia estimular o desenvolvimento das crianças com deficiência. Finalizadas as oficinas, os profissionais envolvidos realizaram visitas domiciliares para avaliação dos impactos da ação no cotidiano das famílias atendidas. Dentre os pontos percebidos, destacavam-se a valorização do brincar, o entendimento de sua importância como linguagem natural e espontânea da criança e de seu papel na aproximação entre pais e filhos. A partir de então, percebeu-se que o brincar abria um novo caminho para a inclusão da criança com deficiência na sua própria família, além de fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Com esse novo paradigma de trabalho, a Mala de Recursos foi incorporada à metodologia de acompanhamento familiar do Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência, no qual cada educador social/brincante passou a utilizá-la em suas visitas domiciliares. Neste aspecto, ao intervir no ambiente familiar, os educadores sociais/brincantes aliam elementos lúdicos ao trabalho com famílias, estabelecendo um novo olhar sob a pessoa com deficiência e incorporando o brincar na rotina de cuidados a essa pessoa, favorecendo novos estímulos, construção de novas histórias e interação com a comunidade. As experiências narradas neste livro, além de demonstrarem a arte de se executar uma política pública, demonstram a forma de se conceber e estruturá-la. O trabalho com famílias parte da experiência e do olhar que estas estabelecem sob o seu cotidiano e sob suas próprias relações. Isso favorece o seu fortalecimento e a sua função protetiva, dando um passo concreto na inclusão da pessoa com deficiência no seu ambiente familiar e comunitário. Shirley Jacimar

Gerente de Proteção Social

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Uma breve viagem: introdução ao mundo do brincar “Um caminho de descobertas Um caminho de percepções Um caminho de emoções.”

Fátima Gobet

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Viagem Inclusiva talvez tenha sido a experiência mais desafiadora ao longo das ações que desenvolvo como propositora no campo da arteterapia, atendendo grupos de profissionais oriundos da educação, da cultura e das ações sócio-educativas. Ao longo de três anos de trabalho, acompanhando técnicos e educadores no trabalho de inclusão de pessoas com deficiência, constatei que não existiam respostas prontas e tampouco teorias que norteassem o trabalho no domicílio das famílias atendidas. Entrar na casa de cada família, labirintos onde a memória do sofrimento está impregnada no reboco das paredes, é fazer uma viagem rumo ao imprevisível. Nesse caminho, sinuoso e cheio de barreiras, fomos buscar os componentes necessários para iniciar nosso percurso na construção de uma metodologia capaz de empoderar as famílias tendo como ponto de partida o ato de brincar. O recorte que ora apresentamos é apenas uma das faces de atuação do setor. Esse registro vem elucidar uma experiência que diz respeito ao direito de ser e de conviver em sociedade sem qualquer tipo de exclusão. Esse pequeno recorte está contido em uma mala recheada de preciosidades capazes, muitas vezes, de fazer sorrir pessoas que há muito tempo não sorriam. Dentro da mala, podemos encontrar de tudo. Ela pode estar recheada de livros que convidam quem a manipula a fazer viagens pelos quatro cantos do mundo sem sair do lugar. Outras vezes, está repleta de papéis e tecidos coloridos que vão virar personagens e cenários de lugares onde ninguém nunca pisou. Ainda podemos encontrar dentro da mala brinquedos, músicas, flores e sementes, cheiros contidos em pequenos frascos e até coisas que não cabem nela, essas estão na imaginação de quem a carrega e de quem a recebe. A mala não é somente um objeto lúdico. Representa também o trabalho de uma equipe que busca desenvolver uma tecnologia capaz de contribuir na superação do preconceito, promovendo assim a inclusão social. Sabemos que a inclusão é um desafio a ser superado. Ela depende do olhar sensível da sociedade e do poder público perante as diferenças. Ao optarmos por realizar atividades lúdicas, estamos convidando as famílias a conquistarem um espaço onde a brincadeira seja vivenciada como um elemento condutor para o desenvolvimento e a inclusão da pessoa com deficiência. A Mala de Recursos instaura, portanto, uma nova modalidade de atuação com a pessoa com deficiência. Seu alcance ultrapassa a barreira das limitações físicas e psíquicas impostas pela própria deficiência, pois promove a inclusão no ambiente familiar e comunitário, fortalece os vínculos afetivos, aguça a criatividade e reforça a função protetiva da família. Boa viagem! Dulce Couto

Organizadora

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Educadora Social Dalva Sales a caminho de uma residência para aplicação da Mala de Recursos

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O caminho da viagem: diretrizes, planejamento e ações no trabaho com as famílias “Vazio é o espaço Longo é o percurso pesado é o medo Mas resta a esperança.”

Patrícia Santos

O Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência - SPSPD tem como princípio o paradigma da inclusão. Trata-se de um processo bilateral em que a pessoa com deficiência e a sociedade, em parceria, buscam equacionar problemas, encontrar soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos. Na perspectiva do Sistema Único de Assistência Social - SUAS1, o SPSPD promove a proteção social da pessoa com deficiência, possibilitando o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, com vistas à inclusão social. O trabalho acontece mediante acompanhamento sociofamiliar, articulação e sensibilização da rede social e das demais políticas públicas setoriais. O Sistema Único de Assistência Social (Suas) é um sistema público que organiza, de forma descentralizada, os serviços socioassistenciais no Brasil. Com um modelo de gestão participativa, ele articula os esforços e recursos dos três níveis de governo para a execução e o financiamento da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), envolvendo diretamente as estruturas e marcos regulatórios nacionais, estaduais, municipais e do Distrito Federal. 1

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As principais diretrizes do SPSPD são: centralidade na família, articulação da rede pública e privada de serviços, protagonismo e acessibilidade. A centralidade na família é o desenvolvimento de ações que possibilitam a ressignificação do ambiente familiar como um espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias. Neste sentido, provedora de cuidados aos seus membros e que, muitas vezes, precisa ser cuidada e protegida, a família encontra-se sempre na condição de sujeito de direitos. No que diz respeito à concepção de articulação da rede, ela é enfatizada a partir do objetivo de dar sustentabilidade à política de inclusão e da relação de pertencimento das famílias em sua comunidade, pois interagem com grupos e organizações sociais em seus espaços de convivência. Trabalha, ainda, o fortalecimento da identidade social a partir de um modelo de trabalho coconstruído e participativo na solução de problemas e implementação de ações inclusivas. Por sua vez, o protagonismo implica na ação da família e dos vários atores sociais envolvidos na questão da inclusão da pessoa com deficiência na busca e garantia dos seus direitos, seja em intervenções individuais ou coletivas, construindo propostas integradas, interinstitucionais e inclusivas. No que tange à acessibilidade, esta enfatiza a necessidade e a responsabilidade da rede social em adequar espaços, mobiliários, rotinas, mudanças de atitudes e posturas, visando a uma melhor convivência da pessoa com deficiência.

Ações do acompanhamento sociofamiliar O acompanhamento sociofamiliar do SPSPD, em caráter continuado e por período determinado, acontece por meio de visitas domiciliares. Os profissionais do Serviço realizam uma escuta, fornecem orientações e encaminhamentos que favorecem mudanças de atitudes na perspectiva da garantia dos direitos e inclusão social da pessoa com deficiência.

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Oficina de acompanhamento e produção de brinquedos com as famílias

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Alguns aspectos são imprescindíveis no acompanhamento sociofamiliar: Aspecto relacional: considera-se a relação intrafamiliar e a relação com os profissionais e desses com a família. São realizadas visitas domiciliares no intuito de aproximar, sensibilizar, apoiar, escutar, acolher, conhecer as condições de vida e identificar a dinâmica familiar. Aspecto operativo: considera-se a resposta das famílias ao acompanhamento sociofamiliar, tais como adesão ou não às orientações e encaminhamentos, busca dos recursos na rede, o protagonismo das famílias com vistas à inclusão social. É fundamental que a equipe sensibilize e articule com a rede de serviços.

Oficina de acompanhamento e produção de brinquedos com as famílias

Aspecto avaliativo: considera-se todo o processo de acompanhamento sociofamiliar, a qualidade e o tempo das respostas das famílias e da rede de serviços e as estratégias de intervenções utilizadas pela equipe, de modo a repensar as ações e mudar a rota das intervenções.

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Aspecto de vigilância: considera-se as aquisições e seguranças que sejam significativas para o fortalecimento dos vínculos familiares e inclusão social. Aspecto lúdico: considera-se a identificação da vivência do lúdico, intervenções na busca da garantia do direito ao brincar e do desenvolvimento social por meio da ludicidade. Destacase a ação desenvolvida pelos educadores sociais/brincantes mediante a utilização da Mala de Recursos como instrumento prático, composta por um acervo diversificado. Ao considerar a situação de vulnerabilidade social e riscos2, a equipe planeja as ações/atividades e estabelece a periodicidade das visitas domiciliares. A articulação da rede é um trabalho tecido por várias mãos, já que o desenvolvimento social da pessoa com deficiência não ocorre apenas na esfera dos serviços da assistência social, pois estende-se à participação política, a corresponsabilidade e a coconstrução a partir do envolvimento da comunidade e dos demais serviços municipais oferecidos na perspectiva da inclusão social. Além dos serviços municipais, como as unidades de saúde e as escolas, também as organizações comunitárias, religiosas, dentre outras, participam dessa grande rede. Essa articulação acontece por meio do mapeamento da rede de serviços, visitas institucionais, capacitações, reuniões temáticas e de interface para discussão de casos, apresentação do SPSPD, além de encontros com a família para incentivar o seu protagonismo e da comunidade. Todo esse envolvimento fortalece e qualifica o trabalho dos profissionais do SPSPD, funcionando como uma grande rede entrelaçada contribuindo para o protagonismo e vivência de práticas inclusivas.

2 Vulnerabilidade relaciona-se, por um lado, com a exposição ao risco e, por outro, com a capacidade de resposta, material e simbólica, que indivíduos, famílias e comunidades conseguem dar para fazer frente ao risco ou ao choque (que significa a materialização do risco).

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Educador Social Carlos Fernandes em atividade com a Mala de Recursos


Por que embarcar nessa viagem? O lúdico como exercício de cidadania “Tarde ensolarada Sombrinha azul com flores amarelas Visita alegre e inclusiva”

Dayse Araújo

Antes de ser uma estratégia de desenvolvimento social para crianças com ou sem deficiência, o ato de brincar é um direito. A Declaração Universal dos Direitos da Criança aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1959 –, no artigo 7º, ao lado do direito à educação, enfatiza o direito ao brincar: “Toda criança terá direito a brincar e a divertir-se, cabendo à sociedade e às autoridades públicas garantir a ela o exercício pleno desse direito”. Além de ser um direito reconhecido e regulamentado por lei3, o brincar é para a criança de qualquer parte do mundo uma ação imprescindível e de fundamental importância. Por meio do brincar, a criança tem a possibilidade de reconhecer seu espaço, seu próprio corpo e também o mundo que a rodeia. O lúdico é a maneira mais espontânea dela dialogar com o mundo e se fortalecer para as questões que a vida vai lhe impor no seu dia 3

Estatuto da Criança e do Adolescente: Cap. II, Art. 16, inciso IV.

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Passeio com duas famílias assistidas ao Zoológico

a dia. Com as brincadeiras e os momentos lúdicos pode desenvolver sua criatividade e trabalhar o que tem de mais sério, de mais necessário, de mais vital e primitivo: o crescimento e o desenvolvimento da vida. Quando brinca, a criança inventa mundos, é um exercício de liberdade, de criatividade, de recriação da sua imaginação, da sua capacidade de reinventar a própria existência. Brincando a criança é estimulada a desenvolver habilidades e aprendizagens fundamentais: aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a conviver e aprender a fazer4. Tais habilidades podem ser desenvolvidas a partir de um simples brinquedo fabricado em casa, um jogo ou uma brincadeira de esconde-esconde. Pode também ser por meio de passeios pelos espaços públicos da cidade, como jardim zoológico, museus, parques de diversão, parques ecológicos ou mesmo as pracinhas do bairro. O ato de brincar como ação interventiva do SPSPD vem, portanto, contribuir e sedimentar uma metodologia na medida em que a família passa a acreditar em suas próprias potencialidades. E é assim, em meio a muito trabalho, que o lúdico é hoje uma imprescindível ferramenta para alavancar as famílias assistidas, fazendo-as promotoras do processo de inclusão.

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Aprendizagens fundamentais para o século XXI. UNESCO/ONU.

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Processo de formação continuada com os educadores sociais - Oficina de pintura facial

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A plataforma de embarque: às várias possibilidades de uma formação profissional continuada “Dentro da miséria Sonhos deixam rastros Mistura de saberes”

Lenimar

A Mala de Recursos surgiu de uma necessidade e um formato de trabalho com capacitação/atualização contínua. Tal formato é planejado tendo em vista a necessidade de atualizações constantes, visto que a Mala de Recursos precisa ser um instrumento sempre renovado, personalizado, lúdico e sedutor. As estratégias são criadas durante o processo de formação, tendo em vista sua contribuição para o processo da inclusão. A somatória dessas geram experiências que podem ser multiplicadas ou (re)significadas de acordo com sua necessidade e seu impacto social. Nessa vertente, a formação é realizada por meio de encontros mensais. Nesses, são trabalhados conceitos e técnicas para elaboração de atividades a serem desenvolvidas. Dentre os vários temas abordados, a identidade é tema recorrente, pois é um elemento norteador de todo o processo de fortalecimento das relações de inclusão dentro e fora da família.

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As atividades são testadas, avaliadas e validadas nos encontros de formação e, posteriormente, desenvolvidas pelos educadores sociais/brincantes no trabalho em domicílio. Várias são as formas de alcançar uma formação consistente: oficina, grupos de estudo, palestras e visitas técnicas ou simplesmente o hábito de brincar. Nessa trajetória de uma formação em constante movimento, utilizamos a arte em suas mais variadas linguagens. Acreditamos que, por meio de elementos que aguçam a sensibilidade, possamos despertar ou reforçar a habilidade e o desejo de brincar em cada profissional envolvido e, por consequência, nas famílias atendidas.

Visita técnica a sala de atendimento educacional especializado da Escola Municipal - IMACO

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Processo de formação continuada com os educadores sociais - Oficina de produção de brinquedos


Brinquedos produzidos durante as oficinas

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Uma rica bagagem: concepção, metodologia e acervo da Mala de Recursos “Mala divertida Emoção no coração Vida colorida Surge no coração”

Pedro Betti

A Mala de Recursos é uma das ações desenvolvidas pelo Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência - SPSPD. Trata-se de uma estratégia de intervenção, um instrumento prático na valorização do brincar. É a representação material do princípio que afirma o brincar como um caminho natural para o desenvolvimento humano. O trabalho com a Mala de Recursos vai além de uma simples brincadeira, pois considera as necessidades de cada usuário e o seu contexto familiar. Aplicada pelo educador social/brincante, a ação é planejada e possui uma finalidade que é a autonomia da família, para que esta continue a brincar, independentemente do profissional. Sua utilização potencializa as demais atividades do SPSPD. A estratégia que intitulamos simplesmente como Mala, fundamenta-se em dois aspectos que se entrelaçam: mala objeto e mala conceitual. A mala objeto, como o próprio nome diz, é constituída por uma mala de papelão que remete às dos antigos mascates,

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aquelas que transportavam todos os tipos de mercadorias e que sempre traziam novidades. A mala conceitual é a intenção contida nessa atividade, é a essência maior do trabalho: a possibilidade da novidade, da surpresa, da magia e do convite ao brincar por meio das relações de afeto, do envolvimento da família em torno da pessoa com deficiência. Vamos nos referir a ela como Mala de Recursos, somatório da mala objeto e da mala conceitual. Como recurso de intervenção, a Mala de Recursos é utilizada em visita domiciliar. É a ferramenta que convida a despertar o prazer de brincar. Essa intervenção também favorece o encontro geracional e intergeracional das famílias participantes. O educador social/ brincante faz uma abordagem lúdica no domicílio e também no seu entorno, envolvendo irmãos, familiares e vizinhos. Percebe o ambiente familiar e seu aspecto relacional, fornecendo, assim, informações, impressões, hipóteses aos outros profissionais da equipe, com vistas à qualificação do acompanhamento sociofamiliar. A Mala de Recursos oferece um acervo diversificado: jogos, brinquedos, materiais artísticos e pedagógicos, materiais recicláveis, livros de literatura infanto-juvenil, CDs de música e instrumentos musicais de pequeno porte. A complementação do acervo pode ser buscada na memória da história de vida dos pais e familiares, na própria história dos edu-

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cadores/brincantes, na observação das crianças e adolescentes que estão na comunidade, constituindo-se, também, em um acervo vivo. A realização da brincadeira, a confecção de brinquedos e outras atividades lúdicas durante a visita domiciliar permitem aos familiares reconhecer a capacidade e o potencial das crianças e adolescentes com deficiência. Essas atividades sensibilizam os participantes para a importância do brincar no desenvolvimento físico, afetivo, cognitivo e social da criança. O educador social/brincante estimula a família a brincar com a criança independente da sua presença. Sendo assim, o ato de brincar deve ser diário, com recursos e atividades elaboradas também pela própria família. A oportunidade contribui para o exercício de múltiplas possibilidades, como o reconhecimento do próprio corpo, de outro indivíduo e do mundo. Podem, ainda, contribuir, de forma prazerosa, para o desenvolvimento de habilidades físicas e também de reconhecimento nas relações sociais.

Utilização da Mala de Recursos: A Mala de Recursos é utilizada em casos que apresentam situações de vulnerabilidade e fragilidades dos vínculos familiares5. O público é definido pelos técnicos e encaminhado ao educador social/brincante. Esses contribuem, ainda, no planejamento da ação, realizam supervisão dos atendimentos, acompanham o educador na realização da Mala, quando necessário, e discutem os casos em reunião de equipe. A periodicidade das visitas para aplicação da Mala de Recursos é definida de acordo com a situação familiar, podendo ser semanal, quinzenal ou mensal. No desenvolvimento da primeira atividade, o educador social/brincante se identifica, fala do objetivo da visita e de seu papel profissional, explicitando a complementaridade do seu trabalho com o dos técnicos. Estabelece, também, um diálogo de aproximação, com ênfase na importância do ato de brincar. 5 Famílias que brincam pouco ou que não brincam com as crianças. Podem, também, serem crianças tratadas como objeto, com falta de estimulação, vítimas de conduta agressiva dos familiares, descrença nas potencialidades, preconceito, dificuldades dos responsáveis em exercerem suas funções protetivas, ambiente insalubre.

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As atividades com a Mala de Recursos são utilizadas com a adesão da família e as visitas são programadas e agendadas, considerando os dias mais oportunos para as famílias. O educador social/brincante verifica junto ao responsável, quando necessário, a melhor maneira de locomover e posicionar a criança e/ou adolescente, evitando intervir ou buscar aprofundar-se em questões íntimas da família. A princípio, o educador social/brincante focaliza a brincadeira com a criança e/ou adolescente com deficiência, estimulando os familiares a participarem das brincadeiras. Posteriormente, assume posição de colaborador junto aos mesmos, encaminhando aos técnicos do SPSPD, questões relativas à dinâmica familiar. Tais questões podem demandar alguma intervenção no acompanhamento sociofamiliar e/ou na articulação com a rede de serviços. Por sua vez, os técnicos e estagiários observam durante as visitas de acompanhamento sociofamiliar se o ato de brincar está inserido no cotidiano das famílias atendidas. A intervenção com o uso da Mala de Recursos é registrada em relatórios e descreve a evolução da família em relação ao ato de brincar, as dificuldades, as conquistas e os desafios encontrados. A utilização de registro fotográfico ou filmagem, quando necessário, deverá ser em primeiro lugar autorizado pela família.

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O acervo da Mala de Recursos É de responsabilidade do Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência qualificar o acervo da Mala de Recursos, pesquisando e comprando materiais que muitas vezes são sugeridos pelo próprio educador social/brincante. O educador social/brincante tem a responsabilidade de zelar por todo o acervo da Mala de Recursos, conforme termo assinado por ele. Nas primeiras intervenções lúdicas, procura-se utilizar os brinquedos das crianças e/ ou artigos confeccionados por meio de materiais que a própria família vai separando. Esse acervo pertence à família e, gradualmente, é apresentado e reciclado, sendo sempre acrescido de novos materiais. Alguns itens de uso pessoal e de consumo poderão ser disponibilizados para o acervo da família, tais como: buchinha de cabelo, nariz de palhaço, balão e demais materiais que não fazem parte do acervo permanente. O acervo permanente, aquele utilizado por várias famílias, é organizado e acondicionado de acordo com suas características, por exemplo: materiais de encaixe, de construção, jogos de regras, faz-de-conta, bonecos, fantoches, maquiagem etc. Os que tiverem em maior quantidade poderão ser guardados em caixa com legendas, reservando alguns para uso diário. A escolha dos materiais é feita de acordo com a faixa etária do público, condição de saúde, se a criança é alérgica, etc. Os livros são selecionados de acordo com a idade. Para criança muito pequena utilizam-se livros mais resistentes de capa dura, de plástico ou de tecido. Os materiais são mantidos limpos, principalmente quando for utilizá-los, os livros possuem a identificação da regional e são encapados. Já os materiais para reaproveitamento, como garrafas pet, potinhos de iogurte entre outros são bem lavados e acondicionados em saco plástico. As sementes e outros materiais perecíveis são guardados em vidros de boca larga com tampa. Essas medidas afastam possíveis roedores e insetos.

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Arrumando a mala: um trabalho em equipe “Eu brinco! Porque a vida exige E o instante existe” Dulce Couto

Os técnicos e educadores sociais/brincantes planejam conjuntamente a ação da Mala de Recursos. Nessa perspectiva de acompanhamento constante, eles formulam atividades que possibilitarão o protagonismo das famílias, principalmente na autoria e desenvolvimento de momentos lúdicos. Esta forma de atuação faz parte da metodologia do trabalho, o que contribui para a complementação de informações, percepções, levantamento de demandas e confirmação de hipóteses. Toda atividade deve ter início, meio e fim. É também importante planejar uma atividade secundária, caso não seja possível realizar o que foi primeiramente planejado.

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Para planejar uma atividade envolvendo a Mala de Recursos, partimos das seguintes questões: O que fazer? Considera-se a atividade em si, aquilo que o brincante pensou em desenvolver como ação principal com intenção de atender a uma necessidade detectada anteriormente. Exemplo: contação de uma história, confecção do brinquedo, dança coletiva, jogos, brincadeiras, apreciação de uma melodia, realização de uma pintura, etc Com quem fazer? Consiste na definição do público, isto é, nas pessoas que serão contempladas pela atividade. Exemplo: a família, a própria criança e outras da vizinhança, faixa etária e os vínculos com o atendido. Por que fazer? É a especificação dos objetivos, ou seja, naquilo que a ação vai desencadear. Exemplo: estimular a vivência do lúdico com o irmão caçula ou o mais velho na família; garantir o direito ao brincar; estimular a apropriação de outros espaços da comunidade, dentre outros. Como fazer? Trata-se da metodologia, do caminho a ser percorrido para que o objetivo seja alcançado. Neste momento, as etapas da ação devem ser planejadas e registradas com muita atenção:

1ª Etapa: planejar a atividade lúdica para o grupo familiar por meio de algum recurso, crian-

do um suspense, um momento mágico. No primeiro contato com a família será realizada a “captura do interesse do grupo familiar” e a definição da periodicidade das visitas.

2ª Etapa: definir o espaço físico levando em consideração: a condição da pessoa com defi-

ciência e da residência, a atividade a ser desenvolvida e o número de participantes.

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3ª Etapa: realizar a atividade lúdica por meio da mala objeto e de outros recursos que estimulem as potencialidades da criança/grupo familiar. Devem ser definidos os materiais e recursos a serem utilizados. 4ª Etapa: dialogar com os participantes, o que foi vivenciado. Exemplo: o envolvimento, a interação, a expectativa, etc.

5ª Etapa: encerrar a atividade.

Propor sugestões de atividades para que a família possa, além de vivenciar uma experiência lúdica, assumir seu papel de brincante.

Resultados esperados: devem estar em consonância com os objetivos – “por que fazer?”

Ex.: contribuir para que o irmão caçula brinque, interaja com seu irmão com deficiência. Considerar a qualidade e o tempo das respostas das famílias, as estratégias de intervenções utilizadas, a atuação do educador social/brincante. Verificar sempre se a atividade agregou valor à dinâmica da família, se houve aceitação ou não da atividade.

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O valor e o peso da mala: a importância de avaliar “Corro na direção oposta Pequeno... Só preciso tentar.”

Juliana Xavier

Avaliar é dar valor a alguma coisa. Nesse sentido, o trabalho de utilização da Mala de Recursos passa, também, por uma avaliação para verificar se este está agregando algum valor para a família. A primeira avaliação do uso da Mala de Recursos, com a participação dos técnicos, é realizada após quatro meses de atividade e sinalizará o impacto desta estratégia na melhoria da qualidade dos vínculos. O registro dessa avaliação é feito em relatório específico criado pelo SPSPD. Nessa etapa da avaliação, são considerados alguns indicadores, tais como: familiares que passaram a brincar com a criança com deficiência, familiares que estão frequentando espaços de convivência, criança demandando brincar com familiares e/ou vizinhos, presença de brinquedos em casa, inclusive brinquedos construídos. A avaliação não implicará necessariamente em suspensão da intervenção com a Mala de Recursos, pois sua utilização poderá ser revista conforme a situação familiar. Constatado o impacto positivo, a família apenas não receberá a visita domiciliar do educador social/brincante. Neste momento, a Mala iniciará outra viagem inclusiva em um lar previamente selecionado pelo SPSPD.

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Aconteceu na viagem: algumas experiências envolvendo a Mala de Recursos “A menina vê a esperança na presença de sua mãe ... que brincava.” Dayse Araújo

Durante as muitas jornadas de trabalho, podemos constatar o avanço das famílias a partir da utilização da Mala de Recursos. Muitas tentativas são feitas para encontrar a via de acesso que permitirá trazer a pessoa com deficiência para um espaço de ludicidade. Embora, às vezes, seja difícil penetrar no mundo isolado no qual a pessoa se encontra, as chaves existem. Essas chaves, na verdade, representam uma metodologia apropriada, o afeto e envolvimento das famílias com a atividade proposta. Apresentamos nos relatos a seguir algumas experiências realizadas pelos educadores sociais/brincantes, ao longo do percurso de trabalho6. 6

Os nomes mencionados nas experiências são fictícios e as imagens utilizadas foram autorizadas pelas famílias

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1ª Experiência: brincar para sempre “Estrada imprecisa Longa caminhada Morte iminente” Cléa Regina

A criança atendida apresentava um quadro de deficiência múltipla devido a síndrome de hipóxia-hisquêmica grave. Estava traqueostomizada e fazia uso de oxigenoterapia. O trabalho era um grande desafio. No primeiro momento, a família se mostrou muito resistente ao trabalho com a Mala de Recursos, pois não acreditava que a criança pudesse brincar. Bruno, na época com cinco anos de idade, ficava em estado de internação domiciliar, sempre conectado em aparelhos e demandava muitas articulações com a rede de serviços. Durante o acompanhamento, foram realizadas várias estratégias pela equipe técnica, com o intuito de promover a sensibilização da família acerca da execução da Mala de Recursos, garantindo o direito de brincar. Na primeira visita, a família demonstrou bastante resistência, dizendo que Bruno já tinha muitos profissionais trabalhando com ele, por vezes estressando-o. A mãe disse que conversaria com a junta médica para verificar a possibilidade de realização do trabalho. Depois de vinte dias, recebemos um comunicado da família autorizando a utilização da Mala de Recursos. De início, a fim de que entendessem melhor o trabalho, foram planejadas Malas semanais, com duração de quinze minutos, seguindo orientação da família quanto ao tempo. Neste relato, apresentamos uma série de Malas que representam cada encontro. As atividades com a Mala de Recursos, de forma sequencial e intencional, promoveram uma aproximação mais eficaz entre criança, os familiares e a brincante.

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1ª Mala: brinquedos sonoros

A Mala foi organizada com materiais sonoros, como livro musical e chocalhos com sons e cores diferentes. À beira da cama, a história foi contada e a música contida no livro acionada. Bruno interagia movimentando a língua, a perna e os olhos. Segundo a mãe, ele utilizou este código para se comunicar com a educadora social/brincante. Relatou, ainda, que a resposta da criança era positiva e que estava surpresa de ver o quanto ele gostou daquele momento. No final da atividade, a mãe se manifestou dizendo: “Às vezes tenho vontade de brincar com ele, mas não sei o que fazer nem como brincar. Você vem semana que vem?”. As outras Malas foram planejadas com materiais propícios para explorar os sentidos que Bruno ainda preservava, como a audição, a visão e o tato. O horário de atendimento foi aumentado para trinta minutos, a pedido da família. Nas atividades, participavam o pai, a mãe, a enfermeira e a criança.

2ª Mala: bichinhos voadores A atividade desenvolvida foi a construção de um móbile de bichinhos de emborrachado colorido. Posteriormente, a história de cada bichinho foi contada e os integrantes do grupo imitaram seus sons: pio de passarinho, latido de cão, miado de gato. Bruno acompanhava os movimentos do móbile com os olhos, respirava fundo, mexia a cabeça e os ombros. A mãe estava bem empolgada com os resultados obtidos, dizendo que os movimentos significavam que seu filho estava se divertindo. Ao final do encontro, a mãe perguntou a data da próxima visita. Em resposta, a educadora social/brincante orientou a família a dedicar um tempo para brincar com Bruno durante a semana, sugerindo alguma atividade que a própria mãe pudesse fazer. Bruno adorava animais, por isso as brincadeiras com esse tema foram enfatizadas.

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3ª Mala: a massagem dos bichos Nesse dia, Bruno estava bastante indisposto, não quis saber de fisioterapia e terapia ocupacional. A mãe disse que não desmarcaria a atividade, pois tinha certeza de que era a única coisa que ele não rejeitaria. Quando todos se dirigiram para o quarto brincar, ele reagiu abrindo os olhos e sua perna parou de tremer. Cantou-se músicas suaves sobre animais e foram contadas histórias de bichos com o livro “O que está incomodando você?” . Em seguida, foi realizada massagem com bolinhas imitando a textura da pele de bichos, ásperas, lisas, enrugadas, macias, duras, com cerdas de pincéis. A Mala durou uma hora e, quando paramos, Bruno franziu a testa sinalizando que não queria parar. Todos riram. A atividade foi encerrada para não forçar a resistência do menino.

4ª Mala: contando histórias

A mãe havia informado que tinha dentro de um maleiro uma caixa de livros de histórias infantis. Nesse dia, a Mala foi organizada por ela, pelo pai e pela enfermeira. Eles escolheram os livros de que Bruno mais gostaria. Contaram as histórias, ora um, ora outro. Depois, a mãe passou a criar, por conta própria, outras histórias. No final, contou que a caixa de livros foi comprada bem antes de Bruno nascer. Nessa época, a mãe já lhe contava histórias, acariciando o menino dentro de sua barriga. Depois da sessão de histórias, o menino demonstrava estar feliz, seu semblante estava tranquilo e os olhos brilhavam olhando para a mãe. Ela prometeu que, daquele dia em diante, sempre contaria histórias para o filho.

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5ª Mala: brincando com fantoches

Nesse dia, os membros da família, a enfermeira e a educadora social/brincante construíram fantoches com caixas de leite. Durante a construção, ora cantavam, ora conversavam com Bruno. Em resposta, ele movimentava a língua e o ombro. A mãe comentou: “Meu filho está bem mais relaxado e tranquilo depois que iniciamos esse trabalho”. Depois de prontos, uma pequena encenação foi realizada por meio da criação de uma história, na qual cada personagem recebeu um nome. A criança acompanhava os movimentos dos personagens com os olhos e fazia gestos com a língua. Parecia querer falar ou cantar.

6ª Mala: brincando com os nomes

Bruno havia acabado de sair do soro e estava muito indisposto e sonolento. A mãe disse: “Preferi não desmarcar a Mala, pois faz muito bem a ele.” A proposta do encontro era que cada um contasse a história do seu nome. Posteriormente, cada um iria transformar seu nome em um animal. A mãe fez uma centopeia, simbolizando o nome de Bruno. Depois, chegou bem perto do ouvido do menino e contou a história do seu nome mostrando a centopeia. Bruno virou a cabeça com dificuldade e olhou para a mãe sorrindo.

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7ª Mala: o sorriso do coração

A família estava bastante envolvida em criar propostas diferentes para brincar com a criança. A mãe foi à feira e comprou fantoches, e a avó comprou um livro de histórias. Bruno já estava com um problema sério na visão, quase não enxergava mais. Numa tarde chuvosa, a educadora social/brincante chegou no quarto de Bruno para fazer seu trabalho e o encontrou chorando (não emitia som, somente corria as lágrimas em seu rosto). A mãe disse que ele estava desse jeito desde cedo, mas não quis desmarcar a Mala, pois tinha certeza de que faria muito bem a ele, já que todos estavam tensos por causa da situação. Quando a criança viu os fantoches, sorriu e as lágrimas pararam de cair. Todos brincaram com os fantoches e depois fizeram desenhos dos brinquedos contidos no quarto, que foram guardados sob o olhar vigilante do menino num pequeno baú, construído anteriormente por meio de atividades da Mala de Recursos. Tal olhar esboçava, ainda, um sorriso de contentamento.

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Considerações finais Em supervisão, verificamos que o objetivo de sensibilizar e estimular a família para o ato de brincar foi atingido. Partindo desse princípio, foi discutida em equipe a possibilidade de desligamento da família. Começamos a prepará-la para o desligamento, pois eles já conseguiam realizar de forma autônoma as brincadeiras. Porém, um dia após a última Mala, a criança foi hospitalizada e quinze dias depois veio a óbito. Após o falecimento, os pais do menino procuraram o SPSPD perguntando se haveria possibilidade de desenvolvimento da Mala no período pós-morte. Infelizmente, o órgão não estava preparado para atender a solicitação. Um tempo depois, a mãe da criança, já em estágio de aceitação da perda, fez um belo depoimento sobre a experiência com a Mala de Recursos. Dalva Sales de Souza Regional Centro Sul

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Educadora Social Dalva Sales em atividade com a Mala de Recursos


o n u r B a r a p a t Car

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2ª Experiência: Tempo e espaço para brincar “O som da campainha A porta se abre “Vamos entrar” Uma nova história vai começar” Gioconda Zago

Este caso foi encaminhado pela Clínica APPI (Assistência Pedagógica e Psicológica Integrada). A criança nasceu prematura, permanecendo no CTI por 4 meses usando ventilação mecânica. Apresentava um atraso no desenvolvimento neuropsicomotor devido à síndrome mista de paralisia cerebral; sofria de desnutrição proteica calórica, consumia somente leite de soja e alimentos pastosos. A partir do Estudo Social realizado pelo técnico do SPSPD, a família foi inserida em acompanhamento, tendo em vista a situação de extrema vulnerabilidade. A primeira abordagem com a Mala objetivou uma aproximação entre mãe e filha. Massagens e toques foram propostos para que elas sentissem mutuamente o contato. Durante as primeiras visitas do educador social/brincante, percebeu-se que a mãe demonstrava insegurança e ansiedade quanto ao futuro de sua relação com a filha. A família começou a ser acompanhada, semanalmente, pelo técnico de Serviço Social e Educador Social. Como havia dificuldades de acesso da equipe ao local onde elas moravam, devido ao risco geológico, alguns brinquedos permaneciam no domicílio para que a mãe interagisse com a filha, mesmo na ausência do educador social/brincante.

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Educadora Social Adriana Vilar em atividade

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Nesse sentido, foram produzidos brinquedos, como bonecas e palhacinhos de sucatas e outros materiais recicláveis. A mãe participava da atividade se emocionando com a alegria da criança ao receber o presente que havia confeccionado. Nas visitas posteriores do educador social/brincante, a mãe estava mais tranquila, sentava para brincar, interagia e participava das atividades propostas com alegria. A criança passou a fazer as reabilitações necessárias e frequentar, em horário integral, a Unidade Municipal de Educação Infantil – UMEI. Tal medida facilitou para que a mãe voltasse a trabalhar, estudar e fazer cursos de qualificação profissional. Após várias intervenções, a equipe avaliou que a atividade da Mala de Recursos não seria mais necessária, pois mãe e filha estavam mais próximas e unidas. Estas também já estavam incluídas na rede de serviços, feito que traria mais qualidade de vida e perspectivas para um futuro melhor. Dessa forma, estabeleceuse um processo de transição para o desligamento da atuação do brincante à referida família. Adriana Vitar Pereira Regional Nordeste

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Famílias em visita ao zoológico - Atividade da Mala de Recursos

3ª Experiência: brincando no Zoológico

“E quando mais nada é possível... Acontece.” Flávia Alves

O caso foi encaminhado ao Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência pelo Centro de Saúde. Os técnicos da saúde haviam observado que a mãe tinha resistência em aceitar a deficiência da filha. A criança teve um bom desenvolvimento até os quatro anos de idade, entretanto, aos nove anos, apresentou um quadro de deficiência intelectual. Por meio de visita domiciliar, o técnico do Serviço percebeu que a mãe demonstrava sofrimento ao falar da deficiência da filha. Relatou sentir vergonha em sair com ela na rua. Disse ainda: “Depois do ocorrido com minha filha, me fechei bastante, só saio de casa para trabalhar e levá-la ao médico”. Diante do caso, levantou-se a possibilidade da inserção da Mala de Recursos como estratégia para contribuir no processo de fortalecimento dos vínculos entre mãe e filha. A Mala de Recursos foi recebida positivamente pela mãe, pois contribuiria para o melhor conhecimento acerca das potencialidades da filha. Assim, foi marcada uma visita domiciliar para apresentar a educadora social/brincante. Na primeira visita, foi apresentada a metodologia da Mala de Recursos e realizados acordos com a família quanto ao horário e melhor dia para a atividade acontecer. Foi combinada também a importância da participação de todos os membros na atividade.

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A partir de relatos da mãe sobre as condições físicas e intelectuais da criança, planejou-se a primeira Mala. A criança sempre se apresentava agitada e com dificuldades de concentração. Dispersava-se com o esmalte usado nas unhas da educadora social/brincante, que aproveitou o interesse da criança e propôs para a mãe a possibilidade de fazer uma atividade de pintura nas unhas da menina. A mãe achou interessante e conseguiu os materiais necessários. Observou-se que ambas demonstraram interesse e contentamento pela atividade.

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A partir dessa primeira experiência, a criança já estava disposta a participar das próximas atividades. No decorrer do trabalho, foram observadas algumas falas da mãe em relação ao desenvolvimento da filha como: “Eu nunca imaginei que ela fosse capaz de pintar, eu mesmo vou comprar tinta para ela”; “Olha, está vendo? Ela entende”. Foi possível perceber que a criança mudou seu comportamento, tornando-se mais tranquila. A educadora percebeu a possibilidade de uma troca de experiências entre a menina e outra criança, também de nove anos e com deficiência auditiva. Esta segunda criança já possuía uma boa relação familiar, porém os vínculos comunitários estavam fragilizados, pois sua mãe não permitia que brincasse com outras da comunidade. A intenção era juntar as duas famílias. Após estas observações, foi planejada uma atividade envolvendo as duas famílias e que aconteceria em um local fora das residências de ambas. Pretendia-se que as famílias se apropriassem de espaços ainda não conhecidos, na tentativa de superar resistências geradas em torno das deficiências. Nessa atividade, foi utilizada uma mala toda decorada com bichos, organizando, assim, uma sequência de atividades envolvendo a temática de animais. Isso resultaria mais tarde em um passeio ao Zoológico da cidade. Essa proposta foi aceita pelas duas famílias. A partir desse momento, a equipe organizou-se para que o passeio pudesse acontecer com êxito.

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No dia do passeio, foi marcado com as famílias um ponto de encontro. Pensou-se no transporte coletivo, meio utilizado pelas famílias em seu cotidiano, para estimular outros passeios. Ao chegar ao Zoológico, percebeu-se o entusiasmo e a euforia de todos: “Que lindo este lugar, dá pra fazer piquenique” ou “Como faz bem este lugar com tanto passarinho cantando”. No decorrer do passeio, observamos que houve uma rápida interação entre as duas crianças assistidas. Percebemos que a mãe agiu de forma natural, não se intimidando com o comportamento impulsivo da filha, questão que preocupava a equipe. A mãe da criança com deficiência intelectual participou com entusiasmo de todas as atividades propostas, mudando seu comportamento em relação à filha, uma vez que passou a reconhecer a potencialidade da menina e tem se apropriado de outros espaços da comunidade e da cidade. Por sua vez, a criança desenvolveu habilidades sociais e interage de forma tranquila e segura com todos os membros da família e da comunidade. Já a criança com deficiência auditiva, começou a brincar com outras. A mãe entendeu a necessidade desta se relacionar socialmente fora do seu ambiente doméstico. Após um período de atendimento de ambas as famílias, foi constatado que os objetivos propostos progrediram de maneira satisfatória e ambos os casos foram desligados da Mala de Recursos.

Patrícia Santos Regional Barreiro

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4ª Experiência: jardim das brincadeiras “Casa Limite e possibilidade. Jardim? Amor e dor em mim e na flor.” Carolina Peixoto

Dois casos são apresentados nesse relato. Estes referem-se à família de uma jovem chamada Jasmim e de um menino chamado Lírio. Utilizaremos nomes de flores como analogia para identificar nossos usuários. O educador social/brincante usou o texto do escritor mineiro Rubem Alves “A menina e o pássaro encantado” para desenvolver as atividades. O texto original do escritor foi adaptado de forma lúdica, de acordo com a proposta metodológica. Na narrativa, o educador social/brincante transformou-se na menina da história. O pássaro surgiu em seguida, na verdade, esta imagem já se fazia presente no desenho estampado na primeira mala utilizada pelo educador social/brincante. Essa mala trazia o desenho de um pequeno pássaro com um guarda sol colorido e várias poesias, uma das quais falava sobre as flores: “Eu conheço cada pedra do chão, cada flor do meu jardim... eu leio as cores das flores e o cheiro do vento”. Assim, nossos usuários tornaram-se flores em seus jardins/casas e a cada visita uma atividade nova era desenvolvida com esses personagens. As crianças e a maior parte das famílias aguardavam a abertura da mala com ansiedade e expectativa. A mala com objetos trazia várias recordações. Ela trouxe à tona muitas memórias, lembranças de infância e casos de família: “Eu me lembro de quando nós viemos

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para Belo Horizonte! A gente tinha pouca coisa prá colocar nas três malas grandes”, relatou uma mãe. Além disso, algumas famílias recordaram-se das malas existentes nas suas casas: “Meu pai tinha uma mala assim, em cima do guarda-roupa”, relatou uma tia. E foi assim, em meio a malas, flores e histórias, que o trabalho foi acontecendo e as vidas foram sendo tocadas por brincadeiras.

A história de Jasmim

No início, a jovem Jasmim, de 19 anos, ficava sozinha e completamente isolada, sem se relacionar com ninguém. Ela possuía deficiência múltipla. Após o acompanhamento sociofamiliar, foram relatados avanços na família, que se concretizaram por uma maior interação entre mãe e filha, ampliação dos vínculos comunitários e o aumento da frequência da jovem na escola. Mãe e filha passaram a ser acompanhadas pela Psicóloga do NASF . No ano seguinte, houve um retrocesso, na medida em que a jovem parou de frequentar a escola. Segundo a mãe, a filha não queria mais estudar, preferindo ficar novamente isolada em casa. A partir das reuniões de equipe, foi definido que as atividades com a Mala de Recursos iriam ser realizadas. Neste período, Jasmim voltou a frequentar a escola, contudo, não ia a outros espaços de convivência. Além disso, em reuniões com a Equipe Regional de Apoio à Inclusão , foram apontados aspectos conflituosos da relação entre mãe e filha. Desse modo, a Mala de Recursos continuou a ser realizada com esta família. O educador social/brin-

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cante utilizou atividades que desenvolviam a socialização, o fortalecimento dos laços afetivos, o envolvimento e participação de vários membros da família e a percepção, destacando a importância de cada participante. Os aspectos observados durante as brincadeiras demonstravam a participação da jovem, do responsável e dos irmãos e como todos se empenhavam para vencer os limites referentes às dificuldades físicas, motoras e sociais. Dentre as atividades desenvolvidas, um passeio ao Jardim Zoológico teve destaque. A família inteira participou da visita. Jasmim adorou animais. Observou as diferenças entre eles, uns grandes, outros pequenos, uns peludos, outros com penas... Após esse passeio, a jovem se empenhou em desenhar aquilo que viu: elefantes, cobras, pássaros, girafas, árvores e flores grandes, pequenas, de várias cores e formatos. Estes desenhos inspiraram as Malas posteriores ao passeio. As atividades envolvendo a Mala de Recursos continuaram e a jovem está cada vez mais interessada e ansiosa por novas descobertas.

A história de Lírio

Lírio é um menino de onze anos que possui deficiência física. A Mala de Recursos foi iniciada com o objetivo de aproximar mãe e filho, além de auxiliá-la a perceber a importância do menino brincar com outras crianças e sua família. As visitas foram realizadas quinzenalmente. Após um ano de trabalho, a família foi desligada do acompanhamento do educador social/brincante, pois a cultura do brincar havia sido instaurada na família e os vínculos foram fortalecidos. A mãe relatou que ao levar o filho para suas atividades rotineiras, incluiu cantigas e contação de história em todo o percurso. Porém, no ano de 2011, a família apresentou uma nova demanda. A mãe de Lírio relatou que ele não estava conseguindo dormir em seu quarto sozinho, apesar de já ter onze anos.

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A partir do acompanhamento, constatou-se que a dificuldade do filho estava diretamente ligada à relação de dependência entre ele e a mãe. No decorrer das visitas familiares, ela percebeu que dificultava a autonomia de Lírio. Outro aspecto relacionado a esta questão é o fato da criança não ser incentivada pela família a andar, mas engatinhar pela casa. Os médicos já haviam orientado sobre a importância do menino tentar caminhar para fortalecer seus membros. O educador social/brincante realizou todas as atividades da Mala no quarto de Lírio, para que o mesmo se apropriasse desse espaço e “guardasse suas coisas mais preciosas ali”. A atividade de contação de histórias, muito apreciada por Lírio, foi desenvolvida a partir do tema “Jardim de Brincadeiras”. Após três meses de acompanhamento, a mãe relatou que o filho já conseguia dormir sozinho em seu quarto. Além disso, constatou-se que mãe e filho passaram a interagir mais durante as brincadeiras, o que antes não acontecia. A família passou a participar das atividades coletivas propostas pelo SPSPD. Em todo o processo de acompanhamento, o educador social/brincante relatava a alegria de Lírio e a abertura da família para a Mala de Recursos. Esta terá sua continuidade por mais um período a fim de fortalecer mais os vínculos entre a família.

Gleice Santos Silva e Pedro Betti Regional Pampulha

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5ª Experiência: brincando o mês inteiro “Uma manhã coberta de neblina Uma esperança desperta: Vou mudar o dia de alguém!” Adenize Madureira

Família monoparental feminina simples composta por 10 pessoas dentre elas: 3 adolescentes e 6 crianças, dessas uma de 8 anos com deficiência, e 1 adulto responsável pela família. Habitavam em área de vulnerabilidade social; a residência não apresentava condições de acessibilidade, haja vista que a criança com deficiência utilizava cadeira de rodas. Todos os 10 moradores viviam em um único cômodo. A renda mensal era exclusivamente a do Benefício de Prestação Continuada – BPC e do Bolsa Família . O caso desta família chegou ao conhecimento do Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência da Regional Oeste por meio de encaminhamento do Centro de Saúde Cabana. O Serviço compareceu à residência para iniciar o acompanhamento (antes realizouse triagem e estudo social) já que a família apresentava as condições necessárias para esse fim. Em várias visitas realizadas, a responsável não se encontrava, pois além dos cuidados com os filhos, ela também tomava como sua responsabilidade os cuidados com os seus pais idosos e doentes. Durante o processo de acompanhamento, foi sugerido à família a inclusão da criança com deficiência na Mala de Recursos. Atendida a sugestão, iniciamos a metodologia de aplicação por meio do educador social/brincante. O trabalho iniciou-se tímido, mas persistente. Era necessário insistir, uma vez que deparamos com uma família que não tinha o hábito de brincar. Eles não se olhavam afe-

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Grupo familiar em atividade com a Mala de Recursos

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tuosamente, não se tocavam. Apesar dos laços de afetividade existirem, eles careciam de estímulos. Com orientação metodológica apropriada, foi traçado primeiramente um plano de ação junto à família. Visitas quinzenais foram programadas para que pudéssemos estreitar os laços da família com o SPSPD e, dessa forma, despertar confiança nos membros. Essas visitas domiciliares eram feitas, ora na presença do técnico responsável ora apenas com o educador social/brincante. As atividades do educador social/brincante para essa família foram planejadas tendo em vista o tipo de deficiência da criança. Segundo os laudos médicos e as normativas seguidas pelo SPSPD, tratava-se de um caso de deficiência múltipla, ela não andava, enxergava pouco, não falava e escutava apenas 5% com o ouvido esquerdo e 4% com o direito. Outro fator relevante no acompanhamento era o número de integrantes dessa família (dez), o espaço físico da moradia e a relação afetiva com a criança. Assim, todas as intervenções lúdicas foram pautadas para um bem estar familiar, para a capacidade dos membros de se interagirem afetuosamente e maior aceitação da criança com deficiência. Durante o acompanhamento, o educador social teve a liberdade de utilizar de várias atividades para conseguir atingir os objetivos. Algumas foram desenvolvidas com o intuito de proporcionar um espaço de interação com mais ludicidade. A brincadeira de jogar balões cheios de água foi muito apreciada. “Para jogar um balão cheio de água para meu irmão, antes eu preciso olhar para ele para que o balão não caia no chão e estoure facilmente”, disse um dos irmãos participantes da atividade. “Se o balão estourar não é de todo o mau, risadas e troca de palavras são importantes”, disse a mãe. Pudemos constatar, a partir do depoimento da mãe, as manifestações de alegria, cuidado e envolvimento acontecendo com aquela família. Ao final da atividade, as crianças massagearam umas às outras com os balões com água. A criança com deficiência recebeu sua massagem com muita satisfação. Foi notória sua alegria quando os irmãos deslizaram o balão com água em suas pernas, braços e barriga. A partir dessa atividade, outras foram sendo desenvolvidas, como modelagem de membros da família, brincadeiras e jogos.

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Para estimular as brincadeiras diariamente, foi criado um calendário lúdico denominado “Brincando o mês inteiro”. O objetivo deste foi verificar se o ato de brincar estava no cotidiano familiar, mesmo na ausência do educador social/brincante. Tratava-se de um calendário impresso mês a mês, com desenhos que aguçavam a vontade das crianças para colori-lo. Colorir o calendário só era permitido após o seu preenchimento com dias de brincadeiras, portanto ao final de cada mês. Nesse sentido, os integrantes da família reservavam um momento do dia para brincar e sinalizavam com um “X” o dia correspondente. O calendário com brincadeiras diárias assinaladas atingiu, então, sua meta. Após alguns meses dessa técnica toda a família adquiriu o hábito de brincar diariamente com a criança. O espaço da moradia foi modificado em função das brincadeiras promovidas. A criança teve um cantinho para brincar, o espaço de seu berço ganhou adornos infantis confeccionados pela família. Diante das evidências, a equipe de acompanhamento constatou o desenvolvimento da família e da criança em relação ao ato de brincar. Procedeu-se, então, o desligamento das atividades com a Mala de Recursos. A família continuou sendo assistida em outras esferas do SPSPD, sempre informando sobre o desenvolvimento da criança e de como está amparada pelo cuidado dos outros irmãos.

Carlos Alexandre Fernandes Regional Oeste

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Crianรงa em atividade com a Mala de Recurso


6ª Experiência: dado carinhoso: um jogo onde quem ganha é o afeto “As diferenças existem É tempo de encontros!”

Silvia Mara

Outra atividade foi realizada com a mesma família retratada na experiência anterior. A intenção era de contribuir para o fortalecimento dos laços afetivos por meio do jogo “Dado Carinhoso”, que é realizado a partir de um dado feito em papel cartão (ou qualquer caixa quadrada). Em cada face deste são representadas partes do corpo: cabeça, braços, mãos, pernas, pé e/ou o corpo todo (estas estão escritas em letra de forma, em Braille e com imagens ilustrativas. No interior do objeto há guizos para auxiliar no caso de deficiência visual). Trata-se de um jogo divertido. As tarefas são simples, engraçadas e, brincando, permitem aos participantes se tocarem sem nenhum tipo de constrangimento, uma vez que a regra principal é que o toque seja feito com respeito e cuidado com o corpo do outro. Para iniciá-lo, é necessário definir um juiz, um jogador e uma “vítima”. O jogador faz o lançamento do dado. O lado com a imagem para cima corresponderá à parte a ser tocada na vítima, mas precisará selecionar uma ficha que determinará a forma de fazê-lo. Cada uma dessas formas/ação tem de 30 segundos a um minuto de duração, tempo controlado pelo juiz. Em cada rodada é escolhido um novo jogador e nova “vítima”.

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Para cada uma das faces do dado, as seguintes ações podem ser praticadas: Mãos: massagear as mãos; bater palmas; beijar a mão; apertar a mão; ficar 30’’ com a mão no chão. Pés: fazer cócegas; massagear os pés; bater os dois pés nos chão; beijar o pé; pegar o pé e fazer carinho durante 30’’ Braços: dar leves beliscões nos braços; ficar 30’’ com os braços para cima; abraçar bem forte outro participante; massagear os braços; rodar um braço para dentro e o outro para fora. Pernas: pular com uma perna só; correr sem sair do lugar; massagear as pernas; mexer somente as pernas; ficar 30’’ com as pernas para cima. Cabeça: fazer cafuné; massagear o couro cabeludo; beijar o rosto; apertar o nariz e as orelhas; rodar a cabeça para qualquer lado fazendo caretas. Corpo inteiro: dançar de forma engraçada; abraçar o corpo todo; agachar e levantar pelo menos 5 vezes; ficar imóvel (estátua) durante 30’’; massagear o corpo todo suavemente.

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Aplicado à experiência da família em questão, objetivou-se, com este jogo, estimular a sensibilidade das partes do corpo da criança com deficiência pelo contato afetuoso dos familiares, além de criar um momento descontraído e divertido. No decorrer do jogo, no qual o verdadeiro vencedor é o afeto, os participantes se interagiram, tocaram-se, divertiram-se e canalizaram as experiências para uma relação de zelo com o atendido. Houve mudanças benéficas na vida social da família: a criança passou a receber cuidados médicos regulares e seu direito de brincar foi garantido. Além disso, todos os familiares se envolveram no cuidado e apoio à mãe e à criança com deficiência. Mesmo desligada da atividade da Mala de Recurso, a família já tem autonomia e consciência dos seus direitos. Devido ao entendimento da importância de brincar, verificouse a necessidade de um lugar mais amplo e seguro para as crianças brincarem. A família conseguiu uma casa mais ampla cedida por parentes. O cantinho da criança com deficiência é alegre e colorido, pois é sabido pela família que ela precisa ser estimulada sempre.

Carlos Alexandre Fernandes Regional Oeste

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Crianรงa em atividade com a Mala de Recurso

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7ª Experiência: brincar é uma forma de crescer “...Eram muitas as perguntas, mas há um texto Maori que sempre me norteou enquanto brincante: “Há muitos e muitos anos, quando o céu era pertinho da terra, as mães colhiam estrelas para as crianças brincarem e, brincando, elas construíam seu lugar entre o céu e a terra”. Elaine Fernandes

O primeiro contato com Aquiles, na época com seis anos de idade, aconteceu em visita domiciliar. A criança possuía Displasia espondiloepifisária relacionada com nanismo e miopia. Aquiles estava na fase pré-escolar, mas não podia frequentar as salas de aula por orientação médica. Ele sofría uma compressão na coluna vertebral que, fraturada, traria maiores complicações físicas. O menino passou, então, a estudar com um professor em sua casa. Fora da escola, seu processo de socialização com outras crianças ficou ainda mais restrito. Em acompanhamento sociofamíliar, percebeu-se que Aquiles estava isolado também do convívio com outras crianças da comunidade. Ele se relacionava apenas com os membros da família. Mesmo antes de ser afastado do ambiente escolar, o menino negava-se a

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Brinquedos confecionados com elementos da natureza

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brincar e relacionar-se com outras da mesma faixa etária, dizendo que não era mais criança e que não gostava de ser tratado como tal. A equipe reuniu-se, estudou o caso e realizou o estudo social, para planejar as atividades direcionadas ao resgate do prazer de brincar sem infantilizar o menino, visto que este já completaria sete anos de idade. A equipe também planejou algumas brincadeiras sem impactos físicos. A partir do diálogo com a família, surgiram alguns questionamentos: como se daria o primeiro contato? Quais brincadeiras seriam feitas? Na primeira Mala, a educadora social/brincante procurou se relacionar com Aquiles, estimulando-o a pensar sobre a possibilidade de brincar com a criança que habita em cada um de nós, independente de sermos grandes ou pequenos, crianças ou adultos. Posteriormente, foram desenvolvidas várias atividades de construções de jogos e brinquedos. Foi assim que Aquiles pôde colocar em prática alguns conhecimentos de montagem que ele dizia possuir. A atividade com a Mala de Recursos acontecia sempre com a presença de um dos familiares. A criança se interessava por todas as atividades que desafiavam sua criatividade. Aquiles morava em uma casa com um quintal cheio de árvores. Era um espaço rico para promover brincadeiras com elementos extraídos da própria natureza. Em uma das visitas realizadas, a educadora social/brincante observou que as árvores da casa de Aquiles estavam carregadas de frutas pequenas e verdes. Frutinhas das mais variadas espécies foram colhidas no chão, assim como folhas secas e pedaços de madeira. A criança coletava e selecionava os materiais. Foi assim que pequenas esculturas de animais e outros elementos foram surgindo. Estes foram expostos debaixo das árvores como se fossem uma fazenda. Aquiles adorou a atividade. Aquiles respondia bem às brincadeiras propostas, mas a grande resistência em interagir com outras crianças continuava. Esse seria o próximo desafio. Durante

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a discussão do caso e da dificuldade do menino se relacionar com outras crianças, a equipe pensou na possibilidade da atividade com a Mala de Recursos estender um convite aos seus antigos coleguinhas de escola. A ideia foi levada para a família, mas o menino continuava resistente dizendo: “Eu não quero, todo mundo acha que sou um bebê só porque não cresci.” A educadora social/brincante interviu dizendo que, se o menino permitisse, ela explicaria para seus colegas que ele não era nenhum bebê e que seu tamanho não o impediria de brincar como um menino de sete anos. Apesar de suas limitações, ele ainda poderia brincar de várias coisas, inclusive de construir esculturas, encenar histórias e modelar animais. Aquiles prometeu pensar nestas possibilidades e, quinze dias depois, já tinha a resposta: queria que seus antigos colegas participassem das atividades da Mala. A partir desse encontro, foi providenciado o convite para as famílias dos colegas e, desde então, as Malas aconteceram com a participação de outras crianças. Muitas vezes, estas aconteciam no mesmo dia em que a professora de Aquiles estava realizando seu trabalho. Esta também participava da atividade, contribuindo e auxiliando Aquiles na socialização com seus amigos. As atividades com a Mala de Recursos continuaram, focando a interação com outras crianças de sua comunidade.

Elaine Fernandes Regional Venda Nova

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8ª Experiência: as cores da brincadeira “Um olhar perdido no vazio... Que vida é esta? Eu posso sonhar?” Rosangela Bughi

Ulisses é uma criança de 11 anos com diagnóstico de autismo e paralisia cerebral, com comprometimentos físico e mental. Atendido por uma série de ações clínicas e de reabilitação, como: esporte, terapia, ortopedia, terapia ocupacional e fisioterapia, ele está incluído em uma instituição de ensino especializado. A criança fica sob os cuidados do pai, que optou em abrir mão de trabalhar para se dedicar integralmente ao filho. Nas primeiras visitas realizadas pelo Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência, foi identificada a importância de incluir a criança na Mala de Recursos. Pais e irmãos não sabiam lidar com Ulisses, nem com os tipos de brincadeiras. Outra questão encontrada foi a deficiência múltipla associada ao autismo, o que provocava um alto grau de complexidade para alcançar o universo da criança. Era visível sua resistência em se aproximar dos outros, com medo do desconhecido, o que é explicado pelo diagnóstico que o mesmo apresentava. O caso foi discutido com a equipe, avaliando os indicadores levantados e possibilidades de inclusão da Mala. A família foi informada da ação executada pelo educador social/brincante, do objetivo de usar recursos lúdicos como meio de trabalhar a alegria, sensibilidade, superação, inclusão e o fortalecimento dos vínculos familiares. Uma vez compreendida e aceita, marcouse uma data para o início do trabalho. A família de Ulisses estava entusiasmada e com muita expectativa com a Mala de Recursos.

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No que diz respeito às estratégias e atrativos poderiam ser usados, as descobertas foram acontecendo a cada visita, a cada contato. Percebeu-se que as cores o encantavam. Foi dado o ponto de partida: encher, amarrar e estourar balões bem coloridos. Outra descoberta foi a de que Ulisses adorava usar o tato, por isso o gosto em pegar nos balões, sentir e apertar. E assim, a criança ia sinalizando o que dava conta ou desejava fazer. A família foi descobrindo o lado brincalhão do menino e também como trabalhar e estimular os sentidos da criança. As atividades com a Mala de Recursos foram iniciadas em períodos quinzenais, sempre com a presença da família e principalmente do pai. Posteriormente, contou com a presença constante da irmã. A mãe participava das atividades em alguns momentos porque, geralmente, estava no trabalho. Após alguns meses, a ação passou a ser mensal. Por se tratar de um caso bem assistido pela família, pela educação e a saúde, o acompanhamento técnico aconteceu em intervalos maiores, para orientações e encaminhamentos necessários. O início da Mala não foi fácil. Ulisses não aceitava alguém desconhecido sentar ao seu lado para conversar ou tentar chamar a sua atenção. Mas, foi assim, um pouquinho a cada dia, com tentativas e estímulos, que a criança foi se abrindo para brincar e usufruir de uma fase ímpar e tão importante na sua formação: a infância. As Malas foram pensadas e planejadas, considerando as limitações e potencialidades da criança, de modo que não se caracterizasse um trabalho terapêutico e, sim, o exercício de atividades lúdicas e fortalecedoras de vínculos. O educador social/brincante percebeu processualmente o avanço da criança e da família. Brincadeiras que aconteciam na cadeira de rodas ou na cama ganharam espaço pela casa. Foi montado o “canto de brincar”, espaço onde Ulisses se espalhava e se expressava do jeito que ele se sentia mais à vontade. A indiferença de antes se transformou em progressos. A família percebeu que o brincar possibilitou melhor adesão e resposta de Ulisses aos seus tratamentos terapêuticos. Após um longo período incluído na Mala de Recursos, os objetivos foram alcançados. A cultura do brincar e os laços entre os membros familiares foram fortalecidos. Ulisses se reconheceu como uma criança dotada de desejos e manifestações lúdicas. É nessa hora, quando todos já se apoderaram da responsabilidade de brincar, que chega o momento do desligamento. A família é informada que continuará sendo acompanhada pelo

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Atividade de pintura facial utilizando a Mala de Recursos

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Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência, mas que o acompanhamento do educador social/brincante será encerrado em virtude do alcance dos objetivos, do progresso da criança e do fortalecimento dos vínculos. O desligamento não acontece de imediato. Algumas Malas/visitas ainda são marcadas antes do encerramento, com o intuito de trabalhar o seu término (desligamento) e, assim, não impactar o vínculo da criança com o educador social/brincante. A família lamenta, mas compreende a lógica da Mala de Recursos e seu dever na continuidade das atividades. Com isso, entende-se que a brincadeira está para além da prática por si só ou da ação imediata. Brincar está na compreensão da essência daquilo que é lúdico, significando uma manifestação da alegria, um sorriso, um brilho no olhar e o desejo constante de imaginar e de sonhar.

Maria Lúcia Regional Noroeste

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Educadora Dalva Sales em atividade de pintura facial e escultura com bal천es utilizando a Mala de Recursos

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9ª Experiência: brincar é uma relação de afeto “À luz da orientação Possibilitar Empoderar”

Kênia Daisy

Abel, com 14 anos de idade, é um adolescente com paralisia cerebral. Era gêmeo de outro irmão que, por complicações no quadro de saúde, veio a falecer. Seu estado de saúde foi comprometido em decorrência da paralisia. Apresentava desnutrição grave, falta do controle muscular, ausência dos movimentos nos membros inferiores e dificuldade na fala. Após visitas realizadas pela equipe do Serviço de Proteção à Pessoa com Deficiência, foi detectada a importância da inclusão da Mala de Recursos como estratégia de facilitação do fortalecimento de vínculos afetivos entre os membros da família: mãe, Abel e irmão de nove anos. Primeiramente uma visita foi realizada para que a equipe e o educador social apresentassem à família a proposta da Mala de Recursos. A mãe mostrou-se receptiva e surpresa por alguém se lembrar de brincar com crianças tão comprometidas como Abel: “Brincar? Mas como?”, perguntou ela. Segundo ela, seria a primeira vez que ele e a família teriam a chance de aprender e conhecer alguma coisa que fosse para o seu desenvolvimento social. O trabalho do educador social/brincante foi planejado com a intenção de propiciar a interação de Abel com a família e estimular os sentidos do menino. Foi combinado que as visitas teriam uma periodicidade quinzenal e, tanto a mãe quanto o irmão caçula, teriam que participar das atividades propostas.

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Inicialmente, as atividades envolvendo a Mala de Recursos apresentaram grande desafio: o educador deparou com a baixa autoestima da mãe e a falta de uma relação mais afetuosa com Abel. Antes de tudo, seria preciso promover a aproximação da mãe com o filho. Foi observado também que, apesar de suas limitações, Abel gostava de música e sons. Seu irmão sempre conversava e chamava sua atenção com barulhos e ele correspondia. Iniciamos o trabalho com a construção de um chocalho, objeto importante para motivações futuras. O brinquedo foi feito pela mãe e pelo irmão para ser usado nas atividades seguintes. A princípio, o planejamento das visitas foi pensado de maneira a causar mudanças no comportamento da mãe para com o filho. Estas foram percebidas durante a realização das visitas: Abel ficava na cadeira de rodas, mas, como ele não podia ficar por um longo período na mesma posição, a mãe o colocava no colo para que as atividades pudessem ser concluídas. Esse ato possibilitou a aproximação de ambos, despertando, assim, um afeto espontâneo pelo contato físico. Vários espaços da casa foram utilizados nas atividades, para maior interação de Abel. Posteriormente, as brincadeiras eram direcionadas para que a mãe e o irmão estimulassem Abel a ter sensações diversificadas, que desenvolvessem habilidades motoras, sonoras, auditivas, táteis e visuais. A família relata que, até mesmo em momentos corriqueiros como o banho diário, algumas brincadeiras foram realizadas. Este se tornou prazeroso, pois a mãe fazia massagens em Abel com uma bola apropriada, cantando algumas canções. A mãe relatou que Abel correspondia com sorrisos ao ouvi-la cantando, a cada brincadeira ou até mesmo em uma simples manifestação de carinho. Pouco a pouco, os resultados no processo de resgate de vínculos ficaram evidentes através das atividades lúdicas. A postura da

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Família em atividade com a Mala de Recursos

família em relação a Abel tornou-se diferente do início da introdução da Mala de Recursos. Abel passou a ser visto como uma criança dotada de sentimentos, alegrias e, sobretudo, de desejos. Durante muitos anos, não foi dado a Abel o direito de brincar. Sua mãe relata que não sabia que uma criança com paralisia fosse capaz de participar de uma brincadeira com prazer, de dar respostas. Aos poucos, Abel ensinou a todos que em seu mundo não cabe a palavra “pressa”. Para o educador social e também para a equipe de acompanhamento sócio familiar, o desafio continuou. O resgate dos vínculos de afeto da mãe para com o filho foi a primeira conquista. Uma grande conquista! Aqui também irão entrar mais fotos do processo com Abel.

Maria Efigênia Medeiros Regional Leste

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10ª Experiência: direito de brincar “A vida sopra na direção onde o afeto existe.” Dulce Couto

Peter é uma criança de 10 anos que faz parte de uma família nuclear simples. Ele possui uma doença neuromuscular degenerativa e neutrofia espinhal tipo 1. O quadro clínico ocasionou a perda dos movimentos do corpo. O menino utilizava respirador e cerca de dezesseis tipos de medicamentos diferentes. Sua saúde era muito debilitada. O quarto de Peter era equipado como um leito de hospital, acompanhado de uma enfermeira 24 horas e um médico que o visitava uma vez por semana. Possuía, também, o atendimento de uma fisioterapeuta respiratória e fonoaudiólogo duas vezes por semana. O objetivo para o uso da Mala de Recursos era fortalecer o vínculo familiar e proporcionar momentos lúdicos, considerando que devido a sua situação, não saía de casa. O menino mantinha, quase que somente, contato com os profissionais da área de saúde que realizavam seu tratamento. Seus pais trabalhavam no período diurno, estando presentes à noite e nos finais de semana. O primeiro desafio para utilização da Mala de Recursos era conseguir encontrar Peter acordado. Devido ao fato de haver atendimentos pela parte da manhã, o período da tarde era o mais adequado para a visita do brincante. No entanto, após o almoço e o banho, somado ao cansaço por causa da fisioterapia e ao uso de medicamentos, Peter sempre adormecia. Outros fatores importantes eram como trabalhar esse fortalecimento de vínculos através da Mala de Recursos, considerando a ausência dos pais no momento da visita. Bem como encontrar possibilidades dentro das limitações em que a criança se encontrava, como falta de movimentos.

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Educador Moisés Cunha confeccionando esculturas de balão

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Considerando todas as questões acima, foi planejado trabalhar com a construção de esculturas feitas com balões. Os objetivos eram proporcionar momentos de brincar com Peter com um material bem leve e colorido; envolver a enfermeira nesse momento, mesmo considerando que a atividade não fazia parte de seu trabalho; e, ainda, deixar algo para incentivar os pais a brincarem com o menino. O educador social deu início à produção das esculturas e a enfermeira foi convidada a participar. Peter estava atento e prestando atenção aos movimentos. Os envolvidos conversavam com a criança, mostrando as formas que iam surgindo: cachorros, borboletas, girafas, corações e coelhos eram colocados sobre a sua mão para senti-los. Durante um dos momentos, foram percebidos sutis movimentos no dedo polegar direito tentando apertar os balões. Continuamos realizando as brincadeiras, construindo as esculturas, sempre buscando o toque nas mãos e braços de Peter. A enfermeira participou ativamente. Após o término, as esculturas foram espalhadas em pontos estratégicos dentro do quarto. Assim, Peter poderia vê-las, mesmo na posição em que se encontrava. Com o retorno nas semanas seguintes, a enfermeira relatou a reação de Peter com a chegada dos pais. Segundo ela, Peter direcionava o olhar para as esculturas tentando apontá-las. O resultado foi uma série de brincadeiras com os balões promovidas pelos pais com a criança. O trabalho continuou buscando estratégias para que os pais pudessem dar continuidade ao ato de brincar. Por meio de pequenas mudanças na dinâmica familiar, a criança pôde conquistar o seu direito de brincar.

Moisés Vagner Cunha Regional Noroeste

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Início ou fim da viagem? A inclusão como constante recomeço “Cara de avó, de mãe, de menina... - Que Deus lhe abençoe... - É o meu trabalho! É o seu direito!” Dayse Araújo

Com a implantação do Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência, constatamos uma efetiva contribuição na construção de uma política pública pautada no paradigma da inclusão da pessoa com deficiência. O trabalho executado pelas equipes regionais contribui para que a pessoa com deficiência e sua família tenha conhecimento dos seus direitos. Propicia-se, assim, a inclusão e, consequentemente, sua promoção social. Mas, muito além dos direitos, serviços, programas e benefícios que existem para compensar as desvantagens da deficiência, agravadas pelas dificuldades de acessibilidade, existe o afeto. Esse afeto não diz respeito apenas ao elemento básico da afetividade, mas, também, ao verbo AFETAR. Sabemos que afetamos o outro por aquilo que somos e pelas coisas em que acreditamos. Apostamos na inclusão, na força da família e na riqueza humana que habita em cada residência que visitamos. Esses são nossos materiais de trabalho! Sabemos que existe uma longa viagem pela frente e estamos apenas iniciando a nossa.

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Normatização Legal que fundamenta o trabalho do SPSPD: Constituição Federal/88 Lei Nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA/90 Lei Nº 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS Decreto Nº 3298/99 – Regulamenta a Lei Nº 7.853/89, dispõe sobre a Política Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência Lei Nº 10.741/03 – Estatuto do Idoso Resolução Nº 145/2004, do CNAS que aprova o texto da Política Nacional de Assistência Social- PNAS/04 Decreto Nº 5296/04 – Regulamenta as Leis Nº 10.048 e 10.098/2000 Resolução Nº 130/2005, do CNAS que aprova a Norma Operacional Básica da Assistência Social – NOB/SUAS Lei Nº 9078/05 – que dispõe sobre a Política Municipal à Pessoa com Deficiência Decreto Legislativo Nº 186/08 – aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em 30 de Março de 2007

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Expediente: Equipes Técnicas do Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência: Regional Barreiro Alessandra Alves de Almeida - psicóloga / Juliana Alves Xavier - assistente social / Cleide Celestino Campos - estagiária de Serviço Social / Sabrina Ferreira Marques - estagiária de Psicologia / Patrícia Santos - educadora social/brincante Regional Centro-Sul Maria Luíza Abreu Ferreira - psicóloga / Ediana Márcia Stoffes Martins - assistente social/ Rafaela Cristina de Araújo Gontijo Cândido - estagiária de Psicologia / Dalva Sales de Souza Silva - educadora social / brincante e Luana Rodrigues - Educadora Social / brincate Regional Leste Rosângela Bughi – psicóloga / Raquel Aparecida Batista de Souza - assistente social/ Marcelle Regine Silva - estagiária de Serviço Social / Fabiano Mendonça de Oliveira - estagiário de Psicologia / Maria Efigênia da Silva Medeiros - educadora social/brincante Regional Nordeste Enedina Fátima Jácome Gobet - psicóloga / Lenimar Ferreira Mesquita Mota - assistente social / Marly Rodrigues Gomes - estagiária de Serviço Social / Sirley Ferreira da Silva - estagiário de Psicologia / Adriana Vitar Pereira - educadora social/brincante Regional Noroeste Flávia Maria Alves - psicóloga / Kenya Daisy Rodrigues de Souza - assistente social / Adriane Guedes de Oliveira - estagiária de Serviço Social / Elaine Cristina da Silva Dias

- estagiária de Psicologia / Moisés Vagner Cunha - educador social / brincante Regional Norte Raquel Aparecida França - psicóloga / Gilda de Paula Campos - assistente social / Liviane Chaves de Souza - estagiária de Serviço Social / Ludmila Cristina da Silveira Neres - estagiária de Psicologia / Adenize Madureira do Espírito Santo - educadora social/brincante Regional Oeste Marilce Kênia Mendes - psicóloga / Flaviano Oureles de Souza - assistente social / Eliane Costa de Carvalho - estagiária de Serviço Social / Aparecida Helena de Oliveira - estagiária de Psicologia / Carlos Alexandre Fernandes - educador social/brincante Regional Pampulha Carolina Leocádio Peixoto - psicóloga / Gioconda Oliveira Zago dos Santos - assistente social / Kelly Cristina Fernandes Martiniano - estagiária de Serviço Social / Jéssica Nianne Maciel e Silva - estagiária de Psicologia / Pedro Gustavo Nogueira Vilela Betti - educador social/brincante Regional Venda Nova Patrícia da Silva Coelhopsicóloga / Cléa Regina Maria Corrêa - assistente social / Fernanda Lene Amaral Santos - estagiária de Serviço Social / Fábio Rodrigues dos Santos - estagiário de Psicologia / Elaine dos Santos Fernandes - educadora social/brincante

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“Não te vejo... No toque das mãos eu te desenho” Rosangela Bughi

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Dulce Couto e Educadores Sociais do Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência - SPSPD


Agradecimentos Às famílias que participaram e continuam participando das ações de inclusão. Sem essa participação seria impossível a estruturação deste livro e tampouco a construção da ferramenta intitulada “ Mala de Recursos” A todos os técnicos, educadores sociais/brincantes e estagiários do SPSPD que fizeram parte da jornada. A todos os formadores que facilitaram essa viagem, indicando sempre o caminho mais seguro e consistente. Às Gerências Regionais de Assistência Social pelas parcerias e apoio durante o percurso. À Secretaria Municipal de Educação e à Secretaria Municipal de Saúde que estiveram presentes em algumas etapas da viagem. A Patricia Cabaleiro pela oportunidade de uma experiência inclusiva. A Jutta Ströter-Bender pela inspiração da mala como objeto.

“Gratidão é ter convicção que a soma das partes é maior que o todo” Mercês Holanda

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