SUMÁRIO Expediente ................................................................................................................................2
Artigos
Crianças e adolescentes com trajetória de vida nas ruas de Belo Horizonte e as potencialidades e desafios do acolhimento institucional: uma proposta de formação. .............. 3 Família: questões contraditórias e ao mesmo tempo desafiantes para a assistência social ........9
A inclusão produtiva no âmbito da assistência social .............................................................. 14
A inserção da estratégia territorial na Política Pública de Assistência Social.......................... 18
A metodologia de trabalho social com Famílias na proteção social especial........................... 24
Expediente Conselho Editorial: • • • • • • •
Fernando França – Assessor de Imprensa Salime Cristina Hadad (GPES) Eugênio de Freitas (GGPAS) Maria de Fátima Queiroz Ribeiro (GEIMA) Mário César Rocha Moreira (GGPAS) Ronaldo José Sena Camargos (Gabinete) Shirley Jacimar Pires (GPSO)
Equipe de Edição: • • • •
Celsiane Aline Vieira Araújo – Serviço Interno de Informação – SMAAS Vanuza Bedeti da Silva - Serviço Interno de Informação – SMAAS Érika Tamborini – Estagiária do Serviço Interno de Informação – SMAAS Rodrigo Furtini – Designer Gráfico – MOBS
Crianças e adolescentes com trajetória de vida nas ruas de Belo Horizonte e as potencialidades e desafios do acolhimento institucional: uma proposta de formação. O processo se deu através de parceria com a entidade “Inspetoria São João Bosco”, organizado por Clarissa Valadares Cunha, psicóloga e mestra em psicologia. ELABORAÇÃO Mônica de Cássia Barbosa Tófani*
As crianças e adolescentes com trajetória de vida nas ruas trazem peculiaridades e um modus
APRESENTAÇÃO Com o presente artigo traçaremos uma análise acerca do processo formativo desenvolvido com os profissionais das unidades de abrigo conveniadas com a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte que atendem crianças e adolescentes sob medida de proteção especial, uma vez que houve uma reconfiguração do seu público-alvo, acrescendo aos mesmos o atendimento às crianças e adolescentes com trajetória de vida nas ruas da cidade. A Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, através da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social / Gerência de Promoção e Proteção Especial / Gerência de Proteção Especial / Programa de Abrigo e Famílias Acolhedoras, mantém convênio com unidades de abrigo para crianças e adolescentes sob medida de proteção com capacidade para 400 atendimentos/mês. Uma das ações de reordenamento da política de Abrigo prevê o atendimento do público com trajetória de vida nas ruas em todas as unidades conveniadas. Para tanto, identificou-se a necessidade de um módulo de capacitação referente ao tema.
vivendi muito próprio, bem marcado pelo contexto da rua. Fazem das ruas ou de outros espaços públicos seu local de moradia, sobrevivência e convivência.
Mais ainda, conforme Filomena
Gregori (2000), fazem dela [a rua] o lugar que ordena
seu
cotidiano,
suas
relações
e
sua
identidade. Trata-se de jovens que apresentam esgarçados seus vínculos familiares, sociais e comunitários, estabelecendo uma outra socialização na/da rua. Para viver, sobreviver e relacionar neste contexto, constroem códigos, apreendem (ou aprendem?) linguagens e ferramentas – o que propicia-lhes comportamentos e relações singulares. Toda esta vivência e aprendizado da rua são transportados e revividos quando em situação de acolhimento institucional. Sendo necessário, assim, a
maleabilidade
dos
profissionais
destas
instituições, com vistas ao entendimento das vivências de rua e da construção de metodologias de trabalho que acolham e potencializem este aprendizado, direcionando-o à emancipação destes sujeitos. Consideramos que a expressão “trajetória de vida nas ruas” remete a um percurso construído pelas crianças e adolescentes, a uma situação de vida e não a uma essência, nem a uma identidade rígida e fixa. Neste sentido, vale ressaltar as possibilidades de novos traços identitários e de *
Assistente Social, Especialista em Gerência de Assistência Social pela Fundação João Pinheiro – Escola de Governo , Gerente de Proteção Especial da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte.
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referências mais autônomas que podem ser construídas junto aos abrigos.
3
O abrigo torna-se, assim, um espaço
desenvolvimento da capacitação. Os encontros
privilegiado neste percurso, visto que permite ao
seguiram a seqüência abaixo:
adolescente e à criança um distanciamento da
1º. Encontro: Levantamento, junto aos profissionais
realidade da rua, fornece todos os provimentos
dos
necessários a sua subsistência, bem como cria uma
necessidades quanto à capacitação.
rede com novos laços de sociabilidade, podendo
2º. Encontro: Criança e adolescente com trajetória
construir projetos alternativos de vida.
de vida na rua: conceitos, definições e panorama .
Diante da possibilidade e potencialidade do
abrigos,
das
demandas,
expectativas
e
3º. Encontro: O trabalho em rede: possibilidades e
acolhimento institucional às crianças e adolescentes
desafios
com trajetória de vida nas ruas, construímos uma
4º. Encontro: Serviços para criança e adolescente
proposta de formação continuada dirigida aos
com trajetória de vida nas ruas: metodologia e
profissionais das unidades de abrigo parceiras do
fluxos.
município de Belo Horizonte.
5º. Encontro: O atendimento às adolescentes com
Desenvolvemos um primeiro módulo contendo temas
primordiais
recorrentes
no
cotidiano
trajetória de rua: a questão de gênero 6º.
Encontro:
Drogadicção:
concepções
e
profissional dos abrigos e também referentes à
enfrentamento
trajetória de rua. Todo o processo formativo partiu
7º. Encontro: Avaliação, fechamento e construção
dos seguintes objetivos:
de diretrizes metodológicas para o atendimento
•
Compreender a infância e adolescência
criança / adolescente com trajetória de vida nas ruas
com trajetória de rua, bem como o perfil
Delineamos uma reflexão sobre este primeiro módulo do processo formativo, ressaltando o
destes jovens; •
refletir
sobre
as
possibilidades
de
atendimento e metodologias de trabalho ; •
promover o conhecimento dos serviços,
primeiro encontro, tendo em vista que o mesmo nos apontou as carências e potencialidades do grupo. O primeiro encontro foi dividido em dois
estrutura e fluxo de atendimento às
momentos.
Inicialmente, buscamos conhecer as
crianças e adolescentes com trajetória de
concepções, preconceitos, mitos e idealizações que
vida nas ruas desenvolvidos pela PBH.
o grupo trazia acerca da adolescência e infância
Este primeiro módulo contou com sete (7)
com trajetória de vida nas ruas. Estabelecemos de
encontros, nos quais foram abordados temas
forma interativa, dialógica e livre de coerções, um
específicos desenvolvidos por meio de aulas
espaço
expositivas, grupos de discussão, vivências e visitas
“meninos(as) de rua”.
para
exposição
de
opiniões
sobre
à unidade do Miguilim Cultural. Os temas foram
Partindo de uma tempestade de idéias,
sugeridos previamente pela equipe do programa de
pedimos ao grupo que nos expressasse a primeira
Abrigo da Secretaria Municipal Adjunta de
palavra que lhe viesse acerca de “meninos de rua”.
Assistência Social, desenhando um cronograma
As palavras ou expressões apresentadas foram:
flexível que contemplasse a inserção das novas
abandono, medo, desamparo, desestrutura familiar,
demandas
ameaça, ajuda, drogas, violência, fragilidade,
apresentadas
pelo
grupo.
Este
cronograma foi remodelado após o primeiro
moradia,
insegurança,
descaso,
desemprego,
encontro com os profissionais dos abrigos, no qual
desigualdade social, política, acolhimento, risco,
houve sugestões de novas temáticas para o
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2008, 38 p.
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desespero, frustração, indignação, impotência e
nível de argumentação e os temas que consideram
sujeira.
importante abordar no processo formativo. O grupo
Este exercício nos direcionou para uma
se mostrou bastante envolvido com as proposições,
primeira representação que o grupo desenha sobre
revelando muito interesse em sanar as fragilidades
as crianças e adolescentes com trajetória de vida
da sua lida profissional.
nas ruas. As idéias apresentadas revelam duas
O planejamento que havíamos proposto já
posições antagônicas: ora concebem o adolescente
contemplava
com trajetória de rua como um algoz, que aterroriza
sexualidade, relação grupal e o trabalho em rede .
e violenta, que intimida e causa apreensão; ora
No entanto, devido à urgência em que remetiam à
como vítima passiva, sujeita a um sistema desigual
dificuldade em lidar com a drogadicção, optamos
e opressor. Nenhuma das expressões denota
por acrescentar esta temática como pauta deste
possibilidades ou potencialidades ao se prenderem
primeiro módulo.
ao estigma “trajetória de vida na rua”, filtram a
muitas
Consideramos
destas
que
demandas,
todas
as
como
temáticas
infância e a adolescência. Ao se enfatizar a
sugeridas são de grande relevância e merecem
adjetivação, parece escorrer a potencialidade da
ampla reflexão. Algumas foram abordadas e
idade, tornando distante a correlação entre a
discutidas pelo grupo, porém avaliamos como uma
adolescência do próprio filho e a adolescência na
reflexão
rua. Tal assertiva mostra o delineamento que o
aprofundamento maior nas temáticas, mostrando
grupo apresenta sobre os adolescentes e crianças
novas
com trajetória de rua, no qual pendem em posições
necessidade de os próximos módulos tratarem das
que variam da piedade ao medo. Mais adiante,
demais temáticas sugeridas pelo grupo.
inicial
perspectivas
que
e
necessita
abordagens.
de
Além
um
da
trataremos de um conceito discutido no processo
Todos os encontros foram ricos e com a
formativo – a viração, que muito se relaciona com o
participação do grupo. Houve grande empenho e
posicionamento dos profissionais dos abrigos, posto
zeloso cuidado da equipe de supervisão, bem como
que, os adolescentes, por meio da prática de “se
de todos os profissionais da PBH que se
virar”, transitam pelas representações construídas
envolveram no trabalho, o que permitiu um
sobre os mesmos, agindo por vezes como algozes,
ambiente acolhedor e profissional.
ou como meninos carentes, como trombadinhas ou
Alguns fatores se mostram dificultadores de
pobres famintos. Neste sentido, muito importa as
um maior aprofundamento nas temáticas. O grupo
percepções traçadas sobre os adolescentes uma vez
tem um perfil sócio-cultural muito heterogêneo,
que é partindo delas que os mesmos constroem sua
com pessoas de escolaridade variada e categorias
interação com a instituição ou o profissional.
profissionais diversas. Este fato enriquece de
No
segundo
momento,
partimos
de
sobremaneira o processo grupal, nos faz esbarrar
expressões do senso comum, frases feitas ou
nas diferenças e promove um exercício de melhora
jargões que nos serviram como mote para uma
da comunicação, além na potencialidade de troca.
reflexão mais ampla. Dentre outras, algumas frases
No entanto, como já dissemos, trata-se de um
que remetiam à vida na rua, à sexualidade do
processo e a heterogeneidade do grupo faz com que
adolescente, ao uso de drogas, à relação familiar e à
o mesmo seja um pouco mais lento, exigindo dos
violência foram problematizadas. Estes temas nos
expositores uma linguagem ampla e clara, além de
propiciaram conhecer os interesses do grupo, o
uma percepção do alcance de sua fala, de forma que
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2008, 38 p.
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seja compreendida por todos. Neste sentido, é que
primeira referência à expressão feita em publicação
avaliamos
como
nacional em 19791, sendo consolidada na década de
introdutório, uma espécie de socialização, na qual
80, período de efervescente discussão e grande
todo
notoriedade do tema. É uma expressão bastante
o
este
grupo
primeiro
passa
a
momento
compartilhar
de
conhecimentos similares, o que propicia, a partir de
arraigada
então, o aprofundamento das temáticas.
interlocutores
Os temas abordados foram relevantes e
e
difundida
entre
sociais,
sendo
os
diversos
unânime
o
entendimento: designa um estrato social formado
tratados com propriedade pelos convidados. Trata-
por
se de alguns temas tabus (como sexualidade,
“perambulam” pelas ruas, fazendo destas seu
drogadicção, vida na rua) que exige maior
espaço de moradia.
maleabilidade
do
expositor
para
não
crianças
e
Trata-se
criar
de
adolescentes
jovens
pobres
que
que
apresentam
resistência no grupo e alcançar seus objetivos. De
esgarçados os seus vínculos familiares, sociais e
forma geral, os encontros alcançaram a meta de
comunitários, estabelecendo uma nova socialização
problematizar a temática e iniciar uma reflexão
na rua. Esta pode ser caracterizada pelos muitos
teórico-prática.
indicadores como aparência, uso de drogas,
Retornando à concepção inicial que o grupo
fragilidade dos vínculos familiares, etc. Mas a estes
apresentou sobre a adolescência com trajetória de
acrescemos duas características fundamentais da
vida na rua, buscamos compreendê-la por meio de
‘vida na rua’: a viração e a circulação, que dizem da
dois conceitos importantes na elucidação de tal fato
relação travada entre os adolescentes, a cidade e
social: a circulação e a viração.
seus personagens.
A partir da experiência e interlocução com
Viração e circulação são dois conceitos
adolescentes que têm uma trajetória de vida nas
desenvolvidos por Gregori (2000) a partir de uma
ruas, bem como de uma revisão bibliográfica,
pesquisa etnográfica com “meninos de rua” em São
pudemos verificamos que o contexto da rua, com
Paulo.
suas dificuldades e prazeres, gera um modus vivendi
apresenta
muito próprio. Para viver, sobreviver e relacionar
representando
neste contexto, é necessário partilhar um código,
abordagem do fenômeno.
A autora, por meio desses conceitos, os
meandros um
da
grande
‘vida salto
na
rua’,
teórico
na
apreender(aprender?) uma linguagem, estabelecer
O termo viração foi retirado da linguagem
um diálogo com o espaço urbano e seus atores
coloquial referente à prática de “se virar” para
sociais.
sobreviver e, segundo Gregori, diz respeito:
Trata-se de um fenômeno persistente nas grandes cidades brasileiras, mas em cada momento
“ao processo singular das experiências
histórico reconhecido e nomeado de modo diferente
travadas pelos meninos na rua: as diferentes
– menores abandonados, delinqüentes, meninos de
imagens produzidas sobre eles por discursos
rua, pivetes, adolescentes em situação de rua,
e ações sociais variados são incorporadas e
adolescentes com trajetória de vida na rua, dentre
atualizadas nas relações concretas que eles
outros.
estabelecem, sem que haja a escolha de alguma em particular.” (2000, p.18)
A expressão “meninos de rua” é amplamente utilizada e compartilhada por todos os segmentos sociais. Maria Filomena Gregori (2000) aponta a 1
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Livro publicado por Rosa Maria Fisher Ferreira.
6
Os (as) meninos (as) de rua transitam por
circulando pela cidade, pelas instituições que
esta relação ambígua. A partir das representações
prestam assistência, pelos centros de internação,
que se constroem sobre os mesmos, eles(as)
delegacias especializadas, retornos para casa,
balizam seus comportamentos e ‘identificações’.
enfim, num constante movimento. Gregori salienta
Seguindo as referências simbólicas e materiais que
que:
lhes esbarram, sem estabelecer uma relação linear, ora agem como aterrorizantes trombadinhas, ora
“(...) o padrão de suas vivências é pautado
como delinqüentes, ora como pobres famintos e
por esta circulação constante: da mesma
carentes, etc. Para cada interlocutor ou contexto,
maneira que a maioria deles não abandona
um comportamento que vai da vítima ao algoz.
em definitivo suas famílias, não abandona
Deste modo, o recurso da viração não se restringe à
também as instituições e agrupamentos com
sobrevivência, mas, como mostra Gregori (2000), é
os quais convive. O “não abandonar”, no
também uma forma de diálogo e comunicação com
entanto, não significa “se fixar”, implicando
os demais atores sociais e com a cidade, onde se
uma substituição.”( 2000, p.72).
posicionam de várias formas não excludentes. Compreendemos que a viração é uma das
A circulação é observada, também, em
muitas práticas brasileiras de mediar e enfrentar a
muitas histórias de vida e familiar destas crianças e
opressão, a rigidez e inacessibilidade às leis.
adolescentes. Trata-se de um processo anterior, a
Práticas compartilhadas pelos diversos atores
“circulação de crianças”, que parece se atualizar nas
sociais, não sendo exclusivas da rua. Em cada
ruas. Uma espécie de “padrão urbano popular”,
contexto encontramos uma variação deste estilo:
muito comum entre famílias pobres, nas quais por
temos o “jeitinho brasileiro”, a malandragem, a
motivos diversos (desemprego, morte de um
ironia, o “sabe com quem está falando?”, a
familiar,
novo
mandinga, a vadiação e a ginga. Segundo Roberto
circulam,
ora
Damatta
e
instituições, enfim, ainda no âmbito da “casa” já se
arbitrariedades que propiciam o aperfeiçoamento de
anuncia o esgarçamento de vínculos familiares e
“um modo, um jeito, um estilo de navegação social
comunitários próprios da “rua”. Assim, em grande
que passa nas entrelinhas desses peremptórios e
parte, tanto as vivências familiares quanto as da rua,
autoritários ‘não pode!’(1986, p.99)”.
estão marcadas pela circulação.
(1986)
são
as
contradições
Dessa forma, a viração não se constitui em
A
casamento, ficam
circulação
etc),
com
pela
as
amigos,
cidade
crianças parentes,
está
muito
um cinismo, mas em um diálogo travado na rua,
relacionada à própria dinâmica urbana, muitos
com um caráter mediador capaz de conciliar
atores sociais estão diretamente envolvidos em tal
dicotomias
público/privado,
mobilidade. Como exemplo, crianças e adolescentes
rico/pobre), e que parte de um léxico autorizado e
‘ocupam’ algum ponto da cidade, até que este deixe
construído por seus interlocutores. É uma forma de
de ser próprio para “viver” e daí migram para outro
“conversar” e resistir, um arranjo que permite
lugar. O ponto deixa de ser apropriado por motivos
operar um sistema contraditório e impessoal.
vários como: vizinhança intransigente, presença de
(pessoal/impessoal,
Junto
à
prática
da
Viração,
outra
policias,
dificuldade
de
ganhos
assistenciais,
característica marcante da vida nas ruas é a
descoberta de novo lugar, etc. Isto denota a forte
circulação.
relação entre circulação e viração, pois é,
Os(as)
meninos(as)
estão
sempre
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2008, 38 p.
7
sobretudo, nas interlocuções com os diversos atores
abrigos e seus profissionais se tornam importantes
urbanos
sujeitos na construção de crianças e adolescentes
(educadores,
religiosos,
polícia,
pedestres...)
que
a
comerciantes, circulação
se
estabelece. Como afirma Gregori, “eles ‘se viram’
com trajetórias tecidas com novos laços e vinculações sociais mais autônomas.
circulando”. Nesse
sentido,
interlocução
é
estabelecida
notória entre
a
constante
crianças
e
adolescentes com trajetória de rua, os demais atores sociais e o espaço urbano.Este grupo estabelece, assim, a partir de uma relação com a cidade, um novo
texto,
compreendido
por
estratégias,
resistências, posturas e visões de mundo.E é neste diálogo, com a gramática da rua, que se vive esta “adolescência”. Diante do tamanho espectro da viração e circulação na vida das crianças e adolescentes com trajetória de rua, torna-se necessário que as instituições de atendimento apropriem destes conceitos, observando este processo e avaliando sua participação na manutenção ou transformação do mesmo - uma vez que participam ativamente da circulação e são coadjuvantes das práticas viradoras crianças e adolescentes com trajetória de vida na rua. Dessa forma, fica notória a repetição de um modus operandi por parte dos muitos segmentos sociais que interagem com os adolescentes e crianças com trajetória de rua, construindo um roteiro circular de atuação, que pode ser manutentor de um status ou propiciador de uma grande transformação. Percebemos uma trama ideológica muito bem construída e sutil, tendo em vista que é apoiada, justificada e reproduzida pelas grandes instituições reguladoras (igreja, família, escola, ciência, entidades, dentre outras). Tal concepção nos remete a grande necessidade de reflexão e de aprimoramento de uma prática educativa libertadora e emancipatória, de forma a romper com os ciclos viciosos dessa trajetória social. Nesse sentido, os
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2008, 38 p.
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Família: questões contraditórias e ao mesmo tempo desafiantes para a assistência social Na sociedade brasileira, são amplamente ELABORAÇÃO Kátia Zacché2 Mara Rúbia de Souza Albano Felix3 Soraia Pereira de Souza4
reconhecidas as profundas mudanças que vêm ocorrendo nas famílias, ainda que muitas vezes idealizadas no modelo “família nuclear”, ou seja, heterossexual, monogâmica e patriarcal, entre outras.
Essas
alterações
dizem
respeito
principalmente à redução no número de filhos, ao aumento de divórcios e uniões consensuais, ao crescente aumento de chefia feminina e de famílias monoparentais,
promovendo
alterações
no
tradicional papel da mulher e do homem nesta família. A família enquanto uma construção social e simbólica,
remete-nos
a tentar
compreendê-la
também enquanto relações de parentescos que são, por sua vez, estruturantes da vida social. Foi LéviStrauss quem iniciou o processo de desnaturalização do conceito de família. Este autor, no seu estudo sobre “As estruturas elementares do parentesco”, demonstrou que o fator biológico não poderia ser o 2
Psicóloga, Especialista em Gerência de Assistência Social pela Fundação João Pinheiro – Escola de Governo. Supervisora do Programa Liberdade Assistida da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. 3 Assistente Social formada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Gerência de Assistência Social pela Fundação João Pinheiro – Escola de Governo. Especialista em Análise Urbana pela Universidade Federal de Minas Gerais – Escola de Arquitetura. Atual Coordenadora da Equipe de Acompanhamento Técnico Metodológico dos Núcleos de Apoio à Família/Centros de Referência da Assistência Social – NAF/CRAS –SMAAS/PBH. 4 Socióloga formada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Gerência de Assistência Social pela Fundação João Pinheiro – Escola de Governo. Atual Coordenadora do Centro de Referência da Assistência Social/CRAS – Núlceo de Apoio à Família/NAF da região Norte/Conjunto Felicidade, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
principal foco de análise da família. Sem dúvida o parentesco é um fato social que ultrapassa os laços de consanguinidade e de descendência. Unidades familiares formam-se, também, através de laços de aliança, confiança e afinidade entre grupos. Independente da estrutura que se tem, é no seio familiar que se articulam os papéis, estabelecem as alianças, o princípio da troca e da reciprocidade, dividem-se
tarefas,
recursos
e
articula-se
a
sociabilidade, a convivência e os cuidados com as crianças, com os idosos e o protagonismo dos jovens. O poder disciplinador da família perdeu força na atualidade. As tarefas e responsabilidades antes
9
identificadas como próprias da famílias cabem agora
que elabora-se políticas de intervenção?.??????
a um conjunto social ampliado de atores: Estado,
Parágrafo sem conclusão (Qual o segundo ponto)???
mercado e a própria família.
A família passa a se constituir numa
A família, pois, assume uma nova função
importante
instituição
para
as
sociedades
social com profundas mudanças sócio-culturais, que
contemporâneas, uma vez que nem o mercado e nem
produzem reflexos dentro e fora da família, e essas
o Estado se encontra capaz de incorporar e trabalhar
mudanças nos instigam a questionar sobre a função
igualmente
da família na construção de uma sociedade mais
pertencentes a esse novo núcleo familiar. E,
organizada e equilibrada.
fundamentalmente, porque existem necessidades que
as
necessidades
dos
indivíduos
Tais mudanças, de um lado, acabaram por
vão para além daquelas oferecidas por esses dois
alterar os tradicionais mecanismos de solidariedade
atores, ou seja, existem bens que podem ser
familiar, essenciais para a proteção e a socialização
ofertados somente pela família dada a sua condição
dos indivíduos no nível primário. Por outro, são
de provedora de afeto, socialização e proteção.
associadas a novas condições de risco, onde se
Todavia, é sabido que a promoção do bem-
identificam dificuldades cada vez maiores quanto ao
estar dos indivíduos depende da existência de
cuidado e orientação dos filhos, escolarização e
arranjos
menor inserção no mercado de trabalho, aspectos
contradição que nos desafia a pensar instrumentais
que colocam a família em situação de extrema
eficazes para atuação nos novos arranjos familiares.
vulnerabilidade,
especialmente
as
famílias
pauperizadas.
familiares
mais
estáveis.
E
é
esta
Diante disso, devemos nos ater ao fato de que ao mesmo tempo em que a família é vista como um
A partir desse redesenho da família, o tema
ator fundamental no combate a pobreza e à exclusão
vem se tornando cada vez mais objeto e instrumento
social, essa mesma família está em risco e apresenta
para a formatação e gestão das políticas públicas
uma gama de vulnerabilidade que a deixa frágil para
pela sua nova conformação e sem dúvida pelas
proteger os seus membros. A centralidade que a
sucessivas crises que enfrentam os estados de bem-
família vem ocupando na discussão e formulação de
estar, sejam elas de natureza fiscal, ideológica e de
políticas públicas de inclusão e combate à pobreza
legitimidade.
no Brasil coloca em pauta as implicações e
A relação entre estado de bem-estar social e
limitações advindas dessa centralidade.
família contribui para uma maior visibilidade da
A partir dessa constatação, formas de
questão da família, que pode ser abordada a partir de
intervenção e novos instrumentais começam a ser
dois pontos. O primeiro aponta para uma reflexão
fundamentais para operar no ciclo mutável da vida
acerca de responsabilidades do estado na provisão
familiar, uma vez que não se pode ignorar o fato de
das famílias, ou seja, de que forma a regulação do
que as famílias são diferentes entre si, tanto na sua
estado afeta o que na formação da família e ao
organização quanto na forma de resolver os
mesmo tempo? Provocar as transformações no
problemas da vida cotidiana. A família muda em
núcleo família passam a influenciar no instante em
decorrência
de
pressões
internas
e
externas,
promovem a competitividade dentro do seu seio
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
10
familiar e se reestrutura facilmente em decorrência
programas e projetos de atendimento às famílias face
de vários fatores.
ao privilégio concedido à forma atomizada de ação”
No tocante a política de assistência social, os desafios
estão
postos,
seja
diante
(TAKASHIMA, 1998, p.82).
dessa
Os recursos humanos que, em sua maioria,
multiplicidade de fatores que compõe o núcleo
ainda se encontram pouco capacitados para atuarem
familiar, seja devido à necessidade de se criar um
na diversidade e, não raro as vezes, introduzem nas
elenco de técnicas e instrumentais que permitam,
atividdes em que executam o próprio imaginário que
primeiramente, nos debruçarmos no entendimento e
o sustenta empiricamente e suas ações passam a ser
analise dessa nova família e, posteriormente,
derivadas de seu próprio existencial.
trabalharmos na construção de procedimentos e
Retomemos pois à pergunta anterior, ou pelo
instrumentais eficazes para intervirmos nela e com
menos à pergunta base, não deixando de pensar nas
ela de maneira pouco invasiva e com eficiência.
demais: os instrumentais utilizados estão sendo
Dentro da diversidade que é o trabalho com
eficazes, considerando a centralidade da família na
famílias, perguntas se multiplicam: se a centralidade
política? Eles possuem elementos que favorecem na
é
situações
descoberta de potenciais, mesmo que de membros
desagregadoras, fatores exógenos e multiplicidade
isolados, mas que produzam resultados benéfícos
de elementos agregadores bem como trabalhar esse
para todo o grupo familiar? Inovar onde?
na
família,
onde
acontecem
turbilhão de questões utilizando o instrumental de
Takashima (1998) nos aponta, ainda, que o
grupos e oficinas? Diante destas incertezas, um
trabalho sócio-educativo através do atendimento às
ponto fundamental é estudar e intervir globalmente
necessidades básicas, articulado com a organização
junto aos membros da família de modo que a
comunitária, pode ser uma saída. A estratégia,
responsabilização por todas as questões seja diluída
portanto, mesmo que as questões postas pelo núcleo
no próprio núcleo familiar, sem reforçar traços
familiar
negativos ou positivos de membros isolados.
esclarecimento, a informação sobre pontos básicos,
Portanto, ao atendermos a família, teremos que
tais como direitos sociais, pertencimento ao local
categorizar elementos que agregados nos permita,
onde moram, entre outros, o que irá favorecer a
acertivamente, acreditar que estamos atendendo a
aproximação interna do grupo e do núcleo familiar
família e não os seus membros isoladamente.
propriamente dito, mesmo que a trajetória cultural e
Há um descompasso entre o discurso e a prática no atendimento e na priorização da família.
sejam
complexas
é,
inicialmente,
o
o poder aquisitivo sejam diferentes. Feita
essa
análise,
através
de
uma
Takashima cita duas questões fundamentais que
metodologia dialógica, aberta e não determinada,
precisam ser enfrentadas. Os parcos recursos
que a inserção da família em grupos faz-se, agora,
financeiros que são incapazes de atender as
importante. Presume-se que a partir de um trabalho
necessidades básicas detectadas no grupo familiar
inicial voltado para a informação mais ampla e
em situação de risco e vulnerabilidade social, o que
conceitual, o público envolvido possa compreender
pode
ao certo a importância e as possibilidades de
resultar
em
atendimentos
residuais
e
inconstantes; “[...] redução na convergência dos
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
11
mudanças que poderão ocorrer no seu cotidiano
possível atingir somente com o olhar técnico,
familiar.
qualificado diante de uma só política setorial.
Propõe-se, então, a elaboração de um “(...) a família é uma instituição social
diagnóstico do núcleo familiar. A idéia, aqui
hierarquicamente
defendida, é a de que a partir de elementos
condicionada
e
dialeticamente articulada com a sociedade na
embasadores, retirados do próprio núcleo familiar,
qual está inserida. Isto pressupõe compreender
possamos, aos poucos, inserí-los num processo de
as diferentes forma de famílias em diferentes
enriquecimento mútuo, sem que isso venha inibir a
espaços de tempo, em diferentes lugares, além
sua capacidade criativa e de conquista do seu espaço
de percebê-las como diferentes dentro de um
dentro da multiplicidade da vida cotidiana.
mesmo espaço social e num mesmo espaço de
A ação da assistência social em Belo
tempo” (MIOTO, 1997, p.128).
Horizonte, quando muda o seu foco para o trabalho com famílias, acompanhando as diretrizes da Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da
A retomada da importância da família no
Assistência Social (LOAS) e, mais recentemente, a
campo das políticas públicas e a constatação de que
Política Naciobal de Assistência Social (PNAS) e o
esta pode atuar como instrumento de inclusão social
Sistema Único da Assistência Social (SUAS), ao
dos núcleos familiares socialmente críticos, tráz para
mesmo tempo que propõe o seu fortalecimento
o cenário atual o resgate de questões antigas, mas
dentro das novas e antigas relações sociais, inova na
não superadas, ou seja, o núcleo familiar, por mais
compreensão ampla sobre essa família, na sua
desarranjado que possa parecer, ainda é o viés mais
composição, bem como no papel que ocupa na tríade
adequado para iniciarmos qualquer intervenção
da seguridade social. A partir de então, a política de
técnica no seu interior, ou seja, a família é o melhor
assistência passa a ser orientada para um conjunto de
instrumental para o trabalho com família.
ações dentro dessa nova ótica, discutindo uma nova prática profissional com famílias. A tendência em se discutir e conceituar a família a partir da concepção particular de cada um acerca do tema ainda é muito comum, mas ressaltamos que as diretrizes da política nos levam a pensar que estas não significam qualquer ação que se inclua a família, ao contrário, exigem ações
Para tanto, as políticas dirigidas às famílias, comprometidas com a sua inclusão social, devem facilitar-lhes o processo de tomada de decisões quanto
às
suas
vidas,
mobilizando
nelas
a
recuperação da capacidade de agir. O grupo familiar não deve ser apenas objeto de intervenção das políticas, mas, também, sujeito ativo em sua capacidade de provisão de bem-estar.
específicas com instrumetais específicos para um trabalho que ao mesmo tempo em que se especifica, também se apresenta bastante abrangente.
“Sem dúvida que uma nova configuração institucional potencializando a intersetorialidade e
A família ocupa, então, o lugar central nas
descentralização dos serviços básicos visa buscar
políticas públicas em especial na política social,
formas de programas sociais que facilitam a
porque por ela perpassam questões que não é
participação popular e, nesse caso, a família, muitas
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
12
vezes, assume o papel de unidade de representação de interesses dos indivíduos” (SOUZA, 2000, p.8). Vale ressaltar que a mulher, ao assumir o
ESPING-ANDERSEN, G. O futuro do Welfare State na nova ordem mundial. Lua Nova, n.35, 1995. ___________________. Fundamentos socialis de las economias postindustriales. Barcelona: Ariel, 2000.
papel de provedora do núcleo familiar, dentre outros tantos papéis, passa a influenciar diretamente no formato das politicas sociais, bem como exigir destas políticas, programas voltados para facilitar a sua inserção no mercado de trabalho, além de trabalhar para aumentar a cobertura na pré-escola, aumento da jornada escolar, programas para adolescentes entre outros. Estas coberturas afetam não o indivíduo isoladamente, mas a todo o núcleo familiar. A proposta da Política de Assistência Social de Belo Horizonte em fazer dos seus diversos programas e projetos a porta de entrada para os seus próprios serviços ilustra muito bem a preocupação em trabalhar o núcleo familiar, criando nele o impacto
da
inserção/inclusão,
disponibilizando
instrumentos para que ele possa se prover de recursos e sair do estágio inicial antes da intervenção do estado. Nessa lógica, analisamos a família como uma instituição que atua redistribuindo recursos entre os seus membros, logo atingindo todos do seu núcleo familiar mesmo que não beneficiário diretamente.
FARIA, Carlos Aurélio Pimenta (2001). Fundamentos para a Formulação e Análise de Políticas e Programas de Atenção à Família”. In. Stengel, Márcia et al. (Orgs ). Políticas Públicas de Apoio SócioFamiliar. Belo Horizonte, Ed. Da PUCMinas, pp.43-70. MIOTO, Regina Célia Tamaso. Família e Serviço Social: contribuições para o debate. Revista Serviço Social e Sociedade , nº55, p.114-130. 1997. SARTI, Cynthia A. Família e individualidade: um problema moderno. In: ______. família contemporânea em debate. 3. ed.. São Paulo: Cortez .2000. SILVA, Luis A. Palma e; STANISCI, Sílvia Andrade; BACCHETTO, Sinésio – Brasília: Ministério da Previdência e Assistência Social, Secretaria da Assistência Social, Esplanada dos Ministérios – MPAS/SAS, pp. 31-38, 1989. SOUZA, Marcelo Medeiros Coelho de . A importância de se conhecer melhor as famílias para a elaboração de políticas sociais na América Latina.[S.L.]: IPEA, 2000. (Texto para Discussão, Nº. 699.) TAKASHIMA, Geney. O desafio da política de atendimento à família: dar vida às leis – uma nova questão de postura. In: KALOUSTIAN, Silvio (Org.). Família brasileira a base de tudo. 3ed. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: Unicef, 1998.
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SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
13
A inclusão produtiva no âmbito da assistência social Desde 1993, a Política Municipal de Assistência ELABORAÇÃO Ana Maria Soares Wolbert 5 Ralise Cássia Macedo 6
Social investe, em Belo Horizonte, nas ações de qualificação profissional, em parceria com entidades sociais, com vistas ao fortalecimento destas ações
APRESENTAÇÃO Este artigo tem por objetivo refletir sobre a interseção entre o Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda – SPETR e o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, no que se refere a inclusão produtiva. O primeiro, com a diretriz da municipalização, estrutura a Política de Trabalho, Emprego e Renda sob o princípio da inclusão social. O segundo tem por objetivo legal a promoção da integração ao mercado de trabalho de seus usuários. Em Belo Horizonte, a Política de Assistência consolidou ações e investimentos em qualificação profissional, intermediação de mão de obra de pessoas com deficiência e apoio a grupos produtivos. Superar a duplicidade de investimentos e a fragmentação das ações na busca da eficiência na promoção da inclusão produtiva e a formulação de estratégias de integração com políticas setoriais, deve estar na pauta de debates do SUAS-BH.
voltadas para segmentos da população de baixa renda e em situação de desemprego ou subemprego. Estes investimentos foram reafirmados com a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social, Lei Federal n.º 8742, de 07 de dezembro de 1993, que atribuiu a esta política o objetivo da integração dos seus usuários ao mercado de trabalho. Neste contexto, fez-se necessário a formulação de uma proposta que organizasse as ações de qualificação profissional com base no conceito de inclusão produtiva no âmbito da assistência social. As ações de Inclusão Produtiva, na forma como estão atualmente constituídas na Secretaria Adjunta de Assistência Social, organizam-se a partir da reforma administrativa da prefeitura, que define a criação e competências da Gerência de Inclusão Produtiva, através do Decreto Municipal 10554/2001. O mesmo define que dentre as competências desta gerência está a atribuição de estabelecer diretrizes e normas gerais para efetivar projetos de combate à pobreza, assim como apoiar tecnicamente e orientar as ações de geração de trabalho e renda para os usuários da Política de Assistência Social. A partir de 1998, a Política Municipal de Assistência Social, com vistas à promoção do público assistido pelos programas e serviços, passou a investir em uma rede própria com a criação do Centro de Qualificação - QUALIFICARTE, tendo como referência um Projeto Político Pedagógico norteado pela formação integral do sujeito, envolvendo as dimensões laboral,
5
Assistente Social, analista de políticas públicas, Gerente de Inclusão Produtiva da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte. 6 Assistente Social, analista de políticas públicas da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte. SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
social e cultural. Este investimento se justifica pela ausência de iniciativas, na área da qualificação profissional, que respondessem às necessidades de formação de um público que, via de regra, apresenta-se em condições de vulnerabilidade social e/ou pessoal que
14
limita as possibilidades de acesso digno ao
fortalecimento das políticas de inclusão social por meio
mercado de trabalho.
do trabalho, emprego e renda com seletividade para os
Ainda que as ações de qualificação
segmentos populacionais mais vulneráveis. Afirma ainda
profissional não tenham passado, até o presente
que,
momento, por um processo de monitoramento e
descentralização das políticas públicas, a implantação do
avaliação amplo e sistemático, que gerasse dados
SPTER capilar, descentralizado e integrado às demais
precisos acerca de sua eficácia, é sabido que a
políticas setoriais, é necessário para a eqüidade e
qualificação profissional por si não assegura a
eficiência das ações do Estado.
conforme
inserção no mercado de trabalho. A experiência com as ações de qualificação
preconiza
a
CF/1988
acerca
da
Neste sentido, o município de Belo Horizonte iniciou
sua
reorganização
político-
administrativa
profissional, apoio a formação de grupos de
criando, em 2003, um serviço de orientação e
produção e a observância no debate nacional,
intermediação de mão para o público beneficiário das
principalmente no âmbito do Ministério do
políticas sociais. Em 2005, criou uma gerência de
Trabalho, em especial o II Congresso Nacional do
coordenação das ações trabalho, emprego e renda, com
Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda,
vistas a superar a superposição, a fragmentação e a
leva a afirmar que promover a inclusão produtiva
duplicidade das ações na área do trabalho, emprego e
requer a constituição de um Sistema Público que
renda, em especial na qualificação profissional. Em 2006,
estruture técnica, política, administrativa e
foi criado um grupo técnico gerencial de Coordenação
financeiramente, ações e serviços complementares
Municipal
e articulados de:
participação
•
de de
Qualificação todos
os
Profissional órgãos
que
com
a
realizam
Qualificação Profissional voltada para o
investimentos na área. A Secretaria Municipal Adjunta de
emprego ou empreendedorismo, seja
Assistência Social passou a integrar este grupo em
individual ou coletivo;
conjunto com a Secretaria Municipal de Políticas Sociais
•
Intermediação de mão de obra – IMO;
e suas adjuntas, além da Secretaria Municipal de
•
Micro crédito;
Educação. O referido grupo tem a atribuição de formular
•
Seguro Desemprego;
e implementar o Programa Municipal de Qualificação –
•
Agências de desenvolvimento e pesquisa
PMQ, com o objetivo de estabelecer diretrizes políticas,
( Ex. Observatório do Trabalho).
sociais e pedagógicas para as ações desenvolvidas pela
Segundo Todeschini (2005), o SPETR deve se nortear pelo princípio do desenvolvimento
prefeitura. O PMQ, integrado ao Sistema Público de
sustentável com vistas à erradicação da pobreza e
Trabalho Emprego e Renda,
objetiva responder a
das desigualdades sociais, pelo fortalecimento dos
necessidade conjuntural de articular as ações de
serviços de funções ativas, ou seja, aquelas que
qualificação profissional com ações de intermediação de
promovem diretamente a inserção ou reinsersão
mão-de-obra e demais ações de promoção da integração
do trabalhador no mercado de trabalho como a
ao mercado de trabalho.
qualificação social e profissional, a intermediação
O PMQ contribui para a consolidação do Sistema
de mão de obra e o seguro desemprego; pela
Público de Trabalho Emprego e Renda, na medida que
integração das ações governamentais e não
propõe novas bases políticas, pedagógicas e de gestão
governamentais, sobretudo aquelas financiadas
para as ações de qualificação profissional, estabelecendo
com recursos da seguridade social e pelo
novos padrões para a certificação, conteúdos, grades e
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
15
planos de cursos e, ainda, planejamento, execução
Seguridade Social. Portanto, para o cumprimento do
e avaliação. Deste modo, qualifica as ações,
objetivo legal de integração ao mercado de trabalho, na
amplia o seu alcance, otimiza esforços e recursos
perspectiva da construção da autonomia emancipatória, é
e
vulnerabilizados
imprescindível para o Sistema Único de Assistência
socialmente da possibilidade de acesso ao
Social a definição do seu objeto na promoção da inclusão
trabalho, ao
renda. Esta nova
produtiva e as interfaces com políticas setoriais que
organização político-administrativa se pauta no
visem a superação da vulnerabilidade dos indivíduos e
princípio da inclusão social referendada na
famílias assistidas pelas políticas de proteção social, por
Resolução n.º 333/2003, do CODEFAT, que inova
meio de trabalho e renda.
aproxima
os
segmentos
emprego e
na qualidade pedagógica e na priorização dos segmentos
da
vulnerabilidade,
população dentre
em
estes:
situação pessoas
de
AGRADECIMENTOS
com
família,
Agradecemos à Cirlene Inês Rocha e Ricardo Mário
adolescentes autores de ato infracional, afro
Rodrigues pela valiosa contribuição na revisão deste
descendentes além dos beneficiários de políticas
artigo.
deficiência,
mulheres
chefes
de
sociais. Considerando que a Política Municipal de Assistência
Social
consolidou
ações
e
investimentos em qualificação profissional e geração de renda; que a efetivação da inclusão produtiva no atual contexto sócio econômico impõe
como
condição
de
sustentabilidade
integrar as Políticas Públicas de Trabalho, Educação, Assistência Social e Desenvolvimento e, a implantação do Programa Municipal de Qualificação Profissional, na perspectiva da consolidação do Sistema Público de Trabalho, Emprego
e
Renda,
faz-se
necessário
uma
redefinição do papel da Assistência Social na formulação,
implementação,
financiamento
e
execução de ações de INCLUSÃO PRODUTIVA. Ainda que a
Política Nacional de
Assistência Social define a inclusão produtiva como ação de Proteção Social Básica e as ações de trabalho protegido como Proteção Social Especial, é importante ressaltar que a diretriz do Ministério do Trabalho para o Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda é a seletividade para o público vulnerável, em especial aquele assistido pelas
políticas
públicas
financiadas
pela
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
16
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publicada no DOU em 28 de outubro de 2004, aprova a
Social. Inclusão Produtiva – Publicação da
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Secretaria Municipal de Assistência Social, Belo Horizonte, v. 01, n.30, p. 4-7, jul. 2003.
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da Assistência Social, n. 8.742 de 7 de
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dezembro de 1993, publicada no DOU de 8 de
Nacional: Sistema Público de Emprego Trabalho e
dezembro de 1993.
Renda, São Paulo: MTE, CODEFAT, FONSET, 2005.
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SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
17
A inserção da estratégia territorial na Política Pública de Assistência Social
ELABORAÇÃO Renata Silva Daniel Caldeira*
O crescimento das cidades e da economia urbana tem gerado desenvolvimento econômico, progresso tecnológico, além de novas formas de organização social e oportunidades culturais. Entretanto, dado o padrão e a dinâmica do processo de urbanização nos países em desenvolvimento, ao promover
o
crescimento
econômico,
o
desenvolvimento urbano também tem gerado um processo crescente de exclusão sócio-espacial. Indivíduos, famílias, grupos sociais, têm sido cada vez mais excluídos das oportunidades oferecidas nas cidades, devido a múltiplas formas de discriminação nos aspectos referentes à renda, raça, gênero, religião, entre outros. Em decorrência deste processo de exclusão social, tais indivíduos, famílias ou grupos, não têm tido acesso pleno aos serviços, infra-estrutura, equipamentos e vários outros direitos que os tornariam pertencentes efetivamente à economia e sociedade urbanas. Este processo de exclusão vem mostrando-se cada vez mais multifacetado, com múltiplas variáveis,
como
a
desigualdade,
pobreza,
desemprego, ausência de cidadania, entre tantas outras. Mas, para além destas variáveis, existe um aspecto da exclusão social que é territorial, uma vez que não se apresenta de forma homogênea nos diversos espaços da cidade. Sendo assim, a exclusão social pode ser compreendida como um processo de exclusão sócio-espacial.
Desta
forma,
reconhecer
este
processo, entendê-lo e identificá-lo é de grande utilidade para o planejamento e gestão das ações governamentais, uma vez que permite captar *
Assistente Social, Especialista em Gerência de Assistência Social pela Fundação João Pinheiro – Escola de Governo, Mestranda em Políticas Sociais pela Puc Minas, Analista de políticas públicas da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte.
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
diferenças, disparidades dentro da cidade que podem
orientar
a
tomada
de
decisões.
Normalmente, o que temos presenciado é que os governos não estão preparados para os problemas
18
gerados pelo aumento da população residente nas
econômicas, culturais. No máximo, até hoje,
áreas periféricas, causando assim, um colapso nos
considera-se o âmbito das cidades e
serviços públicos prestados aos moradores.
raramente
Os
instrumentos
parcelas
internas
destes
de
territórios. Aqui também prevalece o sentido
planejamento baseiam-se na idéia da definição de
genérico, em que as cidades são conhecidas
um modelo de cidade ideal ou satisfatório,
pelas suas médias e não pelas suas
traduzindo em índices como taxas de ocupação,
diferenças e desigualdades internas. (...) A
coeficientes de aproveitamento, tamanhos mínimos
proposta é discutir a introdução da variável
de lotes, etc. A adoção de padrões exigentes e de
território no exame da realidade para
difícil compreensão e a alta complexidade de
produção de políticas públicas voltadas para
Planos Diretores fazem parte de um quadro de
inclusão social, entendendo ser esta uma
hegemonia de uma visão tecnocrática na legislação
condição favorável à refundação do social
urbanística. Isso significa o tratamento da cidade
na sociedade brasileira, ao construir o debate
como um objeto puramente técnico, no qual a
sobre as condições de vida do território
função da lei seria apenas o de estabelecer os
como um dos instrumentos para concretizar
padrões
a redistribuição social no enfrentamento das
satisfatórios
de
tradicionais
as
qualidade
para
seu
funcionamento. Ignora-se dessa forma qualquer
desigualdades sociais (KOGA, 2003:19).
dimensão que reconheça conflitos, e muito menos a realidade, da desigualdade das condições de renda e sua influência. (Rolnik: 2000)
Pode-se notar que nessa afirmação, o território é considerado como um dos elementos
Uma das estratégias que atualmente começa
possíveis, para uma nova perspectiva de inclusão
a ser discutida com maior ênfase dentro das
social para orientar as políticas públicas. Parte-se
políticas públicas está assentada na chamada
do princípio de que as políticas públicas, ao se
territorialização das ações, com a elaboração de
restringirem à definição prévia e aleatória de
diagnósticos específicos sobre cada região que
públicos-alvos, ou demandas muito generalizadas,
necessita ser atendida por serviços públicos, a fim
apresentam graves limitações, no que se refere à
de buscar soluções para os problemas encontrados e
compreensão
aumentar a eficácia e efetividade das políticas
existentes nos diversos territórios que compõem
desenvolvidas, uma vez que estarão próximas às
uma cidade, e, assim, permitir maior efetividade,
comunidades, contribuindo, assim, para que as
democratização e conquista da cidadania.
ações propostas sejam mais adequadas à realidade e aos anseios da população local.
As
das
desigualdades
desigualdades
sociais
concretas
tornam-se
evidentes entre os cidadãos no território onde as condições de vida entre moradores de uma mesma
A tradicional visão genérica da pobreza alia-
cidade mostram-se diferenciadas, onde a presença
se a um outro legado da sociedade brasileira
ou a ausência dos serviços públicos se fazem sentir
que pouco tem se importado na sua história
e a qualidade destes mesmos serviços apresenta-se
com a questão territorial, o chão das
diferente.
relações
entre
os
se
Nos últimos anos, as políticas sociais têm
concretizam as peculiaridades, as diferenças
sido tema constante de debates que envolvem
e
discussões de seus processos de revisão e
desigualdades
homens,
sociais,
onde
políticas,
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
19
reconfigurações, envolvendo seus conteúdos e
No
histórico
sobre
o
processo
de
formatos, o que conseqüentemente gera um outro
planejamento da política pública de assistência
debate, que é a construção de seus instrumentos de
social, é muito comum que a estratégia de analisar o
planejamento.
aspecto territorial no âmbito intra-municipal seja
Nesses debates, têm-se sempre como pano
desconsiderada em relação à questão da exclusão
de fundo as questões do cenário brasileiro, onde
social. Entretanto, faz-se uma defesa de que, para
novos
sociais,
que uma proposta de política pública torne-se
acumuladas com os históricos processos de
estratégica e efetiva, é necessário reconhecer esta
vulnerabilização da população, vêm rebatendo
dinâmica territorial, uma vez que o processo de
fortemente nas condições de vida desta última,
exclusão social se manifesta territorialmente e
atingindo seus diversos recortes setoriais e suas
desconsiderar este aspecto significa ignorar a
múltiplas dimensões. É nesse contexto que surge,
dimensão territorial das desigualdades sociais.
formatos
de
desigualdades
com grande importância, a questão da qualificação
A Assistência Social, enquanto uma política
e o redirecionamento das políticas sociais e de seus
social pública, não poderia ficar de fora deste
instrumentos. Trata-se de um debate em torno da
debate, até porque consolidá-la como uma política
emergência
sua
pública e direito social ainda exige transpor muitos
democratização, de novos arranjos institucionais e
desafios. Seguindo por esse caminho, a IV
políticos referentes à sua concepção e gestão,
Conferência
ressaltando a ampliação do acesso dos atores sociais
realizada no final do ano de 2003, trouxe como
nos espaços decisórios e aos bens e serviços
principal deliberação a construção e implementação
públicos. Nessa direção é que se insere a discussão
do Sistema Único da Assistência Social – SUAS.
sobre a territorialidade dentro dos processos de
Sendo assim, em 2004 foi aprovada a nova Política
planejamento
sociais
Nacional de Assistência Social – PNAS, buscando
públicas. Segundo Brasil (2004) É neste debate,
incorporar as demandas presentes na sociedade
relativo às possibilidades de avanço nas políticas
brasileira referentes à efetivação da Assistência
sociais e no desenho de seus instrumentos, que se
Social como direito do cidadão e dever do Estado.
coloca a questão da territorialidade como uma
Traz
variável relevante a ser considerada sob a
reconhecimento de que para além das demandas
perspectiva do enfrentamento das desigualdades e
setoriais e segmentadas, o chão onde se encontra a
da inclusão social. A possibilidade de conceber (e
população faz diferença no manejo da própria
de implementar) políticas públicas reconhecendo o
política, significando considerar as desigualdades
território como dimensão significativa pode ser
socioterritoriais na sua configuração.
de
e
novas
gestão
políticas,
das
de
políticas
assinalada como um elemento potencialmente inovador.
uma
de
de
Assistência
suas
Social,
inovações
o
Sendo assim, o SUAS estabelece como base para sua organização o território. A Assistência
Ou seja, trata-se de apontar a relevância e o diferencial
como
Nacional
da
o
exige a capacidade de maior aproximação possível
das
do cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que
desigualdades e da exclusão social por meio das
riscos e vulnerabilidades se constituem. Nesse
políticas públicas.
sentido, é necessário relacionar as pessoas e seus
enfrentamento
dimensão dos
territorial
vários
para
Social como política pública de proteção social
formatos
territórios,
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
exigindo
cada
vez
mais
um
20
reconhecimento da dinâmica que se processa no
pessoas. Nesse sentido, faz-se necessário relacionar
cotidiano das populações.
as pessoas e seus territórios de moradia. Ou seja, supera-se o modelo baseado em
Considerando a alta densidade populacional
recortes setoriais, em que tradicionalmente se
do País e, ao mesmo tempo, seu alto grau de
fragmentou a política de assistência social, e
heterogeneidade
desigualdade
afirma-se um novo paradigma para a gestão que
socioterritorial presentes entre os seus 5.561
tem como objetivo resolver os problemas concretos
municípios, a vertente territorial faz-se
que incidem sobre uma população em determinado
urgente e necessária na Política Nacional de
território.
e
Assistência Social. Ou seja, o princípio da
Para cumprir tal objetivo, a PNAS/2004 e a
homogeneidade por segmentos na definição
NOB/SUAS apontam como estratégia territorial
de prioridades de serviços, programas e
para a assistência social um modelo que prevê
projetos torna-se insuficiente frente às
recorte territorial que tenha um universo de até
demandas de uma realidade marcada pela
5000 famílias em situação de vulnerabilidade e que
alta desigualdade social. Exige-se agregar ao
este
conhecimento da realidade a dinâmica
socioassistencial de serviços locais, definidos pela
demográfica
associada
à
dinâmica
PNAS como sendo de proteção social básica7, quais
socioterritorial
em
(MDS/PNAS,
sejam: Centro de Referência da Assistência Social –
curso.
território
Juvenil, A significativa contribuição do território no de
presente
uma
rede
CRAS, Casa do Brincar, Socialização Infanto-
2004, p.37).
planejamento
tenha
políticas
públicas
e,
aqui
Programa
para
Jovens,
Grupo
de
Convivência para Idosos e ações para pessoas com deficiência.
especificamente, na política de assistência social, está em possibilitar a compreensão dos problemas
Esses serviços socioassistenciais da proteção
sociais e urbanos na sua totalidade e nas suas
social básica devem ser ofertados próximos
partes, embora muitas vezes, permaneça o hábito
da população, garantindo o acolhimento, a
em se realizar análises mais genéricas das questões
convivência e a socialização de famílias e
sociais
as
indivíduos, considerando a situação de
desigualdades
vulnerabilidade social por eles apresentada.
e
urbanas,
especificidades
fazendo
territoriais
das
com
que
(CAON E VILAÇA, 2006, p.48).
presentes nas cidades não sejam verificadas, homogeneizando-se situações e as condições de vida das populações e dos lugares. Nesse contexto, é que a análise do território e suas diferentes realidades são de grande relevância para auxiliar o planejamento, a gestão e o direcionamento da política de assistência social. A Assistência Social, como política pública de proteção social, exige a capacidade de maior aproximação possível do cotidiano da vida das
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
7
Por política de proteção social básica entende-se todas as ações, serviços, programas e projetos que tenham "como objetivo assegurar direitos e propiciar a construção da autonomia das famílias e de seus membros. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente de pobreza, privação (ausência de renda e acesso aos serviços públicos precário ou nulo, dentre outros) e/ou fragilização de vínculos afetivos, relacionais e de pertencimento social (discriminação etária, étnica, de gênero e por deficiência, dentre outros)" (MDS/PNAS, p. 50).
21
Vale ressaltar que a PNAS/2004, para viabilizar esta proposta, prevê a criação de unidades
sociais deve levar em conta sua expressão territorial.
públicas municipais, que são os CRAS, competindo a estes articular a rede de proteção social, bem
BIBLIOGRAFIA
como ser a principal porta de entrada para o SUAS.
BELO HORIZONTE. Pra ninguém ficar de fora.
Sendo assim, cada territorialidade definida deverá
Belo
ter obrigatoriamente um CRAS, com um raio de
Assistência Social, 2001.
Horizonte:
Secretaria
Municipal
de
abrangência de até 5000 famílias, atuando nesta localidade em conjunto com os outros serviços da
BRASIL, Flávia de Paula Duque. Território e
proteção social básica, de forma a prevenir
territorialidades
situações de risco social.
CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira e COSTA,
nas
políticas
sociais.In:
Pensar no planejamento da cidade a partir de
Bruno Lazzaroti Diniz (org). Gestão social: o que
uma divisão territorial significa um importante
há de novo? Belo Horizonte: Fundação João
salto, uma vez que tradicionalmente lidamos com a
Pinheiro, v.1, 2004. 2v.:il.
fragmentação das cidades brasileiras, muitas vezes segundo a designação de cada departamento,
BRASIL.
secretaria, gerência,
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À
entre outras formas
de
MINISTÉRIO
DO
organizações municipais. A divisão territorial
FOME.
possui um processo que vai além do aspecto técnico
Assistência Social. Brasília: MDS, Secretaria de
e administrativo, mas também possui um aspecto
Assistência Social, 2005.
Norma
Operacional
Básica
da
humano e cultural. Quanto mais se conhece sobre o território, maiores são as possibilidades de se
BRASIL.
intervir no mesmo. Quanto menos dispersas as
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À
informações, maiores são as chances de serem
FOME. Política Nacional de Assistência Social.
comparadas
Brasília: MDS, Secretaria de Assistência Social,
e
representarem
uma
visão
de
totalidade da cidade.
MINISTÉRIO
DO
2005.
Para finalizar, confirma-se aqui que a motivação básica para os estudos sobre o Território
CALDEIRA, Renata Silva Daniel. Planejamento
dentro da Política de Assistência Social, é
da política pública de assistência social em Belo
contribuir para a disseminação e amadurecimento
Horizonte a partir do território. Belo Horizonte.
da discussão deste tema, proporcionando incentivos
Escola de Governo da Fundação João Pinheiro,
e subsídios para estruturações de planejamentos
2004. (Monografia).
mais
estratégicos
e
eficazes,
reconhecer
a
importância da caracterização do território para a
CAON, Ana Rogéria Vitório; VILAÇA, Darci
estruturação do Sistema Único de Assistência
Maria de Sousa. A assistência social e a expansão
Social, para seu planejamento e gestão, como
da proteção social básica em Belo Horizonte.
também destacar o Território como espaço de
Revista Política Social, Belo Horizonte, nº 16,
expressão da cidadania e da conquista dos direitos
Outubro/Dezembro de 2006.
sociais, acreditando que qualquer política pública que se disponha a combater as desigualdades
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
22
KOGA, Dirce. Medidas de Cidades: entre
momento atual de consolidação no Brasil. In:
territórios de vida e territórios vividos. São
CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira e COSTA,
Paulo: Cortez, 2003.
Bruno Lazzaroti Diniz (org). Gestão social: o que há de novo? Belo Horizonte: Fundação João
LEMOS, Maurício Borges. Territorialidade e
Pinheiro, v.1, 2004. 2v.:il.
política social. Revista Política Social, Belo Horizonte, nº 0, Julho/Agosto de 2001.
ROLNIK, Raquel. Instrumentos Urbanísticos: concepção e gestão. Belo Horizonte, Mimeo, 2000.
MARQUES, Eduardo; TORRES, Haroldo (Org.). São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005.
PINHEIRO, Márcia
Maria
Biondi;
ROCHA,
Rosilene Cristina. Política de assistência social: o
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 38 p.
23
A metodologia de trabalho social com Famílias na proteção social especial ELABORAÇÃO Lúcio Luiz Toletino*
O
arcabouço
teórico-metodológico
das
políticas de proteção social especial, localizada APRESENTAÇÃO o objetivo deste artigo é apontar algumas das principais idéias e conceitos que estruturam a metodologia do trabalho social com famílias na proteção social especial. As políticas públicas de proteção social especial têm sido planejadas e implementadas, ao longo da última década, com centralidade na família, conforme diretriz da Política Nacional de Assistência Social. Em Belo Horizonte, os serviços e programas destinados a crianças e adolescentes com direitos violados desenvolveram um “saber fazer”, ou seja, um conjunto de conhecimentos práticos e teóricos, que se filiam ao campo de trabalho social com famílias. Este conhecimento sistematizado a partir da prática inaugural dos serviços, associado à contribuição do conhecimento acadêmico e de “militantes” do campo dos direitos da criança e do adolescente, configura-se na atualidade como uma proposta metodológica de profunda relevância para as políticas públicas de proteção especial no campo da assistência social
institucionalmente dentro do campo da assistência social, se estruturou ao longo da última década8, em um contexto de mudança de paradigmas nas concepções
de
“atendimento”
e
de
“acompanhamento” de crianças e adolescentes vítimas de violação de direitos. Em consonância com o processo de constituição do Estado de Direito no Brasil, o ECA se configurou como o principal
marco
legal
que
possibilitou
o
reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direito, dentre os quais o direito à convivência familiar, à convivência comunitária e à proteção. Antes dele, não havia um construto jurídico voltado para este público que possibilitasse a implementação de políticas públicas realmente voltadas para a garantia de direitos. Pelo contrário, baseado no antigo Código de Menores, o Estado e a sociedade brasileira estigmatizavam crianças e adolescentes, denominadas “menores” em “situação irregular” e suas famílias de origem. As políticas públicas se estruturavam através de procedimentos individualizados, de práticas correcionais e através da desqualificação da família, em intervenções institucionais de cunho moral e repressivo. Em geral, qualificavam a família de crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e/ou social como grupo incapaz de cumprir sua função de “educar” seus membros crianças e adolescentes. Cabia ao Estado, então, assumir tais “menores”, segregando-os de suas famílias. Com a mudança 8
*
Sociólogo pela UFMG, Coordenador do Serviço de Orientação Sócio Familiar - SOSF da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte.
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 28 p.
A implantação do Programa de Famílias, do Miguilim-CEDAFAC e do Programa Crescer, em 1997, ilustra a adoção deste fundamento na estruturação de serviços da proteção social especial em Belo Horizonte. Em 2002, estes programas foram unificados na criação do SOSF- Serviço de orientação, apoio e proteção sociofamiliar.
24
paradigmática do início dos anos 80 e 90, o
especial se desenvolve a partir do momento em que
contexto familiar, social, político e econômico
o risco deixa de ser potencial e se concretiza.
passou a ser considerado no planejamento e implementação
de
políticas
públicas
O planejamento das intervenções no trabalho
de
social com famílias nos serviços da proteção social
acompanhamento sociofamiliar, nas quais o Estado,
especial visam a reorganização do grupo familiar
a sociedade e a família são compreendidos como
para que este possa proteger seus membros mais
agentes co-responsáveis em oferecer condições
vulneráveis. Frente à complexidade decorrente da
adequadas para a garantia dos direitos de crianças e
infinidade de possíveis arranjos familiares, faz-se
dos adolescentes. O trabalho social com famílias se
necessário
torna central para tais políticas, passando o grupo
partindo de um referencial metodológico adequado.
familiar a ser abordado como lugar primordial de
Ou seja, a metodologia de trabalho social com
pertencimento, de identificação e de proteção.
famílias deve permitir a compreensão dos arranjos
o
planejamento
das
intervenções,
Mas o que particulariza o trabalho social
sempre sui generis das famílias, e, ao mesmo
com famílias na proteção social especial? Como
tempo, possibilitar a organização do trabalho a ser
definido na Política Nacional da Assistência Social,
desenvolvido, constituindo-se como uma “caixa de
a proteção especial é
ferramentas” a ser utilizada de acordo com a demanda. Sem a flexibilidade metodológica, as
“a modalidade de atendimento assistencial
intervenções podem violar a autonomia e a
destinada a famílias e indivíduos que se
independência da família; por outro lado, sem a
encontram em situação de risco pessoal e
delimitação e sustentação das ações por uma
social, por ocorrência de abandono, maus
proposta metodológica, o trabalho tende a se
tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual,
desorganizar
uso de substâncias psicoativas, cumprimento
acompanhamento, como, também, a concorrer e se
de medidas sócio-educativas, situação de rua,
confundir
situação
Destacamos, na seqüência, algumas idéias que
de
trabalho
infantil,
entre
outras”.(BRASIL P., 2005, p.37).
ao
com
longo
as
demais
do
processo
políticas
de
sociais.
compõem a metodologia do trabalho social com famílias na proteção social especial.
Diferentemente das políticas públicas de
As concepções jurídicas de família, ao
proteção básica, a proteção especial lida com
enfatizarem os vínculos de filiação, de guarda legal
situações de violação de direitos, em famílias nas
e de responsabilidades civis com crianças e
quais os vínculos se fragilizaram ou mesmo se
adolescentes, são importantes para a dimensão
romperam, exigindo assim atendimento com maior
normativa do trabalho social com famílias na
estruturação
atenção
proteção especial. Porém, a ampliação dessas
especializada e mais individualizada, bem como de
acepções através de uma leitura sócio-antropológica
acompanhamento
monitorado
potencializa as possibilidades de intervenção junto
(PNAS;2004). Se a proteção social básica tem
ao público alvo dos serviços: “a família é um grupo
como objetivo a prevenção de situações que possam
de pessoas, vinculadas por laços consangüíneos, de
se instaurar em decorrência de vulnerabilidades
aliança e afinidade, onde os vínculos circunscrevem
técnico-operacional
sistemático
e
e
sociais, o trabalho social com famílias na proteção
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 28 p.
25
obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero”.
9
nos quais estas se inserem, induzem a violações de direitos, cabe ao Estado ofertar serviços que,
Destacam-se, seja na concepção jurídica, seja
tratando a família como protagonista de um projeto
na sócio-antropológica de família, a noção de
de mudança, possibilite a sua reorganização
“vínculos familiares”. A família pode ser pensada
enquanto grupo.
como “uma rede de vínculos que promove o
A metodologia de trabalho com famílias na
cuidado, a socialização, o afeto e a proteção de suas
proteção especial deve contemplar os eixos apoio,
10
Uma vez que as
proteção e orientação ao grupo familiar. O eixo
implicações afetivas e emocionais se compõem
apoio visa oferecer condições materiais para que a
como elementos centrais para a função protetiva
função protetiva da família possa ser fortalecida.
dos grupos familiares, a acepção de vínculo no
Conforme premissa da Política Nacional da
âmbito psicológico é fundamental para o trabalho
Assistência Social, para que a família possa
social com famílias na proteção especial. No
“prevenir, proteger, promover e incluir seus
processo de acompanhamento sociofamiliar, deve-
membros, é necessário, em primeiro lugar, garantir
se atentar para a maneira como as relações se
condições de sustentabilidade para tal” (PNAS; p.
estabelecem, calcadas “sobre alguma forma de
41). O eixo proteção visa garantir acesso das
crianças e adolescentes”.
apoio,
identificação
e/ou
11
transferência”.
O
famílias à rede de bens e serviços governamentais e
fortalecimento destes vínculos internos ao grupo
não-governamentais
familiar demanda a compreensão de que estes
consequentemente, proteger-se enquanto grupo,
influenciam e sofrem
frente às vulnerabilidades sociais. Este eixo também
influências dos vínculos
para
potencializá-la
e,
externos ao grupo, ou seja, com a comunidade e, de
pressupõe
forma mais ampla, com a sociedade. Assim,
Conselhos Tutelares, com o Juizado da Infância e
proposto, centrado no fortalecimento dos vínculos
da
familiares e comunitários, o trabalho social com
intervenções em situações persistentes de risco que
famílias na proteção social especial pode ser lido
exijam
como um instrumento de garantia de direitos das
orientação, por sua vez, diz respeito à dimensão
famílias e de seus membros, pois, se motivos
sócio-reparadora do trabalho social com famílias.
associados ao contexto econômico, social e político,
Neste eixo, para o planejamento das intervenções é
a
Juventude
outras
interlocução
e
contínua
Ministério
medidas
com
Público
protetivas.
O
os
para
eixo
necessário compreender a dinâmica da família, seus 9
- MDS. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília, (mimeo), 2005. 10 - PBH. Proposta para metodologia de trabalho com famílias e grupos de família no eixo orientação – SOSF/PBH. Consultora Maria Lúcia M. Afonso Belo Horizonte, (mimeo.): 2005.
valores e crenças, sua organização cotidiana, suas
11
familiares e comunitários se constituem, para que as
- Sobre o vínculo no âmbito psicológico, Afonso destaca que se deve analisar “os componentes do vínculo enquanto uma relação que implica escolhas conscientes e inconscientes, que pode ser de apoio e/ou de identificação, que delimita um apego e que requer investimento psíquico,e, por fim, que pode ser também entendida através do conceito de transferência”; In: PBH, Proposta para metodologia de trabalho com famílias e grupos de famílias no eixo orientação – SOSF/PBH. Consultora Maria Lúcia M. Afonso, Belo Horizonte, (mimeo): 2005. SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 28 p.
práticas relacionadas aos cuidados e à proteção de seus membros mais vulneráveis. É também fundamental analisar a forma como os vínculos
intervenções possam sustentar os objetivos mais específicos da proteção especial, a saber, a superação das situações de risco e das violações de direitos através do fortalecimento da função protetiva do grupo familiar.
26
A metodologia de trabalho social com
especial, o “foco” diz respeito aos motivos que
famílias se estrutura através da análise de três
levam as famílias aos serviços e aos objetivos das
dimensões que se interseccionam na dinâmica dos
intervenções. Assim, se uma criança é vítima de
grupos familiares: a sócio-estrutural, a funcional e a
violência física, o “foco” é a própria violação e os
relacional.
correspondem,
fatores identificados como provocadores desta. O
respectivamente, à dimensão sócio-econômica do
“campo”, por sua vez, diz respeito ao conjunto das
grupo e à inclusão de seus membros na rede de
relações familiares: no exemplo citado, a análise de
atendimento socioassistencial; à organização do
fatores como relações de gênero, sexualidade e
cotidiano, ou seja, às atribuições dos membros e ao
capital cultural podem ser fundamentais para a
exercício dos papéis e das funções destes na
compreensão da instauração da violência na
dinâmica do grupo; e, ao conjunto de vínculos da
dinâmica familiar, bem como para o planejamento
Tais
dimensões
12
família, entendida como rede de relações.
Trata-
das intervenções.
se, portanto, de uma metodologia de intervenção
A metodologia de trabalho com famílias é
baseada na necessidade de construção mútua entre
desenvolvida através de um conjunto de atividades,
sujeitos e sociedade, uma vez que a superação da
às quais se deve recorrer de acordo com a demanda
situação de risco pressupõe a consolidação de novas
do acompanhamento sociofamiliar. A Política
práticas ao longo do acompanhamento na proteção
Nacional de Assistência Social parte do pressuposto
social especial. Ao considerar os diferentes
de que a proteção especial requer atendimentos
elementos de cada uma destas dimensões e
individualizados
estruturar a intervenção em aspectos sócio-
protetivas. Os atendimentos individualizados visam
culturais, relações interpessoais e, também, na
trabalhar
abordagem de sujeitos e grupos, o trabalho social
singularidades, compreender como os membros se
com famílias na proteção especial se configura
afirmam como sujeitos na organização do grupo e
como intervenção psicossocial.
como interagem com o contexto social em que
as
e flexibilidade nas soluções
relações
familiares
em
suas
Mas, frente à complexidade da organização
vivem. Essa atividade face a face é fundamental
de qualquer grupo familiar, e, em especial, daqueles
para a identificação de limites e potencialidades
com os quais a proteção especial propõe um projeto
individuais e grupais a serem trabalhadas ao longo
de
do acompanhamento.
transformação
e
adaptação
de
práticas
cotidianas, como planejar as intervenções do
A visita domiciliar é uma ação importante
trabalho social a ser desenvolvido? Um primeiro
para a compreensão do contexto comunitário, das
passo é, certamente, o acolhimento institucional
condições de moradia e da organização doméstica
cuidadoso. Este deve dar sustentação ao processo
do grupo familiar. Entretanto, devem ocorrer de
transferencial, através do qual se tem acesso aos
acordo com a demanda do acompanhamento,
elementos subjetivos e objetivos que nortearão o
através de pactuação com a família, seja com
trabalho a ser desenvolvido com a família.
marcação prévia seja sem esta previsibilidade, ao
Como
proposta
de
planejamento
das
intervenções, a dialética do “foco” e do “campo”
que não corresponde dizer sem a autorização do grupo familiar.
fundamenta a organização do acompanhamento sistemático aos grupos familiares. Na proteção
O trabalho com grupos e redes sociais, por sua
vez,
“busca
oferecer
uma
metodologia
participativa que promova os vínculos familiares e 12
AFONSO; 2005; p. 43.
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 28 p.
27
comunitários, e a reflexão sobre a sua organização,
ser destacado como o fortalecimento da função
suas relações internas e externas, dentro de um
protetiva da família. Entretanto, para que o trabalho
contexto sócio-cultural”. É uma das atividades que
atinja este objetivo, é necessário compreender as
permitem trabalhar as relações interpessoais. Como
particularidades da dinâmica familiar, organizada
abordagem psicossocial, equivale ao trabalho com
em arranjos sempre sui generis, identificando e
“valores, representações, práticas e identidades
analisando
sociais, propiciando uma reflexividade sobre a
dimensões funcional, relacional e sócio-estrutural
experiência e a maneira de compreendê-la dentro e
destes.
13
os
elementos
que
compõem
as
a partir das relações de socialidade” . Já as
As intervenções junto aos grupos familiares
atividades sócio-educativas são importantes para se
exigem que o profissional tenha o máximo de
trabalhar os vínculos familiares a partir das
clareza possível quanto ao “foco” do trabalho a ser
representações sociais, podendo-se, para isso,
desenvolvido, procurando compreender a interação
recorrer
dialética deste com o “campo” das relações
a
temas
diversos,
avaliados
como
relevantes para o trabalho que se propõe.
familiares. O trabalho social com famílias encontra
Uma última questão importante se refere à natureza
eminentemente
intersetorial
e
nesta dialética, do “foco” e do “campo”, a possibilidade de organização das percepções acerca
interinstitucional do trabalho social com famílias na
das
proteção especial. Esta requer reuniões com a rede
vulnerabilidades e dos riscos pessoais/sociais em
socioassistencial e com as instituições de defesa dos
cada família, bem como permite estruturar as
direitos da criança e do adolescente. As ações
intervenções através de pontos a serem sustentados
articuladas com outras políticas sociais, como
e, também, pontos que requerem articulação com
Saúde
outras políticas sociais.
e
Educação,
encaminhadores
são
e
com
os
fundamentais
órgãos
especificidades
dos
vínculos,
das
para
Por fim, destacamos que se, por um lado, o
potencializar a superação da situação de risco, de
planejamento das intervenções e a sustentação
acordo com a demanda do acompanhamento
destas por uma metodologia adequada à natureza
sociofamiliar. São importantes também para que o
das ações propostas é imprescindível, por outro é
grupo familiar não seja submetido a intervenções
preciso estar atento ao imperativo de constante
antagônicas, o que pode comprometer os objetivos
construção e reconstrução das intervenções ao
das ações propostas.
longo do acompanhamento, pois a realidade
III.
imposta pela natureza singular de cada caso exige
A metodologia de trabalho social com
tanto
das
famílias
quanto
dos
profissionais
famílias na proteção social especial, organizada em
envolvidos no
processo
torno da matricialidade familiar e dos conceitos e
sociofamiliar,
flexibilizações
idéias propostos acima, visa dar sustentabilidade às
fundamentais para que os objetivos das ações
intervenções junto aos grupos familiares. O
propostas possam ser alcançados.
de
acompanhamento e
adaptações
objetivo das intervenções, em termos gerais, pode
13
AFONSO, Maria Lúcia M. Proposta para metodologia de trabalho com famílias e grupos de família no eixo orientação – SOSF/PBH. Belo Horizonte, [ (mimeo.), 2005. SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 28 p.
Referências Bibliográficas: BRASIL.. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília: [MDS], 2005.
28
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: [MDS], 2004
SUAS BH Online, Belo Horizonte, n 1, v 2, 2007, 28 p.
29