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Lindevânia Martins

UMA ATRAENTE ZONA DE DESCONFORTO

*Rizolete Fernandes

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Zona de Desconforto é lugar do qual todos querem distância, certo? Errado! Essa a que vou aqui me referir, não. Ela guarda no sóbrio invólucro atraente conteúdo, capaz de prender quem nele mergulha por horas, dias a fio, até sua total fruição. E só então cogitar de emersão. Estou falando de um livro com título homônimo ao que inicia essa frase, que se encontra nas prateleiras das livrarias físicas e virtuais desde o ano de 2018.

Sim. Zona de Desconforto nomeia livro da autora maranhense Lindevania Martins, publicado em 2018, após inclusão entre os cinco livros vencedores do I Concurso Literário Benfazeja. Trata-se do segundo livro no gênero da escritora, antecedido que foi por Anônimos, ganhador do Concurso Literário Cidade de São Luís em 2003. Lindevania também escreve poemas que, junto com seu trabalho em prosa, já se espalham por antologias no Brasil inteiro.

A escritora Lindevania Martins é bacharel em Direito, mestra em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal do Maranhão e atualmente defensora pública, com atuação na defesa da mulher e da população LGBT. Na trajetória, também atuou como delegada de polícia.

Em Zona de Desconforto, a autora reuniu oito contos com temática abrangente, que desenvolve ora em poucas - quatro, ora em mais de vinte páginas. Estilo leve, enxuto, linguagem atual. Não se encontrará na escrita de Lindevania chavões e fórmulas repisadas. Suas histórias prendem leitoras e leitores iniciantes ou de longa estrada, porque construídas com argúcia, criatividade e - vale o destaque - expressas na dicção feminina que volta a caracterizar a produção literária da nova geração de escritoras.

Os temas trabalhados dialogam com o afazer profissional da autora. Quando enfoca a exploração da mão de obra infantil das meninas por famílias bem situadas no contexto socioeconômico, no conto que dá título ao livro; no muito atual crime de sequestro de uma mulher por seu marido, em Tudo Vermelho; no eterno conflito entre pais e filhos, como lemos em Querida Mamãe e Retrato de Família; ou nas inevitáveis ciladas que espreitam os trios amorosos, observadas em O Número Perfeito e O Flagrante. Ainda há aqueles mais introspectivos, que visitam a dimensão psicológica e as dores existenciais da mulher, como em A parede de Vidro e Virulência. Aspectos psicológicos pontuam vários contos.

Qualquer tema eleito, embora saibamos todos desde muito explorados pelos ancestrais do ofício, seja pela zelosa carpintaria conferida, seja pelo toque pessoal que lhe imprime, Lindevania Martins o transforma em conto singular. Em Tudo Vermelho, por exemplo, temos a mulher em cativeiro às escuras, na companhia de alguém que nomina “o homem”. A princípio ignorante de quem a sequestrou, aos poucos a trama vai se revelando: o companheiro de esconderijo é seu próprio irmão, que organizou o delito em parceria com uma terceira pessoa próxima dos dois, pessoa esta que mais adiante se apresenta para materializar a extorsão. As exigências feitas à mulher são revoltantes, mas se consumam. O final configura uma volta por cima de todo inesperada, descrita em tão sutis nuances que cogitamos de concepção mental e expressão de um modo feminino de sentir e dizer.

Por questão de espaço, sirvo só mais um aperitivo: o saboroso O Flagrante. Aqui, temos o recorrente “flagra” dado pelo marido na mulher, à cama com seu melhor amigo. Ele está revoltado, mas usa a racionalidade que lhe é peculiar. A partir daí, a autora estrutura o texto contrapondo uma tensão que, próxima ao limite, leva a pensar no pior e que, ao invés, é sucedida por reações surpreendentes, inusitadas, no entanto factíveis. E dá-se uma sucessão de momentos tensão-alívio, até o desfecho, que não revelo aqui.

O tema da traição entre casais, com toda sua densidade e suspense ineren

te, no engenho da autora, também enseja o cômico. Abordagem inovadora, posto que sem o usual recurso à litigiosa separação, nem à violenta fórmula do jorro de sangue. Como a dizer que a vida e suas dores podem, sim, ter as cores leves das tintas da imaginação da escritora Lindevania Martins.

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(*) Rizolete Fernandes é escritora, poeta e socióloga potiguar. Autora, entre outras obras, de “Tecelãs”.

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