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Roberto Mello

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Silvia Schmidt

Silvia Schmidt

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL COM O ESCRITOR ROBERTO MELLO----------------------------------

Vieses da Vida Roberto Mello

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Carlos, de dez anos, é amiguinho de Paula, de oito. Ambos estudam na mesma escola, mas não na mesma série. É uma rotina vê-los juntos, tanto na hora do intervalo como também no mesmo ônibus escolar por causa do itinerário. Os dois são filhos de militares e pertencem ao mesmo clube social.

E no ônibus escolar a caminho de casa, Paula comenta: — Carlinhos, mamãe falou que papai vai solicitar minha transferência de grupo escolar. — Ué! Como assim? — Acho que iremos mudar de casa. — E quando isso vai acontecer? — Não sei!

Após o curto diálogo, a preocupação paira sobre ambos. Não conversam mais nada. Provavelmente, o mergulho às profundezas dos pensamentos ou envoltos em emoções e quiçá argumentos, por alguns minutos, os tenham deixados reflexivos. O silencio fora rompido pela supervisora escolar que acompanha os alunos dentro do ônibus. — Paula, seu ponto. Pode vir para frente.

Ainda sentada, a menina beija a bochecha do amigo, se levanta e caminha em direção ao motorista. Carlinhos apenas a acompanha com o olhar. Ela desce. O ônibus retoma a viagem. Ele, pela janela, acena.

Já em casa, seus pais lhe perguntam: — Que carinha é essa? — Nada não. — Nada? — Estou triste. — Por quê? — A Paula vai sair da escola. — Mas você também vai — o pai afirma. — Como assim, papai? — Não entendi. — É simples. Eu e o pai dela fomos transferidos de unidade militar, consequentemente, iremos para a Vila Militar. Agora seremos vizinhos. Ela irá morar no mesmo prédio e no mesmo andar.

Nisso, o menino de pele dourada pelo sol, troncudinho, cabelos e olhos pretos, abre um sorriso e comenta que irá dormir cedo para a noite passar rápido. Os pais, naquele instante, percebem o apego e carinho que sente pela Paula. — Já sei quem será a primeira namorada – a mãe comenta.

O pai balança a cabeça e expressa um leve sorriso.

Na manhã seguinte, o amigo de Paula está eufórico pelo ônibus escolar. Tão logo o veículo estaciona, a porta se abre e, rapidamente, ele adentra e cumprimenta o motorista com um bom dia muito alegre. O motorista se espanta com a atitude. Então, se dirige ao assento preferido, se acomoda e aguarda a próxima passageira – sua amiga predileta.

Não resistindo à ansiedade que o envolve até a alma, fica em pé olhando pelo para-brisa para ver Paula que aguarda a chegada do ônibus. Quando ele a avista, exclama gritando: — A Paula está lá! A Paula está lá!

O motorista dá uma gargalhada e comenta: — Calma! Fique tranquilo. Vou parar. O que há com você?

Quando ela aparece no corredor, Carlinhos segue ao seu encontro. — Tenho novidades para você. — Boas ou ruins? — Seremos vizinhos de porta e também vou sair da escola.

A menina magra de olhos esverdeados, clara, cabelos longos em tom castanho-claro e sempre ao estilo rabo-de-cavalo, solta um grito de torcida quando o time faz um gol e abraça Carlinhos. Ele se assusta com a atitude repentina de Paula. Os colegas ali presentes, em coro, entoam: são namorados, são namorados!

* * *

As famílias tornam-se vizinhas de porta no mesmo prédio. A amizade se solidifica mais e mais. As idades avançam. As brincadeiras e diálogos amadurecem.

O despertar de um sentimento

maior ocorreu no baile de debutantes. Era o dia que Paula comemorava seus quinze anos. Ele de terno azul marinho, ela toda produzida naquele longo e lindo vestido branco. Eles se entreolharam de cima a baixo e trocaram elogios. Ao final do baile conversaram e aconteceu o que a mãe de Carlinhos profetizara quando eram crianças: um longo e carinhoso beijo. Após aquela noite, inevitavelmente, começaram a namorar.

Os dois pareciam unha e carne. Muitas promessas, sonhos, desejos e planejamentos.

Certo dia, o pai de Paula ao chegar a casa, comenta. — Tenho uma noticia que ao mesmo tempo é boa e ruim. — O que houve pai? — Paula questiona. — Fui transferido. O destino agora é Ponta Grossa. — Que meleca, pai!

Na sequência, corre para seu quarto, bate a porta com força e começa a chorar. — Isso passa – O pai fala olhando para esposa.

* * *

Antes das despedidas, combinaram de continuar o romance por meio de cartas. Paulatinamente, cada um foi vivendo sua vida e sabendo do outro pelas correspondências. Várias declarações e promessas de amor grafadas em papel. Os textos glamourosos foram diminuindo. O tempo e a distancia castigavam aquele amor translúcido de infância. Um sentimento semeado por anos, em dado momento, aflora com total liberdade e inocência, mas numa fração de segundos, é açoitado e despedaçado pela vida cotidiana. Apenas lembranças de belas tardes. Belas tardes essas, que foram regadas de encontros amorosos e que se estendiam sob os encantos oriundos do brilho das estrelas e ornamentados pela lua cheia.

Carlos resolveu constituir sua família e Paula também o fez. Ele continuou morando no mesmo local e Paula foi morar na Colômbia.

Alguns anos depois...

Numa quinta-feira, à noite, o telefone dele toca. — Tenho uma surpresa para você – A mãe de Carlos comenta. — Diga. — Advinha quem está aqui? — Não tenho a mínima ideia. — A Paula está aqui com a filha dela.

Ao ouvir, ele disfarça um leve sorriso e diz: — Passa o telefone pra ela.

Conversam durante uns 30 minutos e combinam um jantar.

A saudade de um pelo outro estava escondida no âmago deles. O sentimento que ambos nutriam, estava carimbado com seus respectivos nomes. Não havia como negar. Eles ainda carregam tenras saudades, choros, mágoas e tristezas. Carlos não tinha como fazer contato porque ela havia ido para Bogotá. A única chance de um possível reencontro seria pela iniciativa de Paula, visto que, Carlos e sua família moravam no mesmo local.

Ao telefone, ele comentara não apenas da saudade, mas também das viagens constantes no túnel do tempo com direito a reviver antigas emoções.

Após as despedidas, o protagonista daquele amor impossível rememora a adolescência e acende uma pequena chama. A chama da probabilidade em continuar de onde pararam.

Ele sente o coração acelerar e questiona a si mesmo: como ela deve estar hoje em dia? O que ela sentirá quando me encontrar?

E chega o grande momento.

Enquanto dirige, sua mente retira do seu arquivo passagens maravilhosas que eles desfrutaram em conjunto. Estaciona seu carro, faz o check-in junto ao espelho retrovisor externo e ingressa no restaurante combinado. Ao passar pela porta, logo na entrada, seu olhar adquire a visão panorâmica do local. A imagem de Paula ainda era da adolescência. Não avista nenhuma mulher sozinha. Escolhe a mesa e dirige-se para a mesma. Um garçom se aproxima e ele pede um copo de chopp. Pega o cardápio e começa a ler. Ergue a cabeça, olha a entrada do restaurante e nada. Torna a observar o cardápio. Abre, fecha, reabre e torna a fechar. De repente, ele ouve uma voz ao seu lado: — Quando é para ser, não adianta. Você não mudou em nada.

Carlos se levanta e, de frente a ela, segura suas mãos e acrescenta: — Paula, você está mais linda do que antes.

Abraçam-se e esquecem que estão em pé e ao lado da mesa que ele escolheu. Logo depois, se acomodam, permanecem por alguns segundos em silencio contemplando um ao outro.

O jantar fora acompanhado de sorrisos, gargalhadas e até pequenos toques junto às respectivas faces e mãos.

À saída do restaurante, eles trocam números de contatos e e-mails. Manifestam a vontade de outros reencontros. Carlos acompanha Paula até seu carro. Ela coloca a chave na fechadura da porta e, como um raio, ele a segura pela cintura. Delicadamente, com a mão direita, ele a toca em seu rosto, acaricia-a e vagarosamente aproxima-se de seus lábios. Paula não resiste àquele momento encantador ou mágico que os domina. É o beijo do reencontro, da saudade guardada, das lembranças ou dos desejos ocultos tão sonhados. Atualmente, ele, com 56 anos e dois filhos do primeiro casamento, ela, com 54 anos, duas filhas e um filho, também do primeiro casamento, continuam da mesma maneira: corda e caçamba – sempre juntos, entretanto, agora casados.

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