I Boletim Informativo SMCC 2017

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Edição Janeiro/Fevereiro 2017 - Órgão Oficial da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas

I Boletim Informativo

smcc 2017

febre amarela


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SMCC historicamente, desde sua fundação em 1925, participa ativamente de momentos importantes do cenário da Saúde Pública no município de Campinas. Os médicos fundadores de nossa associação foram testemunhas do grande surto de febre amarela na década de 20 e participaram ativamente de movimentos e ações para importantes medidas preventivas e curativas em apoio à saúde da população. Como uma instituição vocacionada ao compromisso com a saúde da população e também com

1 - Como está a situação no Brasil e em Campinas? Desde dezembro de 2016, o Brasil vem enfrentando o maior surto de febre amarela das últimas décadas. Espírito Santo, São Paulo e notadamente, Minas Gerais são os estados com casos confirmados. Até o último dia 20 de fevereiro, 1286 casos suspeitos tinham sido notificados, dos quais 274 já confirmados e 898 ainda sob investigação. O total de óbitos confirmados, até o momento, já soma 92, mas o número pode aumentar, haja vista que ainda existem outros 113 óbitos considerados suspeitos que são investigados. Os estados da Bahia, Rio Grande do Norte e Tocantins apresentam casos notificados, mas ainda também em investigação. Especificamente em relação ao estado de São Paulo, três foram os casos autóctones confirmados, todos com evolução fatal. No estado, considerando-se os casos confirmados em primatas não-humanos e humanos, as regiões Norte e Noroeste são consideradas, aparentemente, as áreas com maior circulação do vírus. No que tange o município de Campinas e sua região metropolitana, até o momento, não existem evidências da circulação do vírus da febre amarela, seja em humanos ou primatas. Não há, portanto, casos autóctones com transmissão local na região. Recentemente, foram confirmados dois casos em residentes no município de Paulínia, que foram atendidos e investigados em hospitais de Campinas, mas ambos os casos foram classificados como importados, com infecção no estado de Minas Gerais. Especificamente em Campinas, no ano de 2000 houve o último caso confirmado em paciente residente no município, mas cuja infecção se deu fora do estado, sendo portanto, importado. No entanto, com a recente confirmação da circulação do vírus em municípios próximos geograficamente como São Roque (SP) e Poços de Caldas (MG) e se considerarmos alguns aspectos da região como o significativo trânsito de viajantes entre Campinas (e região) e áreas com risco de transmissão de febre amarela no Brasil e outros países onde a doença é endêmica, a proximidade com o Carna-

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a atualização de conhecimentos de toda a classe médica lançamos o I Boletim Informativo SMCC 2017 “Febre Amarela”. Neste momento em que muitas dúvidas relacionadas ao tema vêm à tona a SMCC traz um compilado completo do panorama atual da doença que vai atender as necessidades de informações para os colegas médicos das diversas especialidades. Esta é uma iniciativa das Diretorias Científica e de Comunicação e Marketing com apoio do Departamento de Infectologia da SMCC.

val e o grande número de pessoas que viajam para áreas com risco de transmissão, a importância do Aeroporto Internacional de Viracopos em relação ao significativo número de voos e passageiros interestaduais, a importância do município como polo econômico-tecnológico-acadêmico que atrai pessoas procedentes de todo país, não se pode considerar, de modo algum, que o risco de uma eventual “importação” do vírus da febre amarela seja desprezível. Vale lembrar, que em relação à febre amarela existem dois ciclos de transmissão da doença. Um silvestre, em regiões de matas, florestas, áreas rurais, no qual a transmissão se dá pelos mosquitos vetores Haemagogus e Sabethes e que conta com a participação de primatas não-humanos como elemento importante na manutenção do ciclo. O outro cenário, o ciclo urbano, eliminado no Brasil desde 1942, continua não sendo observado no contexto atual e tem no mosquito Aedes seu vetor. Importante ressaltar que a despeito de todos os casos do surto atual no Brasil, assim como foram todos aqueles notificados desde 1942, serem considerados casos relacionados ao ciclo silvestre, o risco de reintrodução do vírus em área urbana deve ser sempre considerado uma ameaça em potencial. 2 - Quais os principais sintomas? Clinicamente, a doença, na grande maioria dos casos, em cerca de 80% dos indivíduos infectados pelo vírus, se manifesta como infecção oligossintomática e eventualmente, assintomática. Em tal grupo, as manifestações clínicas, quando presentes, incluem febre, cefaleia, mialgia, artralgia, prostração e via de regra, tendem a ser autolimitadas e ter como o desfecho a cura. Em tais situações, a febre amarela pode ser confundida com outras doenças, várias das quais muitos mais frequentes, incluindo-se a dengue, a febre pelo vírus Zika, a chikungunya, viroses entéricas. Nesses casos, o diagnóstico diferencial deve ser baseado não apenas no quadro clínico, mas também nos riscos, nos antecedentes de deslocamento para (ou residência em) áreas de transmissão e no status vacinal


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do paciente contra febre amarela. A ausência de deslocamento para uma área de risco ou a comprovação da proteção conferida pela vacinação prévia tornam a hipótese de febre amarela muito pouco provável. No entanto, em cerca de 20% dos casos a infecção pode levar a uma doença grave, associada a taxas de letalidade que podem alcançar 50%. No atual surto, a letalidade observada está em torno de 33%. Nas formas graves da doença há um severo acometimento primário e secundário pela infecção, de órgãos como cérebro, pulmões, rins, coração e, sobretudo, fígado. Se observam quadros, via de regra, concomitantes de encefalite, insuficiência renal, miocardite, lesões endoteliais e hepatite grave, essa última muitas vezes se caracterizando por hepatite fulminante. Na prática, clinicamente, além da febre, cefaleia, mialgia, diarreia, vômitos pode haver a progressão para oligúria, alterações neurológicas (incluindo torpor, convulsões, coma), hemorragias, alterações hemodinâmicas, icterícia e outras complicações decorrentes da insuficiência hepática.

3 - Que tipo de alerta os profissionais precisam estar atentos? Assim como se tem para tantas outras doenças, em relação à febre amarela, profissionais da saúde apresentam imprescindível importância em diversas ações: na indicação qualificada da vacina aos seus pacientes, na avaliação de possíveis situações que possam contraindicar a vacina em pacientes específicos, nas ações de educação acerca das medidas de proteção e prevenção contra transmissão da doença (incluindo uso de repelente e as mudanças de comportamento para o controle do Aedes), na identificação e notificação precoce de possíveis casos suspeitos de febre amarela. 4 - O que fazer quando identificar um caso suspeito? A febre amarela é considerada doença de notificação compulsória imediata e, portanto, todo caso suspeito deve ser prontamente comunicado à vigilância em saúde do município. Tal recomendação se dá pela necessidade de se adotar as ações de investigação e monitoramento clínico apropriadas bem como permitir que as medidas preconizadas para prevenção da introdução da doença em uma dada área (incluindo-se uso de repelentes pelo paciente, ações de controle de vetor na região de moradia do paciente) sejam desencadeadas em tempo oportuno. Em princípio, são considerados suspeitos todos os indivíduos, não vacinados ou com estado vacinal ignorado contra febre amarela, que apresentem quadro febril agudo (geralmente com menos de 7 dias de duração), acompanhado de icterícia e/ou manifestações hemorrágicas, que sejam procedentes (ou residentes) de área de risco para febre amarela ou locais com epizootias em primatas não-humanos.

No entanto, considerando-se que uma significativa proporção de indivíduos infectados pode não apresentar icterícia ou hemorragia, profissionais que venham a atender pacientes com quadros febris agudos, sem foco aparente, que sejam procedentes de áreas de transmissão e não tenham comprovação vacinal, devem considerar além dos possíveis diagnósticos diferenciais mais frequentes, como dengue, a possibilidade de febre amarela. Em tais situações recomenda-se a avaliação cuidadosa do caso e a discussão junto à vigilância do município. 5 - Como está a questão da vacinação? Em geral, a vacinação é recomendada em duas situações, dois cenários. Para a população que reside em áreas de risco de transmissão, onde há ou houve evidência de circulação do vírus (circulação essa comprovada seja pela detecção de infecção em primatas não-humanos, em humanos ou em ambas espécies). A outra situação se dá para pessoas que, embora não residam em áreas classificadas como de transmissão, tenham a programação de viagem para áreas onde haja a recomendação da vacina, notadamente, mas não exclusivamente, quando viagens nas quais há a possibilidade de contato com áreas rurais, locais de mata e florestas. A importância da vacinação em viajantes se fundamenta em dois aspectos: a proteção individual contra uma doença potencialmente grave, letal e a prevenção de uma possível situação em que a pessoa que viaja para uma área de transmissão, ao retornar, sirva como “vetor” para uma localidade onde até então o vírus não existe. Especificamente, em relação à Campinas e região, considerando-se o contexto epidemiológico atual, no qual não há evidências de circulação do vírus (seja em primatas ou em humanos), a recomendação da vacinação se restringe às pessoas que estejam planejando viajar para áreas de transmissão ou para atender às exigências de alguns países do Certificado Internacional de Vacinação. Quanto às indicações da vacinação contra febre amarela para viajantes que residem em municípios onde não esteja havendo a circulação do vírus algumas perguntas devem ser respondidas: a pessoa, de fato, vai se deslocar, vai viajar para área de risco? A pessoa, de fato, não tem vacinação prévia contra febre amarela que possa ser considerada protetora? A pessoa apresenta alguma contraindicação relativa ou absoluta à vacina? Os benefícios da vacinação superam o risco de possíveis eventos adversos pós-vacinais? São considerados indivíduos imunes, não havendo necessidade de (re)vacinação: quem já recebeu duas doses ou aqueles que receberam uma dose nos últimos 10 anos. Quem recebeu duas doses é considerado protegido por toda vida; ou seja, a revacinação a cada 10 anos deixou de ser recomendada. Os esquemas vacinais para pessoas que residem ou que venham a viajar para áreas com recomendação da vacina são os que seguem:

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Idade

Situação vacinal Esquema indicado Sem nenhuma dose

Aplicar uma dose aos 9 meses de idade e reforço único aos 4 anos de idade (intervalo mínimo de 30 dias entre as doses)

Sem nenhuma dose

Aplicar uma dose e reforço único após 10 anos

Com uma dose antes dos 5 anos de idade

Aplicar reforço único, assim que possível (intervalo mínimo de 30 dias entre as doses)

Com uma dose a partir dos 5 anos de idade

Aplicar reforço único após 10 anos

Com duas doses ou mais

Considerar vacinado e não aplicar nenhuma dose

Crianças entre 9 meses até 4 anos 11 meses e 29 dias de idade.

A partir de 5 anos idade

Pessoas com 60 anos ou mais, que nunca foram vacinadas ou sem comprovante de vacinação, se de fato houver indicação, podem ser vacinadas se estiverem clinicamente bem e quando houver dúvidas deve haver avaliação médica para que se considerem os riscos e benefícios. A vacina contra febre amarela é, via de regra, contraindicada para gestantes, podendo ser considerada apenas em situações específicas de emergência epidemiológica, vigência de surtos, epidemias ou viagem para área de risco de contrair a doença. Em tais situações, avaliar criteriosamente os riscos e benefícios da vacinação. São consideradas contraindicações gerais à vacinação: • Lactantes; se vacinadas, aleitamento deve ser suspenso idealmente por 28 dias; • Crianças menores de seis meses. • Portadores de imunodeficiência congênita ou adquirida, neoplasia maligna. • Pacientes infectados pelo vírus HIV com alteração imunológica. • Pacientes em terapêutica imunodepressora: quimioterapia, radioterapia, corticoide em doses elevadas (equivalente a prednisona na dose de 2mg/kg/dia ou mais para crianças, ou 20 mg/dia ou mais, para adultos, por mais de duas semanas). • Pacientes sob uso de medicações antimetabólicas (por exemplo: a azatioprina e ciclofosfamida). • Pacientes sob uso de medicamentos modificadores do curso da doença, os biológicos: (Infliximabe, Etanercepte, Golimumabe, Certolizumabe, Abatacept, Belimumabe,Ustequinumabe, Canaquinumabe, Tocilizumabe, Rituximabe). • Pessoas com história pregressa de doença do timo (miastenia gravis, timoma). • Pessoas com história de manifestações anafiláticas após dose anterior da vacina ou após ingestão de ovo. 6 - Quais são as medidas preventivas? Assim como preconizado para prevenção de outras arboviroses – como a dengue, a chikungunya, a febre pelo vírus

Zika - a proteção contra a picada dos potenciais vetores é a medida preventiva que deve ser sempre lembrada e recomendada, podendo ser feita com o uso de repelentes e uso de roupas longas (calça e mangas). Ao se adotar tais medidas as pessoas estarão potencialmente se protegendo não apenas contra febre amarela, mas contra outras doenças transmitidas por vetores. No entanto, a vacinação figura como a principal medida de prevenção contra a febre amarela, desde que atendidas todas as recomendações acerca do número de doses, os tempos e prazos de vacinação. Vale ressaltar sempre, que além das medidas de proteção individual, está aquela de enorme relevância, não apenas do ponto de vista individual, mas coletivo: as ações cotidianas que todo cidadão deve, diariamente, o ano todo, todos os anos, adotar contra o mosquito Aedes, vetor incriminado como o responsável pela transmissão também da febre amarela em ambientes urbanos. Ou seja: o combate ao Aedes é ação mandatória não apenas para a prevenção da transmissão de surtos e de epidemias de dengue, do chikungunya, da febre pelo vírus Zika, mas também da introdução e reurbanização da febre amarela nas cidades. Rodrigo Angerami. Médico infectologista da Seção de Epidemiologia Hospitalar/HC/UNICAMP e do Departamento de Vigilância em Saúde de Campinas. Professor do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia das Doenças Transmissíveis/FCM/ UNICAMP. Membro do Comitê de Arboviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia. Moderador do ProMED - Program for Monitoring Emerging Diseases/International Society for Infectious Diseases. Diretor do Departamento de Infectologia da SMCC


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