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Coluna – Destaque Científico
from REVISTA MEDICAÇÃO - AGO/OUT-2022
by Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas
DESTAQUE CIENTÍFICO COVID longa e sintomas neuropsiquiátricos
Dr. Lucas F. B. Mella
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COVID longa se refere ao aparecimento de diversos sintomas após a fase aguda da infecção pelo coronavírus (COVID-19). Mais da metade dos pacientes apresentaram novos sintomas desde a fase aguda até seis meses do início da doença, sendo 65% mais frequente em comparação com casos de influenza no mesmo período, de acordo com estudo americano anterior à vacinação, que avaliou prontuários de mais de 270 mil sobreviventes da COVID-19. Os sintomas neuropsiquiátricos estiveram entre os mais prevalentes, abrangendo depressão e ansiedade (22,8%), fadiga (12,8%) e sintomas cognitivos (7,9%)1. Embora os dados ainda sejam incipientes, alguns estudos já trazem informações consistentes sobre características clínicas e achados indicativos da fisiopatologia das manifestações neuropsiquiátricas da COVID longa. Essas informações podem contribuir para a prática clínica, incluindo diagnóstico e elaboração de um racional terapêutico para essa nova e desafiadora patologia.
O risco de sintomas neuropsiquiátricos parece ser maior em pacientes que tiveram quadro grave da COVID-19 na fase aguda, com necessidade de hospitalização ou de terapia intensiva. Além disso, adultos mais velhos apresentariam maior chance de desenvolver sintomas cognitivos e fadiga1. Dados sobre o curso dos sintomas afetivos indicam que os sintomas de ansiedade evoluiriam com melhora após três meses da infecção. Por outro lado, anedonia e apatia parecem persistir por mais tempo2. Em relação à cognição, o desempenho dos pacientes em testes neuropsicológicos sugere que a COVID longa estaria relacionada a lentificação de velocidade de processamento, desatenção e disfunção executiva3,4 .
A fisiopatologia subjacente às manifestações neuropsiquiátricas na COVID longa ainda é pouco compreendida, mas parece incluir mecanismos inflamatórios, lesão de substância branca, atrofia cortical e alterações vasculares cerebrais. Em pacientes internados por COVID-19, marcadores inflamatórios, aferidos na admissão hospitalar, correlacionaram-se diretamente com a gravidade de sintomas depressivos e inversamente com o desempenho cognitivo e a conectividade cerebral três meses após a admissão4,5. Além do mais, a queda dos marcadores inflamatórios foi preditora da redução da gravidade da depressão4 .
Estudos com ressonância magnética evidenciaram que a COVID longa estaria associada a alterações da conectividade de redes córtico-subcorticais da região pré-frontal e do giro cingulado anterior6. Ademais, os sintomas depressivos na COVID longa estariam correlacionados a alterações da conectividade e a atrofia da ínsula e do giro cingulado anterior5. Em pacientes que evoluíram com sintomas cognitivos mais graves após a infecção pelo coronavírus verificou-se ainda aumento de sinais de microangiopatia em substância branca, o que estaria relacionado ao estado de hipercoagulação na fase aguda da COVID-197 .
Até o momento, não há ensaios clínicos com intervenções para os sintomas neuropsiquiátricos da COVID longa especificamente. Ainda assim, os resultados de intervenções para síndromes clínicas semelhantes (como síndrome da fadiga crônica, neuroHIV, comprometimento cognitivo leve e transtorno depressivo maior), aliados aos dados de estudos preliminares na COVID longa, podem nortear seu manejo na prática clínica. Desse modo, pode-se recomendar psicoeducação e terapia cognitivo-comportamental para depressão, queixas cognitivas e fadiga, assim como estimulação cognitiva para comprometimento cognitivo. Antidepressivos com ações noradrenérgicas podem ser considerados para casos mais graves de depressão caracterizada por apatia e anedonia, enquanto psicoestimulantes podem ser benéficos para desatenção, lentificação e fadiga.
Referências
1. Taquet M, Dercon Q, Luciano S, Geddes JR, Husain M, Harrison PJ. Incidence, co-occurrence, and evolution of long-COVID features: A 6-month retrospective cohort study of 273,618 survivors of COVID-19. PLoS Med. 2021;18:e1003773. 2. Lamontagne SJ, Winters MF, Pizzagalli DA, Olmstead MC. Post-acute sequelae of COVID-19: Evidence of mood & cognitive impairment. Brain, Behav Immun - Heal. 2021;17:100347. 3. Bungenberg J, Humkamp K, Hohenfeld C, Rust MI, Ermis U, Dreher M, et al. Long COVID-19: Objectifying most self-reported neurological symptoms. Ann Clin Transl Neurol. 2022;9:141–54. 4. Mazza MG, Palladini M, De Lorenzo R, Magnaghi C, Poletti S, Furlan R, et al. Persistent psychopathology and neurocognitive impairment in COVID-19 survivors: Effect of inflammatory biomarkers at three-month follow-up. Brain Behav Immun. 2021;94:138–47. 5. Benedetti F, Palladini M, Paolini M, Melloni E, Vai B, De Lorenzo R, et al. Brain correlates of depression, post-traumatic distress, and inflammatory biomarkers in COVID-19 survivors: A multimodal magnetic resonance imaging study. Brain, Behav Immun - Heal. 2021;18:100387. 6. Lu Y, Li X, Geng D, Mei N, Wu PY, Huang CC, et al. Cerebral Micro-Structural Changes in COVID-19 Patients – An MRI-based 3-month Follow-up Study. EClinicalMedicine. 2020;25:100484. 7. Hellgren L, Birberg Thornberg U, Samuelsson K, Levi R, Divanoglou A, Blystad I. Brain MRI and neuropsychological findings at long-term follow-up after COVID-19 hospitalisation: An observational cohort study. BMJ Open. 2021;11:e055164.
Dr. Lucas F. B. Mella - CRM-SP: 135017 Psiquiatra e Psicogeriatra pela Associação Médica Brasileira (AMB) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Coordenador do Serviço de Psiquiatria Geriátrica e Neuropsiquiatria da UNICAMP. Membro do Departamento Científico de Psiquiatria da SMCC.