Soldado, Puta, Ladrão (SPL)

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Soldado, Puta, LadrĂŁo (SPL)


EXPEDIENTE Textos: Bruno Revolta, Delza Eloy, Fernanda Almeida, Larissa Mundim e Rico Lopes Fotos: Delza Eloy, Fernanda Almeida, Layza Vasconcelos e Rico Lopes Colagens: Delza Eloy e Rico Lopes Ilustração: Alexandre Andrade Revisão e edição: Larissa Mundim Diagramação: Bárbara Sofia Carsan

Tiragem: 100 Abril, 2018

A zine Soldado, Puta, Ladrão foi criada e produzida na oficina Publique Seu Bairro, que integra o projeto Casa Fora de Casa. Realização: Sobreurbana. Co-produção: Coletivo Centopeia. Apoio: Fundo de Arte e Cultura de Goiás. www.casaforade.casa


APRESENTAÇÃO De maneira íntima e carinhosa, o Setor Pedro Ludovico é conhecido por SPL. E a sigla reapropriada pelos moradores do bairro batizou esta zine. A expressão Soldado, Puta, Ladrão foi entreouvida no Mercado, em tom de brincadeira. Mas reflete valores, pre-conceitos e, quem sabe, pode até delatar a autoestima deste setor que é tão especial, ainda peculiar, no conjunto da Cidade. Diferente de tantos outros, o Setor Pedro Ludovico é rodeado por áreas verdes, como o incrível Jardim Botânico. Ali está guardada uma das nascentes do Córrego Botafogo. O SPL não tem uma grande praça central, mas reúne muita gente que se conhece há décadas, no Mercado e na feira de domingo. Um privilégio dos moradores é ter ali um teatro e um centro cultural muito ativos, além de um festival de artes anual. Muitos dos moradores pioneiros ainda estão por aqui e grande parte da população local nasceu e agora está vendo seus filhos crescerem, sem sair do bairro. Mas o setor está sofrendo grandes mudanças, no momento, com a implantação do BRT, com a previsão de ampliação da Marginal Botafogo e o que é ainda mais grave: uma operação urbana consorciada pode despertar o interesse da especulação imobiliária na região do Jardim Botânico. Uma ameaça que pode expulsar as famílias originárias do bairro, seja pela desapropriação de áreas pela Prefeitura, seja pela investida de incorporadoras e construtoras. A partir da sigla SPL, você consegue imaginar outro título para esta zine se este plano capitalista se consolidar?


Conhecer para recomendar Você sabia que o Jardim Botânico de Goiânia, na verdade ainda não é um Jardim Botânico? E sabia que ele tem o nome de uma professora e orquidófila goiana, chamada Amália Hermano Teixeira? Você sabia que ele representa a maior área verde da cidade e que tem um milhão de metros quadrados? Ou que ele foi inicialmente projetado para ser uma reserva ambiental para

proteger uma das nascentes do Córrego Botafogo? Pouca gente sabe muito sobre o Jardim Botânico, mas muitos ouviram alguma história sobre ele. Conhecido na região como Mata, o Jardim Botânico é para muita gente um local de desova de corpos, estupros, encontros sexuais e consumo de drogas. Mas será que é mesmo assim?


Estima-se que 95% da população goianiense nunca adentrou no Jardim Botânico e mesmo os moradores do entorno pouco interagem com ele. Entre cerca de 500 moradores do bairro entrevistados pela equipe de mobilização do Casa Fora de Casa, 350 afirmaram que nunca ou raramente frequentam o Jardim Botânico. O curioso é que as pessoas que nunca visitam o parque são aquelas que mais o rejeitam. Quem frequenta, gosta e recomenda. O Jardim Botânico tem pista de caminhada, ciclovia, trilhas para explorar a pé ou de bicicleta, espaço para piquenique, borboletário e outras tantas atrações. É possível, inclusive, marcar visitas guiadas para explorar essa riqueza, mas poucos sabem disso e menos o aproveitam.

Enquanto isso, o Jardim Botânico atrai cada vez mais o mercado imobiliário, que adora construir apartamentos de luxo com vista para a natureza. (André Gonçalves, Sobreurbana)


O que é um Jardim Botânico?

Toda cidade possui algumas áreas que são muito especiais por abrigarem exemplares de plantas e vegetação natural. Essas são as chamadas áreas verdes. Mas agora pense em uma área que, além de resguardar parte da vegetação natural, ainda abriga uma coleção das mais diversas plantas, cuidadosamente escolhidas, formando uma espécie de museu botânico vivo. Imaginou? Então, essa área é um Jardim Botânico! O Jardim Botânico é muito mais que uma área verde. É um local destinado a abrigar uma diversidade de plantas, sementes e tudo mais que possa estar relacionado à flora. Esse mesmo local recebe exposições educativas, artísticas e científicas, com o objetivo de conservar a flora e de apresentá-la à comunidade. Ou seja, quer estar mais próximo das plantas e conhecê-las mais a fundo? Nada melhor que visitar um Jardim Botânico. Goiânia abriga o Jardim Botânico Amália Hermano Teixeira.


Fundado em 1978, ele está localizado na cabeceira do Córrego Botafogo, um dos primeiros mananciais a fornecer água à cidade. A área abriga o maior remanescente de floresta da cidade, com uma grande diversidade de plantas e animais do Cerrado. É só sentar na beira de um dos lagos, deixar a mente acalmar que logo se pode escutar todos os tipos de aves, com seus assobios e sons melódicos. Com um pouco mais de paciência, é possível avistar pequenos bandos de macacos e, se olhar mais atentamente, pode-se observar um micromundo à parte, com pequenos seres que vão desde besouros e joaninhas a cigarras e outros mais. Sem falar no balé das borboletas que estão sempre por lá, visitando

as flores em busca de seu alimento, o néctar. Poesia à parte, o Jardim Botânico é uma área de grande importância para a Cidade, pois além de permitir esse contato vital com a natureza, nele encontramos árvores centenárias de espécies como o Bálsamo, Jatobá, Jequitibá, Aroeira e os tão amados, ipês, roxo e amarelo. Ou seja, é mesmo uma área muito especial voltada à conservação da flora, ao conhecimento, à conexão com a natureza e a preservação da qualidade de vida da cidade. Se você ainda não conhece, está perdendo tempo. Reúna a família e vá passar uma manhã no Jardim. Ele aguarda por você. (Dra. Nathália Machado, bióloga, Nós + Árvores)


7:30 AM No meio da passarela entre as duas muralhas formadas pelas barracas na lateral um farmeiro traz o sol pra o meio da rua ao despejar um fruto de caroço amarelo numa bacia de alumínio sobre um barril E Dona Odete faz compras como quem passeia puxando o carrinho de feira como quem desfila seus brincos piscam & balançam rimam com sua saia floral esvoaçante girando, girando, girando num furação de flores Eu vi abacaxis de cetro e coroa reinando imperiosos entre mangas rosáceas e ameixas negras melancias malemolentes quase se esborracham no ar


Forç

a es tran ha

e eu sinto nos lábios o sumo das laranjas de sangue Estou rodeado de paisagens pintadas a óleo pastel frito carne queijo orégano E telas de natureza morta jarras de suco das poupas de todas as frutas do mundo E a roda da fortuna segue girando enquanto quase tropeço no mundo e apalpo o chão com as duas mãos: é que um menino me atravessa! Passa correndo pela fila Arma a barraca levanta caixotes Trabalha corre e vive na feira O pão que ganha no dia come na manhã seguinte E segue girando na rua. A vida acontece no domingo na feira. 7:37 AM (Rico Lopes)


Mercado do visível e do invisível Fundado em 1963, na administração do prefeito Hélio Seixo de Brito, o Mercado foi erguido com tábuas, originalmente, e reconstruído em alvenaria, cinco anos depois. Passou por reformas valorizantes de sua arquitetura art déco para ocupação com comércio local: açougue, barbearia, bricabraques, pastelaria. Mais de 20 salas e salões para eventos, além do pátio, que é estacionamento em dia útil. No domingo, o largo é ocupado pela feira de hortifruti: “É um real, é um real, é um real”. Sempre assim... na hora da xêpa. Mais do que ponto de venda, ponto de encontro de antigos moradores do bairro, espaço permanente de convivência e diversão. Lugar de afetos. Até o início de 2018, o Mercado do SPL hospedava um forró, na sexta à noite. Deixou saudade. O evento dançante que rompia a madrugada de sábado foi suspenso e o pessoal dali não gosta mais de falar no assunto...


Para conhecer um pouco sobre a relação afetiva dos moradores do bairro com o Mercado, conversamos com quem passava por ali, num domingo pela manhã:

“Pra mim é tudo, só falta organização no tamanho das lojas, tem todo esse espaço aí com a promessa de que vão montar o Vapt Vupt, mas isso é conversa velha, tô há 33 anos aqui.” – Izabel Cruz, 59 anos, costureira.

“O que eu acho? É que deveria sair daqui, porque já tem outro ali atrás. Deveria derrubar tudo, é muito parado, não dá lucro... É uma área só de lazer, não vale a pena. Tem 60 anos que venho aqui.” – Julio Domingos, 79 anos, aposentado.

“É um hábito de domingo, além disso, é uma questão histórica. Uma identidade setorial, um lugar que oferta diferentes produtos, é uma facilidade. Bom, e é cultural para as pessoas que vem aqui” – Nayara Pereira, 30 anos.


Uma ilha de galhofas Em entrevista com o produtor cultural Marcos Lotufo, coordenador da Oficina Cultural Geppetto, ele conta um pouco sobre a Galhofada, que é uma mostra de teatro na rua que acontece no Setor Pedro Ludovico e que, em 2018, chega na sua 15º edição e que vai acontecer nos dias 25, 26 e 27 de maio. É um trabalho sem fins lucrativos, que une a arte ao fazer social. O evento toma forma com apresentações cênicas, oficinas, feirinhas culturais de troca e atividades comunitárias de recepção ao público. Tudo gratuito e ao ar livre, acontece na Ilha da Galhofa, que na verdade é o canteiro central da Alameda Henrique Silva, carinhosamente apelidado pela comuni comunidade do setor. SPL: O que é a Galhofada e como ela surgiu? ML: Preocupados com a situação da cultura no estado de Goiás e principalmente Goiânia, um grupo de agitadores culturais (atores, produtores etc) resolveu se apresentar nas ruas. A [Cia de Teatro] Nu Escuro estava estreando O Cabra que Matou as Cabras e se dispôs a apresentar o espetáculo na ilha da Alameda Henrique Silva. O Zabriskie, o Teatro que Roda e o Reinação se juntaram a eles e os demais se dispuseram a ajudar. O Joãozinho, o Bareta, a Cléo, Dona Edith, o Felipe e várias outras pessoas do setor deram a maior força. Para a divulgação, escolhemos Galhofada que quer dizer muitas galhofas, muitas brincadeiras.

SPL: Você consegue avaliar como se dá o impacto de um evento como a Galhofada dentro do SPL? ML: Bem, não temos um trabalho sistemático que possa medir o impacto no setor, mas imagino que ela nos devolve um pouco da auto-estima roubada pelo


poder econômico e por interesses escusos de outros agentes. Com ela, conseguimos nos propriar de nossa própria cidadania. Sabemos de algumas dessas conquistas, alcançadas por moradores do setor, por notícias de jovens que p raticam o teatro, o circo e profissões afins, alguns eventos que surgiram alavancados pela Galhofada. Hoje, a coordenação da Galhofada tem a participação direta de moradores do setor.

SPL: Quando ela acontece? ML: A Galhofada acontece quase sempre em maio, festejando o final das chuvas, o outono. SPL: Qual é a participação da Geppetto na Galhofada? ML: A Geppetto era um desses grupos que discutia as questões da Política Cultural inexistente na prefeitura e no governo do estado. Pelo fato de estar próximo, atua como apoio, referência, quartel general e base. (Bruno Revolta)

Oficina Geppetto Rua 1013, Quadra 39, Lote 11, 467 - St. Pedro Ludovico facebook.com/geppettocultural | @geppettocultural


Teatro e resistência O Grupo Zabriskie surge do desejo de realização do sonho de fazer teatro. Um sonho de muita gente. Por isso, a atriz Ana Cristina Evangelista planejou a existência de um espaço para receber pessoas interessadas em se divertir, em refletir sobre as coisas do mundo, em compartilhar ideias, “em viver várias vidas”. Desde que foi fundado, em 1993, o grupo é guiado pelo desejo de promover a presença, o encontro entre pessoas e o fortalecimento de relações com a Cidade. A linguagem pesquisada, a criação e manutenção do Teatro Zabriskie, a formação de atores, o apoio a outros grupos e o contato permanente com o público são consequência dessa escolha. Localizado no Setor Pedro Ludovico, o Teatro Zabriskie é um centro cultural, um lugar de resistência. A casa está aberta para temporadas, algo pouco usual em Goiânia, e existe ali um programa de formação de público. Para isso, o grupo vem dialogando com a comunidade, por meio das escolas, comércio, centros comunitários e suas lideranças locais. “Para o Zabriskie, a busca por aproximação se legitima a partir dos sentimentos relacionados ao desejo de pertencimento e de apropriação. A grande maioria da população do nosso bairro ainda não conhece o Teatro. Mas já está convidada”, reforça a atriz Ana Cristina Evangelista que, em conjunto com o ator e diretor Alexandre Augusto, dirige o Zabriskie Teatro. Você sabia que morador do Setor Pedro Ludovico tem desconto na entrada? Basta apresentar comprovante de residência. Zabriskie Teatro Avenida Antônio Martins Borges, Setor Pedro Ludovico facebook.com/pg/zabriskieteatro @zabriskieteatro


Uma quarta-feira qualquer “Tira o pé do meu almoço!”, gritou o moço velho sentado perto da catraca, querendo apressar o motorista, às 6h30. Tem gente que só vive pra comer... Pensei, ainda com a barriga cheia de pão, manteiga e café com leite. A menininha já havia contado, em alta voz, 107 cabeças e ainda tinha gente lá fora. Mas na boca do ônibus, ninguém empurra-empurra, já é gado acostumado. Um tipo de gado zumbi. Deve ser gente cansada da noite anterior. Porque ontem era quase 22 horas quando o coletivo passou no Centro. Ficou no Terminal até 23h10. Fez as contas: dezessete horas sem banho. Piscou os olhos e tava na fila de novo, entrando no buzão. “Tem pra todo mundo!”, berrou o motorista como quem diz que o próximo veículo acaba de encostar na plataforma, sem que a pessoa com deficiência tenha concluído seu valente movimento de entrada. A vida é pros fortes... Pensei também. E comentei com o moço velho: Que falta uma pracinha nos faz. (Larissa Mundim, no Terminal Izidória)



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