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Aos meus pais



PROVA FINAL PARA LICENCIATURA EM ARQUITECTURA FAUP, ano lectivo de 2007/2008 VolumeI

“REQUIEM pela Anja”

[Um Mercado na Baixa Histórica da Cidade do Porto]

Trabalho realizado por

Ana Sofia da Silva Costa Lopes Gaspar



Docente acompanhante:

Arquitecto Adalberto Dias Estรกgio realizado entre Setembro de 2006 e Maio de 2007 no Atelier A.sob a responsabilidade do

Arquitecto Joaquim Massena


“REQUIEM pela Anja”_Índice


Lâminas Desenhadas

volume I

Lâmina 01 – Desenho 01/18 Lâmina 02 – Desenho 02/18 Lâmina 03 – Desenho 03/18 Lâmina 04 – Desenho 04/18 Lâmina 05 – Desenho 05/18 Lâmina 06 – Desenho 06/18 Lâmina 07 – Desenho 07/18 Lâmina 08 – Desenho 08/18 Lâmina 09 – Desenho 09/18 Lâmina 10 – Desenho 10/18 Lâmina 11 – Desenho 11/18 Lâmina 12 – Desenho 12/18 Lâmina 13 – Desenho 13/18 Lâmina 14 – Desenho 14/18 Lâmina 15 – Desenho 15/18 Lâmina 16 – Desenho 16/18 Lâmina 17 – Desenho 17/18 Lâmina 18 – Desenho 18/18

| Localização [escala 1/2000] | Mapa de usos [escala 1/1000] | Implantação [escala 1/500] | Alçados do conjunto [escala 1/500] | Planta das cargas e descargas e do mercado do peixe [escala 1/200] | Planta das Padarias e do mercado hortofrutícola [escala 1/200] | Planta dos Talhos, Flores e Gourmets [escala 1/200] | Planta dos Restaurantes e das Salas de estudo da FAP [escala 1/200] | Corte transversal aa’ [escala 1/200] | Corte transversal bb’ [escala 1/200] | Corte longitudinal cc’ [escala 1/200] | Alçados interiores das galerias de distribuição [escala 1/100] | Corte construtivo [escala 1/50] | Plantas, cortes e alçado da escada principal [escala 1/60] | Pormenor da banca do peixe [escala 1/25] | Pormenor da banca hortofrutícola [escala 1/25] | Pormenor da banca das flores [escala 1/25] | Pormenor do carro e das caixas para o transporte das mercadorias [escala 1/10]

“REQUIEM pela Anja” [Um Mercado na Baixa Histórica da Cidade do Porto] I.

Abstract I.1. Opção temática, Objecto, Objectivo e Metodologia II. O Mercado e a Cidade III. O Mercado e o Porto IV. Pensar o mercado IV.1 Deambulação pelos lugares IV.2 O lugar IV.3 O programa IV.4 A proposta V. E finalizando… VI. Bibliografia VII. Proveniência das Imagens VIII. Agradecimentos volume II

Esquissos e afins…

001 | 002 002 | 003 004 | 053 054 | 107 108 | 109 109 | 115 115 | 124 124 | 129 130 | 177 178 | 183 184 | 190 191 | 193 194 | 195





Subitamente, - que visão de artista!,Se eu transformasse os simples vegetais, À luz do sol, o intenso colorista, Num ser humano que se mova e exista Cheio de nelas proporções carnais?! Bóiam aromas, fumos de cozinha: Com o cabaz às costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; E às portas, uma ou outra campainha Toca frenética, de vez em quando. E eu recompunha, por anatomia, Um novo corpo orgânico, aos bocados. Achava os tons e as formas. Descobria Uma cabeça numa melancia, E nuns repolhos seios injectados. As azeitonas, que nos dão o azeite, Negras e unidas, entre verdes folhos, São tranças dum cabelo que se ajeite; E os nabos – ossos nus, da cor do leite, E os cachos de uvas – os rosários d’ olhos. Há colos, ombros, bocas, um semblante Nas posições de certos frutos. E entre As hortaliças, túmido, fragrante, Como de alguém que tudo aquilo jante, Surge um melão, que me lembrou um ventre E, como um feto, enfim, que se dilate Vi nos legumes carnes tentadoras, Sangue na ginga vivida, escarlate, Bons corações pulsando no tomate E dedos hirtos, rubros, nas cenouras. O sol dourava o céu. E a regateira, Como vendera a sua fresca alface E dera o ramo de hortelã que cheira, Voltando-se, gritou-me, prazenteira: «Não passa mais ninguém! Se me ajudasse?!...» Num Bairro Moderno [Cesário Verde]



Abstract

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“Nas cidades foi sempre atributo do poder instituído assegurar o abastecimento dos cidadãos em boas condições de acessibilidade, quantidade, qualidade e preço.”1 Esta foi a função principal para a qual o mercado surgiu não se conhecendo nenhuma cidade ou pequeno aglomerado onde este não existisse, confundindo-se muitas das vezes o limite entre os espaços de mercado e os espaços públicos. Esta relação converteu o lugar do mercado num dos mais cívicos fazendo parte da história dos espaços colectivos e “[...] edifícios inseridos no território urbanizado, usados por largos extractos da população e que constituem a sede e o lugar da sua experiência colectiva.”2 Nas cidades gregas e romanas, o mercado desenvolvia-se no seu ágora e fórum, respectivamente, ou seja na praça representativa do poder, realizando-se em simultâneo com as actividades político-religiosas. De facto, a Praça Pública foi um dos espaços mais utilizados para desenvolver esta actividade, contudo devido às exigências higiénicas e urbanísticas do século XIX foi substituída por um Edifício Público, que de uma forma geral, incorpora estas praças no seu interior, pois constituíam o espaço ideal para a implantação dos novos mercados não só pela sua história de antigas Praças de Abastecimento, mas simultaneamente pela sua localização estratégica no crescimento da nova cidade. O Edifício de Mercado assumiu um papel fundamental na cidade oitocentista pois concentrou os vários mercados e feiras avulsos da cidade, libertando assim os espaços públicos de rua e de praça das incómodas transacções comerciais, ao mesmo tempo que respondia adequadamente às exigências higieno-sanitárias de um equipamento comercial moderno, garantindo o máximo de conforto e de qualidade às vendas e aos utentes. Contudo no início do século XX assiste-se à perda da importância destes grandes mercados devido ao envelhecimento dos núcleos tradicionais e da consequente transferência do centro para as denominadas novas centralidades, onde se localizavam as funções urbanas mais representativas dos novos hábitos de consumo e de comercialização dos produtos como os supermercados, que apresentavam uma nova lógica comercial assente no preço fixo e tabelado e na oferta de produtos congelados e pré-feitos. Nos finais do século XX, os mercados manifestam sinais de grande degradação e uma desadequação ao quotidiano e por tal, surge uma estratégia de os Reabilitar no sentido de redimensionar os seus espaços de venda, adequando-os à procura actual, ao mesmo tempo que se tenta incorporar novos programas e funções que permitam um 1 2

NONELL 1992, p. 11. Ídem, p. 9.

horário de funcionamento mais alargado, abrangendo assim um público multigeracional.


O mercado continua a ser um equipamento estruturante nas nossas cidades, não só pela sua oferta quase exclusiva de produtos frescos e nacionais e mas também por ser um equipamento público e um lugar de encontro e de sociabilidade, simultaneamente com um papel estruturante na Revitalização das Baixas históricas das cidades, enquanto equipamento catalisador e característico do Comércio com Identidade. A meu ver, esta é e devia continuar a ser a função do mercado

Opção temática, Objecto, Objectivo e Metodologia A breve abordagem aos conceitos e à história do mercado na cidade, desenvolvida anteriormente e mais pormenorizadamente no primeiro capítulo deste trabalho, vai culminar numa síntese pessoal e num projecto prático de um Mercado Público para a cidade do Porto, e mais concretamente para a sua Baixa Comercial. A opção por um tema teórico-prático, em oposição a um trabalho apenas teórico, surge como síntese de um percurso académico que sempre se pautou pela interdisciplinaridade entre as cadeiras teóricas e a nuclear, a disciplina de Projecto. De facto, a actividade do arquitecto reúne na sua vida profissional estas duas vertentes, que a meu ver são indissociáveis, pois sem prática não há teoria. A escolha do tema do Mercado Público resulta de um conjunto de particularidades decorrentes destes dois últimos anos, desde que finalizei o quinto ano na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. O facto de estagiar no Atelier do Arquitecto Joaquim Massena, o autor do projecto de Reabilitação do Mercado do Bolhão de 1992, colocou-me em contacto directo com a importância da reabilitação dos mercados, como um processo de “catálise urbana” da Baixa da cidade do Porto e do comércio tradicional, que tende a desaparecer com a proliferação de centros comerciais pela cidade histórica. Simultaneamente, assiste-se na cidade do Porto, a uma intenção de reconverter os mercados em espaços potenciadores de lucro, como os centros comerciais, que levanta desde logo, três questões preocupantes: a da privatização dos espaços públicos e ícones da cidade como o Bolhão, a canalização das vendas para os supermercados e hipermercados, e a destituição da figura do arquitecto, como um elemento capaz de criar e requalificar espaços ou diria de transformar a cidade. Contudo, o interesse pelo Mercado na cidade do Porto, foi ganhando um corpo mais consistente ao longo das várias conversas com o Arquitecto Adalberto Dias, que alertou para a pertinência de um tema actual que focasse a relação de um equipamento com a cidade. Este intensificou-se, quando me apercebi que desde as cidades mais pobres às grandes metrópoles, como Paris, Londres e Barcelona, os mercados continuam a fazer parte do quotidiano das pessoas, reabilitando-se os existentes e desenvolvendo-se novos. Para além destes motivos, o mercado representa em termos programáticos e funcionais, uma verdadeira praça (entenda-se por praça, o espaço social da cidade, o lugar de encontro e

“REQUIEM pela Anja”_abstract

público na cidade.


reunião dos cidadãos), sendo este tema de grande importância na actualidade pois muitos dos espaços públicos da nossa cidade estão a ser alvo de concessões privadas ou a desaparecer sendo por tal fundamental preservar os que ainda existem e desenhar novos. Assim, o objectivo desta prova resulta por um lado, numa reflexão sobre um tema actual e polémico e por outro na materialização do que pode ser um mercado na cidade do Porto, integrando

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novos programas e funções, por forma a actualizá-lo e renovar o seus espaços, caso contrário, assistir-se-á, como tudo indica, à sua reconversão em centros comerciais. A estratégia adoptada para desenvolver este tema foi a divisão do trabalho em dois capítulos distintos: uma primeira parte de carácter mais teórico, onde reúno e sintetizo um conjunto de informações sobre a evolução histórica e tipológica do mercado, analisando-o num contexto internacional e na cidade do Porto e a segunda, onde faço uma reflexão sobre o que pode ser o mercado na cidade contemporânea, que culmina num projecto de um mercado para a nossa cidade, integrando-o nos parâmetros de requalificação da Baixa Portuense e mais concretamente na potencialização do seu comércio Tradicional.



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O Mercado e a Cidade A história do mercado permite-nos perceber um pouco da evolução dos espaços públicos e colectivos da cidade, assim como as características de uma sociedade e/ou civilização pois, para além deste espaço desenvolver uma função urbana essencial, a do abastecimento de bens alimentares perecíveis pela população, desempenhava simultaneamente um importante papel social pois era um lugar de encontro e de reunião dos cidadãos. Por estes motivos o mercado implantou-se próximo dos espaços públicos, ou seja junto às portas da cidade, em largos, campos ou praças, nos cruzamentos dos caminhos mais importantes e próximo dos portos fluviais, sendo esta localização estratégica pois estava associada aos espaços de maior movimento e aos locais representativos das mais variadas funções da vida urbana como a política, a religião e a economia. Sabe-se que até ao século XVIII, a venda de produtos alimentares desenvolvia-se em mercadosfeira ao ar livre, diários e/ou semanais, no piso térreo das habitações ou em feiras periódicas. Estas últimas desempenharam uma função económica e comercial estruturante pois foram elas que garantiram a distribuição diária e quotidiana de produtos frescos e em boas condições de higiene pela população, já que os mercados tiveram essa enorme dificuldade até à introdução da rede a frio. Assim, de uma forma geral, o mercado propriamente dito realizava-se num dia específico da semana. A referência a um primeiro mercado surge associada à civilização egípcia do Antigo Império e ao mercado de Gourna que se realizava semanalmente e próximos dos locais de maior movimento. As suas vendas desenvolviam-se em tendas e barracas temporárias, ao longo de uma estrada, que no dia de mercado, se tornava “[...] the pitch of the grain merchants, who would spread their heaps of golden corn under striped awnings all the way down it. Immediately to the right you would see the café, roofed with six domes, and stretching along the northeast wall to the other gate, a row of fourteen deep vaults, in in which were the stalls. Deep inside each of these vaults, on a low platform, the merchant would squat in the middle of his goods [...] On your left you would see a mass of trees, regularly spaced like an orchard to shade the maximum area, and beneath them the long mangers [...].” 3 Nestas civilizações, o mercado adquiria um pouco o carácter das nossas feiras pois realizava-se num dia específico, num espaço público e ao ar livre, decorrendo as vendas de forma espontânea. No entanto não existem dados suficientes que possibilitem uma descrição mais detalhada sobre estes mercados, sendo apenas possível perceber as suas características a nível

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FATHY 1973, p. 76.

formal e estratégia de implantação na cidade.


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01a-b Ágora e Stoa de Assos, Grécia, séc. II a.C


O mercado nas culturas clássicas, grega e romana, desenvolvia uma estratégia de implantação semelhante à dos mercados egípcios. Contudo este passa a desenvolver-se na praça representativa do poder político, económico e social, participando assim na organização desta, ou seja, no caso grego, na ágora e no caso romano no fórum. A título de exemplo, a ágora helenística de Assos, na Grécia, construía-se numa praça pública 007

aberta, ao ar livre, sendo esta rodeada por importantes edifícios porticados que organizavam um grupo de oficinas de artífices, abertas para o transeunte, desenvolvendo-se no centro deste espaço, o mercado. Pela observação da imagem da reconstituição desta ágora percebe-se que a venda dos seus produtos alimentares era organizada por sectores e disposta centralmente, em bancas fixas de barracas ou cobertos temporários, cuja organização e aspecto formal se assemelhava às actuais feiras semanais das nossas cidades, sendo que o único aspecto que difere é talvez a sua implantação, pois desenvolviam-se no centro da vida pública e no lugar das actividades comerciais, sociais e políticas, enquanto que as feiras aproveitam os vazios urbanos e os espaços descaracterizados e abandonados da nossa cidade ou periferia. Sabe-se que o facto das trocas comerciais se realizarem em simultâneo com as outras actividades perturbava alguns cidadãos como Aristóteles que defendia a construção de duas ágoras distintas, uma comercial e outra política, libertando assim a praça pública das incómodas transacções comerciais e dignificando a segunda actividade, atitude que vai ser retomada no século XVIII. Estas civilizações desenvolveram para além das trocas comerciais ao ar livre e em praça pública, duas tipologias que se aproximam da galeria comercial ou da Passage e do Mercado Claustral. Ambas corresponderam a edifícios de mercado público que se implantaram, estrategicamente, na malha urbana e geralmente próximo das praças de poder da cidade. A primeira, definida como Stoa, localizava-se no perímetro da ágora e correspondia a uma estrutura linear coberta, caracteristicamente alongada, rectilínea e de média ou grande dimensão, que exibia dois ou mais pisos que acolhiam desde um programa comercial, com a venda de produtos alimentares e outros, a espaços como galerias de exposição, universidade e por exemplo a sede de instituições, desenvolvendo-se como edifícios multifuncionais. Estes programas organizavamse em salas dispostas perpendicularmente a galerias de circulação e cujo acesso era garantido, internamente, por escadas, sendo que um dos lados maiores do edifício se encontrava em contacto directo com a ágora ou praça. A Stoa, talvez pelas suas características de uma estrutura linear e que por tal, possibilita uma fácil acomodação dos produtos e uma eficaz organização do espaço, foi novamente adoptada no século XVIII, nomeadamente pelos espaços de armazenamento dos produtos alimentares.


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02a-c Mercados de Hippo Regius, Tbuburbo Maius e Leptis Magna, Roma


O Mercado Claustral correspondia a um edifício geralmente rectangular, de um ou mais pisos, que conformava no seu interior um pátio central onde se desenvolviam as vendas dos produtos alimentares e no seu perímetro porticado, as lojas-tabernae, que realizavam uma venda de pormenor, em filas fixas de tendas. Estes mercados eram construídos em alvenaria de pedra ou de tijolo e devido à dificuldade de abrir vãos nestes edifícios, materializaram estruturas fechadas, de carácter 009

maciço e monumental. Este maciço era quebrado apenas pelo(s) acesso(s) e posteriormente pelas lojas que se começaram a desenhar em dupla fachada, virando-se para o interior, ou seja para a praça do mercado e simultaneamente para a rua e para a cidade. Em oposição à fachada exterior cega, a praça de mercado era caracterizada pelos intensos movimentos e pelo bulício das trocas comerciais e sociais desenvolvidas onde se vendiam os produtos em bancas e por vezes num corpo circular, a tholos, que era desenhado para duas funções, a comercial e a religiosa. A primeira correspondia a uma venda especializada de um determinado produto, tendo lido que para a venda do peixe, a religiosa destinava-se, segundo a obra de Vitrúvio, à colocação de espaços sagrados para os deuses. Sabe-se que na cidade romana existiu uma especialização do tipo de vendas e da sua actividade, conhecendo-se o mercado dos produtos alimentares denominado de Macellum; o mercado de panos definido de Eumachia e os espaços de armazém dos produtos alimentares e dos seus excedentes denominados de Graneros. Estes desenvolviam-se numa tipologia de mercado claustral cujas vendas se realizavam em simultâneo no pátio e no perímetro exterior, conformado pelas lojas-tabernae, sendo excepção nos Graneros, onde os espaços de armazém, da administração e os de venda dos produtos alimentares se desenvolviam perimetralmente ao pátio, no seu piso térreo ou nos pisos superiores, libertando assim o espaço central da praça de qualquer actividade, protegendo, simultaneamente, as diversas funções das intempéries exteriores,ou seja do sol e da chuva. No que diz respeito ainda à caracterização destes espaços de mercado, sabe-se através do livro A Arquitectura dos Mercados Romanos de Jorge Alarcão, que estes evoluíram quer a nível programático, adicionando-se espaços e vestíbulos que antecedem a entrada ou salas e pátios porticados, como se pode observar nos mercados de Hippo Regius e no de Tbuburbo Maius, quer formalmente onde por exemplo no Mercado de Leptis Magna se restringem os locais de venda a duas tholos centrais que se organizam centralmente na praça de mercado. Embora seja desconhecida a função de alguns destes espaços, estes reflectem a complexidade que o mercado vai adquirindo, desde a evolução da sua forma, programas e escala, não ignorando que muitos destes espaços parecem reforçar o valor deste equipamento enquanto lugar de encontro e de reunião dos cidadãos, ou seja um espaço de sociabilidade.


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Mercado

Via Biberática

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03a planta do Fórum e dos Mercados de Trajano, Roma 03b corte transversal pelos Mercados de Trajano, Roma, Appollodore de Damas, 110 d.C. 03c-d Mercado dos produtos alimentares de Trajano, Roma, Appollodore de Damas, 110 d.C.


Não poderia deixar de mencionar e descrever um dos maiores complexos comerciais desta época, o Mercado de Trajano em Roma, que data de 110 d.C., não só pela sua monumentalidade mas também pela sua complexidade espacial e programática. Implantado na encosta do monte Quirinal e junto ao fórum do imperador Trajano, as características topográficas do lugar conduziram o arquitecto Appollodore de Damas a desenvolver um Mercado em Altura, distribuindo os diferentes 011

tipos de vendas e actividades por seis níveis distintos. Nos pisos inferiores e de contacto directo com o fórum desenharam-se um conjunto de lojastabernae organizadas numa estrutura semicircular e cujo acesso é feito através de galerias abertas para a praça. Nos pisos superiores, aos quais se acede através da Via Biberática, desenvolveramse um outro conjunto de lojas e o mercado propriamente dito dos produtos alimentares, que se construiu num edifício rectilíneo, contrariamente à estrutura semicircular que desenha todo o edifício. Este último corresponde a um edifício de mercado coberto e fechado cuja cobertura, com abóbadas de betão, remata uma altura de dois pisos onde se localizam os espaços de venda dos géneros alimentícios. À semelhança dos mercados descritos anteriormente, este desenvolveu-se numa estrutura de alvenaria de tijolo, sendo que as suas aberturas são agora mais pronunciadas e marcadas através das galerias laterais e das janelas que as complementam, materializando assim o sistema de iluminação do mercado. É de referir, que o Mercado de Trajano integrava outro tipo de actividades intrínsecas ao desenvolvimento das suas vendas como os “[...] armazéns do Estado, os serviços administrativos que controlavam o comércio e preços fixos (institutio alimentaria), os escritórios ligados à annona (distribuição de trigo) e as repartições dos organismos financeiros que tributavam a actividade económica e financiavam o tesouro”4, o que reforçou a complexidade que este programa ía adquirindo, bem como o aumento de escala e de dimensão destes. A estratégia que associava o mercado às demais funções da vida urbana, ou seja às actividades políticas, económicas e sociais volta a verificar-se na cidade medieval, onde o mercado se desenvolve na praça pública e estende-se ao piso térreo dos edifícios de governo sendo que “[...] el ayuntamento5 y el mercado eram la misma cosa, el primero arriba y este último abajo y abierto en sus lados”6. Esta estratégia de concentrar funções urbanas distintas no mesmo edifício prendia-se com o facto de na cidade medieval haver uma enorme escassez de espaços livres e daí a necessidade de agrupar actividades distintas no mesmo volume, crescendo com este corpo em altura. As Praças Públicas Italianas e os edifícios de governo que as conformam, como é exemplo o Palácio de Broletto em Como materializam esta concentração funcional, cujo piso térreo livre e

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STIERLIN 1997, p. 137 e 138. Câmara Municipal. PEVSNER 1976, p. 283 e 284.

porticado acolhe os espaços do mercado e em oposição, o piso superior de carácter mais maciço e fechado recebe as funções da justiça e administração.


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04 Palazzo del Broletto, Como, 1215 05a Palazzo Pubblico, Siena, 1298-1348 05b Palazzo Vecchio, Florença, 1299-1314 06 Mercado de panos, Ypres, 1200


Contudo nos finais do século XIII, devido a uma evolução tipológica dos edifícios de governo que passam a desenvolver-se num volume maciço e fechado que anula o piso térreo livre e porticado, desconhecendo o porquê desta alteração e devido a novas exigências higieno-sanitárias que contrariavam as condições precárias em que as vendas urbanas se processavam na cidade, nomeadamente por se realizarem ao ar livre e sujeitas às diferentes condições climatéricas,

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assiste-se à progressiva separação da actividade do mercado das político-administrativas. Por estes motivos, tornou-se necessário repensar a implantação e a forma/volumetria do mercado na cidade, tendo-se este desligado dos espaços de praça pública e autonomizado num edifício específico para a sua actividade. É neste contexto que surgem as Halles medievais, antecedentes das Halles modernas. Embora exista uma passagem de um espaço de mercado em praça e ao ar livre para um edifício público, o mercado continuou a localizar-se no centro urbano e político, junto à praça principal, o que reforçou a sua importância no desenvolvimento das cidades. As Halles medievais traduziram uma mudança de conceito já explorada nos mercados romanos, ou seja a hierarquização das vendas sendo os mercados mais conhecidos, os da carne, peixe e de panos, que correspondem aos produtos alimentares e necessidades básicas. De uma forma geral, uma cidade tinha apenas um mercado com cada uma destas funções o que traduziu um aumento de escala/dimensão do edifício, possibilitando assim armazenar um maior número de produtos alimentares e concentrar várias pessoas o que reforçou o conceito de que um mercado é um espaço para a concentração de grandes massas, conceito fortemente explorado no século XVIII. Espacialmente, estes edifícios mostravam-se propícios ao desenvolvimento das vendas pois eram espaços cobertos e fechados e que por tal se encontravam protegidos do sol e da chuva, podendo realizar as actividades de venda e o processo das cargas e descargas num lugar seguro e protegido, garantindo simultaneamente uma melhor qualidade e frescura dos produtos alimentares a vender. O mercado propriamente dito e as suas vendas desenvolviam-se no piso térreo, em bancas ou tendas dispostas longitudinalmente no espaço, sendo que o(s) piso(s) superior(es) estavam reservados para outras actividades como por exemplo salões de festa. A localização deste programa no mercado reforça o seu carácter de lugar de reunião, encontro e sociabilidade. O Mercado de panos de Ypres construído em 1200 articulava outro tipo de programas e desenvolvia uma solução formal distinta, composta por dois corpos: no principal realizavam-se as vendas dos produtos alimentares e num corpo autónomo e secundário, a câmara, os tribunais, a prisão e a capela, embora este último corpo estabelecesse fortes contactos físicos e visuais com o anteriormente mencionado. A nível formal o mercado continuava a ser um edifício maciço e imponente na cidade pois o sistema construtivo utilizado continuava a ser uma estrutura de alvenaria de pedra com poucas aberturas nas fachadas e com uma cobertura em madeira. Estes mercados ou halles tiveram um papel fundamental e expressivo nos Países Baixos, sendo nestes que se encontram os edifícios mais imponentes e de maior escala.


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07 Mercado Ideal, Itália, Averlino Filarete, séc. XV 08 Fondaco de Tedeschi, Veneza, posterior 1505


Numa fase final da idade média verificou-se um maior cuidado com o desenho e a concepção dos lugares de mercado, bem como com a definição dos equipamentos e espaços públicos, no que diz respeito, essencialmente, a factores de ordem funcional e higiénica, o que reflectiu um pouco das preocupações humanistas que o período renascentista introduziu na sociedade. A título de exemplo gostaria de referir o mercado ideal de Filarete, que data de finais do 015

século XV, não só pela sua complexidade programática, mas simultaneamente formal e funcional. Assim, “El centro es una zona rectangular para los puestos y paradas, rodeada por arcadas sobre columnas. Detrás de las arcadas, en el lado oeste, esta el mercado de carne y volatería, com la casa del matarife detrás, y en el lado sur está el mercado de pescado. Un canal rodea por completo al mercado para arrastrar los desperdicios. Mas allá del canal, en el lado norte, está el mercado de granos, el Palazzo del Capitano y la lonja («cassa usuraria»); en el lado este, las posadas, una casa de baños y un burdel («casa di Venere »); en el lado sur, el mercado de vinos y la taberna («casa di Bacco »).”7 Para além da forte necessidade de disciplinar o desenho através de uma composição espacial e da definição de eixos de simetria, denota-se uma preocupação a nível da organização dos espaços, estando os diferentes tipos de vendas separadas por sectores, bem como um maior cuidado com os cheiros e com os resíduos que um mercado provoca constantemente sugerindose por tal, um canal perimetral à praça central, para o depósito destes, ao invés de ficarem nos percursos que são simultaneamente espaços de trabalho e espaços de circulação. Estes princípios irão ser aplicados com um maior nível de complexidade nos edifícios de mercado moderno, sendo essencialmente na interpretação destas premissas e do seu programa, que se verifica a evolução deste equipamento. O crescimento intensivo da actividade comercial e as constantes trocas de cidade para cidade conduziram ao aparecimento de outros espaços no interior do mercado como habitações, locais de dormida e tabernas que permitiam que os comerciantes permanecessem nas cidades. O mercado ideal de Filarete já previa estes programas bem como os Fondaco, sendo os mais conhecidos os de Veneza, que eram estruturas comerciais de tipologia claustral onde as vendas dos produtos alimentares se continuavam a realizar na praça de mercado e perimetralmente a esta, sob o seu porticado, e nos pisos superiores do edifício, os outros programas como os armazéns, os bancos e as habitações para os comerciantes. Embora, em alguns dos mercados anteriormente descritos, se verifiquem algumas preocupações com a higiene e com a salubridade dos seus espaços e com a forma como se desenvolviam as trocas comerciais, muitas das transacções continuavam a desenvolver-se nas ruas e em praças públicas, representando estes, simultaneamente espaços de circulação e de

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PEVSNER 1976, p.286

mercado.


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09a-c Ruas Comerciais da cidade ocidental, Piliers des Halles, Paris, Idade Média Rue des Colonnes, Paris,1795 Arcadas do Mercado da Ribeira,Porto 10 Grande Bazar, Istambul,1481


A rua constituía uma via comercial, geralmente especializada numa determinada actividade e ofício ou na venda de um produto, sendo este o motivo pela qual muitas das ruas das nossas cidades assumam esta toponímia, a título de exemplo: “[...] en Inglaterra las calles de la Leche, las calles del Pan y las calles de los Zapateros, y en Francia las de la Ropa Blanca y de la Herrería8” e no Porto a Rua dos Caldeireiros, a dos Pelâmes e a das Flores. 017

A falta de higiene destas ruas comerciais não se referia apenas à exposição dos seus produtos ao ar livre e sob a via pública, mas simultaneamente, pelo facto de se desenvolver, no mesmo espaço e ao mesmo tempo, a venda e a manufactura dos seus produtos. Assim, o percurso por estes espaços devia corresponder a uma mistura de sensações desde os intensos cheiros às cores e resíduos que as preenchiam até às inúmeras filas de tendas e de barracas ou cobertos temporários que as desenhavam e caracterizavam. Embora no ocidente a rua comercial fosse uma alternativa pois existiam outras formas de venda urbana, na cultura árabe, era o lugar exclusivo do mercado, sendo este conhecido como o Bazar, que à semelhança do ocidente, era simultaneamente um eixo comercial e lugar de passagem e de circulação das pessoas, animais e viaturas. Devido à sua importância encontravase associada aos principais eixos urbanos, ao longo de uma rua ou num quarteirão estruturante da cidade, sendo que neste último, organizava uma malha de artérias comerciais que confluíam para um espaço central, de dupla ou tripa altura, geralmente abobadado e com uma fonte que materializava o lugar de encontro e de sociabilidade das pessoas. Estes Bazares eram equipados no seu interior com outros programas que complementavam o comércio, como por exemplo cafés, restaurantes e escolas - as madrasas – o que reforça a importância que espaço/equipamento tinha na cidade e simultaneamente a sua escala e dimensão, sabendo-se que o Grande Bazar de Istambul tem “[…] aproximadamente 2000000 de pies cuadrados […]”9. A organização interior destes espaços era semelhante à das ruas comerciais descritas anteriormente, com lojas ou espaços de venda individuais, organizados ao longo de um eixo de circulação, sendo que cada uma das lojas desenvolvia dois tipos de zonas distintas: uma no interior, onde se localizava um pequeno armazém ou atelier de trabalho e outra no exterior e de relação directa com a rua, onde se encontrava a banca de exposição dos produtos. Contudo, a concepção do Bazar, contrariamente às ruas comerciais descritas, demonstrava já algumas preocupações com o conforto e a comodidade bem como com a higiene, quer no que diz respeito ao acondicionamento dos produtos ou ao próprio acto de compra, sendo a venda das diferentes mercadorias organizada por sectores e num espaço coberto e fechado, ou seja protegido das intempéries exteriores e iluminado zenitalmente por cúpulas. As suas fachadas exteriores eram

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Ferraria. PEVSNER 1976, p. 314.

cegas e construídas em alvenaria de pedra ou de tijolo.




As Praças de mercado desenvolviam duas estratégias de implantação distintas: uma na praça do poder, junto à catedral e no espaço intramuros da cidade e outra, em oposição, nos locais extramuros e próximo das principais vias de saída urbanas. Esta última adquire uma importância estruturante no desenvolvimento da cidade moderna pois estes lugares tornaram-se autênticas praças de carácter comercial que permaneceram com esta função e foram absorvidos nos novos

hoje existem nas cidades. A localização destas praças nos espaços extramuros pretendia, por um lado, responder à falta de espaço livre no intramuros, procurando fomentar o crescimento urbano e por outro, associar-se estrategicamente aos locais de passagem e de maior movimento e afluência das pessoas, procurando fazer com que o mercado fosse acessível a um maior número de cidadãos. Estas praças desenvolviam uma organização semelhante às praças de mercado das cidades gregas e romanas, definindo-se como espaços públicos abertos, que neste caso, não eram conformadas por edifícios urbanos representativos pois não correspondiam aos tradicionais

“REQUIEM pela Anja”_O Mercado e a cidade

aglomerados, tendo-se convertido, muitos deles, em Edifícios de mercados públicos, que ainda

centros da cidade. As vendas dos produtos continuavam a realizar-se em barracas e cobertos temporários em torno de um espaço central, formalizando assim um lugar de trocas comerciais e sociais onde o movimento, o bulício, as cores e os cheiros definiam o espaço de mercado. Um dos grandes problemas inerentes ao facto das vendas ainda se desenvolverem ao ar livre, eram as precárias condições de higiene em que se realizavam, não protegendo desta forma, nem os produtos alimentares nem o comerciante e o utilizador das poeiras, do sol e da chuva, tornandose esta uma das grandes preocupações nos séculos seguintes: a necessidade de contrariar o modelo de mercado aberto, em plena praça pública e ao ar livre. De facto, as condições de higiene e de comercialização dos produtos assume particular importância no desenvolvimento da cidade moderna e no século XVIII, que se caracteriza pela era da industrialização e pelo explosivo crescimento populacional e consequentemente da produção, o que provoca uma expansão da cidade para fora dos seus limites muralhados. A necessidade de criar um maior número de mercados, separados uns dos outros, de forma a responder às necessidades de consumo e de produção leva a repensar o conceito, a forma e a implantação do mercado na cidade. Este abandona progressivamente a sua localização nas ruas e uma ocupação em lugares ao ar livre, reconvertendo-se a tradicional praça de mercado num Edifício Público, o que responde simultaneamente à nova caracterização dos espaços públicos da cidade moderna, onde se pretendia libertar as ruas e praças das incómodas transacções comerciais, de forma a dignificar a imagem urbana. Por estes motivos, assiste-se em muitas cidades, à reformulação e/ou demolição dos mercados existentes pois eram considerados “[...] pequenos, mal construídos, mal situados e sem boas condições de acessibilidade […]”

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o que conduziu à

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NONELL 1992, p. 29.


edificação de novos, sendo de referir a mudança de escala destes, desenhados e projectados para a concentração das massas e concordantes com as características de um espaço e equipamento moderno: “De même qu’on n’admet plus l’escalier tout ouvert, le portique sans vitrage ou l’eglise sans calorifère, on n’admet plus cette halle ouverte du vieux temps, el le programe moderne, c’est le marché fermé”11. 021

Assim, o mercado moderno passa a definir-se como um edifício coberto e fechado que mantém a organização do programa tradicional dos mercados claustrais, enunciados anteriormente, com um conjunto de lojas ou de espaços de venda no perímetro exterior e as transacções dos produtos alimentares na praça central, que passa a materializar, de uma forma geral, um espaço coberto e fechado, que possibilita responder às exigências higieno-sanitárias e simultaneamente “[...] esconder o carácter inevitavelmente desordenado e confuso dos mercados da época, com todo o seu barulho e sujidade [...]”12. Estes mercados adoptam duas estratégias de implantação distintas: recuperar e aproveitar as antigas praças de mercado ou reutilizar os terrenos e edifícios eclesiásticos que tinham sido desmantelados ou demolidos após a Revolução Liberal de 1834. Importa destacar a primeira, dado que estas praças localizavam-se, como já referi anteriormente, nos espaços extramuros e próximo das principais vias de saída da cidade, o que por um lado, respondia ao fenómeno da expansão da cidade moderna e por outro, garantia algumas premissas essenciais para a localização deste equipamento numa cidade, ou seja a acessibilidade, a centralidade, a proximidade com outros edifícios públicos e uma posição estratégica relativamente à expansão urbana. Assim, o mercado continuava a localizar-se no centro que correspondia agora às áreas extramuros da cidade medieval, mas que adquirem a centralidade na cidade moderna. Para a concretização do espaço do mercado moderno surgiram duas tipologias: uma de carácter mais maciço e imponente, construída em alvenaria de pedra e com uma cobertura de madeira e outra, edificada segundo uma estrutura metálica, de ferro e vidro. Ambas surgiram como uma tentativa de responder da forma mais eficaz às necessidades e exigências higieno-sanitárias e funcionais de um mercado moderno, contudo materializaram formas e espaços totalmente distintos, tendo um impacto na malha urbana também distinto. A primeira correspondia a uma tipologia de mercado-claustral, com um pátio central aberto e com arcadas no seu perímetro, que materializavam muitas das vezes a cobertura dos espaços de venda dos produtos alimentares pois estes transferem-se da praça de mercado para estas galerias, contrariamente ao que se verificava nos mercados gregos e romanos. Esta alteração pretendia responder às exigências higieno-sanitárias conferindo assim um maior conforto no acto de venda e no desenvolvimento da própria actividade do comerciante, garantindo simultaneamente a qualidade e a frescura dos

Idem, p. 121. Ibidem, p. 124.12

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alimentos pois não se encontravam expostos ao sol, à chuva e às poeiras.


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11 Feira de Saint Germain, Paris, séc. XVIII 12a-b Mercado de Saint Germain, Paris, J.B. Blondel, 1813-1816


O mercado de Saint Germain de J.B. Blondel, que data de 1816, é exemplo desta tipologia de mercado claustral construído em alvenaria de pedra e com uma cobertura em madeira. Este mercado aproveitou a implantação estratégica do antigo local da feira de Saint Germain, que se realizava numa praça ao ar livre, na cidade de Paris, em pleno século XVIII. J. F. Blondel integrou o lugar desta antiga feira no novo edifício, mantendo-o como um tradicional espaço de vendas ao 023

desenhá-lo como um pátio ou praça de mercado a céu aberto e desenvolveu um corpo perimetral a esta, projectando uma colunata dupla, onde podiam ocorrer, simultaneamente com o espaço central, as vendas dos produtos alimentares e de outros. No entanto, posso dizer que as preocupações com a higiene e a salubridade, bem como com o conforto dos espaços deste mercado, tanto no acto de compra como na acomodação dos bens e do processo das cargas e descargas das mercadorias, são aqui tratados de uma forma subtil, pois constroem-se, ao longo deste período, outros que pretendem responder a estas necessidades através de um edifício de mercado coberto e fechado. O facto de encerrar totalmente o mercado colocou a questão da sua espacialidade e dos percursos de circulação das pessoas, dado que, ao invés de um espaço livre e fluído para percorrer, como acontecia nas praças de mercado e nas feiras, este lugar iria ser preenchido por uma massa densa de pilares que estruturavam o edifício, o que por um lado contrariava a noção de equipamento público enquanto espaço para a concentração de massas e por outro o desenvolvimento da actividade comercial. Contudo, a estrutura de ferro e vidro e consequentemente as suas capacidades plásticas e funcionais/estruturais, que permitiram vencer grandes vãos sem suportes estruturais intermédios, possibilitou criar espaços amplos e sem entraves à fluidez espacial do mercado e por outro lado dotar o interior de uma elevada transparência, iluminação e ventilação natural que são factores bastantes favoráveis ao desenvolvimento de qualquer tipo de actividade comercial. O mercado de estrutura metálica transforma qualitativamente o espaço do mercado moderno. Estes materializam volumes imponentes e de grande escala que traduzem a desejada monumentalidade que um equipamento como o mercado deve ter na malha urbana, sendo que, em oposição às fachadas cegas e maciças dos mercados de alvenaria de pedra, estas são construídas em ferro e vidro. Os diferentes tipos de vendas e de produtos alimentares continuam a ser separados e zonificados por áreas específicas, que são intersectadas pelos percursos de circulação do utilizador, sendo que este jogo de cheios e vazios, ou seja de espaços de venda e de circulação, é definido por uma malha geométrica rígida, onde a regra é fundamental e onde a imagem de uma “barra de chocolate” caracteriza de forma metafórica a organização destes espaços de mercado moderno.


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13a-c Mercado Les Halles, Paris, Victor Baltard, 1852-58


O mercado Les Halles de Paris (1852-1858), da autoria de Baltard, é o melhor exemplo da tipologia de mercado de estrutura metálica. Este localizava-se estrategicamente no centro urbano e numa antiga praça de mercado da cidade. Espacialmente o les Halles “[...] consistía en una organización a base de pabellones – en número de catorce – conectados por avenidas cubiertas con bóvedas de medio punto. Todas las partes tenían cristal y cada pabellón servía para 025

un tipo (o varios) de productos”13, cuja organização reflecte uma preocupação com a separação dos diferentes produtos devido às exigências higieno-sanitárias e, espacialmente, transporta-nos para o desenho das nossas cidades, com a presença de ruas, praças e edifícios, sendo que esta analogia com os espaços urbanos vai permanecer no desenho e organização destes mercados e de outros formatos comerciais, como veremos com os centros comerciais. Contudo, um espaço totalmente fechado e coberto para uma actividade como a do mercado, embora respondesse de forma mais eficaz às exigências higieno-sanitárias e ao conforto, não se adequava à sua função pois contrariava os interesses do comércio, ao esconder a praça de mercado que devia ser visível e aberta, “Enfin, si on construit un marché, c’est pour que les acheteurs y viennent. Or, l’acheteur n’aime pas à pénétrer dans un lieu de vente sans avoir au moins aperçu la marchandise; il s’arrête devant l’étalage, et n’entre que lorsque cet examen lui a inspiré confiance. Et, le marché étant fermé, il ne voit pas: ne voyant pas, il n’entre pas”14, quebrando qualquer tipo de relações físicas e visuais entre a cidade e o mercado. Desde cedo, que se verificou o insucesso desta tipologia de mercado bem como de outros que adoptaram a mesma localização e estratégia de vendas, central e concentracionista, pois assumiu um papel e posição central no abastecimento da cidade, não se criando outros mercados, de menores dimensões, pois pensava-se que este, pela sua escala e localização dominaria todo o abastecimento urbano. Contudo, o mercado central não se adaptou ao crescimento contínuo das cidades, tornando-se uma estrutura pequena e insuficiente, tendo sido transformado, no caso concreto do mercado Les Halles, no Fórum do mesmo nome, em 1979, que corresponde a um complexo multifuncional que incorpora espaços como um centro comercial, restaurantes, programas desportivos e outros intrinsecamente associados às grandes superfícies. Importa referir, que para além desta incapacidade do mercado central abastecer a cidade em expansão, a sua localização estratégica no centro urbano das cidades, prejudicou o seu funcionamento, pois com a introdução do automóvel na vida e cidade moderna, o centro tradicional tornou-se um lugar quase inacessível através deste meio dado que o traçado das suas ruas e espaços púbicos não foi pensado para a sua circulação, fazendo com que muitas da pessoas não se desloquem ao centro, procurando assim novos formatos comerciais, mais próximos dos locais de trabalho ou da residência e simultaneamente mais eficazes desde o acto de compra à oferta do

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PEVSNER 1976, p. 292. NONELL 1992, p. 122.

próprio estacionamento como os supermercados.


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14a Mapa dos Mercados da cidade de Barcelona 14b Mercado de la Boqueria 14c Mercado de Santa Caterina 14d-f Mercado dos Pássaros e Flores, Ramblas


Em oposição a esta estratégia concentracionista das vendas num mercado Central surgiu uma outra que propunha uma rede de mercados dispersos pelo território e que apostava numa articulação entre um grande mercado, geralmente central e com um abastecimento mais geral de produtos e outros de menor dimensão, que garantiam uma distribuição pelos novos bairros residenciais e/ou periféricos ou áreas específicas da cidade. Este plano designado de Estratégia 027

Dispersiva foi testada, com sucesso, na cidade de Barcelona, pois o facto de existirem mercados de menores dimensões e com uma localização e um raio de abastecimento estratégico, fez com que muitos destes equipamentos fossem facilmente incorporados e mantidos nos novos hábitos e modos de vida da população e espaços da cidade do século XX, tendo-se associado actualmente a outras formas de venda urbana a retalho como por exemplo os supermercados. A importância de tal estratégia reforçou o papel e a permanência do mercado nesta cidade, tendo sido um caso de estudo analisado pela Professora Silvana Pintaudi no seu trabalho “Os mercados públicos: metamorfoses de um espaço na história urbana”, sendo de referir que setenta por cento (70%) da população da cidade de Barcelona realiza as suas compras quotidianamente neste espaço, existindo quarenta e um mercados activos nesta cidade e que no caso específico desta “[...] a paulatina constituição de mercados em bairros novos, permitiu que o sistema se mantivesse como uma forma de abastecimento muito importante para os consumidores. O fato deles aí se abastecerem fez com que a forma espacial tivesse uma permanência no tempo, mantendo a actividade para a qual o espaço foi construído desde o início.”15 De facto, para quem visita a cidade de Barcelona, uma importante referência para o desenvolvimento do meu trabalho, fica apaixonado pelas sensações e movimentos que um mercado causa numa cidade. Posso dizer, que quando percorria esta cidade e ia encontrando em cada bairro, e mil metros à frente, ou mesmo lado, um novo mercado, ficava impressionada com a gente que os habitava, podendo afirmar que tal cenário na cidade do Porto encontra-se nos jogos de futebol ou nos centros comerciais e em dias de intensa chuva. Posso concluir e em síntese, que ambas as estratégias: a de concentrar as vendas num espaço de mercado Central e a de dispersar as mesmas por um conjunto de vários mercados pelo território, distintos na função e escala, pretendiam responder da melhor forma às crescentes necessidades de procura da população, materializando assim dois pensamentos e conceitos estratégicos interessantes, mas totalmente distintos, diria opostos. Contudo, a segunda foi mais prospectiva e por tal, mais eficaz, pois a cidade não pára de crescer e por consequência, o desenho dos novos equipamentos e espaços urbanos deve ser reequacionado em sistema e rede e pensado ou projectado como um processo evolutivo e não como um objecto estanque e limitado

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PINTAUDI 2006, p. 3 e 4.

num lugar e no tempo.




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15a Localização das Passages em Paris, séc. XX 15b-c Passage de Panoramas, Paris, Jouffroy e Verdeau, séc. XX


É de referir, que embora se verificasse uma inadaptação do edifício coberto e fechado e de estrutura metálica à função do mercado, este material continuou a ser adoptado nos séculos XIX e seguinte, pelas Galerias comerciais ou Passage, que foram as antecedentes dos Grandes Armazéns do século XX. Embora estes espaços não se relacionassem directamente com a actividade comercial do mercado, ou seja a de abastecer a população de produtos alimentares básicos como o peixe, a 031

carne, o pão, o leite e os hortofrutícolas, são de referir as suas características mais importantes pois representam espaços comerciais de elite e de luxo, estando por tal associados a um capitalismo emergente e ao urbanismo dos novos quarteirões e boulevards das grandes metrópoles como Paris e Londres, implantando-se de uma forma geral nos principais eixos e quarteirões das cidades. Estes espaços resultam de uma evolução das tradicionais ruas comerciais, que agora passam a ser cobertas, devido às exigências higiénicas e de conforto, e que se especializam na venda de determinados objectos, geralmente direccionados para o público feminino como os tecidos, os chapéus, os vestidos e os acessórios, ou determinados produtos como os chocolates, as compotas, as bolachas e biscoitos, entre outros, definindo-se assim como lugares “[...] public protégé de la circulation et des intempéries et à la demande de nouvelles formes de débouchés pour une industrie de luxe en plein essor.”

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Espacialmente desenvolvem o mesmo esquema

de organização e de volumetria das Stoas, materializando estruturas lineares e longitudinais, de dois ou mais pisos, com tectos abobadados e uma iluminação zenital proveniente das cúpulas de cristal, vivendo-se de assim, no seu interior, um cenário de luz, cores e transparências. A passagem de uma rua comercial aberta e de contacto directo com o espaço público exterior, para a galeria comercial coberta e de relação com uma via de circulação proposta pelo próprio desenho do edifício, conduziu ao desenvolvimento de uma nova loja. Esta passa a ser fechada por uma porta e/ou montra-vitrine que altera definitivamente o aspecto e a caracterização destes espaços, embora a organização das suas vendas se mantenha, com uma banca de exposição a separar o vendedor do comprador e um pequeno espaço de atelier ou de armazenamento no interior do recinto. A introdução da porta e da montra-vitrine permaneceu nos nossos espaços comerciais, pois permite demarcar com clareza o espaço da rua e o da loja, possibilitando, se assim se desejar, a total interiorização desta, ao mesmo tempo que responde com mais eficácia às exigências a nível do conforto, comodidade e higiene dos espaços comerciais, bem como a um melhor acondicionamento dos produtos a vender. Estas lojas organizavam-se, também à semelhança das Stoas e tradicionais ruas comercias, de forma simétrica e perpendiculares a um espaço central de circulação que representava simultaneamente uma antecâmara da vida social e cultural onde se localizavam cafés, restaurantes e as suas esplanadas e desenvolviam actividades ligadas ao teatro, à música e ao lazer. Durante a noite, ou quando tal fosse necessário, estas 16

GEIST 1982, p. 52.

galerias eram encerradas nos seus topos por portões.


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16 Passeio de Cristal, Paris W.Moseley, 1885 17a-b Galeria Vittorio Emanuelle, Milão Giuseppe Mengoni, 1865-77 18a-c Galeria de Cleveland, Ohio J.Eisenmann e G. H. Smith,1888-90


A partir da segunda metade do século XIX e com o desenvolvimento das ferrovias e da mobilidade cliente-mercadoria estas galerias comerciais passam a integrar no seu interior linhas subterrâneas de transportes colectivos, como é possível observar-se no projecto, nunca construído, do Passeio de Cristal de William Moseley (1885), que propunha uma galeria comercial com dois pisos, reservando o inferior à linha de comboio e o superior aos peões, desenvolvendo 033 neste último espaços de lojas e lugares públicos de lazer e de vida social. A inserção da linha de

transportes colectivos no interior destas galerias reflecte a importância que estes espaços iam adquirindo na sociedade e cidade moderna, definindo-se como autênticos lugares de encontro e de sociabilidade, tal como os mercados, o que conduziu progressivamente a uma mudança de escala e de dimensão deste edifício, tornando-se espaços amplos e imponentes, com um forte conotação na malha urbana. São exemplo desta monumentalidade e representatividade de um espaço de trocas comerciais e sociais na cidade, as Galerias Vittorio Emanuele II, em Milão, da autoria de Giuseppe Mengoni (1865-1867) e a Galeria de Cleveland em Ohio projectada por Jonh Eisenmann e G.H.Smith (1888-1890). A primeira localiza-se no centro de Milão e tem um enorme impacto volumétrico na malha urbana, funcionando não só como espaço comercial e social mas, simultaneamente, como lugar de passagem e de atravessamento público da cidade. Esta galeria desenvolve uma organização das suas vendas em lojas individuais e num sistema de composição em cruz, cujo centro é marcado por uma cúpula central de vidro, bem como toda a sua cobertura que é abobadada e construída numa estrutura metálica de ferro e vidro, dotando o interior de uma enorme luminosidade. Em oposição a esta leveza e transparência da cobertura, as suas fachadas e suportes estruturais intermédios constroem-se numa estrutura em alvenaria de pedra. A Galeria de Cleveland, contrariamente à estrutura mista da Galeria Vittorio Emanuele II, construía-se numa estrutura metálica que organizava “[...] cuatro hileras superiores de galerías de hierro a las que se llegaba mediante unas impresionantes escaleras en el centro del conjunto”17 cuja espacialidade interior era encerrada por uma estrutura de ferro e vidro, enriquecendo mais vez estes espaços com uma iluminação natural. Este é o momento de transição entre o comércio isolado e de pequenas lojas individuais para os Grandes Armazéns que vendiam de tudo um pouco “[...] desde una aguja hasta un elefante”18, ao qual esteve inerente uma substituição progressiva dos valores do comércio tradicional por uma nova lógica de mercado assente nos preços fixos e na mercadoria etiquetada e tabelada que conduziu a uma rápida proliferação destas estruturas comerciais pela cidade. A estes esteve associada uma sociedade de consumo onde o acto de compra se converteu num acontecimento social e numa actividade de lazer e de puro capitalismo, provenientes do fenómeno da Revolução 17 18

PEVSNER 1976, p. 318. Idem, p. 320.

Industrial e do consequente aumento da produção.


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19a-f Armazém Bom Marché, Paris, L.A. Boileau e G. Eiffel, 1876


Das galerias comerciais cobertas evoluiu-se para os Grandes Armazéns que se localizaram estrategicamente no centro das cidades, tal como os mercados e desenvolveram-se em edifícios fechados, cobertos e em altura que anunciavam uma estratificação das vendas por pisos e numa grande superfície, o que alude à organização funcional e espacial dos centros comerciais. Exteriormente adoptavam uma fachada geralmente cega e em alvenaria que conferia um 035

carácter monumental e imponente, em oposição ao espaço interior concretizado numa estrutura metálica que permitia vencer grandes vãos e dotar o espaço de uma enorme luminosidade proveniente das cúpulas de vidro, à semelhança das galerias comerciais mencionadas anteriormente. Por vezes, no interior, surgia uma alusão à pedra, que era apenas utilizada para o embasamento e para os pilares de esquina, mencionados por exemplo, na descrição do primeiro Grande Armazém, o Bom Marché projectado em 1872 por Aristide Boucicaut. Este projectou-se para uma superfície horizontal de 50 000m2 e para três pisos o que reforça a escala e dimensão dos novos espaços comerciais, sendo este descrito como“[...] el concierto luminoso de cristal y hierro, y remarca el hecho de que su edificio es una inmensa jaula metálica, que los pilares de piedra son extraños al conjunto y que sólo aguantan su proprio peso.”19 É de referir que a localização dos Grandes Armazéns no centro urbano das cidades conduziu, tal como sucedeu com o Mercado Central, a uma perda da importância destes equipamentos devido ao declínio do centro tradicional e ao desenvolvimento nas periferias de novas formas de venda urbana, que atraíam cada vez mais cidadãos, o que levou a que se repensasse a implantação, não só deste espaço mas, simultaneamente, do mercado na cidade pois já se tinha verificado que a sua localização no centro histórico não se adequava ao funcionamento e expansão contínua da malha urbana. Focando-me essencialmente no mercado, que é o objecto de estudo desta prova, este procura novos territórios, periféricos ao centro tradicional e próximo das artérias viárias mais importantes, ou seja das Novas Centralidades, que correspondiam às áreas urbanas livres, onde se desenvolveram as funções mais representativas dos novos hábitos e modelos de consumo e de vida da população, pois como referi anteriormente, os factores da localização e da relação do mercado com a expansão e crescimento da cidade, foram desde sempre essenciais para o sucesso deste equipamento. As novas centralidades caracterizavam-se por um crescimento urbano rápido e difuso por tal careciam de um traçado urbano legível como o da cidade tradicional, o que conduziu a que, de uma forma geral, o mercado perdesse o seu carácter central e ordenador convertendo-se num “[...] edifício diluído no maciço urbano edificado, anónimo no cenário construído [...]”20. Esta característica da periferia estava enquadrada numa tentativa de responder de forma imediata e eficaz às necessidades de procura provocadas pela enorme explosão demográfica que traduzia, consequentemente, uma necessidade de criar áreas residenciais e de as infra-estruturar com

19 20

Ibidem, p. 320. EGF-SAGE,p. 2.

equipamentos comerciais e serviços.


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20 Mercado de Breslau, Wroclaw, Heinrich Kuster, 1906-08 21 Mercado de Leipzig, H. Ritter, 1927-29 22a-d Mercado de Reims, E. Maigrot, 1928-30


Paralelamente o mercado sofre grandes alterações a nível formal, arquitectónico e espacial pois pretendia-se que estes espaços fossem cada vez mais amplos para concentrar as massas consumidoras e mais rigorosos com a higiene e o conforto/comodidade dos comerciantes e dos seus utilizadores, bem como com a qualidade e a preservação dos seus alimentos. A introdução do betão armado nestas construções foi fundamental para alcançar a 037

escala e amplitude espacial necessárias devido à dimensão e arrojo dos seus vãos interiores e simultaneamente à monumentalidade e presença simbólica que os mercados adquiriram na malha urbana. Relativamente a estas premissas são de destacar, quer pela forma exterior e interior, quer pela sua proporção e monumentalidade, três mercados de betão armado que marcaram decisivamente o século XX: o Mercado de Breslau de Heinrich Kuster (1906-1908), o de Leipzig de Hubert Ritter (1927-1929) e o de Reims de Emile Maigrot (1923-1926). É de referir que para além das capacidades estruturais e físicas deste material, o betão alterou significativamente a imagem do mercado devido à expressividade atingida pelas suas formas, nomeadamente no tratamento da cobertura, que parece fundir-se com as fachadas do edifício como se de um movimento e de um plano contínuo se tratasse, devido à fusão dos elementos estruturais, ou seja do pilar e da viga. A cobertura assume particular importância pois define num só gesto todo o seu desenho, adoptando-se de uma forma geral, um sistema de arcos parabólicos ou de abóbadas para fechar o espaço do mercado, à qual se associa a iluminação e a ventilação do edifício feita através de vitrais incorporados na estrutura. Apesar deste arrojo estrutural e formal, o mercado mantém o desenvolvimento do programa tradicional, com a praça central de vendas e um conjunto de lojas perimetrais, onde se localizam por exemplo os talhos, as charcutarias, as queijarias e as mercearias, sendo que no exterior e de relação directa com a rua ou outros espaços públicos como a praça, é desenhada uma frente comercial de lojas individuais e independentes do funcionamento interno do mercado, que pretendiam fomentar o comércio da zona com outro tipo de actividades e vendas. Contudo são introduzidos outros programas e espaços nos mercados modernos, uns que se relacionam directamente com as novas exigências higieno-sanitárias e com a acomodação e preservação dos produtos alimentares e outros que se dissociam da função principal do mercado, ou seja programas como salas de espectáculo e espaços relacionados com as actividades políticoadministrativas. Esta última relembra-nos a estratégia da concentração funcional das actividades da cidade medieval, contudo, agora, com um objectivo distinto, pois enquanto que na primeira, se concentrava devido à falta de espaço livre na malha urbana, agora pretendia-se complementar o espaço do mercado com outras funções, devolvendo-lhe a sua alma enquanto lugar de encontro e de sociabilidade.


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23a-c Mercado de Laon, Paris, CH. Abella 24a-c Mercado de Clichy, Jean Prouvé, 1935


A título de exemplo, posso referir dois mercados que reflectem esta concentração funcional das actividades: o Mercado de Laon e o de Clichy, sendo que este último foi projectado em 1935 pelo arquitecto Jean Prouvé. O primeiro corresponde a um edifício de betão armado, coberto e fechado, que desenvolve no seu piso térreo as vendas dos produtos alimentares e num corpo independente, mas com fortes 039

relações físicas e visuais com o mercado, o tribunal, sendo que no seu piso superior se encontrava uma sala de reuniões, um foyer e um bar de apoio, articulando-se neste edifício as actividades comercias e as politico-administrativas, dotando-o simultaneamente de espaços característicos de equipamentos públicos e para a concentração de massas como o foyer e o bar. O Mercado de Clichy constrói-se numa estrutura metálica e materializa um edifício de mercado coberto e fechado que organiza no seu piso térreo, com uma área de dois mil metros quadrados e numa galeria superior, as vendas do mercado, respectivamente a dos produtos hortofrutícolas e a venda de tecidos e de sapatos, estabelecendo ambos os pisos fortes relações físicas e visuais, e nos patamares superiores localizam-se os espaços relacionados com o sector administrativo como as salas de reuniões, os escritórios e um auditório que pode funcionar como um cinema com capacidade para 200 pessoas, desenvolvendo-se assim uma estratificação dos vários programas e funções por pisos. É de referir, que relativamente a estes dois mercados, ambos reflectem na sua estratégia programática, uma preocupação em incorporar no edifício não só outras actividades como as politico-administrativas, mas, simultaneamente, espaços representativos de encontro e de reunião dos cidadãos, ou seja, lugares de sociabilidade que sempre estiveram associados ao mercado. Às novas exigências higieno-sanitárias e à necessária acomodação e preservação dos produtos alimentares estiveram associados novos espaços e equipamentos como a rede a frio e as arcas frigoríficas ou congeladoras, que permitiram manter os alimentos frescos e prolongar a sua duração, preservando-os; as áreas de armazenamento dos diversos produtos, sendo que algumas delas necessitavam de alguns cuidados específicos com a humidade e a temperatura dos espaços; os arrumos individuais e/ou colectivos para guardar os pertences dos comerciantes; o depósito dos resíduos sólidos e líquidos; uma área de Matadouro e os gabinetes administrativos do chefe do mercado e da fiscalização. Por outro lado, o mercado deixa de exercer, exclusivamente, uma venda directa ao público e passa a abastecer uma rede de equipamentos urbanos que necessitam dos seus produtos como os hotéis, os restaurantes, as escolas, outros mercados e até mesmo os supermercados, o que conduziu a uma mudança de escala e de dimensão dos mercados, não só dos seus espaços de venda mas, simultaneamente, das áreas de armazenamento dos produtos e por vezes de locais específicos como por exemplo o Matadouro.


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25a-d Mercado de Bordeaux, J. Debat Ponsan 26a-b Mercado do Bom Sucesso, Porto, ARS Arquitectos, 1949-1952


Relativamente a este último parâmetro, importa observar o Mercado de Carne de Bordeaux de J. Debat Ponsan, pois a sua área de venda corresponde à área do Matadouro e do armazenamento. Cada uma destas áreas desenvolve-se num piso e a organização dos diferentes produtos, em ambas as zonas, é sectorizada por espaços, sendo que as vendas da carne de vaca estão separadas das de porco e estas das de caça e assim sucessivamente. Esta zonificação das vendas pretendia

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responder às necessidades de higiene que variavam conforme a especificidade de cada produto e por tal, o zonamento destes, torna-se objecto de estudo pormenorizado nos novos mercados, sendo de destacar, pelo contacto directo e proximidade que desenvolvi, a organização das vendas no Mercado do Bom Sucesso, no Porto. Este é um edifício de betão armado, coberto e fechado, que devido à pendente das suas ruas desenvolveu-se em três pisos. À cota mais baixa e de contacto directo com a rua localizam-se as Peixarias, que dispõem de acessos e serventias independentes, enquanto que a venda dos produtos hortofrutícolas se desenvolve na praça central de terrado e os talhos, charcutarias, queijarias, padarias e mercearias em lojas perimetrais à praça ou nas galerias superiores, onde se encontram também as floristas. No perímetro exterior desenvolve-se uma frente comercial de lojas, que são abertas única e exclusivamente para a rua, e no piso da cave localiza-se o espaço das cargas e descargas e os serviços como o matadouro, armazéns, arrumos e o depósito dos lixos. Este foi desenhado num piso próprio e com uma entrada de serviço distinta das entradas públicas, de forma a não cruzar os movimentos do comerciante com os do utilizador, garantindo assim uma circulação mais fluida e um maior cuidado na limpeza do pavimento, evitando cheiros e olhares desagradáveis, inerentes à actividade do mercado. Outra das preocupações na concepção dos mercados modernos foi o desenho das estruturas e bancas de exposição dos produtos, sendo que nas várias visitas que realizei a estes, percebi que cada um desenvolvia uma estrutura distinta, o que reflecte a procura pelo desenho do equilíbrio e proporção, bem como da acomodação dos diferentes produtos pois cada um exige determinadas especificidades. Para a exposição do peixe, produtos hortofrutícolas e flores é necessário, ou mais adequado, a adopção de uma banca, enquanto que para os talhos, charcutarias e queijarias é mais favorável a loja, pois dispõe de dois espaços: o da exposição e o do armazenamento. É também comum associar-se os produtos hortofrutícolas e flores, ou seja a banca à praça de terrado devido às suas antigas relações com o espaço de feira. Importa referir, que enquanto que o desenho das lojas pode ser o mesmo pois as vendas que lá se processam, necessitam dos mesmos espaços e cuidados, já a banca do peixe é distinta da dos produtos hortofrutícolas e das flores, sendo necessário estudar qual a melhor posição ou pendente desta de forma a estabelecer um correcto eixo visual e físico entre o comerciante e o utilizador e entre este e o produto, requerendo por tal um desenho e estudo pormenorizado para cada uma das bancas e em oposição, uma concepção geral da loja. Todas estas características estiveram na base da concepção do mercado moderno quer fosse nos de alvenaria, nos de estrutura metálica ou de betão armado, materializando todos eles diferentes abordagens às necessidades e exigências dos novos mercados.


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27a-d Mercado Municipal da Vila da Feira, Fernando Távora, 1953-59


Desenvolveram-se em paralelo com estes grandes mercados, outros de menores dimensões – os Mercados de Bairro - que tiveram um papel específico no abastecimento de uma cidade em expansão: o de garantir a distribuição dos produtos alimentares básicos por áreas residenciais e/ou específicas, o que fez com que uma pessoa que habitasse nessas áreas não necessitasse de se deslocar às novas centralidades ou ao centro tradicional para realizar as suas compras

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quotidianas. Estes mercados adoptaram as várias tipologias anteriormente enunciadas, contudo em áreas de carácter mais rural e com uma forte proximidade com espaços públicos, desenvolveuse um novo conceito de mercado, que em termos urbanísticos deixa de funcionar como um volume único, passando a organizar as vendas em pequenos corpos/pavilhões, dispostos horizontalmente sobre a mesma superfície, sendo que estes são articulados através de coberturas e pérgolas. O desenho de vários pavilhões permitiu zonificar as vendas, sendo que a cada corpo correspondia um tipo de produto como o peixe, a carne, os hortofrutícola e as flores, não necessitando assim de se desenvolver uma estratificação das vendas por pisos. Estes corpos e as suas vendas viravamse, de uma forma geral, para uma praça central, dotada de uma fonte, que materializava o lugar das trocas comerciais e sociais, sendo que um destes corpos desenvolvia também uma frente comercial de loja que estabelecia uma relação directa com a rua. Existiam, para além da praça central, outros espaços exteriores como jardins e percursos que se prolongavam visualmente para a cidade, relacionando assim, de forma intrínseca, o mercado com o meio urbano, sendo que a proposta destes espaços de uso colectivo surgia da interpretação e continuidades tecidas pelo lugar. Um dos aspectos mais interessantes destes mercados é a noção de espaço aberto e de uma escala íntima presente na dimensão dos espaços e no pé-direito adoptado para as coberturas e para o desenho do próprio edifício, adaptando-se a volumetria do mercado à sua função no abastecimento da cidade ou da região. Um dos mercados que para mim melhor exemplifica esta tipologia pavilhonar e as suas características é o Mercado de Vila da Feira do arquitecto Fernando Távora (1953-1955). Este segue os princípios de implantação e da organização descritos anteriormente e desenvolve o mercado em quatro pavilhões aos quais correspondem as vendas do peixe, carne, produtos hortícolas e as frutas e flores. Um destes corpos organiza as lojas em dupla-fachada, umas que se viram para a rua e definem o espaço de entrada e outras para a praça central, recebendo o programa dos talhos e charcutarias. Os outros três corpos completam o perímetro do quadrado enunciado pelo primeiro pavilhão e pela praça central onde se desenha a fonte, sendo que as vendas estão voltadas para este último espaço, que em simultâneo com os percursos e jardins desenhados, relacionam-se física e visualmente com a cidade e reforçam o carácter de espaço aberto e social, convidando os cidadãos a participar deste lugar. Os materiais utilizados foram os tradicionais da cultura portuguesa, ou seja a pedra, a madeira e o azulejo, adaptados a uma linguagem e materiais modernos, presentes nas coberturas invertidas e no betão.




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28a-i Fotos do interior do Continente e do Jumbo, Porto e Gaia, 2008


A partir do século XX desenvolveram-se nas novas centralidades os supermercados cujo aparecimento esteve associado à introdução do automóvel e à consequente facilidade da circulação e mobilidade das pessoas e mercadorias. Este é um estabelecimento de auto-serviço que se destina à venda de grandes quantidades de produtos alimentares frescos, congelados e de refeições pré-feitas, bem como de produtos não alimentares, respondendo assim às novas 047

necessidades de consumo e hábitos da população e a uma nova lógica de mercado que aposta na acessibilidade, num espaço de estacionamento, nos preços fixos e tabelados e no alargamento do seu horário de uso. Por estes motivos, espalhou-se por todo o território tendo-se localizado inicialmente nas áreas periféricas e agora ocupando os centros tradicionais da cidade. Espacialmente são edifícios fechados e cobertos cuja lógica de funcionamento é distinta da do mercado, pois enquanto que neste último existe uma especificidade dos espaços e dos suportes de venda como as bancas para o peixe, a praça de terrado para os produtos hortofrutícolas e as lojas para os talhos, num supermercado assiste-se a uma certa homogeneização espacial desde a estante ou prateleira, às cores e publicidade, até ao próprio desenho e estratégia que é a mesma em todos os supermercados. Esta tendência para uma certa globalização do produto e do espaço reflecte a posição que este equipamento assumiu na cidade, que diria pouco participativa, pois vira-se totalmente para o interior e é feita por catálogo, estando nós já habituados aos grandes armazéns do tipo industrial vocacionados para o comércio. Para além de apostar no auto-serviço, retirando assim toda a relação social que se estabelecia entre o vendedor e o consumidor, os próprios empregados “[...] têm apenas as missões informativa, de auxílio, de embalagem e de cobrança, além dos trabalhos prévios de selecção, empacotamento e reposição das existências […]”21. As vendas desenvolvem-se numa grande superfície horizontal de um só piso onde os produtos são organizados por prateleiras, tendo as centrais “[...] apenas 1,30 a 1,40 m de altura para permitir observar todo o conjunto da sala” e “[...] estantes de parede até à altura que se atinge facilmente à mão (última prateleira a <2,00 m, a mais baixa a 30 cm do chão)” 22. O próprio percurso do cliente é um tema de estudo estratégico pois pretende-se, por um lado, que o consumidor ao entrar tenha uma percepção de todos os seus produtos e por outro, que o seu percurso de entrada seja oposto ao da saída, de forma a que este seja obrigado a passar por todas as prateleiras de exposição antes de pagar e sair, existindo muitas das vezes, um percurso de volta inteira. Este “[...]começa junto ao depósito dos cestos ou carrinhos e termina nas caixas e mesas de empacotamento”23 e é todo ele observado pelos empregados e controlo, sendo que ao longo da totalidade de um dos seus lados localizam-se as caixas registadoras, dominando assim todo o espaço. Este percurso é também marcado pelo constante bombardeamento, quer interior quer exterior, do marketing e

NEUFERT 1976, p. 272. Idem, p. 272. 23 Ibidem, p. 272. 21 22

publicidade que joga com cores e slogans extremamente apelativos de forma a incitar o consumidor a entrar, comprar o que necessita e a consumir o que não estava a pensar.


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29a-d Fotos do interior do Arrábida e Norte Shopping, Gaia e Porto, 2008


Por estes motivos e estratégias, o supermercado conseguiu atrair o público dos mercados para o seu espaço, que representa mais uma forma fácil e cómoda de realizar as compras do que uma garantia e qualidade dos géneros vendidos, contrariamente aos mercados que oferecem os produtos nacionais e com o máximo de qualidade e frescura. Mais recentemente apareceram os centros comerciais, que numa primeira fase pretendiam, 049

tal como o supermercado, concentrar um número máximo de vendas num mesmo edifício, que estava protegido das intempéries exteriores e dispunha de estacionamento próprio, bem como das mais variadas lojas de pronto a vestir, de acessórios, sapatarias, ourivesarias e outro tipo de comércio que até agora se encontrava disperso pelas ruas da cidade. Espacialmente correspondem a edifícios cobertos e fechados que viram costas à cidade e cujo único elemento de relação com o exterior é a porta. O centro comercial desenvolve uma estratificação dos seus programas ou vendas por pisos, o que difere da lógica horizontal do supermercado, sendo que também este aposta numa publicidade e decoração sumptuosas e numa lógica de consumo onde o acto de comprar é uma actividade de lazer. Numa segunda fase e mais recentemente, surgiu uma nova estratégia que localiza os centros comerciais, outrora implantados na periferia, no núcleo histórico das cidades, transportando para o seu interior todos os espaços urbanos, como se de uma micro-cidade se tratasse. Assim, de uma forma geral, nos pisos da cave localiza-se o parque de estacionamento; no térreo o supermercado ou hipermercado e no superior a Praça da Alimentação, sendo que nos pisos intermédios se organizam as lojas de roupa e de acessórios, as de telecomunicações e outros programas relacionados com os escritórios ou espaços ligados ao lazer e desporto. Esta tentativa de inserir o centro comercial no centro histórico, descaracteriza, a meu ver, a estrutura e os espaços da cidade antiga, uma vez que a sua lógica de funcionamento assenta na interiorização de um modelo, uma espécie de muralha sobre as vias circundantes, que quebra automaticamente com o conceito tradicional de espaço público, quer seja da rua, de uma praça ou de um equipamento. Embora, à primeira vista, esta intenção pareça viável pelo facto de lutar contra a desertificação dos centros tradicionais, trazendo pessoas das mais variadas faixas etárias para estes locais, simultaneamente, retira público dos espaços envolventes e consequentemente do pequeno comércio tradicional que ainda vai subsistindo, com enorme dificuldade, na nossa cidade. Esta questão toca num dos temas principais desta prova, que é a importância da reabilitação das baixas históricas e consequentemente do seu comércio tradicional. De facto, para que a cidade histórica seja novamente vivida e participada é fundamental desenvolver espaços e equipamentos que possam dinamizá-la e não apenas edifícios como os centros comerciais, que absorvem no seu interior todos os espaços urbanos, retirando pessoas das ruas, das praças e dos edifícios públicos.


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30a-c Reabilitação do Mercado de Santa Caterina, EMBT Enric Miralles e Benedetta Tagliabue, Barcelona, 2005


Por tal, penso que numa estratégia de reabilitação com estas características o equipamento Mercado adequa-se melhor à forma e morfologia da cidade histórica, quer pela forma como se implanta e relaciona com o território, quer pelo seu carácter de Equipamento Público enquanto espaço de trocas comerciais e sociais. Em cidades como Barcelona, por exemplo, o mercado tem sido um dos equipamentos estruturantes no processo de reabilitação do centro histórico onde se 051

tem procedido à reabilitação de estruturas de mercados existentes ou à construção de novos, com novas funções e espaços adaptados às actuais exigências de consumo, de conforto/comodidade e higiene. O projecto de reabilitação do Mercado de Santa Caterina realizado pelos arquitectos EMBT Enric Miralles e Benedetta Tagliabue no ano de 2005 pretendia adaptar esta estrutura às novas necessidades e inseri-lo na malha urbana, e mais concretamente no bairro de Santa Caterina, de forma a que não se percebessem os limites entre a proposta e a pré-existência: “Propomos um modelo onde não seja tão fácil distinguir entre reabilitação e nova construção. Onde as praças e o traçado contínuo de alargamento passam por cima das ruas como único mecanismo urbano. […] Aproximar espaço público e densidade residencial. Afastar a zona comercial até à Avenida Cambó, reduzindo a sua secção abrindo a antiga construção do Mercado até ao interior do bairro de Santa Caterina.”24 É de referir, que em traços gerais os arquitectos adoptaram como estratégia o redimensionamento do programa, “Reduz-se o número de postos de venda, racionalizando os sistemas de acessos e serviços [...]”25, a introdução de produtos alimentares associados aos actuais hábitos de consumo, ou seja congelados e refeições pré-feitas, a modernização dos postos de venda e o modo de expor os produtos, em pequenos quiosques que se desenham fluidamente, bem como uma área de estacionamento subterrâneo e um espaço próprio de cargas e descargas, não esquecendo a importância de uma imagem moderna e apelativa do mercado, através da adopção de uma estrutura metálica e uma cobertura ondulada e de um intenso colorido que pretende aludir à alegria e harmonia vividas no interior dos mercados característicos pelas suas cores, cheiros, movimentos e bulício. Embora o mercado não exerça hoje a exclusividade do abastecimento de produtos alimentares de outrora, este continua a desempenhar uma função estruturante no equilíbrio da cidade e na relação cidade-campo pois é um dos poucos espaços que escoa e oferece produtos frescos e simultaneamente nacionais pois são provenientes da terra dos nossos pequenos e médios agricultores. O mercado possuí ainda clientes que são assíduos, outros que ali vão à procura de produtos especiais e que só ali podem encontrar, e outros, mais novos, que são seduzidos pelo que se lhes afigura como tradicional. Por outro lado, é ao mercado que o turista se dirige quando procura a identidade dos sabores gastronómicos e culturais da cidade que visita, pois este representa o que de mais característico, a nível alimentar, tem uma cidade ou região,

24 25

ESCORIAL 2006, p. 25. Idem, p. 25.

sendo um espaço fundamental para conhecermos as culturas de outros povos.


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31a-d Reabilitação do Mercado de Santa Caterina, EMBT Enric Miralles e Benedetta Tagliabue, Barcelona, 2005


Pelos motivos enunciados, penso que o mercado deve fazer parte do sistema de venda a retalho, como um equipamento complementar aos supermercados, hipermercados e aos centros comerciais, pois o facto de se encontrarem permanentemente ocupados é significado da sua importância e eficácia comercial. A meu ver, para que a sua função do mercado permaneça, há que desenvolver uma estratégia

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que passa não só pela modernização do seu interior e adaptação aos novos modelos de consumo e técnicas de comercialização, mas pela reformulação da sua área e comércio envolvente, quer seja para reabilitar mercados antigos ou para construir novos, nomeadamente quando localizados numa área circunscrita ao núcleo histórico da cidade. Com a análise histórica-tipológica realizada anteriormente pareceu-me que algumas dessas estratégias podiam passar pelo reequacionamento da escala/dimensão do edifício, do seu programa e da localização. O primeiro deve-se à pluralidade de equipamentos comerciais existentes que fazem com que o mercado não exerça a exclusividade do abastecimento de outrora, sendo por tal essencial repensar a sua escala e reduzir os postos de venda, racionalizando assim os acessos e os serviços, que devem ser definidos de acordo com a frequência e o número de pessoas que este equipamento serve. O programa é outro elemento estruturante pois é importante dotar o mercado de outras funções e espaços não porque o seu programa esteja desadequado mas pela necessidade de complementar o horário de uso e de funcionamento deste equipamento, para que possa permanecer aberto no horário pós-laboral, ao mesmo tempo que se dinamiza o seu espaço, através de programas associados aos produtos alimentares como os gourmets, lojas de produtos requintados e de alta qualidade, restaurantes e cafés ou programas dissociados da função alimentar, mas essenciais ao funcionamento do mercado, como espaços de lazer e de convívio ou associados a serviços quotidianos. A localização pode englobar vários factores desde a proximidade com áreas de serviços ou áreas residenciais até ao sistema de mobilidade e de transportes da zona. Penso que a proximidade com um interface ou de uma área de transportes colectivos, bem como de um parque de estacionamento pode proporcionar não só a valorização da proposta mas do próprio lugar, potenciando novos usos e uma facilidade de acessos. É de referir que em paralelo com a análise histórico-tipológica esteve uma observação e deambulação pelas grandes superfícies, ou seja pelos supermercados e centros comerciais que foram estruturantes para perceber e reflectir sobre as três estratégias enunciadas, pois o facto destes espaços terem estacionamento e um interface de transportes colectivos ou uma implantação junto de uma área de escritórios e de serviços reflecte um pouco a estratégia que se deve adoptar no processo de reabilitação ou de construção de novos mercados pois estes equipamentos respondem de forma eficaz às necessidades de consumo, higiene e conforto de um espaço moderno. Contudo o mercado tem um papel distinto na cidade pois reforça uma relação de tradição social presente na discussão do comprador-vendedor, nos laços de amizade criados e por vezes eternizados e na formação de um Lugar de Conhecimento, um Lugar de trocas e um Lugar de encontro e Sociabilidade.



O Mercado e o Porto

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O Porto, tal como muitas outras cidades portuárias teve na sua génese uma intensa actividade comercial que impulsionou de forma decisiva a sua expansão urbana pois pretendia não só responder às necessidades de abastecimento diário e quotidiano da população residente mas também atrair outros comerciantes à cidade proporcionando um aumento da variedade e diversidade dos produtos. A distribuição das vendas pela cidade portuense foi objecto de estudo e de reflexão por parte dos poderes políticos assumindo particular importância a partir de meados do século XVIII quando o mercado se torna estruturante no planeamento urbano e quando surge o primeiro Mercado Público da cidade; o Mercado do Anjo. Até meados desse século a venda dos produtos alimentares realizava-se em praças de mercado ao ar livre, diárias ou semanais, no piso térreo das habitações ou em feiras periódicas que desempenharam uma função económica e comercial estruturante pois garantiram uma distribuição de produtos frescos e em boas condições de higiene, em alternativa aos mercados, que manifestaram uma enorme dificuldade em conservar os produtos até à introdução da rede a frio no século XX. Estas formas de venda tradicional foram fundamentais à distribuição diária de bens alimentares perecíveis pela população, bem como à definição e caracterização dos espaços públicos da cidade. A cidade do Porto foi inicialmente definida por uma primeira cinta de muralhas circunscrita às áreas de S. Bento e da Catedral e do século XIV ao XVIII, pela Muralha Fernandina, que delimitou a cidade a quatro morros principais: o da Sé, o da Batalha, o do Olival e o da Trindade devidamente assinalados no mapa em anexo. Estavam circunscritas a esta segunda muralha duas praças de mercado cuja duplicação se justificou dada a acentuada topografia da cidade. Uma localizava-se à cota alta e no centro da vida político-religiosa ou seja no largo da Sé e outra à cota baixa e junto ao rio, na Praça da Ribeira, que definia o principal eixo urbano e o centro da vida comercial e manufactureira. Na primeira localizavam-se as fangas da cidade, o local onde se pagava o imposto ao Bispo e onde se descarregavam os produtos como o pão, “[...] o trigo, o milho, a aveia, a linhaça, os legumes de qualquer género, as castanhas, as nozes e os figos [...]”26 sendo que estas funcionavam como armazém das mercadorias e como mercado abastecedor e desenvolviam-se nos pisos inferiores e no piso térreo, livre e sob arcadas, daquele que foi o primeiro edifício dos Paços de Concelho da cidade (1350), pensando-se que foi na praça contígua a este edifício que 26

NONELL 1992, p. 14.

se realizou a primeira feira autorizada em meados do século XIII.




“REQUIEM pela Anja”_O Mercado e o Porto

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Porta Postigo Torre Muralha Fernandina 2

Praças de Mercado intramuros e extramuros Praça da Sé Praça da Ribeira Campo das Hortas Campo da Cordoaria Largo dos Lóios

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32 Localização das Praças de Mercado intramuros e extramuros da cidade do Porto


A Praça da Ribeira era o local onde se descarregava o peixe e outros géneros alimentícios e esta estava “[...] separada do rio apenas pela grossura do muro da cidade e pela estreita largura do cais, e era fechada a poente e nascente por casas e a sul pelo muro da cidade. Do lado da praça, a muralha era aberta em arcos, sendo o último arco, à direita, o único vazado, dando comunicação com o Cais. Nos outros arcos, encostados à muralha, que lhes servia de costas e vedamento, as 059

regateiras “[...] apresentavão estendidos os peixes, que expunhão a venda, e em frente d’ellas e pelo centro da Praça erão collocadas com certa regularidade as demais brancas [sic] para o mesmo mister27 e desta forma se formava o mercado diario deste comestivo”28. A sua localização junto à muralha ribeirinha permitia, a quem ali passasse, observar todos os movimentos deste mercado que Sousa Reis descreveu como “[...] “immundo”, para o que contribuiram os enxurros

29

da Rua

Nova de S. João e da Rua dos Mercadores, os restos do peixe ali mesmo escalado e que por falta de policiamento não era levado ao rio, o “fertum”, a “gritaria continua e os palavroens”30. Do século XV ao XVII, transforma-se na Praça e Mercado da cidade, deslocando assim o tradicional centro localizado na Sé, para a cota baixa devido ao forte desenvolvimento económico-urbano desta área, que se converte, em 1405, no novo centro político, económico e social da cidade, Simultaneamente existiu uma estratégia, defendida pela administração pública, de concentrar a venda de produtos alimentares nesta praça central e exclusivamente comercial, passando a realizar-se, em arcadas previstas para o efeito, as vendas diárias da fruta, da hortaliça e do peixe e “[...] em gamelas31, levantadas do chão quatro palmos, com pés […]”32 a venda dos cereais e do pão. Esta última estratégia da concentração das vendas retomava o pensamento de Aristóteles e facilitou o abastecimento dos bens alimentares pela população, bem como a cobrança de impostos pelas transacções comerciais efectuadas. É nesta área urbana que se localizam, a partir do século XIV, espaços relacionados com a actividade comercial como a Alfândega, a Casa da Moeda, a feira franca anual e locais de encontro e de reunião dos comerciantes, sendo que até no adro do Convento de S. Domingos se desenvolviam as vendas de peixe e de outros produtos. Em paralelo com estas duas praças de mercado desenvolveram-se outras, nos espaços extramuros e junto às portas e vias de saída da cidade. Esta implantação revelou uma atitude inteligente e estratégica pois localizaram-se nas áreas de maior movimento e de concentração das pessoas, fomentando assim uma expansão da cidade para os espaços que se encontravam livres e aptos para receber as novas funções urbanas. Foram representativos o mercado ambulante “[...] de lojas sujas e abarracadas [...]”33 que se desenvolvia no Campo das Hortas, a norte da cidade Ocupação, trabalho ou emprego. NONELL 1992, p. 32. Corrente impetuosa de águas, pluviais ou outras. 30 NONELL 1992, p. 32. 31 Vasilha de madeira rectangular. 32 NONELL 1992, p. 27. 33 DIAS 2002, p. 105 e 106. 27 28 29

e entre a Porta de Carros e o Postigo dos Lóios, o do Largo de Santo Ildefonso junto à Porta de Cima de Vila e o do Campo da Cordoaria, próximo da Porta do Olival, estando estes devidamente assinalados no mapa em anexo.


“REQUIEM pela Anja”_O Mercado e o Porto Porta Postigo Torre Muralha Fernandina Feiras

33 Localização das principais Feiras da cidade, meados do século XIX

[este mapa não procura materializar um levantamento exaustivo das feiras portuenses, antes ilustrar a sua expressiva concentração junto ao núcleo histórico e muralha da cidade]


Estes mercados desenvolviam-se em praças públicas abertas, ao ar livre e as suas vendas realizavam-se em bancas ou pequenas lojas dispostas, de uma forma geral, em torno de uma fonte central, que era um elemento indispensável ao funcionamento do mercado. Muitos destes espaços de mercado permaneceram e acompanharam o processo de expansão urbana tornandose verdadeiras Praças de carácter comercial que foram transformadas, no século XIX, por Edifícios 061

Públicos de mercado. A partir de meados do século XVIII, o Porto torna-se “[...] num imenso bazar pouco higiénico”34 devido a uma dispersão das feiras por toda cidade. Estas localizavam-se estrategicamente, e à semelhança das praças de mercado referidas anteriormente, nos largos e praças extramuros e desenvolviam uma venda especializada num determinado produto. A título de exemplo gostaria de referir “[...] a Praça do Dr. Gomes Teixeira, onde se realizava, desde 1731, às terças, quintas e sábados, a Feira da Farinha; a Praça de Santa Teresa, onde tinha diariamente lugar a Feira do Pão; o Passeio da Cardosas, onde se fazia, pela Páscoa, a Feira do Doce; a Praça Nova, onde para além da venda de sardinheiras, pão e doces, existiu o Mercado da Natividade e as Feiras da Erva, Carvão, Lenha e Palha e Estacas; a Praça Carlos Alberto, para onde convergiam vendedores e compradores de bois, forragem, carvão, lenha, baús; e o Largo das Oliveiras, junto aos Clérigos, onde se fazia a Feira dos Porcos”35, entre outras devidamente assinaladas no mapa em anexo. Esta dispersão espontânea das vendas por toda a cidade atraiu a atenção dos governadores locais, que a partir de meados do século XVIII, pretenderam libertar os espaços públicos das ruas e das praças36 das incómodas transacções comerciais, procurando na cidade espaços amplos e acessíveis que pudessem concentrar estas vendas num lugar exclusivamente reservado para esta actividade. Esta concentração das vendas num espaço ou edifício próprio tinha por objectivo, não só uma simplicidade na aquisição dos produtos alimentares, por parte da população, mas simultaneamente uma vontade de dignificar a imagem urbana, libertando assim os espaços das ruas, praças e dos largos públicos das transacções comerciais e de todos os seus inconvenientes como os cheiros e os lixos inerentes a qualquer actividade de mercado. De facto, no ano de 1839, a Vereação Camarária proibiu a existência de mercados avulsos no centro da cidade, obrigando os seus vendedores a instalarem-se em locais próprios e concordantes com a nova expansão urbana, que se desenvolvia a partir dos espaços extramuros e a norte da cidade, assistindo-se progressivamente à transferência das vendas ambulantes e dos mercados-

Instituição de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento 1993, p. 16. 35 OLIVEIRA, 1985, p. 16. 36 As ruas e as praças eram espaços multifuncionais onde se desenvolviam as demais funções urbanas e coexistiam simultaneamente bens, animais e pessoas. 34

feira para estes locais e para os Edifícios de Mercado que foram projectados e construídos especificamente para este efeito, respeitando assim as novas preocupações higienistas e de saúde pública.


Feira do Carv達o

Feira da Cordoaria

Mercado da Ribeira


Feira dos Ferros Velhos

Feira do P達o


“REQUIEM pela Anja”_O Mercado e o Porto

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34 Planta da Reestruturação da cidade antiga e expansão para os espaços extramuros1763-86 35a-b Renovação da Praça da Ribeira, Porto Reinaldo Oudinot,1797 36 Mercado da Natividade, Praça Nova, Porto José Champaulimaud de Nussane,1790


Um dos momentos-chave da reorganização das vendas surge integrado no plano de gestão urbanística de João de Almada que pretendia reestruturar a cidade antiga e articulá-la com a nova expansão através da definição de um eixo Norte-Sul formado pelas ruas de S. João, Flores e Almada que ligava a Praça da Ribeira à de Santo Ovídeo, localizadas respectivamente a sul e a norte da cidade. Deste plano destacam-se três projectos estruturantes sendo eles a proposta

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de remodelação da Praça e Mercado da Ribeira, a criação de uma nova Praça de Mercado e a reconversão do Campo das Hortas no novo centro cívico da cidade. A primeira propunha a definição de uma nova frente urbana através de um cais monumental cujo projecto de Reinaldo Oudinot, embora nunca realizado, ambicionava substituir a muralha ribeirinha e os tradicionais arcos do mercado, por um complexo que incluía uma alfândega, um conjunto de mercados e uma praça à semelhança das grandes cidades portuárias. No entanto procedeu-se, segundo directrizes de João de Almada à regularização das “[...] fachadas Nascente, Poente e Sul, unificadas pela presença de arcadas[…]”37 e ao alargamento do cais desde os Guindais até ao ancoradouro tradicional. Com a Revolução Liberal, a muralha ribeirinha e os arcos do mercado são demolidos, tornando-se essencial encontrar na cidade baixa um lugar para o Mercado de Peixe. Este desenvolveu-se até 1888 no Campo da Cordoaria, ao ar livre, sendo descrito por Pinho Leal como “[...] a coisa mais immunda e mais humilde que imaginar-se possa e o maior fóco de infecção que havia na cidade [...] Reduzia-se a um simples terreiro, ou coberto, voltado para o nascente, sem divisão alguma, com bancas de pinheiro, encrustadas38 de immundicie, e uma duzia de carunchosas barracas de madeira voltadas para poente, entulhadas com fressuras39, peixe salgado e ... lixo”40 que se organizavam paralelamente às ruas e eram separadas por eixos longitudinais. Devido às péssimas condições de higiene em que funcionava, foi fundamental encontrar na cidade, baixa e alta, um lugar para as vendas do peixe. Em paralelo pretendia-se construir um mercado que servisse ambas as cotas e que incorporasse os mercados e feiras avulsos e as vendas dos produtos hortofrutícolas, peixe, carne e pão, tendo-se construído arcos para o desenvolvimento destes, no Largo dos Lóios, pois era um espaço central e um importante nó de ligação entre a cidade intramuros e a nova expansão. Contudo foi temporário pois a cidade decidiu “[...] conservá-los no uso público [...]”41. Por outro lado a intenção de localizar o novo centro cívico no Campo das Hortas e consequentemente libertar e transferir as vendas comerciais que aí se realizavam, reforçou esta necessidade de um novo mercado. Segundo Alberto Pimentel, em 1721 o Cabido da Sé cede este espaço para o novo Centro Cívico e Praça Nova, contudo até 1883 permanece com a função comercial, desenvolvendo-se neste o Mercado da Natividade, da autoria de José Champaulimaud de Nussane, que se realizava em terra batida e em lojas perimetrais que ocupavam a “[...] totalidade

NONELL 1992, p. 32. Embutido. 39 Conjunto de vísceras dos animais que se aproveitam na alimentação. 40 NONELL 1992, p. 63. 41 Idem, p. 35. 42 DIAS 2002, p. 107. 37 38

dos passeios, deixando estreitos passadiços entre as lojas e o tanque da fonte”42, vendendo-se diariamente de tudo um pouco e ocorrendo neste as feiras da erva, palha, madeira e carvão e a dos leitões, aves e coelhos. Em 1833 é demolido e a proposta do novo Centro Cívico avança.


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37a Feira de mercado do Anjo, Porto, anterior a 1833 37b Planta localização do Mercado do Anjo, Porto 37c Projecto do Mercado do Anjo, Porto 1837


A necessidade de encontrar um lugar para o novo mercado é enfatizada. O facto das vendas de peixe terem sido transferidas para o Campo da Cordoaria em 1834 leva à reconsideração deste espaço como um potencial lugar devido às suas características de um tradicional local de vendas com uma posição central na estratégia da expansão urbana e como espaço verde propício às actividades comerciais. Contudo esta característica destinou-o a um lugar de Recreio Público o 067

que inviabilizou o desenvolvimento do mercado no Campo da Cordoaria, procedendo-se em 1836 à demolição das barracas onde se desenvolviam as vendas, não esquecendo que as condições de higiene e de saúde pública eram cada vez mais exigentes e contestavam por tal, o desenvolvimento do comércio em espaços ao ar livre e desprotegidos das intempéries exteriores. O facto de na sua área envolvente, ou seja, no Largo do Anjo e no dos Clérigos, se concentrar um conjunto variado de feiras reforçou o carácter comercial desta zona e conduziu ao arranjo urbanístico do Largo do Anjo que teve como prioridade concentrar as vendas da Cordoaria e as feiras e mercados avulsos da cidade. Este correspondia a um tradicional espaço de feira e localizava-se centralmente e à cota alta, convertendo-se nos séculos XIX e XX, num dos espaços urbanos mais cívicos, pois acolheu o primeiro Mercado Público e outros equipamentos estruturantes como a Cadeia e o Tribunal da Relação, a Igreja dos Clérigos e um conjunto de edifícios ligados ao Ensino e às Ciências. O mercado localizou-se no lugar do antigo Recolhimento do Anjo após este ter cessado a sua actividade em 183443 e ter sido demolido três anos depois. O terreno de forma triangular era definido por três ruas, as actuais Dr. Ferreira da Silva, a dos Clérigos e a das Carmelitas que articulavam um desnível de nove metros. O mercado desenvolvia-se em três corpos, paralelos às ruas enunciadas e organizava-se em torno de uma praça central onde se encontrava uma fonte e onde decorriam as trocas comerciais e sociais como a “[...] cerimónia da eleição da Rainha das Vendedeiras [...]”44. Segundo a memória da minha avó cada um dos corpos correspondia a um tipo de vendas sendo que todos eles se relacionavam directamente com a praça. O volume que definia a Rua das Carmelitas desenvolvia as vendas das carnes e o oposto, as galinheiras, sendo que no poente e na praça central se localizavam as hortaliceiras. Estes corpos não estabeleciam qualquer contacto físico com as ruas envolventes devido à acentuada pendente destas, que contrariavam o plano horizontal e à cota alta onde o mercado se desenvolvia. Esta relação com o lugar conduziu a um esquema de acessos pontuais que se desenharam nos três gavetos, sendo que os dois acessos à cota alta se encontravam de nível com o piso do mercado enquanto que o da cota baixa era definido por uma escadaria monumental que enunciava a entrada principal do mercado e o seu pequeno adro definido por “[…]18 árvores e era à sombra delas que montavam as suas bancas as

Este espaço cessou a sua actividade após a extinção das Ordens Religiosas em 1834. 44 DIAS 2002, p. 34. 45 SILVA 2007, p. 134. 43

vendedeiras de agulhas, dedais, tesouras e outras miudezas. Logo ao lado ficava a secção das flores.”45




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38 a-d Mercado de Peixe, Porto 1874


Em 1874 constrói-se o tão desejado Mercado de Peixe à cota alta da cidade, junto das Virtudes, no lugar do actual Palácio da Justiça. Este foi o primeiro Edifício público de mercado e correspondia a uma tipologia de mercado moderno, coberto e fechado, definido por uma estrutura mista. As suas fachadas construíam-se em alvenaria de pedra, mantendo uma relação directa com a linguagem urbana da cidade do 071

Porto e, em oposição, estava a leveza estrutural do interior, conseguida através de uma estrutura metálica de ferro e vidro. Esta última permitiu concretizar amplos espaços de venda, necessários à concentração das massas consumidoras e à fluidez espacial que um mercado requer, bem como permitiu responder às exigências de higiene e de conforto indispensáveis quer ao desenvolvimento da actividade dos comerciantes que permaneciam no interior do edifício e nos respectivos espaços de venda ao longo de largos períodos de tempo, quer para os compradores e simultaneamente para a qualidade dos produtos alimentares. Assim, as vendas do peixe desenvolviam-se em bancas de madeira que se organizavam longitudinalmente no espaço e eram separadas pelos percursos de circulação, fazendo com que os produtos e o acto de venda se realizassem num espaço fechado e coberto, protegido das intempéries exteriores, contrariamente aos anteriores mercados de peixe desenvolvidos na cidade do Porto, sempre em lugares de praça pública ou nas tradicionais arcadas. Apesar do mercado construir as suas fachadas exteriores em alvenaria e dispor de uma cobertura em madeira, o seu espaço interior era dotado de uma enorme luminosidade devido à presença esmagadora de expressivos vãos nas suas quatro fachadas, fundamentais ao desenvolvimento das vendas. É de referir que as características formais deste edifício tiveram uma importância extrema para os mercados construídos em Portugal nesta época pois materializaram a linguagem moderna e a nova escala do edifício público que foi novamente adoptada no Mercado Ferreira Borges e no Mercado das Carmelitas, temas abordados mais à frente neste texto. A sua monumentalidade e impacto na malha urbana levaram um jornalista contemporâneo a designá-lo de “Palácio de Peixe” devido ao enorme contraste entre o velho e o novo mercado, não ignorando o facto de que este foi o primeiro Edifício de mercado da cidade. Com o continuo crescimento da cidade e da população e consequentemente das necessidades de consumo, verificadas essencialmente na segunda metade do século XIX, tornouse fundamental criar mais mercados, separados uns dos outros, de forma a responder eficazmente a estas necessidades e à expansão urbana da cidade. A escolha do lugar para os novos mercados devia ser de carácter estratégico, podendo estes localizar-se no centro urbano e próximo das vias de saída da cidade ou em espaços periféricos e áreas específicas como as residenciais ou as associadas ao lazer como por exemplo as zonas balneares.


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39a Planta da localização da Praça de Mercado do Bolhão, Porto,1892 39b Proposta para a Praça de Mercado e Passeio Público, Joaquim Costa Lima Júnior,1837 39c Proposta para a Praça de Mercado do Bolhão, Porto,1858 39d-f Praça de Mercado do Bolhão, Porto, anterior a 1914


A Praça do Bolhão surge com o objectivo de complementar as vendas comerciais da cidade e concentrar as feiras de S. Bento, Santo André, Batalha e flores que ainda se encontravam dispersas. Esta praça localizava-se estrategicamente nos novos quarteirões da cidade oitocentista e junto das principias vias de saída urbanas, tendo-se convertido em 1837 numa praça de mercado e simultaneamente num Passeio Público, desenhado por Joaquim Costa Lima Júnior. De forma 073

rectangular, esta praça dividia-se em quatro quarteirões que correspondiam a mercados e vendas distintas, realizados ao ar livre e separados por um percurso central arborizado, cujo acesso era desenvolvido através de uma escada, substituída posteriormente por uma dupla rampa que facilitou o processo das cargas e descargas das mercadorias, sendo que ambas estavam localizadas na actual Rua Fernandes Tomás. Em 1851 esta praça foi equipada com barracas de madeira dotadas de uma cobertura com telha que protegia assim os comerciantes e os produtos das intempéries exteriores. Apesar dos pequenos melhoramentos que se iam introduziam na praça do Bolhão, esta funcionou até 1914, em péssimas condições de higiene e de conforto, sendo que estas só foram resolvidas com a construção do Edifício do Mercado do Bolhão, da autoria do arquitecto Correia da Silva. Este mercado surgiu integrado numa política que defendia a concentração das vendas comerciais num espaço único e especializado para o efeito, obtendo daí as vantagens de facilitar o acto de compra e de regulamentar os preços dos produtos, em oposição a uma estratégia dispersiva que propunha uma rede de mercados com funções e dimensões distintas, estando estes dispersos pelo território. Ambas procuravam encontrar a melhor solução para responder ao crescimento da cidade e ao consequente aumento da população e da produção. No que diz respeito à segunda estratégia, defendida por Correia de Barros46 em 1881, esta pretendia complementar o sistema de abastecimento urbano com a proposta de seis novos mercados de carácter fixo, sendo que dois deles, os de maior escala, localizavam-se no centro e os outros quatro, de menor dimensão, em áreas periféricas ou específicas, estando estes devidamente assinalados no mapa em anexo. Os mercados centrais deviam servir a cota baixa e a alta, desenvolvendo-se ambos em extintos conventos da cidade; o primeiro no de S. Domingos e o segundo no das Carmelitas47. Este último, embora nunca construído, era bastante ambicioso pois ocupava “[...] praticamente, todo o quarteirão compreendido entre as actuais ruas das Carmelitas, Galeria de Paris, Santa Teresa e

Vereador desde 1878, Presidente até 1887 e novamente Vereador até 1889. 47 Com a extinção das Ordens Religiosas em 1834, muitos dos espaços conventuais são demolidos e/ou abandonados, o que conduziu a que muitos destesfossem recuperados ou se aproveitasse a sua localização estratégica para desenvolver novas funções urbanas, como a do mercado. 48 SILVA 2007, p. 34. 49 CRUZ 1997, p. 66. 50 Indivíduo que vende objectos usados. 46

a Praça de Guilherme Gomes Fernandes [...]”48 sendo possível observar esta implantação no seu anteprojecto apresentado em 1888 pela Companhia Aliança, que anunciava um edifício de planta rectangular “[...] a construir em cantaria, ferro e alvenaria [...] coberto por uma ampla nave central de ferro e cristal [...]”49. Devido ao desnível do terreno, o mercado desenvolvia-se em dois pisos aos quais correspondiam entradas a cotas distintas, incorporando o piso térreo os “[...] adelos50, os


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40 Estratégia Dispersiva dos mercados, Porto, Correia de Barros,1881 A encarnado encontram-se assinalados os mercados centrais (Carmelitas e Ferreira Borges); a azul os mercados locais (Campo 24 de Agosto, Praça Marquês de Pombal, Cedofeita e Foz do Douro) 41 Mercado das Carmelitas, Porto, Companhia Aliança,1888 42a Planta da Praça Comercial, Porto, Joaquim Costa Lima Júnior,1946 42b Mercado Ferreira Borges, Porto, João Carlos Machado,1885 43a-b Mercado da Praça do Marquês de Pombal, Porto,1882 44-b Mercado da Foz do Douro, Porto, 2008


trapeiros51 e os vendedores de sapatos que actualmente estacionavam junto à igreja dos Clérigos [...]”52 e o superior as vendas do Mercado do Anjo para onde tinham sido transferidas as da farinha e do pão “[...] cessando assim o inconveniente de se exporem à venda géneros de tão necessário consumo sem resguardo algum da poeira, da chuva, e d’outras causas d’impureza.”53 O mercado previsto para o lugar do extinto Convento de S. Domingos, actual Mercado 075

Ferreira Borges, pretendia concentrar as vendas do peixe da cidade baixa, até agora realizadas na Praça da Ribeira. A sua localização foi estratégica pois situava-se no Centro Comercial da cidade, junto ao Tribunal do Comércio, Palácio da Bolsa e Sede da Associação dos Comerciantes; próximo da Praça do Infante e da Alfândega o que facilitava o processo das cargas e descargas das mercadorias, bem como próximo do rio o que permitia uma relação com este, ao mesmo tempo que se distanciava suficientemente ao ponto de evitar as cheias que frequentemente assombravam o Mercado da Ribeira. João Carlos Machado adoptou a tipologia de mercado moderno, coberto e fechado, em estrutura metálica sendo se referir a sua cobertura em três naves e a grande superfície do seu piso térreo. Contudo, devido à pouca afluência foi encerrado em 1900, doze anos após a sua construção e passou de Mercado de Peixe a Mercado Abastecedor das Frutas (1939-1978), a Centro Cultural com o projecto de requalificação do arquitecto Viana de Lima (1983) e actualmente à futura sala de espectáculos do Hard Club. Estes dois mercados eram complementados por outros que desenvolviam um abastecimento local, sendo eles os Mercados do Campo 24 de Agosto, Praça do Marquês de Pombal, Cedofeita e Foz. Este último localizou-se numa zona balnear e num pequeno núcleo habitacional e por tal, desenhou-se de forma discreta e intimista, num lote de pequena dimensão e próximo de um espaço público, sendo que o seu acesso é feito por uma dupla rampa que nos conduz ao único piso do mercado, a uma cota mais baixa do que a rua que o serve. Este é definido por duas ruas interiores e por quatro corpos, paralelos e dispostos em banda, desenvolvendo cada um cerca de vinte postos, aos quais correspondem as vendas de produtos alimentares básicos como o peixe, a carne, os produtos hortofrutícolas e as flores. O facto dos seus percursos de circulação e simultaneamente das cargas e descargas ocorrerem ao ar livre e desprotegidos das intempéries exteriores, conduziu a que recentemente, no ano de 2006, se fechassem estas ruas possibilitando assim um melhor desenvolvimento da actividade comercial, tanto para quem compra como para quem vende e lá trabalha. O fechamento destas reflecte a importância que este mercado ainda desempenha enquanto abastecedor local a retalho, facto que se explica, a meu ver, pela sua função específica e pela pequena dimensão. Os mercados do Campo 24 de Agosto e do Marquês de Pombal revelaram uma inadequação da sua actividade ao abastecimento da cidade e por tal, acabaram por ser demolidos poucos anos

Negociante de trapos. NONELL 1992, p. 59. 53 Idem, p. 89. 51 52

após as suas construções. Este facto associado à não construção do Mercado das Carmelitas e de Cedofeita conduziu à mudança da Vereação Camarária e a uma nova estratégia de edificação.


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45 Localização do Mercado do Anjo, Porto 46a-c Proposta de requalificação do Mercado do Anjo Marques da Silva,1905 47 Estratégia Concentracionista dos mercados 1907 A encarnado encontram-se assinalados os Mercados do Bolhão, Anjo e Foz do Douro; a azul a Estação de S. Bento e Praça da Ribeira


A política que se seguiu apontava para o melhoramento das estruturas comerciais existentes, ou seja, dos Mercados do Anjo, Foz e Peixe em oposição à construção de novos. Relativamente a estes importa destacar a intervenção encetada pelo arquitecto Marques da Silva na requalificação do Mercado do Anjo, na qual propôs a continuidade do modelo de mercado aberto, com três corpos paralelos às ruas, mas que agora reforçavam o seu carácter comercial, propondo uma frente de 077

lojas viradas para estas e o mercado propriamente dito, no interior do quarteirão, ao qual se acedia através de pátios ingleses e das entrada e pavilhões circulares da Rua da antiga Academia ou do acesso no gaveto à cota baixa onde se desenhava uma escada monumental que vencia o desnível da plataforma do mercado com a pendente das ruas. “Internamente, o mercado com as duas plataformas ligadas pela escada de acesso, com fonte encastrada, apresentava no plano superior quatro renques de barracas, dispostas paralelamente, e no inferior dois conjuntos de cada lado do eixo longitudinal. As barracas, por seu turno, estavam instaladas em pórticos de ferro e vidro, cobertas de telha e resguardadas com marquises.”54 São de referir três características estruturantes e que vão ser adoptadas no Mercado do Bolhão, sendo elas o sistema compositivo, a adaptação do edifício ao lugar e a tipologia de mercado aberto. A primeira reforça as entradas de gaveto, localizadas nos pavilhões extremos e a axialidade da porta de acesso, desenhada no centro dos alçados e a segunda pretende responder aos fluxos verificados no lugar, sendo este acessível a partir de vários pontos e de todas as ruas, o que contrariava a proposta de mercado existente. Sobre a terceira, “Insiste o arquitecto na construção de uma edificação moderna, própria para o fim que lhe é destinado, tendo em vista as condições do clima. Não desejava, pois, verdadeiramente um mercado fechado, antes preferia nele estabelecer locais abrigados, suficientemente amplos, abertos e quase isentos de superfícies envidraçadas, restritas às lojas de venda […]”.55 Contudo esta orientação política foi alterada com a tomada de posse da Vereação de 1907 onde se inseriam Xavier Esteves56 e Bernardino de Azevedo Vareta57, dois homens bastante participativos e interessados na questão da edificação dos mercados na cidade moderna. O último defendia que “[...] o público acode de preferência a um grande mercado onde a abundância dos géneros permite facilmente as compras e onde se verifica depressa o nível dos preços estabelecidos e prescinde dos pequenos mercados, embora situados a menores distâncias [...]”58 reforçando a importância de criar um Mercado Central. Este concentrava as vendas e previa a regulamentação de uso dos espaços e dos preços dos produtos garantindo os mínimos e o máximo de conforto, sendo que a sua função reguladora não o incompatibilizava de interagir com mercados locais e com equipamentos mais específicos como o centro de abastecimento e o cais de desembarque

CARDOSO 1997, p. 125. Idem, p. 507. 56 Membro da Vereação de 1907. 57 Membro da Vereação de 1907 e Vereador do Pelouro dos Mercados. 58 CRUZ 1997, p. 66. 54 55

das mercadorias, propondo a nova estratégia um sistema definido pelo Mercado Central, Estação de S. Bento, Praça da Ribeira e pelos mercados da Foz e do Anjo, estando esta devidamente assinalada no mapa em anexo.


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48a Vista aérea do Mercado do Bolhão, Porto, Correia da Silva, ant.1948 48b-d Plantas do Mercado do Bolhão,Porto, Correia da Silva, 1914 48e-f Alçado e corte do Mercado do Bolhão, Porto, Correia da Silva, 1914


É neste contexto que a praça do Bolhão dá lugar ao edifício que materializa o Mercado Central do Porto. Xavier Esteves teve um papel fundamental na sua caracterização pois considerou que a sua praça devia ser ampliada, propondo uma tipologia de mercado em altura, com dois pisos, que permitia duplicar a área comercial e adaptá-la às características topográficas do lugar, cujas cotas mínima e máxima diferiam seis metros. Ambos os pisos desenvolveriam entradas e vendas

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distintas cujos acessos eram localizados nas Ruas Formosa e Fernandes Tomás e articulados internamente por escadas e por uma galeria de mercado. Este desenvolveria duas realidades comerciais: a das lojas exteriores, viradas única e exclusivamente para as ruas, e a do mercado tradicional no interior do quarteirão, à semelhança do proposto por Marques da Silva. Mencionou ainda que as fachadas e pavimentos deviam construir-se numa estrutura de betão e a sua cobertura, que se previa total e numa só nave, numa estrutura metálica. Todas estas características foram adoptadas por Correia da Silva, exceptuando a última, que se deve, talvez, ao insucesso de alguns mercados cobertos como o Les Halles e o Ferreira Borges, o que levou o arquitecto a manter a tradicional praça de mercado a céu aberto e a fechar apenas as galerias. Depois de lançadas as bases programáticas e os princípios que deviam definir e caracterizar o mercado, uma das grandes dificuldades projectuais com que o arquitecto se debateu foi a adaptação do edifício às características topográficas do lugar devido à diferença altimétrica entre as Ruas FernandesTomás a norte e a Formosa a sul e a consequente pendente da Sá da Bandeira e Alexandre Braga, a poente e a nascente, respectivamente. Assim, o piso térreo desenhou-se de relação com a Rua Formosa e definiu a praça de mercado, organizada por estruturas lineares de madeira que são dispostas paralelamente às fachadas secundárias, que definem o perímetro da praça, e são separadas por ruas interiores que dão ao mercado um aspecto típico e ordenado proporcionando simultaneamente um maior conforto à realização das vendas e exposição dos produtos. Nesta, desenvolve-se a venda das flores, frutas e azeitonas, as padarias e restaurantes e no seu perímetro as peixarias, charcutarias e mercearias. No piso superior, com acesso pela Rua Fernandes Tomás, localiza-se a galeria de mercado onde se expõem, na metade norte, os produtos hortícolas e na metade sul os talhos. Os pisos comunicam internamente por uma escadaria localizada a norte da praça e por outras duas, de menor dimensão, que se encontram numa cota intermédia das Ruas Alexandre Braga e Sá da Bandeira. Esta articulação das cotas facilitou as circulações interiores do mercado e permitiu que este funcionasse como um atravessamento público da cidade, sendo que o seu perímetro exterior é desenhado pela frente comercial de lojas. O facto do arquitecto interiorizar a praça de mercado e exteriorizar a frente de lojas é ambígua pois se por um lado pretendeu “[...] esconder o carácter inevitavelmente desordenado e confuso dos mercados da época com todo o seu barulho e sujidade [...]”59 por outro, reforçou este espaço e actividade ao desenhar quatro entradas monumentais que estabelecem uma relação franca e directa com o exterior convidando

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NONELL 1992, p. 124.

o transeunte a entrar e a percorrer o mercado.



Algumas mem贸rias dos meus av贸s

Mem贸rias dos meus Av贸s




Embora o Mercado do Bolhão tenha permanecido com a sua função da venda alimentar a retalho, este e outros mercados centrais foram-se esvaziando, devido ao progressivo envelhecimento e alteração de uso dos núcleos históricos e à consequente transferência das funções urbanas para as novas centralidades situadas na periferia. A introdução do automóvel e de um sistema viário eficaz e compatível com o desenho destes espaços foi essencial para o seu desenvolvimento, onde

de vida e de consumo da população. É neste contexto que surgem os supermercados, estruturas que apostaram numa nova lógica de oferta com produtos alimentares e não alimentares e de funcionamento baseada nos preços fixos, acessos mais facilitados e numa área de estacionamento direccionada para os seus comerciantes e utilizadores. Por estes motivos adaptaram-se facilmente ao território, assegurando o abastecimento urbano e retirando procura aos Mercados Centrais. Contudo, desenvolve-se nestas mesmas áreas, o Mercado de Betão Armado, que traduz uma nova imagem e escala do edifício público, resultante da elevada capacidade plástica e

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se fixaram as novas urbanizações e as funções urbanas mais representativas dos novos modelos

estrutural deste material que substitui as anteriores estruturas de ferro. Devido à ausência de uma malha urbana consolidada, o mercado passa a definir-se como um “[...] edifício diluído no maciço urbano edificado, anónimo ao cenário construído, em detrimento do tradicional carácter monumental centralizante”60, privilegiando de um sistema viário eficaz que facilita o acto da compra e a circulação das pessoas e das mercadorias. O facto das novas centralidades serem áreas fortemente terciarizadas, revelando algum desajustamento com a função tradicional do mercado, conduziu a que estes espaços tivessem uma necessidade de incorporar “[...] outras actividades, relacionadas com a prestação de serviços, tendo em vista a composição sócio-profissional dos utilizadores […]”61 e uma nova função, a do abastecimento a grosso, que se caracteriza pela venda em grandes quantidades para fornecedores ou outras entidades como supermercados, mercados ou unidades hoteleiras, escolas e restaurantes, sendo que estas duas foram soluções encontradas para que muitos dos grandes mercados oitocentistas e do princípio do século, se mantivessem no activo e pudessem competir com as novas estruturas comerciais. A nova centralidade do Porto desenvolveu-se na área da Boavista onde se encontra o Mercado do Bom Sucesso. Este surgiu com o objectivo de abastecer a área poente da cidade e resolver num primeiro momento “[...] o problema das acanhadas instalações dos antigos mercados do Anjo e do Peixe na Cordoaria”62. Da autoria dos ARS Arquitectos, este corresponde a uma tipologia de mercado coberto e fechado, cuja estrutura de betão foi essencial para desenvolver espaços amplos e fluidos, vencidos pela dimensão dos vãos da cobertura, que se desenha numa só nave de arco parabólico e que introduz uma intensa iluminação resultante dos vitrais incorporados nessa estrutura e simultaneamente uma nova espacialidade presente na fusão da estrutura vertical com a horizontal, respectivamente pilar e viga. O mercado desenvolve-se em

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EGF-SAGE,p. 2. Idem, p. 7. SHRECK 2007, p. 34.


três pisos que pretenderam, por um lado, adaptar-se às características topográficas do lugar e por outro, responder aos diferentes cuidados higiénicos que variam conforme os produtos, ajudando assim a dispersar os diferentes cheiros pelo espaço e a zonificar as vendas. Associada, esteve a introdução de novos espaços e equipamentos como áreas refrigeradas e arcas frigoríficas ou congeladoras para a conservação da carne, peixe e de outros; locais de armazenamento para 085

produtos alimentares que não necessitam dos cuidados e equipamentos acima enunciados; o depósito para resíduos sólidos e líquidos; uma área de matadouro e espaços relacionados com os serviços dos comerciantes como balneários e vestiários, arrumos para pertences, salas de reunião, refeitório e por último locais reservados para os vários departamentos da fiscalização do mercado. Por tal, o zonamento e o agrupamento dos produtos por áreas específicas tornou-se uma das características principais a ter em conta no estudo e projecto destes mercados bem como a definição dos percursos públicos e dos de serviço, nomeadamente o das cargas e descargas das mercadorias. No Mercado do Bom Sucesso a definição destes percursos bem como das suas entradas previu o não cruzamento e a sua sobreposição, desenvolvendo-se em pisos e entradas distintas, encontrando-se as de uso público nas fachadas norte e poente e as de serviço nas fachadas sul e nascente. O mercado de peixe localiza-se num espaço fresco e ventilado, à cota baixa e de nível com a rua o que lhe permite usufruir de acessos e serventias independentes, sendo que o piso térreo se desenvolve de relação directa com a rua principal e organiza a praça de terrado onde são dispostas as bancas com os produtos hortofrutícolas e as azeitonas. Perimetralmente, e em lojas individuais encontram-se as charcutarias, queijarias e mercearias e no piso superior, num esquema semelhante ao do Mercado do Bolhão, em galeria perimetral e em lojas, os talhos, as padarias e finalmente em bancas as flores. É de referir, ainda relativamente ao programa, as salas de fiscalização, as duas bilheteiras que se localizam nas entradas e o piso da cave onde se encontram as arrecadações e arrumos, os espaços refrigerados, o Matadouro e os depósitos de lixo e da limpeza. No perímetro exterior e de relação directa com a rua desenhou-se uma frente de lojas que funciona independentemente do horário de uso e das funções do mercado. Um outro exemplo, mas fora dos limites da cidade é o Mercado de Matosinhos, dos mesmos arquitectos. Este corresponde a um mercado de betão, coberto e fechado que desenvolve a organização programática do Bom Sucesso, com as peixarias à cota baixa e de nível com uma rua e os produtos hortícolas, azeitonas e criação na praça de terrado, de relação com a rua principal, sendo que no seu perímetro e numa galeria, se localizam, em lojas, os talhos, charcutarias e queijarias, as mercearias, as frutarias e as floristas. Ambos revelam um compromisso entre a modernidade e a tradição expressa no arrojo dos vãos interiores e cobertura de carácter expressionista e na forma como se desenvolve o programa com a venda dos produtos alimentares na praça de terrado e a frente de lojas virada única e exclusivamente para as ruas.




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49 Mercado do Anjo, Porto 50 Feira na Praça de Lisboa,1982 51 Galeria Comercial Clérigos Shopping, Porto, António Moura, 1991


No mesmo ano da construção do Mercado de Matosinhos, em 1936, João de Paiva Brandão63 alega para as “condições deploráveis” em que funcionava o Mercado do Anjo, vivendo dentro dele “[...] permanentemente, dia e noite, dezenas de pessoas em péssimas condições higiénicas e morais, algumas em míseros subterrâneos sem ar, sem luz e sem o mais rudimentar saneamento”64. Nesse mesmo ano, o mercado e as suas barracas são demolidas e substituídas 089

em meados do século XX, pela Praça de Lisboa, “[…] um largo de aspecto rústico […] que mais tarde, aliás por pouco tempo, serviu para parque de estacionamento de automóveis e autocarros e que depois foi aformoseado em redor com alguns canteiros ajardinados e um padrão cilíndrico, de pedra (já desaparecido), rematado por uma coroa ducal ou quejandos, metálica, alusiva à cidade de Lisboa […] Por deliberação camarária, foram os carros dali retirados; e, pouco a pouco, foram aparecendo as barracas e as bancas de frutas e diversos artigos de uso caseiro, de vestuário e de adorno”65, o que assemelhava este lugar a uma Feira da Ladra, em miniatura, onde os vendedores ambulantes se fixavam e vendilhavam os seus produtos. Nos anos 80, esta feira deu lugar ao Clérigos Shopping, que se encontra actualmente abandonado e vedado ao público. A construção de grandes mercados no Porto e na maior parte das cidades europeias cessa em meados do século XX com a introdução dos supermercados e das grandes superfícies que rapidamente absorveram o comércio a retalho. A sobrevivência destes é garantida pelo Mercado Abastecedor que passa a distribuir os produtos para os mercados, para estes espaços comerciais e outras entidades como escolas, hotéis e restaurantes. Esta característica introduziu uma nova dimensão e escala neste edifício sendo que o MAP66 ocupa actualmente uma superfície de doze hectares onde se organizam os vários pavilhões de venda, devidamente equipados com redes de frio e áreas de armazenamento, e outros programas relacionados com a administração e funcionamento do mercado como os espaços administrativos, os serviços bancários, os restaurantes, um anfiteatro e um posto de abastecimento de combustíveis. Os mercados passam a assumir uma função menos centralizadora, tornando-se pequenos abastecedores locais, nomeadamente de áreas habitacionais e/ou de lazer. Estes correspondem a pequenos equipamentos com duas ou três dezenas de postos de venda e alguma capacidade de armazenamento e arrumo dos seus produtos. O redimensionamento da sua escala e postos de venda relaciona-se directamente com a área onde se implantam, geralmente periférica ou com uma densidade populacional muito inferior à dos centros tradicionais e, simultaneamente, com a sua função de distribuidor local que abastece diariamente, de produtos frescos e perecíveis, nomeadamente peixe e hortofrutícolas, uma Unidade de Vizinhança ou seja “[...] um conjunto de algumas centenas de famílias, numa distância a pé, nunca superior a 10/15 minutos”67, assumindo-

Vereador do Pelouro dos Abastecimentos. NONELL 1992, p. 59. MARÇAL 1987, p. 110. 66 Mercado Abastecedor do Porto 67 NONELL 1992, p. 2. 63 64 65

se como verdadeiros mercados de Bairro, como é exemplo o já enunciado e caracterizado Mercado da Foz.


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52a-b Mercado da Ribeira, Porto ant.1992 53a Mercado temporário de S. Sebastião, Porto ant.1986 53b Mercado de S. Sebastião, Porto António Moura,1986 53c-f Interior do Mercado de S. Sebastião, Porto António Moura,1986


Na década de setenta surge uma tipologia de mercado com estas funções e particulariedades, que se caracteriza por uma construção geralmente efémera, definida por “[...] conjuntos de bancas mais ou menos ordenados, sem contudo apresentarem carácter arquitectónico ou urbanístico específico. Apresentam em comum o facto de se instituírem como espaços ao ar livre [...]”68. Estes mercados denominados de Mercados de Levante surgem de uma fixação de vendedores 091

ambulantes, em bancas fixas e individuais, que se organizavam em espaços livres e expectantes dos aglomerados urbanos, nomeadamente nas áreas não planeadas. Embora fossem construções efémeras, eram providos de uma pequena fonte ou chafariz, de instalações sanitárias e de alguma capacidade de armazenamento para os produtos, desenvolvendo, a meu ver, espaços bastante peculiares e interessantes, quer pela forma espontânea como se implantam na cidade, quer pelos suportes e formas de venda que os definem, apesar de não apresentarem um carácter arquitectónico ou urbanístico específico. São representativos desta tipologia o Mercado da Ribeira e o de S. Sebastião, junto à Sé do Porto. O primeiro, já extinto, localizava-se no núcleo primitivo da cidade baixa e adoptava a organização tradicional do antigo mercado, desenvolvendo ao ar livre e em barracas de madeira, dispostas linearmente ao longo da marginal, de forma mais ou menos ordenada, as vendas do peixe e dos produtos hortofrutícolas. O segundo, da autoria do arquitecto António Moura, foi construído em 1986 e continua a funcionar em pleno centro histórico da cidade, próximo da primitiva praça de mercado, abastecendo os moradores do Bairro da Sé. Inicialmente os seus comerciantes vendiam os produtos alimentares e os têxteis ao longo da Avenida D. Afonso Henriques, contudo, devido ao incómodo que causavam, foram transferidos para um terreno anexo que corresponde ao lugar do actual mercado. Antes da sua construção e já nesse terreno, as vendas realizavam-se em barracas e cobertos temporários, ao ar livre, sendo estas dispostas por patamares distintos devido à pendente acentuada do terreno, o que lembrava uma feira. Em 1986, estas barracas são substituídas por um edifício de betão que mantém a traça original do mercado temporário, com o seu chafariz e com uma organização das vendas por patamares. A entrada principal desenvolve-se na cota baixa e de nível com mercado de peixe, ao qual se seguem, em três patamares sucessivos, as vendas dos produtos hortofrutícolas e nos dois últimos, a das flores e criação. Estes espaços são cobertos por lajes de betão ajardinadas e a sua iluminação é feita por clarabóias e a sua ventilaçãolateralmente, através das quatro fachadas que definem o edifício, sendo que estas são desenhadas com grades que possibilitam fechar o mercado ao exterior, mas não impedir a entrada de luz e a sua ventilação. A permanência e o actual funcionamento deste deve-se, a meu ver, aos mesmos factores enunciados no Mercado da Foz, como a localização estratégica numa área residencial e a adopção da pequena escala,

68

Idem, p. 4.

adequada às necessidades de um grupo restrito de população.


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54a-e Proposta vencedora do concurso público de Reabilitação do Mercado do Bolhão Joaquim Massena,1992


A reflexão sobre os mercados da cidade do Porto assume particular importância no final do século XX e inícios do XXI e surge associada a dois momentos-chave, um que teve lugar em 1992 e onde se focou o estado dos mercados e das feiras da cidade e que teve como objectivo central a reabilitação do Mercado do Bolhão e outro, que corresponde a uma actual luta para que os poucos mercados que ainda subsistem no Porto, permaneçam, e não fiquem apenas na memória 093

das pessoas. Relativamente ao estudo de 1992 pretendia-se analisar a evolução deste equipamento e complementá-lo com novos mercados, estando este estudo presente nos livros Sentir e Pensar os Mercados e Feiras do Porto realizado pela Câmara Municipal do Porto através do Pelouro dos Mercados e no Mercado do Bolhão, estudos e documentos da arquitecta Anni Gunther Nonell. Não vou descrever todas as intervenções ocorridas nos mercados e feiras da cidade, decorrentes desse estudo, apenas vou referi-las e debruçar-me sobre aquelas que me pareceram mais pertinentes como o concurso público de propostas para a Reabilitação do Mercado do Bolhão e a necessidade de construir “[...] novos mercados junto às recentes e grandes concentrações habitacionais na cidade”69. A primeira resulta de uma inadaptação dos espaços do Mercado do Bolhão aos novos hábitos e exigências de consumo e de higiene bem como à enorme degradação deste. As propostas deviam manter “[...] o carácter de edifício-quarteirão aberto no interior [...]”

70

e a sua

função de mercado alimentar, agora associada a Galerias Comerciais que pretendiam atrair novos públicos e proporcionar um horário de uso mais alargado. Relativamente à dimensão destes dois programas previa-se redimensionar o mercado alimentar em função da procura e da população residente restringindo-se a sua área a mil/mil e quinhentos metros quadrados (1000/1500 m2) e a das Galerias Comerciais aos sete/dez mim metros quadrados (7000/10000 m2) sendo que estes deviam funcionar autónoma e/ou simultaneamente e articular-se com uma área de estacionamento subterrâneo que serviria de apoio ao utente e ao processo das cargas e descargas. O Mercado alimentar devia incorporar áreas de comercialização fixas com ou sem instalações frigoríficas e devia manter a praça central de terrado, com acesso directo e de nível pela Rua Formosa. Esta última devia funcionar como espaço multifuncional, de trocas comerciais e sociais, extensível ao acolhimento de pequenos espectáculos ao ar livre, desfiles de moda e exposições e que simultaneamente sugerisse percursos de atravessamento público. O segundo sector desenvolviase na galeria superior e possíveis galerias a projectar e devia incorporar programas como um cinema e um conjunto de serviços, ou seja uma agência de turismo, lojas de telecomunicações, serviços bancários, os CTT e os STCP que pretendiam reforçar o “[...] princípio de espaço público 69 70 71

Câmara Municipal do Porto 1992B, p. 67. Idem, p.156. Ibidem, p.141.

aberto [...]”71, bem como lojas de carácter comercial e turístico, pequeno comércio a retalho e espaços ligados à restauração.


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55a-e Plantas da Proposta vencedora do concurso público de Reabilitação do Mercado do Bolhão Joaquim Massena,1992


A proposta vencedora foi a do arquitecto Joaquim Massena que embora respeitasse com rigor e precisão todas as condicionantes do concurso acima enunciadas foi sendo adiada e é hoje classificada como inadaptada e obsoleta pela Câmara Municipal do Porto tendo-se ignorado por completo o seu projecto de Reabilitação e entregue no ano de 2007/2008 a concessão e exploração do mercado, por um período de cinquenta anos, a uma empresa privada, a TramCroNe, 095

que pretendeu transformá-lo num centro comercial. A proposta do arquitecto Joaquim Massena pretendia não só reabilitar o mercado, mas integrá-lo no traçado da rede do metro, nomeadamente na ligação Porto/Trindade que se encontrava em fase de estudo na altura do concurso, constituindo assim uma das paragens da nossa cidade. Relativamente ao projecto, as principais preocupações foram desde logo resolver o problema das acessibilidades, o da higiene e conforto das vendas, o princípio de Espaço Público Aberto e a não deslocação dos comerciantes aquando das obras no edifício. A primeira questão reforçava três pontos essenciais: o processo das cargas e descargas das mercadorias, a necessidade de estacionamento próprio e de novos acessos como os elevadores de uso público e o montacargas e uma nova escada que resolvesse o acesso às galerias superiores sem ter que se percorrer todo o seu perímetro. Relativamente ao princípio do Espaço Público Aberto, o mercado devia funcionar 24 horas por dia propondo-se novos usos para o seu interior e exterior como lojas-âncora com animação cultural, restauração e outro tipo de lojas comerciais. A proposta apresentada em concurso desenvolvia três pisos: o piso térreo que se mantinha de cota com Rua Formosa e preservava a praça de mercado central com a venda dos produtos alimentares, um primeiro piso em galeria, que se desenhava de raiz entre os dois pisos existentes no mercado, e a galeria superior. O primeiro piso ou galeria proposta aproveitava o patamar das escadas do topo Norte para o seu acesso e desenvolvia pequenos espaços multifuncionais que podiam acolher diferentes tipos de venda e/ou actividades desde as tradicionais como as vendas do pão, fruta e flores ou o desenvolvimento de pequenos ateliers e lojas de produtos tradicionais e artesanais. A segunda galeria, a pré-existente, desenhava na sua metade a sul os espaços de restauração que se relacionavam visualmente com a praça de terrado e com as ruas e na metade a norte um mercado de levante direccionado aos mercadores ambulantes e às feiras sazonais. Uma das preocupações fundamentais deste projecto foi a criação de dois pisos de serviços, estruturantes ao funcionamento do mercado, um primeiro onde se desenhou o parque de estacionamento e os balneários dos comerciantes e um segundo onde se desenvolvia a área das cargas e descargas das mercadorias e o respectivo armazenamento. Ambos os pisos localizavamse sob a praça de terrado e no seu perímetro interior, garantindo assim que não houvesse qualquer fragilização na estrutura original do mercado. Contudo este projecto que reabilitava o mercado e mantinha integralmente todo o seu programa foi esquecido.


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56a-d Reabilitação do Mercado da Ribeira Porto, posterior 2001


Este estudo de 1992 pretendia também reabilitar os mercados municipais da Foz e do Bom Sucesso, os mercados de levante da Ribeira e de S. Sebastião e outros como o de Campinas, Covelo, Francos e o da Praça da Alegria, bem como desenvolver novos mercados junto às grandes concentrações habitacionais, tendo-se previsto para a Mouteira, Ramalde e Cerco do Porto. A defesa de novos mercados destinava-se não só para as pessoas com baixo poder de compra, 097

devido às suas dificuldades na deslocação e na aquisição de produtos em quantidade, mas simultaneamente para as pessoas com elevado poder de compra e que optavam pela grande exigência da qualidade dos seus produtos alimentares. É de referir, que a estratégia adoptada para concretizar estes novos espaços de mercado na cidade, foi semelhante à desenvolvida dos Mercados da Foz e de S. Sebatião, que assentava em dois factores estruturantes: o primeiro relacionava-se directamente com a sua localização na malha urbana, geralmente em áreas habitacionais e/ou de lazer e a segunda com a sua escala e função no abastecimento urbano, pretendendo-se desenhar pequenas unidades de bairro que realizassem uma distribuição local. Relativamente à reabilitação dos mercados de levante apostou-se numa estratégia de os complementar com outros espaços e programas, independentes da actividade comercial, como por exemplo locais destinados ao repouso e ao convívio quer para idosos, quer para jovens, que funcionariam após o horário e o desenvolvimento do mercado e da sua actividade, fazendo com que este espaço estivesse permanentemente aberto e em funcionamento ao longo do dia, podendo referir a intervenção encetada pela arquitecta Domingas Rocha, no Mercado de Francos, que adoptou esta estratégia. Enquadrada nesta última estratégia surge a reabilitação do antigo Mercado da Ribeira, que pretendia recuperar o seu carácter tradicional, com uma organização das vendas dos produtos em barracas de madeira e ao ar livre. Embora se procedesse à reabilitação das antigas estruturas do mercado, este acabou por ser demolido e substituído, recentemente, por uma estrutura comercial mais moderna que se pretendeu adaptar às características do lugar, “[...] de grande atracção turística, ponto de passagem obrigatório para todos aqueles que visitam a cidade”72, desenvolvendo assim a venda “[...] quer de produtos alimentares na sua vertente tradicional, quer de produtos de interesse turístico e de bebidas” 73. Estas vendas realizavam-se num conjunto de dez lojas, fixas e individuais, que se encontravam desenhadas na espessura de um muro de suporte e no remate de um percurso, sob a presença de uma esmagadora escada monumental, estando ausente a praça de terrado que é, a meu ver, um dos espaços estruturantes na concepção de um mercado, não só como lugar de trocas comerciais mas simultaneamente sociais. A maior parte das lojas estão actualmente desactivadas, facto que se deve, na minha opinião, à sua lógica de funcionamento e

Câmara Municipal do Porto 1999, Nota Preâmbular. 73 Idem, Artigo 4º. 72

de implantação no lugar, que estiveram na origem do seu total fracasso e do não reconhecimento deste espaço como um mercado.


“REQUIEM pela Anja”_O Mercado e o Porto 57 Acções do Movimento Estudantil do Porto, Porto, 2008


Actualmente, o que se discute na cidade do Porto é a hipotética transformação do Mercado do Bolhão num centro comercial, sem identidade própria e gerido por uma empresa privada de promoção imobiliária. Não ignorando, o facto de que se pretende dar o mesmo rumo ao nosso vizinho Mercado do Bom Sucesso, localizado na Boavista, sendo que a “[…] A Eusébios quer fazer uma galeria comercial, construindo, ainda, um hotel e escritórios. A FDO projectou um “centro 099

comercial requintado”.74 Esta problemática coloca duas questões essenciais: a do papel do mercado na actualidade e o processo de planeamento das nossas cidades, nomeadamente dos seus núcleos históricos. Esta última parece-me bastante pertinente abordar pois é contraditório falar-se tanto em políticas e estratégias de Revitalização dos centros históricos e no momento seguinte, retirar a alma aos edifícios consolidados, substituindo-os, por vezes, por banais centros comerciais. Por outro lado, é igualmente estranho falar-se na necessidade de revitalizar a Baixa histórica e as suas actividades características e de seguida, sufocar o comércio tradicional e anular o pouco que ainda existe e subsite na cidade do Porto, oferecendo-lhes poucas hipóteses de sobrevivência, preenchendo a cidade consolidada com centros comerciais que vendem de tudo um pouco excepto produtos frescos, nacionais e tradicionais, característicos do mercado e das pequenas lojas de comércio tradicional. O problema, de facto reside, como escreveu João Seixas75 na “[...] diferença abissal – inclusive no saber governar – entre reabilitar e revitalizar [...]”76 pois o “[...] Património de uma cidade continuou a ser visto apenas pelos espaços de pedra – e não pelos espaços das trocas, das relações, das ficções e dos abraços.”77 De facto, o medo da transformação do Mercado do Bolhão reside na falsa tentativa de reabilitação que pretende retirar a alma ao edifício, ou seja os comerciantes, deixando-o oco, e perante esta hipotética solução, a cidade tem-se manifestado contra. O grande receio da gestão do mercado ser entregue aos privados, é o medo da sua reconversão num edifício comercial privado e fechado. A história deixou-nos um exemplo vivo deste fracasso, com a reconversão do Mercado do Anjo no Clérigos Shopping aquando da transferência dos seus comerciantes, temporariamente para a Cordoaria e depois para o Mercado Bom Sucesso. O centro comercial durou poucos anos e encontra-se agora num estado degradante e vergonhoso para a cidade, estando apenas o seu parque de estacionamento a funcionar. Por outro lado, o facto de se retirar a função ao Mercado do Bolhão traduz uma quase extinção deste programa na cidade do Porto, já que foi já entregue o Mercado do Bom Sucesso à gestão de privados sem se saber qual o seu destino. Esta estratégia/intenção é característica da nossa cidade e diria do país, onde constantemente nascem novos centros comercias que absorvem todo o comércio e espaços

SILVA 2008, p. 22. 75 Professor Universitário e Investigador. 76 SEIXAS 2008, p. 26. 77 Idem, p. 26. 78 Ibidem, p. 26. 74

da cidade, o que contrasta por exemplo, com os nossos vizinhos espanhóis “[...] tanta força tanta produtividade e ... cidades vivas, mercados vivos e cheios, uma cidadania activa e cosmopolita.”78





Parece-me ser necessário ressalvar que outros tipos de venda são estruturantes na cidade devido aos novos hábitos de consumo e de vida da população, contudo não devem, na minha opinião, ser as únicas formas de venda. De facto, o mercado não substitui o centro comercial mas tão pouco este substitui o mercado pois são espaços criados com intenções e objectivos diferentes. A existência de mercados de frescos nas cidades continua a ser um elemento essencial 103

ao equilíbrio entre o campo e a cidade, bem como contributo para a riqueza e variedade de uma rede de espaços comerciais. O seu desaparecimento conduziria em primeiro lugar a um cessar da actividade de pequenos agricultores e artesãos que escoam os seus produtos para estes espaços e em segundo à “[...] ditadura das grandes superfícies não só sobre os habitantes da cidades como, também, sobre os habitantes dos campos enquanto produtores agrícolas que, sendo pequenos (como são quase todos em Portugal) não podem ombrear com os grandes compradores e distribuidores [...]”79 e como consequência deste cessar, a substituição dos produtos locais por outros, vindos não se sabe de onde, que se nos afiguram mais apelativos, mas com uma menor qualidade. Simultaneamente “[...] este duplo desaparecimento – dos mercados nas cidades e dos produtores em seu redor – é um incentivo criminoso ao abandono dos campos. E se, por maldade ou incúria dos homens – como acontecerá se o Bolhão for destruído – se quebrarem os elos duma cadeia vital, os resistente de hoje serão os desistentes de amanhã e o que é, ainda hoje, espaço natural, produtivo e saudável, será amanhã ... mais cidade! esta política surda mas consentida chama-se desertificação porque expulsa os camponeses para a cidade e os cidadãos da cidade para as catacumbas das grandes superfícies, quase sempre insaciáveis gastadores de energia e, não raro, indecorosos poluidores e predadores de recursos mas com perigosas cores a vesti-los.”80 A própria forma como o mercado se implanta na cidade é distinta das dos centros comerciais pois procura integrar-se numa lógica urbana onde questões como a sua posição, alinhamentos, relação com o espaço público e a definição da sua volumetria são essenciais na sua concepção. Em oposição, o centro comercial é um equipamento autista, virado sobre si próprio e que ao incorporar todas as necessidades urbanas no seu interior, desde o estacionamento ao comércio e lazer, retira pessoas dos diversos espaços urbanos desvirtuando o carácter de equipamento e espaço público que é hoje fundamental preservar no centro histórico. É neste contexto que o mercado assume um papel protagonista, enquanto espaço público, característico por ser um lugar de trocas comerciais e sociais pois desenvolveu, desde sempre, uma praça onde as pessoas se reuniam para comprar e conversar, constituindo no passado um dos espaços mais cívicos da cidade.

Um espaço onde se geraram efectivos laços de amizade entre o cliente e o vendedor substituindo muitas das vezes, como ainda hoje se presenceia no Mercado do Bolhão, a função 79 80

FERNANDES, 2008, p. 30. Idem, p. 30.

dos adros das igrejas onde os pobres e viajantes dormiam e comiam a sopa.



Antigos espaรงos de mercado na cidade do Porto



Mercados actualmente activos na cidade do Porto



Pensar o mercado

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A abordagem teórica possibilitou traçar o fio condutor que orientou o meu processo de trabalho para o projecto que agora apresento como conclusão desta prova final. Pretendo que o mercado surja como um equipamento que ajude a reestruturar física e funcionalmente uma área urbana e constitua uma alternativa aos espaços públicos e de venda alimentar da cidade, procurando potenciar o comércio tradicional e conjugá-lo com os novos produtos e valências de um espaço comercial moderno. Para tal foi essencial a sua implantação no centro da vida urbana (onde os movimentos humanos são constantes) e a definição de um lugar de praça pública, em íntima relação com os seus programas e espaços. Discutiram-se dois campos de intervenção distintos para abordar o objecto: um que se referia à proposta de reabilitação dos Mercados do Bolhão ou do Bom Sucesso e outro que direccionava no sentido do projecto de raiz. A primeira respondia a uma necessidade de requalificar e modernizar os espaços do mercado, mantendo a função da venda de produtos alimentares frescos e nacionais, o que parecia bastante interessante devido à dificuldade de adaptá-los às actuais exigências de consumo e de higiene bem como aos novos programas e regulamentos em vigor. A segunda revelava-se extremamente apelativa e representava uma última oportunidade para explorar ideias e conceitos numa proposta de carácter académico. Estas motivações fizeram-me optar pelo projecto de raiz e partir assim para a escolha do lugar.

Deambulações pelos lugares O contacto directo com a polémica do Mercado do Bolhão e a visita à cidade de Barcelona constituíram momentos fundamentais para a escolha do lugar, pois apercebi-me da importância que este equipamento pode ter no processo de revitalização dos núcleos históricos enquanto espaço público aberto de forte pendor social e enquanto espaço de venda de produtos alimentares frescos e nacionais. Os Mercados La Boqueria, Santa Caterina e o das flores, localizados no centro histórico de Barcelona, são espaços estruturantes na actividade e intenso movimento desta área urbana. Imagine-se todo este bulício na Baixa histórica e comercial da cidade do Porto. Não traria este tipo de programas e de espaço público mais vida, colorido e pessoas ao tradicional centro da cidade?


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58a-b Terreno localizado próximo do Bairro do Aleixo, Rua do Ouro, Porto 59a-d Jardim S. Lázaro, Cordoaria e Praça de Lisboa Porto 60a-d Ilha na Rua Alexandre Herculano Porto


Embora agora me pareça evidente e consolidada a ideia de localizar o mercado na Baixa portuense surgiram, anteriormente, outras estratégias de intervenção na fase de escolha dos lugares, que abrangiam uma área urbana mais alargada onde a periferia nunca foi abordada, pois a história ensinou que este esteve sempre associado ao centro, quer fosse ao núcleo histórico ou às novas centralidades.Simultaneamente as características da periferia, uma urbanidade difusa 111

servida por redes viárias de grande velocidade onde a ideia tradicional de espaço público se perdeu e onde equipamentos como as grandes superfícies encontram o seu território não se adequam aos espaços e relações que um mercado procura. Este é por excelência um equipamento da cidade. Assim uma das ideias discutidas foi a inserção de um mercado num bairro residencial, que desenvolveria um abastecimento local e desenhar-se-ia através de uma estrutura modular, com quatro ou cinco lojas para as vendas do peixe, carne, hortofrutícolas e uma mercearia, que seria adaptável para ser repetida em áreas habitacionais que carenciassem desta infra-estrutura, fazendo com que as populações não necessitassem de percorrer grandes distâncias ou utilizar o transporte individual para se abastecerem diariamente, o que permitia ao mesmo tempo, integrar o mercado no quotidiano. Este devia aproximar-se das dimensões e da função dos mercados de levante, analisados anteriormente, tendo-se pensado na área envolvente ao Bairro do Aleixo e, mais especificamente, na Rua do Ouro que define a marginal. Contudo esta foi a única estratégia desligada da intenção de o localizar no centro histórico sendo que as outras duas a adoptam. Uma pretendia recuperar as antigas praças de mercado e outra, em alternativa, procurava explorar uma tipologia comercial como a Passage, à imagem do que se pretendia desenvolver na Rua da Galeria de Paris. A primeira prendia-se com as suas potencialidades urbanas e históricas surgindo como potenciais lugares o Jardim de S. Lázaro, antigo local da feira dos porcos, a Cordoaria, espaço de variadíssimas feiras e lugar temporário do mercado do peixe e a Praça de Lisboa onde surgiu o primeiro Mercado Público. A abordagem à Passage, como via comercial e espaço público de ligação entre dois pontos da cidade, pretendia requalificar o miolo de um quarteirão tradicional através da implantação de uma estrutura de mercado que podia ter todas as suas valências e características como a venda de produtos frescos e tradicionais, ao mesmo tempo que permitia resolver problemas relativos a esse quarteirão como transições de cotas, estacionamento e a requalificação de espaços públicos, tendo-se pensado nos quarteirões habitacionais da Rua Alexandre Herculano. Ambas as estratégias e respectivos lugares encontram-se devidamente assinalados no mapa em anexo. Propor um mercado no centro histórico ou num bairro residencial pretendia não só reflectir sobre a função e a forma deste equipamento na nossa cidade, mas requalificar um espaço residual ou abandonado. A estas premissas juntou-se uma vontade de explorar o tema da reabilitação dos centros históricos onde o mercado surge como um dos equipamentos estruturantes.



Mapa das estratégias para a implantação do Mercado [a azul encontra-se assinalado o terreno do Bairro do Aleixo, a vermelho as três antigas praças de mercado e a laranja a ilha na Rua Alexandre Herculano ]


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3 61 Enquadramento Urbano da Praça de Lisboa frente comercial da Rua das Carmelitas_1 Igreja e Torre dos Clérigos_2 Cadeia e Tribunal da Relação_3 Reitoria da Universidade do Porto_4 Tribunal da Relação do Porto_5 Instituto deCiências Biomédicas AbelSalazar_6


O lugar

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Após algumas deambulações pelo centro histórico e discussão constante com o arquitecto Adalberto Dias, a estratégia de recuperar uma antiga praça de mercado pareceu-nos a melhor opção para este exercício de projecto, não só pelas características físicas e históricas, inerentes a estes espaços, mas pelo facto de estarmos a desenvolver “a alma a este lugar”. A Praça de Lisboa afigurou-se-nos como o local ideal para implantar o mercado pois é um espaço público aberto e singular, em pleno centro histórico, que necessita de um programa e uso pois encontra-se abandonado e vedado ao público, diria quase que esquecido pela cidade, o que reforçou a ideia inicial de que este equipamento pudesse reestruturar física e funcionalmente uma área urbana problemática. Pareceu-nos assim estar a completar o necessário e a recuperar a alma da velha cidade, readquirindo a sua função comercial, tanto que o primeiro Mercado público do Porto nasceu neste espaço. É de referir que a Praça de Lisboa foi alvo de concurso no âmbito da iniciativa Porto 2001, cujas propostas apresentadas sugeriam por um lado, espaços de lazer associados ao jardim da Cordoaria e por outro, uma permanência da sua actividade comercial. Simultaneamente existiu uma vontade, por parte da Associação de Feirantes do Distrito do Porto, de o transformar no tradicional local de feira e de mercado, apostando assim na reactivação do comércio tradicional e no espaço de lazer “[…]tendo como propósito, a retratação de feiras medievais, teatro e animação de rua, concertos musicais e projecções de audiovisuais tendo em vista apoiar os projectos de animação que daí possam advir bem como espaços culturais afectos ao distrito do Porto.”81 A preocupação que o lugar escolhido respeitasse a nova escala/dimensão do mercado foi outro factor a ter em conta pois não faz sentido desenvolver um edifício de grandes dimensões como os Mercados do Bolhão e Bom Sucesso pois existem actualmente outras formas de venda de produtos alimentares a retalho. Pretendia-se assim, que a área útil do mercado se balizasse entre os novecentos e noventa e nove (999m2) e os quatro mil novecentos e noventa e nove metros quadrados82 (4999m2), dimensões atribuídas a um mercado de média dimensão, defendidas pela Direcção-geral do Comércio e da Concorrência. Num raciocínio muito rápido e numa fase ainda de relacionar, fotografar e investigar, este terreno com sete mil metros quadrados possibilitava AFDP, Apresentação de Ideias para o Desenvolvimento do Mercado dos Anjos, 82 Dados recolhidos nos Cadernos DGCC, nº13, Mercados Municipais, Direcção Geral do Comércio e da Concorrência 2001, p. 14 e15. 81

qualquer proposta de intervenção, quer fosse uma ocupação total do lugar ou uma ocupação parcial que permitia oferecer parte do lugar à cidade, desenhando-se neste a já referida praça.




“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado


O enquadramento urbano da Praça de Lisboa numa área de forte carácter comercial, junto de alguns dos edifícios mais emblemáticos da cidade como a Torre dos Clérigos, a Cadeia e Tribunal da Relação, a Reitoria da Universidade do Porto e o Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar e a sua proximidade com a rede de transportes públicos que serve o lugar e que constitui assim uma alternativa ao transporte individual, facilitando os movimentos da população entre este 119

espaço e a sua casa ou entre este e o trabalho, reforçaram a escolha deste lugar para implantar o novo mercado. Assim o primeiro olhar, foi de entusiasmo e desafio pois desde há um ano que me confrontava diariamente com este buraco, dado ter estagiado no Atelier A. que se situa na sua envolvente. Hoje é ainda mais triste olhar pois encontra-se deserto e criminosamente vedado. Não tenho memória deste equipamento funcionar, apenas a certeza de que nunca deveria ter chegado a este ponto de ruptura nem de abandono. Esta sensação diminuiu quando soube da proposta de um equipamento de carácter público para este sítio pois é de intervenções desta natureza que o centro histórico precisa, que recuperem o espaço público e colectivo e tragam vida para a Baixa portuense. É este o objectivo da minha intervenção. Todavia, esta sensação terminou quando vi a proposta, pois se, até ao século XX a cidade foi “[...] constituída pela repetição de pequenas unidades que asseguram o tecido contínuo, do qual pontualmente emergem as grandes estruturas institucionais [...]”83, desenhadas em consonância com o tecido urbano envolvente, hoje, assistese a uma perda deste sentido de cidade pois cada edifício fala por si “[...] tornando impossível qualquer forma de protagonismo [...]”84 e de leitura urbana. Esta proposta reforçou a vontade de redesenhar este lugar tentando devolver-lhe a sua alma e desenhar um pedaço da cidade. A Praça de Lisboa tem como limites três ruas e consequentemente três alçados. Lê-se na sua envolvente próxima a existência de um plano, facilmente identificável na relação das massas construídas com os vazios que as complementam, características presentes na relação da Cadeia e Tribunal da Relação com o Campo dos Mártires da Pátria e na Reitoria com o Jardim da Cordoaria e Praça dos Leões. A norte, a Rua das Carmelitas desenha num dos seus lados, o casario burguês e os armazéns comerciais do século XIX, a sul, a Rua de S. Filipe de Nery exibe um dos alçados laterais da Igreja dos Clérigos “[…] obra altamente significativa porquanto desloca para poente o perfil medieval da cidade, apoiado até então na Catedral e constitui como que remate do velho burgo e anúncio do nascimento de uma nova cidade85”, a poente, a Rua Dr. Ferreira da Silva é definida por uma das fachadas da Reitoria e pelo Jardim da Cordoaria. Esta é a única rua de pendente estável sendo que a das outras é acentuada, descendo cada uma nove metros no sentido poente-nascente. É no centro destes três eixos que se encontra o local da intervenção.

62 Nova proposta para a Reconversão da Galeria Comercial Clérigos Shopping, Porto, Bragaparques, 2006 SIZA 1998, p. 97. Idem. 85 MENDES 2000, p. 60. 83 84

Das várias deambulações pelo lugar pareceu-me importante reforçar o carácter comercial da Rua das Carmelitas, definindo uma nova frente de lojas que dialogasse com a existente e ajudasse a definir o limite norte da intervenção.


63b

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63a Rua Dr. Ferreira da Silva, Porto 63b Rua das Carmelitas , Porto 63c Rua de S. Filipe de Nery, Porto 63d Estacionamento subterrâneo existente, Porto 63e Galeria Comercial Clérigos Shopping, Porto António Moura, 1991


Em oposição, os vazios propostos pelo Jardim da Cordoaria e Campo dos Mártires da Pátria enunciaram uma vontade de os continuar, prolongando-os para a proposta. Estas duas vontades e a sua relação com as direcções enunciadas pela Reitoria e pelos Clérigos fizeram-me perceber que o mercado devia localizar-se ao longo da Rua das Carmelitas fechando o triângulo definido por estes edifícios ao mesmo tempo que definia a frente comercial a norte e prolongava os vazios 121

urbanos que se constroem a poente. Mais tarde estas sensações materializaram as bases para a proposta de intervenção no local. Neste espaço desenvolve-se um parque de estacionamento com dois pisos que ocupam todo o perímetro do terreno sendo que o primeiro e a entrada se encontram estabilizados à cota intermédia definida pela Rua de S. Filipe de Nery. Esta atitude teve como consequência a sobre-elevação da Praça de Lisboa e consequentemente do seu programa, o Clérigos Shopping, quebrando a tradicional relação das lojas com as ruas comerciais do Porto, virando-se este equipamento sobre si mesmo, numa atitude semelhante à dos centros comerciais. Este propôs uma ocupação perimetral através da definição de um muro de suporte que permitiu estabilizar a sua cota de implantação mas que dificultou o seu acesso, obrigando a quem estivesse na cota alta a descer e na cota baixa a subir, através de escadas localizadas nos três gavetos. Surge uma praça encerrada e vivida no interior deste edifício, apenas perceptível nos pontos de entrada que se localizam nas cotas altas, o que alterou o seu valor enquanto praça e espaço público da cidade. Este facto levou a repensar uma das primeiras intenções projectuais: aproveitar o parque de estacionamento existente aumentando a sua capacidade se tal fosse necessário, mas o lugar do Anjo revela-se como um terreno extremamente apelativo pelas suas características morfológicas e pelos contactos que estabelece com a envolvente, actualmente contrariados pela construção que preenche a Praça de Lisboa. As cotas difíceis que materializam as suas ruas constituem uma das características mais fortes do lugar bem como de toda a cidade portuense. A Rua dos Clérigos é um dos eixos mais interessantes de aproximação ao lugar pois exibe no seu topo a fachada da Igreja, enviesada relativamente à rua, à boa maneira barroca e revela um dos gavetos da Praça de Lisboa. Como são também interessantes as aproximações feitas pelas estreitas ruelas que desembocam na Rua das Carmelitas ou pelo amplo espaço que o Jardim da Cordoaria oferece. A manutenção do muro de suporte, que o parque de estacionamento pré-existente exige que se desenvolva ao longo de todo o perímetro do terreno, iria contrariar as suas características topográficas bem como impossibilitar os contactos directos propostos por estes percursos de aproximação. Esta conduziria à estabilização da proposta à cota alta caindo novamente no mesmo erro de desenvolver um edifício virado sobre si próprio, quando a reabilitação dos centros históricos necessita desta intrínseca relação entre espaço público e equipamento, onde são fundamentais as ligações e prolongamentos das cotas das ruas que envolvem os lugares de intervenção.




Esta breve análise ao lugar permitiu perceber que intervir na Praça de Lisboa era tarefa de uma enorme responsabilidade pois trata-se de uma área com uma forte carga simbólica, marcada por edifícios que surgem como intocáveis e por pré-existências recentes que, a meu ver, não respondem nem funcional nem programaticamente às necessidades do sítio. Por tal, a compreensão da sua organização e história foram elementos fundamentais para puder intervir,

(acidentes topográficos, construções existentes, história) [...]”86 constituíram as bases para a construção do projecto. Tudo estava no lugar, havia que reconhecê-lo e interpretar as suas características mais intrínsecas, para depois o reconstituir e acrescentar o necessário.

O Programa

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respeitando a alma do lugar. Assim, citando o arquitecto Álvaro Siza, as “[...] referências directas

Para a construção do programa do mercado foi fundamental a recolha de outros programas, nomeadamente de mercados novos ou recentemente reabilitados de forma a reequacionar e interpretar as novas valências e usos de um espaço comercial moderno. O programa do concurso público para o projecto de reabilitação do Mercado do Bolhão e outros desenvolvidos por alunos de arquitectura em trabalhos académicos e provas finais com este tema, bem como as conversas com o arquitecto Adalberto Dias e Joaquim Massena foram documentos e críticas essenciais para a formalização do programa, não esquecendo que a oportunidade que tive de contactar com os mercados de Barcelona ajudou a idealizar alguns dos espaços e funções que satisfazem as novas necessidades de consumo e a consolidar a minha opinião de que o mercado é um equipamento estruturante na vida de uma cidade. Assim o programa do mercado divide-se em dois sectores distintos: um de serviço e de uso exclusivo para os comerciantes constituído pela zona das cargas e descargas e pelos “[...] equipamentos complementares de apoio […] nomeadamente vestiários, armazéns, depósitos, instalações de frio, recolha de vasilhame e recolha de lixos [...]”87 e outro de carácter público que é definido pelos espaços e programas do mercado tradicional e do mercado moderno, assim por mim determinados, coexistindo dois tipos de comércio distintos e que pretendem responder às necessidades e interesses ou gostos da população. O primeiro sector, e mais especificamente a área das cargas e descargas das mercadorias, devia desenhar-se num espaço próprio e fechado, protegido das intempéries exteriores e no interior do edifício, devendo este dar acesso às zonas de serviço, nomeadamente aos espaços de armazém, arrumos e aos depósitos de lixo, comunicando depois, verticalmente, com o mercado através dos monta-cargas e dos elevadores.

86 87

SIZA 1998, p. 87. Câmara Municipal do Porto 1999, Artigo 6.º.


O mercado tradicional acolhe os programas representativos que acompanham de forma sistemática a sua evolução, ou seja as peixarias, os talhos, as charcutarias e as queijarias; os produtos hortofrutícolas e as flores; as padarias e as lojas de produtos cerealíferos e avícolas que desenvolvem características próprias como as suas cores, cheiros e paladares. Em alternativa, o mercado moderno, assim por mim interpretado, pretende responder aos 125

novos hábitos de consumo e atrair novos públicos através do desenvolvimento daquelas que podem ser as suas novas valências e usos, tendo-se proposto programas como os do mercado Terciário Alimentar, o da Restauração e o Cultural. Pretendo simultaneamente, que este sector funcione como um espaço onde a população possa encontrar, num horário mais alargado, um conjunto de serviços indispensáveis e de lugares de carácter público, onde deverão estar incluídos não só os espaços que descreverei de seguida, mas outros de apoio ao edifício como instalações sanitárias públicas, gabinetes de Serviços da Câmara Municipal do Porto, pequenos quiosques e tabacarias e uma loja de turismo que penso essencial a integrar, já que esta área de cidade corresponde a um ponto de grande atracção turística. Assim, o mercado Terciário Alimentar é constituído pelos Gourmets, pelas lojas de produtos dietéticos, biológicos, ecológicos e regionais e pelas lojas especializadas na venda de produtos característicos do Norte, como o Vinho do Porto, os queijos e a charcutaria. A meu ver, estes espaços são fundamentais neste tipo de equipamentos pois divulgam a nossa identidade e o que de mais característico tem a nossa cidade ou região, tanto para aqueles que procuram relações com o passado e com comércio de qualidade ou apenas para os que visitam a nossa cidade e pretendem conhecer a nossa cultura, pois os produtos e a gastronomia, que o nosso território oferece, fazem parte da cultura de um povo. O mercado, em qualquer parte do mundo, é um dos equipamentos urbanos senão o equipamento que melhor traduz essa cultura. O mercado da Restauração está intrinsecamente ligado ao alimento, todavia, este é agora confeccionado um pouco à semelhança do que nos oferecem os centros comerciais. No entanto, pretendo evitar, quer o carácter de espaço fechado das praças de alimentação88, quer a sua oferta predominante de fast food89 para me aproximar dos restaurantes e dos cafés de qualidade que ainda se espalham pela cidade do Porto como por exemplo o Majectic, a Arcádia, o Piolho, o Progresso, a Padaria Ribeiro, o Buraco, entre outros que poderia citar, pois temo que sejam um dia substituídos por restaurantes de fast food, à semelhança do sucedido com o antigo Café Império. O mercado Cultural é definido por um conjunto de espaços que podem acolher as mais diversas funções e actividades culturais como as feiras da cidade, a título de exemplo a dos

Designação dada ao conjunto de restaurantes e cafés que se concentram num determinado espaço e edifício, associada às grandes superfícies comerciais. 89 Designação dada à comida de confecção rápida e não tradicional, vulgarmente conhecida por comida de plástico. 88

Pássaros, Moedas, Flores, Vandoma e Fontainhas e espaços dedicados a áreas temáticas como livrarias, alfarrabistas, antiguidades e artesanato bem como ateliers variados e salas de estudo para jovens estudantes.


Este último surge numa fase de fotografar, historiar e recolher informações sobre o lugar, quando percebi que existia um conjunto de propostas para a reconversão da Praça de Lisboa sendo que uma delas pretendia aproveitar a sua galeria pré-existente para um “[...] espaço aberto aos estudantes, de horário alargado, com salas de estudo, áreas de novas tecnologias, papelaria, reprografia e uma zona de convívio [...]”90. A integração deste programa na Praça de Lisboa e,

próximo das suas Faculdades e estabelecer um contacto directo com uma realidade comercial totalmente distinta das que geralmente conhecem. Contudo era fundamental que este programa funcionasse autonoma e/ou simultaneamente em relação à actividade e horário de uso do mercado, reservando-lhe uma área específica e independente, premissa aplicada em todos os espaços do mercado. Assim, o sector da restauração, o das salas da FAP e de outros espaços como os Gourmets permitiam alargar o horário de funcionamento do mercado possibilitando, à semelhança do que acontece nas Ramblas da cidade de Barcelona, as floristas e outros comerciantes venderem

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simultaneamente, no mercado permitia aos estudantes usufruir de um espaço de estudo localizado

os seus produtos durante a noite.

64 Pólo Zero para estudantes na Praça de Lisboa 90 LUZ, Carla Sofia, “Praça de Lisboa vai acolher Pólo Zero para estudantes”, In Jornal


Alguns dos mercados que visitei incluíam uma área dedicada ao comércio terciário não alimentar, ou seja, lojas de pronto a vestir, calçado e marroquinaria bem como “[...] estabelecimentos de maior área que funcionem como elementos dinamizadores do empreendimento (supermercado, grande armazém, cinema, etc,...)]”91 pois são considerados elementos essenciais ao sucesso de uma proposta deste tipo. Todavia numa das discussões da orientação, chegou-se à conclusão que 127

o melhor seria não inclui-los pois relacionam-se mais directamente com a filosofia dos espaços das galerias e centros comerciais, o que alude a uma tipologia bem distinta da que proponho. Ainda para a Rua das Carmelitas propôs-se uma frente comercial de lojas que funcionavam de forma autónoma do mercado e que por tal dispunham de instalações sanitárias e arrumos próprios, desenvolvendo actividades relacionadas com o comércio tradicional como por exemplo lojas de produtos artesanais e de antiguidades, um alfarrabista, sapateiro e uma costureira. Pareceu-me também importante incluir um parque de estacionamento que permitisse servir os utentes e os comerciantes do mercado dado que o automóvel faz parte do nosso quotidiano e negá-lo é não responder ao problema e contribuir para o insucesso e fracasso de um equipamento público deste tipo. A Praça de Lisboa dispõe já de estacionamento subterrâneo pelo qual foi necessário realizar um estudo, de forma a reequacionar a sua utilização, estando já sugerida a localização das rampas de acesso na Rua de S. Filipe de Nery. O programa enunciado procurou dar resposta a um edifício de mercado com uma capacidade para oitenta comerciantes estando este identificado e dimensionado no quadro em anexo. Apercebi-me, a partir do momento em que comecei a esboçar o programa, que seria importante pensar os espaços do mercado em esquema, ou seja a forma como estes se relacionam e organizam no edifício. O programa evoluiu para um diagrama de organização onde acrescentei algumas estratégias de resposta às exigências higiénicas e ao funcionamento interno do mercado como a distinção entre espaços públicos e de serviço e das cargas e descargas das mercadorias e uma separação dos produtos alimentares e não alimentares segundo zonas húmidas e zonas secas92. Assim, surgem três áreas distintas: a de venda para produtos alimentares, a de venda para produtos não alimentares e a de serviços e de cargas e descargas das mercadorias. Após esta divisão diferenciei as zonas que necessitavam de ser frequentemente lavadas, daquelas que no seu processo de limpeza não exigiam tanta utilização da água dado o produto nelas comercializado ser mais higiénico do ponto de vista dos resíduos. Esta premissa permitiu-me reflectir sobre a questão

de Notícias, Porto, 2006 91 Câmara Municipal do Porto 1992B, p.160. 92 A designação de zonas húmidas e secas para produtos alimentares e/ ou não alimentares foi retirada da Prova Final de Licenciatura de Arquitectura, 1 Mercado na

da materialização do chão e do seu pavimento que constitui, simultaneamente, uma importante superfície de trabalho para os comerciantes e por tal, uma área de resíduos e um espaço de circulação para os utilizadores do mercado.


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65 Programa-Base


Nas zonas húmidas para produtos alimentares encontram-se as peixarias, os talhos, os hortofrutícolas e os serviços dos restaurantes e dos cafés e para nas zonas dos produtos não alimentares, exclusivamente as flores. As especiarias e as sementes, as padarias, as mercearias, os Gourmets e as lojas de produtos dietéticos, biológicos, ecológicos e regionais pertencem às zonas secas para produtos alimentares e em oposição, encontram-se os produtos artesanais e as 129

salas de estudo da FAP. Os espaços de apoio agrupam-se segundo o mesmo conceito pertencendo as instalações sanitárias, os vestiários, os balneários e a recolha de lixos às zonas húmidas e as áreas de armazenamento, de arrumos e os espaços técnicos às zonas secas. É de se referir que esta zonificação e agrupamento por categorias e espaços foi também fundamental para se perceber quais as áreas do mercado a ser impermeabilizadas, permitindo assim responder de forma mais eficaz ao funcionamento interno do mercado e às exigências higiénicas de cada produto. A distinção entre os espaços públicos e os espaços de serviço e das cargas e descargas das mercadorias foi outra premissa estruturante na organização do mercado, tanto na separação das suas entradas como na hierarquização dos seus percursos de circulação interna, sendo que a primeira era evidente pois facilitava as circulações interiores, a limpeza das áreas reservadas ao público e as operações de fiscalização dos movimentos a que os produtos eram constantemente submetidos.

66 Organigrama


“REQUIEM pela Anja�_Pensar o Mercado 67 Primeira abordagem ao lugar [mercado fechado]


A Proposta

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“Quando se constrói a poucos metros de um edifício classificado como monumento nacional, como é o caso do convento de Santo Domingo de Bonaval, existe o receio de estragar tudo: por esta razão, foi-me pedido que “escondesse” o museu. Argumentei que um centro cultural é um edifício tão forte na vida da cidade que não pode ser um anexo de um convento […].”93

Dos vários esquissos, alguns sem lógica e outros mais sugestivos, havia três ideias que permaneciam: conformar uma praça ou vazio urbano em oposição a um volume, reforçar a frente comercial da Rua das Carmelitas e completar o triângulo enunciado pela Igreja dos Clérigos e pela Reitoria. Completar sem entrar em competição, antes reforçar a sua presença. Se, numa primeira abordagem possa ter pensado desenhar um corpo baixo e dissimulado que, inevitavelmente, ocuparia a totalidade do terreno, de imediato afastei esta ideia, pois correspondia mais a um medo de intervir junto de um dos edifícios mais emblemáticos da cidade do que a uma vontade e convicção projectual. Assim surge um único volume paralelo à Rua das Carmelitas que permite desenhar a praça e rematar os dois edifícios enunciados. Estas premissas sobrepostas à área do terreno e hipotética dimensão do equipamento sugeriram uma distribuição do programa por pisos, num edifício em altura, que respondia não só aos motivos funcionais e higiénicos que se prendem com a libertação das actividades do comércio do solo, o arrefecimento do espaço interior através dos pisos e o elevado nível de segurança, mas também às relações que esta implantação estabelece com a envolvente. O passo seguinte foi o desenho da volumetria: se um corpo compacto e fechado ou, em oposição, aberto em relação directa com o espaço público.

O primeiro exercício de implantação explorava a frente comercial na Rua das Carmelitas e desenvolvia as vendas do mercado tradicional e moderno em sectores distintos, interligados por percursos e rampas. Esta proposta foi alvo de crítica pois contrariava alguns dos conceitos enunciados na abordagem ao lugar e caminhava para o funcionamento e morfologia de um edifício autista, fechado sobre si mesmo, à semelhança das grandes superfícies comerciais, Tanzânia, de Josias Hamid.

o que levou ao seu abandono, restando apenas os registos da sua intenção.


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68b

68a-b Segunda abordagem ao lugar [mercado de rua]


Esta crítica deu origem ao desenho de um pátio no interior do volume que surge em continuidade com a praça proposta. Este é limitado por quatro corpos que compõem agora o edifício, cuja organização respeita a tipologia de mercado claustral. Optou por se desenvolver os diversos programas nos corpos norte e sul que se voltam, respectivamente, para a Rua das Carmelitas e para a praça, sendo que nos restantes, de menor dimensão, desenham-se os átrios e

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os acessos principais que articulam todos os espaços, criando um sistema de movimentos circulares e contínuos em torno do pátio. Este torna-se o elemento central da composição e materializa a praça de mercado chamada, por nós, do Anjo.

Numa das primeiras abordagens ao pátio procurou-se que o volume sul se elevasse cerca de quatro metros em relação à cota da praça e libertasse todo o piso térreo, permitindo atravessá-lo. Este gesto possibilitou desenvolver um desenho próximo ao mercado de rua que surgia no centro deste atravessamento criando fortes relações físicas e visuais entre o Anjo e a Rua das Carmelitas. O seu desenho procurou referências no Mercado de S. Sebastião, desenvolvendo as bancas de venda em plataformas que acompanhavam a pendente com a rua que o servia. No entanto, nas reuniões de orientação chegou-se à conclusão que o mercado de rua, pelas suas desvantagens mais directas como a falta de higiene, conforto e comodidade não se aplicava neste lugar pois a sua pendente impossibilitava a tão desejada relação entre o espaço público e os locais de venda.

Optou-se então por prolongar a cota da praça para o interior do volume e nele desenvolver um dos espaços de venda, sendo este movimento rematado pela frente de lojas proposta para a Rua das Carmelitas. A vontade de conceber o mercado num movimento contínuo e onde todos os seus espaços se relacionassem física e visualmente conduziu ao desenho de uma rampa que ligava todos os seus pisos, à semelhança do que acontece no Museu Guggenheim de Nova Iorque do arquitecto Frank Lloyd Wright. No entanto, o programa de um museu de arte adequa-se ao movimento contínuo da rampa sendo a parede que a acompanha, o suporte das obras, enquanto que no mercado, este acesso impossibilitava a criação de espaços estáveis para o desenvolvimento das actividades comerciais e exposição dos produtos. Ocorreu-me a Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de São Paulo do arquitecto João Vilanova Artigas, pois a forma como este trabalhou o espaço coincidia com os conceitos idealizados para a concepção deste mercado uma vez que o seu edifício defendia a tese da continuidade espacial, “[...] A sensação de generosidade espacial que sua estrutura permite aumenta o grau de convivência, de encontros, de comunicação. Quem der um grito, dentro do prédio, sentirá a responsabilidade de haver interferido em todo o ambiente. 93

SIZA 1998, p. 71.

Aí, o indivíduo se instrui, se urbaniza, ganha espírito de equipe.”94






Piso da Restauração

Piso dos Gourmets e Mercado das Flores

Piso do Mercado Hortofrutícola

Piso das Salas da FAP Piso dos Talhos e Charcutarias Piso do Mercado de Pão e Produtos Avícolas

Piso do Mercado de Peixe, Cargas e Descargas e Serviços

Piso do Estacionamento -1

Piso do Estacionamento -2


Esta continuidade espacial foi conseguida através da organização do programa em meios pisos e, consequentemente, do desenho das rampas que, suavemente, os ligam, permitindo um movimento circular e fluído ao longo de todo o mercado, que possibilitou estabelecer um diálogo mais justo e adequado com a morfologia do lugar, uma vez que os vários espaços de vendas surgem do prolongamento das cotas do terreno, permitindo assim desenhar várias entradas e 139

desenvolver verticalmente os diferentes programas que compõem o edifício. Assim, as vendas do mercado tradicional, do mercado moderno e as salas de estudo da FAP distribuem-se verticalmente, ao longo dos sete meios pisos que estruturam o volume, estando as suas cotas de pavimento intimamente relacionadas com o espaço público envolvente.

Para perceber de que forma o edifício se desenvolve pareceu-me interessante descrever o percurso que um utilizador pudesse realizar ao percorrer os seus espaços, aproveitando este momento para descrever as características formais e conceptuais deste mercado e perceber as sensações que as cores e os cheiros, que dele fazem parte, provocariam. Percorrendo o eixo barroco da Rua dos Clérigos apercebemo-nos que o mercado tenta dialogar com a Igreja dos Clérigos, procurando alinhar o coroamento do edifício pela cornija da sua fachada e relacionar-se com a escala da sua volumetria. A entrada, à cota baixa, faz-se no gaveto conformado pela Ruas das Carmelitas e S. Filipe de Nery, através de portas de vidro que permitem visualizar o mercado de peixe e que dão acesso a um átrio com um pé-direito com cerca de dezoito metros de altura. Esta verticalidade é rematada pela laje da cobertura e encerra em si os acessos que nos convidam a subir e a percorrer o edifício. Adossado à fachada nascente, um conjunto de rampas conduz a todos os pisos do mercado através dos seus suaves desníveis, enquanto que, lateralmente e no remate poente deste surge, em cada um dos lados, um conjunto de escadas e elevadores de serviço. Um dá continuidade às lojas comerciais da Rua das Carmelitas; o outro cria um momento escultórico, desenhando a escada entre dois planos, enquanto que o elevador é anunciado por um elegante pilar que reforça a verticalidade deste espaço. Assim surge o adro de entrada à cota baixa (78.50) cuja rampa, em complementaridade com a escada que se localiza no átrio à cota alta (84.50) garante o movimento fluido e cíclico que um equipamento desta natureza exige. A sua posição sugeriu uma relação com as duas ruas que conformam o gaveto, conseguida a partir da organização de três volumes transparentes que correspondem a funções distintas: um posto de turismo, uma loja de artesanato e outra de produtos regionais. O primeiro volume, com uma planta triangular, implanta-se entre o interior e o exterior e desenha o gaveto e funciona como rótula dos movimentos provenientes das ruas 69 Organização Programática do mercado

enunciadas. Contrariamente, o segundo cria uma passagem entre o interior e a Rua das Carmelitas


“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado

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70 Adro entrada à cota baixa e Mercado de Peixe 71 Centro cálculos electrónicos Olivetti, Rho-Milán Le Corbusier,1963-65


desenvolvendo uma relação directa entre esta e o adro de entrada que era importante garantir. O terceiro volume surge solto no espaço, complementando a geometria que os dois volumes anteriores impuseram. O adro prolonga-se, depois, para o mercado do peixe. A organização destas vendas no Mercado de Matosinhos, associadas a uma das entradas do edifício e organizadas em bancas 141

centrais e lojas perimetrais num espaço com um pé-direito e amplitude espacial expressivas, foi fundamental para o desenho que proponho para este espaço. Assim o mercado do peixe apresentado assume uma altura de seis metros e tem como cobertura a Praça de terrado, o que possibilitou desenvolver uma iluminação zenital através de clarabóias, que aparecem diluídas no pavimento da praça não impedindo que esta funcione como um terraço percorrível, gerador e potenciador de actividades relacionadas com a cultura da cidade do Porto. A concretização deste espaço e da sua iluminação encontrou fortes referências no desenho dos espaços de trabalho do Centro de cálculos electrónicos Olivetti en Rho-Milán do arquitecto Le Corbusier e, de certa forma inconsciente, no já mencionado e estudado mercado de levante de S. Sebastião, no Porto. O mercado de peixe, propriamente dito, é definido por um conjunto de doze bancas individuais de exposição e de lavagem que conformam, entre si, a zona de trabalho do comerciante. Perimetralmente a estas bancas organizam-se oito lojas, quatro em cada ilharga, onde se realiza a venda do peixe congelado, à imagem do referido Mercado de Matosinhos, sendo que esta é separada da venda do peixe fresco, central no espaço. Esta separação do peixe fresco e do congelado é comum verificar-se nos mercados, contudo actualmente funciona sem qualquer hierarquização, muito em consequência do galopante abandono destas estruturas, o que levou a uma certa negligência das regras de organização e higiene que os mercados devem, sem dúvida, respeitar. A loja é constituída por duas arcas congeladoras, uma que se encontra de relação directa com o espaço de circulação e onde se expõem os produtos e outra, para o armazenamento destes, desenhada no tardoz da loja. Em consequência da sua maquinaria ser pré-dimensionada e estandardizada (aliás, como acontece com aquela que pontua os espaços de exposição dos talhos e das padarias) procurou definir-se um desenho que os unificasse, sendo que este é composto por quatro elementos: um murete de betão com oitenta centímetros de altura; uma grade de segurança que os encerra individualmente; uma sanca de iluminação (comum a todos os espaços de venda e de circulação do edifício) e o azulejo, que é o material de revestimento das paredes interiores das lojas. Este último surge por dois motivos: o primeiro prende-se com o pendor funcional já que estas superfícies necessitam ser facilmente laváveis; o segundo, ligado ao factor formal, procura que este material, que é reflector, ilumine, de forma expressiva, todo o espaço, ao mesmo tempo que, pela sua cor crua, se relaciona mais intimamente com o branco do betão que constitui o acabamento de todas as paredes interiores do edifício.


“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado

72 Terceira abordagem ao lugar


Porém a ideia para estes espaços nem sempre foi esta. Tanto o mercado de peixe como a entrada e o seu átrio assumiam desenhos e posições distintas que reflectiam conceitos e intenções também distintas. Um espaço de menores dimensões, de pé direito simples e sem um programa definido caracterizava uma das primeiras propostas para o átrio nascente, onde era localizada a 143

escada principal. Em oposição, as rampas do mercado desenhavam-se no topo poente e à cota alta, surgindo como um prolongamento físico e visual da Rua da Galeria de Paris, convidando assim os transeuntes a aproximar-se e a entrar no mercado. Devido ao valor escultórico da rampa, pareceu-me, desde o início, que devia posicionar-se de forma a rematar visualmente a maioria dos movimentos de entrada no edifício, facto que não estava a ser conseguido com a proposta referida, pois não era perceptível nesses momentos e num deles abafava a sua presença, ignorando-a. Esta premissa foi adquirida através do desenho do átrio nascente, descrito anteriormente, cujo pé-direito possibilitou que a rampa respirasse em todo o seu movimento ascendente, ao mesmo tempo que se tornou visível a partir de todos os espaços do edifício. Por outro lado, o mercado de peixe assumia uma estratégia distinta, no que diz respeito à sua localização e organização no edifício. Este encontrava-se à cota 86.50 e o seu acesso fazia-se, de forma independente, pela Praça do Anjo. Devido à sua localização numa cota intermédia, em relação aos pisos que definem o mercado, este desenvolvia-se num espaço de pé-direito simples, contrariamente ao duplo e amplo adoptado na proposta final e que me parece o mais favorável e adequado ao desenvolvimento destas vendas e à consequente dispersão dos seus cheiros. Assim, nem a venda do peixe nem a entrada à cota baixa correspondiam, de forma satisfatória, às intenções formais que estavam na sua base. Por considerar que a entrada devia articularse com um programa que estaria associado à sua espacialidade e ao contacto directo com a rua e por acreditar que o mercado de peixe devia desenvolver-se num espaço mais expressivo e amplo pensei associá-los, culminando no desenho que descrevi anteriormente.

A partir deste nível, nascem os outros pisos do mercado. Uma intensa luz, proveniente de uma clarabóia, convida-nos a subir um lanço de escadas conduzindo-nos ao percurso contínuo e cíclico das suas rampas. Este movimento é interrompido pelos cheiros, nomeadamente do pão e dos produtos cerealíferos e avícolas, que se organizam à cota 82.50, no corpo norte. Simultaneamente, desenha-se neste piso uma outra entrada, de relação directa com a Rua das Carmelitas e quase que num prolongamento físico e visual com a Rua da Galeria de Paris.




“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado 73 Abordagem ao Mercado das flores [cota 82.50]


No entanto procurou desenhar-se neste piso, numa fase inicial, o mercado de flores devido à proximidade que este estabeleceria com o mercado hortofrutícola (pensado para a cota 84.50) e ao acesso privilegiado que desenvolveria com a Rua das Carmelitas. Assim considerava-se que as entradas para o edifício acolhiam os programas representativos que acompanham, de uma forma sistemática, a história do mercado, ou seja a venda das flores, peixe e produtos 147

hortofrutícolas, que desenvolvem, devido à presença das suas cores, cheiros e paladares, as características próprias do comércio tradicional. Todavia esta intenção mostrou-se desadequada dado que o seu espaço se desenhava atravancado e escondido, sendo difícil faze-lo dialogar com a espacialidade do mercado. Várias foram as tentativas de criar pésdireitos mais amplos ou alargamentos nas galerias de forma a aumentar a entrada de luz e permitir que este mercado se relacionasse com os outros programas mais amplamente. Mas estas abordagens não se adequavam ao desenho global do edifício, introduzindo gestos forçados e pouco coerentes, que quase levaram à supressão deste piso, opção que teria sido errada, porque iria quebrar a continuidade dos percursos ao mesmo tempo que suprimiria um piso com uma entrada independente.

Por tal, optou-se por localizar neste piso a venda do pão e dos produtos com ela relacionados como os cereais e rações avícolas. Estes desenvolvem-se em pequenas lojas organizadas por duas bancas: uma, no interior, funciona como montra de exposição e outra, desenhada no limite exterior, como suporte de trabalho e de preparação dos produtos. Estas lojas distribuemse perpendicularmente à fachada norte e contactam com a galeria que materializa o espaço de circulação horizontal, presente em todos os pisos e que, à imagem das construídas no Mercado do Bolhão, permitem que o ambiente exterior invada e faça parte do interior do edifício, respeitando uma intenção projectual de base: a do desenvolvimento de uma tipologia de mercado aberto. Das várias visitas que fiz a mercados senti que a comunicação com o exterior e a proximidade com espaços públicos abertos devia fazer parte destes espaços, conhecidos pelos meus avós como a praça, receando, no entanto, o desconforto que estes poderiam originar. A visita que realizei ao La Boqueria foi estruturante para o desenvolvimento desta premissa pois o facto deste mercado ser aberto lateralmente não o tornava desconfortável do ponto de vista do clima já que as edificações perimetrais o protegiam, envolvendo-o como uma concha. Contudo esta solução não se adequava ao mercado proposto, dado que a sua envolvente é marcada por amplos espaços livres, obrigando a que fossem as suas fachadas exteriores a desenvolver este mecanismo de protecção. Assim este é fechado no seu perímetro, por paredes e portas, e no pátio interior, as galerias são totalmente abertas permitindo que o utilizador se debruce sobre o terrado e desenvolva um percurso em espiral, reforçando o tão desejado movimento contínuo do espaço.


“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado

74 Praça de Terrado


De seguida subimos para cota 84.50 através da rampa ou escada que pontuam, respectivamente, os átrios nascente e poente, acedendo ao piso do mercado hortofrutícola. Neste localiza-se a entrada principal, desenhada no gaveto das Ruas das Carmelitas e Dr. Ferreira da Silva e “[…] à cota alta [pois] protege-se melhor o lugar, articulam-se mais eficazmente a sucessão de espaços, hierarquizam-se e racionalizam-se os seus percursos”95. Deste lugar tem-se a

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percepção total do edifício, visualizando-se os vários planos horizontais que se intercalam e a rampa que suavemente os liga. A sua planta configura um trapézio que permitiu organizar dois espaços: o da entrada, com um balcão de informações e os acessos verticais principais, que servem todos os pisos do edifício e um foyer que antecede a praça de mercado. Este último recebe uma escada e um elevador de serviço que servem o corpo sul e um pequeno quiosque que relembra a sua importância e simbologia na cidade do Porto. Na transição entre estes dois, propus a (re)colocação da estátua da Anja da autoria do Mestre José Rodrigues, vandalizada e roubada da Praça de Lisboa, de forma a poder restituir a este lugar a sua alma e o que lhe pertence. Voltada para o terrado e de costas para a entrada, confrontando o mercado, a Anja localizar-se-ia centralmente no espaço em harmonia com o banco e o pilar que organizam este átrio. Assim como a Anja se volta para o terrado e olha o comprador, também este é convidado a olhá-la. As duas fachadas de maior dimensão que desenham este espaço central, multifuncional e exterior, são tratadas de forma a materializar este convite. Se numa primeira fase, o terrado era conformado por dois planos inclinados que pareciam debruçar-se sobre este, protegendo-o da chuva e criando espaços de sombra, a proposta final sugere algo mais tenso. Agora, a fachada norte desenha-se regular e vertical, estável e contínua, garantindo que todas as galerias de circulação se encontrem protegidas da chuva, enquanto que a fachada sul é tratada de forma a criar uma tensão no sentido do átrio poente. Esta desenha-se torcida, definindo um plano inclinado que parece estar em queda sobre o terrado e cuja geometria sugere um afunilamento no sentido desta entrada e átrio, protegendo o mercado hortofrutícola e sugerindo que o olhar do utilizador se volte para a Anja, que o observa tranquilamente do seu pedestal. A praça de terrado representa o lugar das trocas comerciais e sociais. Numa fase inicial existiu uma vontade de o preencher com dispositivos fixos que podiam acolher feiras ou um mercado específico como o das flores ou o hortofrutícola, à semelhança do que acontece no Mercado do Bolhão. Mas, optou-se por desenhar um plano contínuo que conforma um espaço multifuncional e flexível que pode acolher feiras sazonais ou pequenos espectáculos e cuja espacialidade cria um vazio que permite estabelecer fortes relações visuais entre os vários pisos do edifício. Na tentativa de o tornar confortável e utilizável em dias chuvosos ou intensamente soalheiros é desenhada na platibanda deste espaço interior, mas que é exterior, um sistema de grampos que permitem a instalação de toldos amovíveis. O terrado surge como um prolongamento do mercado hortofrutícola,

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ARTIGAS 2001, p. 80.

encontrando-se à mesma cota do anterior e sob o corpo sul do edifício.






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75a

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75a Primeira abordagem à Praça de terrado com dispositivos fixos para vendas 75b Esquissos da praça terrado Mercado Bolhão


O mercado hortofrutícola ocupa uma posição estratégica no conjunto pois coloca-se entre a Praça do Anjo e a praça de terrado. A transição entre o interior e o exterior é desenhada, a sul, através de uma fachada de vidro que enuncia uma das entradas no edifício do mercado, não existindo, por outro lado, e em oposição, qualquer elemento ou entrave que quebre a desejada continuidade física e visual entre o mercado hortofrutícola e a praça de terrado. 155

As vendas do mercado hortofrutícola, contrariamente às desenvolvidas no corpo norte, estruturam-se segundo um conceito de open space, permitindo assim uma maior continuidade física e visual entre os espaços bem como uma maior flexibilidade no seu uso. Os elementos que compõem este espaço organizam-se em diálogo com os três corpos que o pontuam que são, simultaneamente, a estrutura e os acessos verticais do edifício. Dois destes localizam-se nos extremos do piso, conformando os seus limites e servindo os respectivos átrios nascente e poente; o outro é desenhado no centro do espaço e organiza, no seu interior, os acessos verticais de serviço aos comerciantes e ao estacionamento que se desenvolve na cave do edifício. A este corpo adossa-se um átrio corta-fogo que comunica directamente com o exterior, e mais concretamente com a Praça do Anjo, que possibilita que os movimentos de entrada e de saída deste último se realizem de forma independente dos percursos internos do mercado, quer sejam os do público ou os do comerciante. A disposição dos três volumes, anteriormente citados, sugeriu uma organização e disposição destas vendas por sectores ou espaços distintos, sendo que, na ilharga nascente, localizaram-se as vendas dos produtos hortícolas e na ilharga poente os produtos frutícolas. As bancas que os servem dispõem-se longitudinalmente entre os acessos, o que permite criar uma forte relação física e visual com a Praça do Anjo e com a praça de terrado, sugerindo, simultaneamente, um percurso cíclico e contínuo em torno destas. Se, contrariamente, optasse por uma organização transversal destas bancas, iria seccionar mais intensivamente este espaço de mercado, ao mesmo tempo que direccionava o olhar dos seus utilizadores e dos seus comerciantes para as paredes cegas que conformam as caixas dos acessos verticais, o que não me parecia a opção mais adequada e favorável ao desenho e à vivência deste mercado, optando pela primeira solução. Os dispositivos que materializam estes mercados, o hortícola e o frutícola, são semelhantes aos do mercado do peixe. Assim, estes são desenhados através de duas bancas, uma para a exposição dos produtos e outra com as funções da lavagem e da preparação dos mesmos, sendo que esta última é concretizada através do desenho de um armário, revestido em chapa de aço, devido às exigências higieno-sanitárias, que é depois ancorado a uma estrutura de betão, ao longo do qual estão previstas as pias de lavagem e as prateleiras de armazenamento dos respectivos produtos.


“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado

76a

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76a Relação entre a rampa e o Mercado do Anjo 76b Aproximações ao desenho da rampa


Se retomarmos o percurso chegamos à cota 86.50, onde se desenvolve o piso dos talhos, charcutarias e queijarias. Este programa exige uma organização em loja que possibilite concretizar espaços próprios de refrigeração, preparação e de armazenamento dos produtos que geralmente “[…] ocupam 1.5 a 2 vezes o espaço da loja”96. As características modelares destes espaços enquadram-se com as características do corpo norte, sendo que estas lojas são compostas por dois 157

espaços: um de exposição e de venda, que se relaciona directamente com a galeria de mercado, e outro de refrigeração e armazenamento, localizado no tardoz da loja e com acesso reservado ao comerciante. O primeiro é de menor dimensão e é constituído por uma vitrina frigorífica, um tronco de talhagem, uma banca de lavagem e um conjunto de suportes que permitem pendurar os produtos, enquanto que no segundo estão previstas uma banca de preparação e arcas frigoríficas que pretendem evitar o constante deslocamento do comerciante ao piso dos serviços. Quando percorremos este piso percebemos que ele é servido por um outro acesso que se desenha a partir de uma rampa e que o liga ao extremo sul da Praça do Anjo. Esta ideia surgiu de três vontades: estabelecer um diálogo com a Igreja dos Clérigos, completando e prolongando a sua leitura longitudinal; responder aos movimentos de entrada que partem do Jardim da Cordoaria e do Campo dos Mártires da Pátria e conter a praça proposta, de forma a resolver o encontro desta plataforma com a pendente acentuada da rua. Este corpo, que se desenha a nascente, constitui um pórtico sob o qual se desenvolve a escada que liga a Rua de S. Filipe de Nery ao terreiro proposto, os acessos às caves e as portas de entrada no edifício, altas e imponentes, construídas em vidro, que permitem visualizar o movimento contínuo das rampas e o desejado bulício que um mercado deve ter. Ao subir as rampas interiores do mercado, continuando o percurso ascendente pelos seus espaços, percebemos através da multiplicidade de tons, que o mercado de flores se encontra no topo poente e sobre o átrio que serve a cota alta, sendo no entanto, ao espaço dos Gourmets que se acede primeiramente. Estes marcam a transição entre o mercado tradicional e o moderno pois caracterizam-se por ser um programa de excepção cuja organização e funcionamento lembra as tradicionais mercearias (de que a Casa Chinesa, no Porto, é talvez o melhor exemplo), destinados à venda de produtos de alta qualidade, associados à alimentação. Embora na proposta final os Gourmets se encontrem no volume sul, numa abordagem inicial, localizavam-se no oposto e no piso dos talhos, organizando-se à semelhança destes. Numa das visitas que fiz ao La Boqueria, em conjunto com a vivência que tenho destes espaços, apercebi-me de que este esquema de funcionamento não era o mais adequado pois estes pressupõem uma venda de produtos muito diversificados, alimentares ou não, onde o requinte e a qualidade representam a palavra de ordem na sua selecção. Produtos empacotados em caixas de cartão, vidro ou metal, altas ou espaçosas; a

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DIAS 1994, p. 37.

necessidade de expor garrafas de vinho e objectos relacionados com o seu consumo, como copos


“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado 77 Aproximação ao desenho do piso Gourmets


ou decantadores; compotas, biscoitos, chocolates, frutos secos, temperos; produtos de formas, cores e cheiros muito diversificados que exigem que os próprios dispositivos de exposição sejam também distintos, com exigências diferentes que se prendem com a luminosidade, a refrigeração e a própria geometria da prateleira, para desta forma possibilitarem a sua mostra de uma forma eficaz. A estas exigências acrescentam-se também os conceitos relacionados com o momento de

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compra. Tenho por hábito, muito por influência do meu pai, adquirir nestes espaços alguns dos alimentos que frequentemente utilizo nas refeições que preparo em casa e o momento de compra é quase um ritual: a apresentação do próprio espaço, o seu conforto, a forma como os produtos são expostos e a possibilidade de os manusear, ler e observar as suas composições e, por vezes, prová-los é um ritual fundamental para uma escolha acertada e ao mesmo tempo deliciosa destes produtos. Esta vivência fez-me perceber que o desenho dos Gourmets deveria constituir um espaço percorrível que facilitasse e conduzisse a esta prática, em oposição à venda mais imediata e quotidiana que a banca propõe. Assim, estes surgem formalizados em quatro volumes de vidro que se encontram alinhados pelos limites das caixas de escada, desenhando na sua envolvente os percursos de circulação, tal como acontece no mercado hortofrutícola. O interior é acedido através de duas portas: uma localizada a norte e outra a sul e o desenho dos seus dispositivos de exposição procura respeitar critérios de acondicionamento térmico, tamanho, higiene, forma, cor e cheiro dos produtos, desenvolvendo-se uma banca refrigerada que se associa à zona de pagamento e três móveis no interior: um no centro em oposição aos outros dois, que surgem adossados às paredes norte e sul, desenhados com setenta centímetros de altura, de forma a permitir uma forte relação visual entre o interior e exterior e seduzir. Por outro lado, a transparência desempenha uma função importante pois convida o utilizador a entrar para experimentar aquela panóplia de sabores. É interessante, que numa das visitas que fiz a Paris fiquei surpreendida como a Fauchon e a Hediard, dois dos seus mais conhecidos Gourmets, localizados ambos na mesma praça, apelavam ao consumo dos seus produtos. Os cidadãos parisienses e os turistas testemunhavam, através de uma fachada em vidro, que se debruçava sobre a cidade e onde se exibiam, com uma excelente apresentação e uma publicidade de extrema elegância e bom gosto, os produtos a vender. Esta imagem ficou na memória e talvez seja esta a base de desenho para os Gourmets. Após desenhá-los ficou a sensação de que era necessário introduzir outros elementos que os complementassem e reforçassem o percurso deste espaço. Daqui resultou um conjunto de bancas dispostas ao longo da fachada sul, que expõem especiarias, chás e sementes e que através das suas cores e texturas contrastam com a neutralidade deste pano cego e branco. O contacto directo com os mercados árabes teve particular importância na forma como organizei a venda destes produtos, desde o apelativo modo como estes se apresentavam até ao intenso cheiro e colorido que provocavam no lugar, permitindo assim uma mistura de sensações e um forte contacto físico e visual do utilizador com os produtos.


RT 1976, p. 271.





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78 Aproximação ao desenho do Mercado flores 79 Aproximação às suas bancas e lojas


Ao percorrer este espaço no sentido poente aproximamo-nos do mercado de flores. Percebemos, em planta, que a sua organização respeita o movimento dos planos que definem a geometria do seu gaveto e do átrio que se desenvolve sob este espaço. O plano de maior desenvolvimento organiza as bancas de exposição que torcem num movimento circular, criando um espaço central propício ao encontro, iluminado zenitalmente. No de menor dimensão e a norte,

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encontram-se as bancas de lavagem, que recriam um lugar mais íntimo, directamente ligado ao quotidiano do mercado. Pias de lavagem, semelhantes às do Lavadouro de S. Nicolau, no Bairro da Ribeira, surgem como simples caixas de betão pousadas no pavimento, que acolhem as flores, mantendo-as sempre frescas. À sua frente, limitadas pelo elevador e pela escada, encontram-se quatro unidades de venda que surgem como uma alternativa às bancas. O desenho final resulta de uma interpretação dos quiosques das Ramblas de Barcelona, surgindo como estruturas de ferro e vidro que servem para expor, vender e armazenar as flores e que no seu interior dispõem de três plataformas pré-fabricadas de betão, dispostas desniveladamente e no tardoz da loja, sendo que a mais larga se prolonga para uma das paredes laterais, sugerindo uma mesa de trabalho. Findada a descrição dos espaços que constituem o mercado tradicional, penso ser importante reflectir sobre um elemento estruturante para a organização das vendas do peixe, hortofrutícolas e das flores: a banca. O seu desenho teve como principal preocupação a satisfação das exigências ergonómicas e higiénicas. Por um lado, garantir o conforto das relações do corpo humano com a banca, sendo que as proporções adoptadas devem permitir que tanto o comprador como o comerciante contactem física e visualmente com os produtos, sendo que esta não deve, por isso, exceder a altura máxima de um metro e de dez na ilharga que contacta com o espaço de trabalho e oitenta centímetros na que se relaciona com o utilizador, e por outro, o material de acabamento, que deve possibilitar uma fácil e eficaz lavagem do dispositivo.

O desenho partiu de uma vontade de a conceber em betão, como se fosse um prolongamento do edifício e que devido à especificidade de cada produto, se desenvolvia em três bancas distintas. Estas evoluíram de elementos maciços de betão para estruturas pontuais e bancas planas para inclinadas. Ao mesmo tempo, a vontade era deixar o betão aparente, como acontece no Mercado de Santa Maria da Feira, mas assim não respondia, eficazmente às actuais exigências higiénicas e funcionais. Ignorar tal facto seria um erro e por isso surgiu a ideia de as revestir com mármore, à semelhança do que o arquitecto Eduardo Souto de Moura desenvolveu no Mercado do Carandá. Este material permitia uma fácil lavagem mas o difícil encaixe das várias peças que definiam o seu tampo bem como a consequente existência de juntas, que possibilitavam que os cheiros e resíduos ficassem impregnados, levaram-me a pensar num material contínuo, onde não existissem estas juntas e cuja materialização formal fosse mais rigorosa e simples.


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80a

80a-b Esquissos das bancas

80b


A banca evoluiu para um elemento fixo no espaço e reduzido à sua essência que procurou responder à necessidade funcional e prática de desenhar um módulo-base que permitisse uma simplicidade de linguagem e facilitasse, simultaneamente, o processo de construção. A proposta final surge do desenho de um pilar, que nasce do pavimento e cuja secção trapezoidal é mais estreita na base do que no topo. Sobre este pousa uma laje que começou por ser desenhada como 167

uma peça contínua e que evoluiu para dois planos, de dimensões e inclinações distintas, sendo que ambos convergem para a mesma aresta. Nesta desenvolve-se o sistema de drenagem da água que é complementado por um tubo de queda, embutido no pilar, que permite o seu escoamento para as caixas de pavimento. A chapa de aço surge como o material que reveste estas plataformas inclinadas pois é o material adoptado na concepção de bancas para mercados e supermercados cujos níveis de higiene e segurança são rigorosíssimos. Procurou-se também que o desenho deste revestimento respondesse às especificidades relativas à exposição de cada produto. A do peixe requeria um desenho muito peculiar e para a percepção das suas características foi fundamental a análise de várias bancas de peixe e o contacto com algumas peixeiras do Mercado de Matosinhos, que me fizeram perceber, através dos seus discursos fulgurantes e sempre entusiasmados, quais as exigências ao nível da forma e das proporções, que seriam essenciais garantir para a confortável utilização desta banca. O desenho final partiu de uma análise das bancas do Mercado de S. Sebastião onde o tratamento do aço inox garante as respostas às exigências enunciadas e cujo desenho influenciou, decisivamente, a proposta para este elemento. Construídas em betão, segundo uma base em forma de U e uma laje inclinada, estas constroem a caixa de gelo através de uma quinagem sucessiva da chapa que as reveste. A ideia para a que proponho é semelhante, tendo a chapa de aço, que reveste os dois planos, sido desenhada de forma a se adaptar à sua geometria e, simultaneamente, criar o suporte físico para a exposição do peixe. O pensamento para desenhar as bancas hortofrutícolas partiu de uma observação dos suportes de venda dos supermercados e do mercado La Boqueria onde os produtos se encontram devidamente embalados, sendo que disto retirei dois conceitos passíveis de serem aplicados no desenho da proposta: a facilidade de transporte destes receptáculos e a apetecível apresentação que estes produtos adquirem ao exporem desta forma. Esta conduziu ao esboço da banca a partir de um módulo que definiu, primeiramente, a dimensão das caixas, metálicas, que servem como elementos de transporte e exposição e que originou o desenho de uma estrutura, constituída por cantoneiras em aço que definem uma quadrícula, segundo a qual se organizam e encaixam dezasseis caixas de fruta ou de legumes. Finalmente, na das flores, previu-se um sistema de prateleiras amovíveis que funcionam como degraus, construídos em chapa de aço, que se fixam e adaptam à referida quadrícula e cuja organização em patamares se prende com a intenção de garantir o máximo de relações visuais com as flores, que exigem uma exposição vertical.


Se continuarmos o percurso pela rampa, acedemos ao piso que se localiza à cota 90.50 no corpo norte e onde se organizam, segundo o carácter modular e repetitivo que o caracteriza, as salas de estudo da FAP.

Quando comecei a esboçar a proposta tinha a intenção de localizar este programa num

Silva, contudo esta inviabilizava a entrada à cota alta, o que não parecia a opção mais apropriada. Numa tentativa de reequacionar estas duas intenções, propôs-se que este volume autónomo desenvolvesse, em simultâneo, as entradas para o mercado e para a FAP. Este concentrava, nos seus três pisos superiores, as salas de estudo e de convívio, um pequeno auditório e uma reprografia, cuja organização estabelecia relações com os espaços profundos e estreitos das habitações da Rua das Carmelitas, numa tentativa de aproximar a escala da volumetria à da referida rua. Embora parecesse interessante esta aproximação, o

“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado

volume independente, no gaveto conformado pelas ruas das Carmelitas e Dr. Ferreira da

seu desenho obrigava à fragmentação do conjunto, o que contrastava com a continuidade e coerência volumétrica que a Igreja dos Clérigos e a Reitoria propõem e com as quais se tinha estabelecido, desde o início, uma forte relação, o que me fez procurar outra solução.

Considerei, a partir desta abordagem, que este programa deveria relacionar-se com o interior do edifício, possibilitando que os jovens, que os iriam utilizar, tivessem um contacto directo com o mercado e usufruíssem de um espaço de estudo em pleno centro histórico. A articulação destes dois programas devolvia assim, a alma a este lugar, caracteristicamente marcado pela actividade comercial, à qual se associaram, no século XVIII, vários estabelecimentos de ensino. Assim, os átrios que servem este piso organizam a nascente, uma reprografia e um pequeno auditório e a poente uma sala de multimédia, programas de excepção que antecedem o acesso às salas de estudo. Estas são dispostas perpendicularmente à galeria de mercado, que é aqui desenhada, excepcionalmente, com um pé-direito que a organização volumétrica em meios pisos e a vontade de estabilização das cotas de cobertura exigiram que fosse superior.

Numa primeira abordagem às salas da FAP desenvolveu-se um espaço com dois pisos que materializava dois ateliers distintos: um que se organizava no piso inferior e de contacto directo com o acesso horizontal ou galeria de mercado, e outro, mais íntimo e recolhido, no piso superior. Contudo, a proporção destes espaços, com uma frente de cinco metros e uma profundidade de onze, não suportava, segundo uma interpretação pessoal, os dois pisos, pois o desenho do acesso e do espaço de circulação inviabilizavam quase por completo a sua zona de trabalho.

81 Primeira abordagem às salas da FAP [volume em altura]


O desenho final procura explorar um pé-direito alto, cuja dimensão é controlada pelo tectofalso que incorpora as infra-estruturas relacionadas com o ar condicionado, permitindo desenhar um espaço mais confortável. A sua organização é definida por um espaço de circulação onde se desenha um conjunto de cacifos e uma zona de trabalho organizada com quatro mesas. No chão optou por não se utilizar as lajetas pré-fabricadas de betão, pavimento comum a todo o

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mercado, propondo-se o soalho pois é um material mais quente e que melhor se adequa a estes espaços. A iluminação é feita através da fachada de vidro que contacta com a galeria e por uma clarabóia, desenhada a norte, que conforma, um espaço de pé-direito duplo e cuja formalização foi influenciada pelo desenvolvido nas salas de aula do Departamento de Engenharia Mecânica do Campus Universitário de Aveiro, projectado pelo arquitecto Adalberto Dias, onde é esta feita zenitalmente devido à vontade projectual de desenvolver um plano cego na fachada sudeste. O percurso é rematado pelos espaços de restauração cujo principal objectivo é servir e divulgar a cozinha regional do norte e o que ela tem de único. Estes localizam-se no último piso do volume sul, tirando partido desta posição, por um lado, porque o contacto directo com a laje da cobertura facilita a instalação de infra-estruturas relacionadas com a exaustão e a ventilação e por outro, pela relação que este programa estabelece com os restantes, posicionando-se de forma a servir os espaços do mercado tradicional e moderno e os da FAP. Contudo, houve numa primeira fase de trabalho, a intenção de os desenhar no corpo norte, tirando partido dos seus amplos pésdireitos, mas, de facto, as salas de estudo adaptam-se melhor à estrutura métrica desse volume, o que levou a optar, finalmente pela estratégia que agora apresento.

Simultaneamente procurou desenhar-se os restaurantes com uma organização em duplex, que surgiu numa fase em que a galeria ainda se adossava à fachada sul do edifício e possibilitava o acesso a estes espaços, constituídos por uma zona de comer que contactava directamente com as cozinhas e os espaços de cargas e descargas (que negligentemente se voltavam para o terrado central ferindo, visualmente este espaço) e uma segunda, localizada num piso superior, voltada a norte, e onde se desenvolvia outra sala de refeições. Esta organização parecia inadequada, por um lado pela organização dos restaurantes, por outro pelo esquema de acessibilidades, que parecia inverter a lógica natural do projecto que, nos pisos inferiores, procuravam relacionar os percursos com o espaço central exterior, intenção que neste piso parecia estar a ser esquecida. A opção subsequente propôs uma alteração radical: a galeria ou qualquer outro espaço demarcado de circulação eram eliminados procurando uma organização semelhante à dos pisos inferiores, onde um conjunto de balcões com uma organização semelhante à do snack-bar se dispunham em open space, constituindo um primeiro espaço de refeições, do qual se acedia a um piso superior onde se organizava a sala e a cozinha do restaurante.


Esta investigação antecedeu o desenho final para estes espaços cujo primeiro passo se pautou pela tentativa de resolver o esquema de acessos através da inversão das galerias: a de serviço adossava-se agora à fachada sul, enquanto que a outra se desenhava de relação directa com o terrado, reforçando o movimento cíclico e contínuo destes acessos horizontais. Para que esta premissa fosse possível houve necessidade de torcer a fachada norte deste corpo, permitindo

também, fundamental para a tensão criada e referida anteriormente no terrado, que resultou da conciliação das necessidades funcionais e dos conceitos formais, onde se procurou que nenhum destes se impusesse em relação ao outro, antes se complementassem e contribuíssem de forma igualitária para a formalização do espaço. Assim, os restaurantes organizam-se perpendicularmente à fachada sul e relacionam-se, através dos panos de vidro que limitam o seu desenho, com a galeria que se desenvolve no exterior e que possibilita o acesso a estes. Em oposição, a galeria de serviço adossa-se à fachada sul e permite o contacto entre as cozinhas e os acessos verticais que comunicam directamente com o piso de serviços, localizado na cave do edifício. É de referir, que uma das intenções principais para a organização do programa foi possibilitar o funcionamento autónomo de todos os espaços do mercado, ou seja, permitir que o mercado de flores fique aberto até mais tarde do que as peixarias e padarias ou que as salas de estudo e restaurantes possam funcionar num horário pós-laboral. Para isso foi essencial a criação de diferentes átrios em todos os pisos, localizados nos dois topos do edifício e ligados aos acessos principais do edifício, cujo fechamento garante a desejada independência de cada um dos pisos/ programas. A esta premissa juntou-se a vontade de relacionar, visualmente, todos os programas com o terrado, que surge como o elemento central e unificador de todos os espaços. A resposta a estas premissas foi fundamental para a organização do edifício bem como para a satisfação dos critérios de higiene e conforto, aspectos essenciais para um correcto funcionamento dos vários mercados. A opção inicial foi desenhar tectos falsos em todos os espaços do mercado que procurava resolver os problemas infra-estruturais relacionados com o ar-condicionado e com a iluminação; contudo, através das várias propostas realizadas e das conversas de crítica foi possível perceber que esta não seria a melhor opção pois este tecto ocultava o desenho rigoroso da base da laje, contrariando o esforço económico e projectual investido na construção destes acabamentos em betão branco. A proposta final procurou assim, contrariar a descrição anterior, existindo, todavia, a preocupação de dotar os Gourmets, as salas da FAP e os restaurantes com tectos-falsos que permitem a instalação de infra-estruturas de climatização, criando um adequado conforto térmico destes espaços, enquanto que aqueles dedicados à circulação e aos mercados tradicionais não necessitam de prever estas infra-estruturas pois relacionam-se directamente com o clima exterior, respirando cidade e simulando o ambiente do mercado de rua.

“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado

o contacto entre os átrios nascente e poente. O movimento que este gesto originou na fachada foi,


Pretendeu-se, simultaneamente, que a iluminação se desenvolvesse de forma discreta, não recorrendo a elementos que pudessem perturbar a linearidade e continuidade espacial desejadas no desenho deste edifício. Se por um lado nos espaços interiores podia recorrer-se ao tectofalso para desenhar as sancas de iluminação, por outro, nos espaços de circulação e de venda tradicional surgia uma necessidade de desenhar suportes de luz, que se pretendia que fossem o 171

mais discreto possível. A memória transportou-me para a sala onde me reúno com o arquitecto Adalberto Dias, cuja iluminária, desenhada pelo arquitecto Eduardo de Souto de Moura, é materializada por duas calhas onde se encontram instaladas as lâmpadas. A partir desta memória, surgiram duas outras, onde a luz constitui um momento fundamental no processo de construção dos espaços: a remodelação do Museu Grão Vasco em Viseu, do arquitecto Eduardo de Souto de Moura e a referida Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de São Paulo onde este objecto é reduzido ao mínimo, surgindo como uma calha contínua e paralela ao tecto. Contudo esta depuração do desenho foi possível ser levada ao extremo. Lembrei-me que numa das visitas que realizei à Faculdade de Economia da Universidade do Porto, do arquitecto Viana de Lima, a forma como a luz se distribuía e intervinha na leitura do espaço foi um dos aspectos que mais me atraiu e cuja estratégia de desenho se assemelha à aplicada no projecto que proponho. Assim, optou-se por desenhar uma sanca, construída na laje de betão através de um negativo e que se desenvolve ao longo dos espaços de circulação. Esta é localizada na aresta mais interior da galeria, o que permite uma iluminação mais directa dos mercados, em oposição a uma mais difusa e diluída, que mancha as várias plataformas do edifício, quando estas são observadas a partir do terrado.

82 Estudo iluminação Salas Museu GrãoVasco, Viseu, Eduardo Souto de Moura


Em paralelo com o percurso de um utilizador, desenvolveu-se um segundo que se prende com o funcionamento interno do mercado: o percurso do comerciante. A separação destes dois percursos facilitou o desenvolvimento da actividade do mercado bem como o acesso ao piso das cargas e descargas das mercadorias e dos serviços, que se desenvolve em local próprio, coberto e fechado, sendo, simultaneamente, uma exigência o seu

pendente do terreno possibilitou que este se encontrasse de cota e em comunicação directa com o mercado de peixe e que a praça de terrado, localizada à cota alta, definisse a sua cobertura. Esta localização garantiu, simultaneamente, uma eficaz distribuição dos produtos desde a sua chegada até à exposição nas bancas, sendo o seu acesso pelo exterior realizado por duas rampas que se encontram ancoradas à Rua de S. Filipe de Nery e a comunicação com o interior possível através de dois monta-cargas e das escadas de serviço que se encontram numa posição central em relação ao edifício do mercado. Este programa divide-se em dois espaços distintos: o de serviços e o das cargas e descargas das mercadorias, sendo que este último, amplo e alto, permite a manobra dos veículos das mercadorias e relaciona-se directamente com os espaços de armazenamento e com o depósito de lixo. No espaço de serviços deviam ser previstas duas funções: uma associada às rotinas quotidianas dos comerciantes onde se desenharam os balneários, os vestiários e uma zona de arrumos para guardar os seus pertences e outra directamente relacionada com o armazenamento dos produtos, sendo fundamental garantir a sua qualidade e frescura, exigindo condições específicas para o seu acondicionamento e higiene. O peixe fresco, por exemplo, devido à facilidade com que se degrada, exigia um armazenamento em arcas frigoríficas, enquanto que alguns produtos hortofrutícolas necessitam de formas de acondicionamento específicas: “[…] as batatas devem armazenar-se em compartimentos escuros; as cenouras e os nabos em areia; os frutos, além da ausência de luz, em ambiente com temperatura de + 1 a 5º e com 85 a 95% de humidade […]”97. Outros, segundo um comerciante do Mercado do Bom Sucesso devem conservar-se em locais frescos, como é o caso das flores mais sensíveis, enquanto que por exemplo a carne, os queijos e as manteigas necessitam de arcas frigoríficas para a sua conservação. Assim foram previstos espaços que organizam no seu interior as câmaras frigoríficas e arcas de congelação e outros com níveis de temperatura e humidade mais flexíveis e adaptáveis às funções de armazenamento. Considerei que os primeiros deviam ser desenhados de forma colectiva, por um lado, porque a arca permite o seu fechamento e individualização e, por outro, porque o agrupamento destas iria traduzir-se numa economia de desenho e de infra-estruturas.

“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado

desenho no interior do edifício, de forma a não perturbar nem poluir o espaço público. A acentuada


Apesar de não ser uma exigência funcional, desenhei, por motivos higiénicos, três células refrigeradas que se adequavam aos diferentes produtos que exigem estes cuidados, ou seja, o peixe, os produtos hortofrutícolas e as flores. O pensamento para desenvolver os outros espaços de armazenamento foi distinto pois existia uma necessidade de os individualizar e contabilizar em conformidade com o número de comerciantes, optando-se por criar pequenas unidades, 173

agrupadas em banda, que funcionam de forma autónoma e individualizada e onde é desenhada uma banca de apoio e um espaço que possibilita a empilhagem das caixas que embalam os diferentes produtos alimentares. No desenho dos balneários, vestiários e arrumos para os comerciantes bem como das áreas técnicas e depósito do lixo houve a preocupação de garantir as condições mínimas para o seu funcionamento, bem como as suas relações com outros espaços como por exemplo localizar o depósito de lixos em contacto com a área de cargas e descargas das mercadorias e desenvolver os balneários e os vestiários em articulação com a área dos arrumos dos comerciantes. A organização destes espaços foi desenvolvida segundo um processo de trabalho moroso e delicado que se mostrou como uma das fases mais difíceis deste projecto.

Um primeiro desenho previa que os espaços dedicados às rotinas dos comerciantes se encontravam organizados na área definida pelos limites do edifício enquanto que, sob a Praça do Anjo, se desenvolvia o cais de cargas e descargas das mercadorias, o depósito dos lixos e os espaços de armazenamento dos produtos. Esta organização invertia e dificultava o funcionamento destes espaços e dos seus percursos, dado que a frequência com que o comerciante acede aos locais de armazenamento, para reabastecer a sua banca com os produtos, é muito maior do que aquela com este acede aos balneários que, possivelmente, serão utilizados no momento da sua chegada ao mercado e no que antecede a sua saída. Esta organização propunha que a menor distância servisse o espaço que seria utilizado menos frequentemente, o que a inviabilizava totalmente.

Esta conclusão conduziu ao desenvolvimento de alguns esquemas que permitiram perceber e clarificar os percursos do comerciante no interior do mercado, procurando, finalmente, optimizar o espaço definido pelos limites do volume o que possibilitou traçar a organização de todos os locais de serviço, desde zonas de armazenamento dos produtos até aos vestiários e balneários, localizando-se a zona das cargas e descargas das mercadorias sob a praça do Anjo, alinhada com as rampas, e em contacto com os espaços enunciados anteriormente e com um parque de estacionamento para os funcionários, que ainda foi possível prever no programa.


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83a-d Estacionamento e piso cargas e descargas e dos serviços da proposta de reabilitação do Mercado do Bolhão, Joaquim Massena,1992


Nos dois pisos, que se desenvolvem sob o descrito anteriormente, organiza-se um estacionamento automóvel que procura responder, eficazmente, às necessidades que derivam da grande procura destes espaços no centro histórico das cidades e, simultaneamente, facilitar a aquisição e o acto de compra dos produtos alimentares para quem vier ao Mercado do Anjo abastecer-se, tal como acontece nos espaços comerciais modernos, ou seja, nos supermercados 175

e nos centros comerciais. A oportunidade que tive de contactar directamente com o projecto de reabilitação do Mercado do Bolhão e com o seu autor foi de extrema importância para todo o desenvolvimento deste projecto e, especificamente, para a organização deste programa, sendo que o seu arquitecto Joaquim Massena, propunha o desenho de apenas um piso de aparcamento automóvel que serviria unicamente o mercado, sendo este desenhado e desenvolvido sob os limites da praça de mercado e no primeiro piso subterrâneo do edifício. Sob este mesmo piso de estacionamento encontrava-se um segundo que correspondia ao piso das cargas e descargas das mercadorias e dos serviços do mercado onde se encontravam os espaços de armazenamento, os arrumos, os balneários/vestiários, o depósito dos lixos e as áreas técnicas, entre outros. Em oposição, na proposta que realizei, procurei uma estratégia inversa a esta, ou seja procurei localizar o espaço das cargas e descargas das mercadorias e o dos serviços no primeiro piso subterrâneo e o estacionamento no piso seguinte, pois se, por um lado, a organização do projecto de reabilitação do Mercado do Bolhão facilitaria os movimentos entre o interior e o exterior, por se desenvolver no primeiro piso subterrâneo e assim possibilitar um menor desenvolvimento das rampas de acesso, por outro, dificultava os percursos que são necessários estabelecer entre o piso de serviço e o piso das vendas, obrigando a um desenvolvimento excessivo dos acessos verticais. Ao mesmo tempo, existia uma vontade que este espaço de estacionamento servisse, simultaneamente, o mercado e a cidade do Porto, funcionando ambos, segundo acessos e horários distintos. Para concretizar este objectivo, criaram-se dois conjuntos de rampas independentes e duplicaram-se os acessos verticais que pontuam o eixo do edifício, associando-se a estes últimos, um terceiro que, em conjunto, possibilita a comunicação entre o parque de estacionamento subterrâneo e o exterior, mais concretamente, a sul com a Praça do Anjo e a norte com a Rua das Carmelitas. Como gesto final, procedeu-se à eliminação do acesso deste estacionamento proposto ao que existe actualmente sob a Praça dos Leões, garantindo, desta forma, que a gestão do primeiro parque seja independente da do último e que, simultaneamente, seja realizada ou gerida por um

84 Plantas do parque de estacionamento existente sob a Galeria comercial Clérigos Shopping

entidade pública, directamente ligada ao Mercado do Anjo e assim livre de qualquer especulação privada.


“REQUIEM pela Anja”_Pensar o Mercado

85 Alçados da proposta final


Rampa após rampa, o utilizador desce, agora, no sentido da saída. Este tem novamente a oportunidade de perceber todas as características formais dos diferentes espaços bem como as cores, texturas e cheiros que deles emanam. Uma vez no átrio o utilizador atravessa novamente as portas de vidro que o pontuam e acede ao exterior, apercebendo-se que as paredes que constituem as suas fachadas são rebocadas, em oposição ao betão que define os espaços interiores. Este 177

material procura dar continuidade ao desejado completamento da cidade, respeitando e dialogando com a envolvente e particularmente, com os dois edifícios simbólicos e históricos que a pontuam. Subindo agora a Rua das Carmelitas, apercebe-se que um conjunto de lojas complementa a sua frente comercial, estabelecendo, simultaneamente, fortes contactos físicos e visuais entre o mercado e o espaço público, em oposição ao que a actual Praça de Lisboa propõe. A fachada de vidro que as materializa prolonga-se por todo o piso térreo, em oposição aos planos cegos que limitam os pisos superiores do edifício. Estes sugerem um volume que parece pousar sobre as fachadas contínuas de vidro, mas que avança, ligeiramente, em relação a estas e prolonga, para o pavimento, alguns elementos que o estruturam, criando uma galeria que protege das intempéries exteriores enquanto percorremos e observamos os espaços comerciais. Um destes planos marca o fim das lojas a nascente e introduz o gaveto conformado pelas Ruas das Carmelitas e Dr. Ferreira da Silva, materializado por um plano que confronta os movimentos que partem da Praça dos Leões e segundo o qual se desenham as portas de entrada no átrio à cota alta. A fachada sul surge como plano de fundo da Praça do Anjo e volta-se para os espaços que lhe deram origem, ou seja, o Jardim da Cordoaria e o Campo dos Mártires da Pátria. Finalmente, a fachada que se constrói paralela à Igreja dos Clérigos prolonga-se para uma rampa, materializando um gesto que contém a praça, desenha a Rua de S. Filipe de Nery e dialoga com o monumento pré existente. O encontro entre as fachadas que se desenvolvem ao longo das Ruas das Carmelitas e S. Filipe de Nery corresponde ao gaveto cujo tratamento exigiu mais cuidado e desenho ao longo do processo de trabalho. Duas intenções havia a respeitar: prolongar a fachada urbana que a Rua Cândido dos Reis propõe e respeitar a fachada barroca da Igreja dos Clérigos. Assim, o desenho surge com uma proporção que se aproxima da escala da fachada da igreja, não procurando impor-se a esta, antes respeitando-a geometricamente. Ao mesmo tempo, a relação entre as torções propostas pela rua enunciada e pela fachada da igreja barroca possibilitou que o gaveto fosse desenhado segundo um movimento que abraça quem, a partir da Rua dos Clérigos, converge para este lugar, criando um cenário composto por dois alçados que dialogam entre si: um, da igreja, em primeiro plano, imponente e sábio, rematando o eixo barroco definido entre esta igreja e a de Santo Ildefonso; o outro, recuado, ligeiramente torcido em relação a este, num gesto de complementaridade e respeito, projectado em consola sobre a fachada de vidro que protege o átrio à cota baixa e onde todo o percurso começou.





181

E finalizando… O próximo passo é de algum receio e desconforto pois aproxima-se o culminar de um projecto e da reflexão que esteve subjacente. A sensação que fica é a mesma que me acompanhou ao longo destes sete anos do curso de arquitectura: a desconfortável insatisfação. Talvez seja esta uma das características do acto de projectar, a sensação de que algo ficou por dizer ou por desenhar. Talvez seja apenas uma característica minha. Pretendi que este trabalho constituísse uma síntese de um percurso académico que, desde a análise prospectiva da história, das tipologias, do programa, dos espaços e da sociedade que os utiliza, até à definição de uma estratégia de intervenção, de inserção urbana, de desenho volumétrico, formal, material e construtivo, procurou usufruir dos vários instrumentos apreendidos. O tema da intervenção na cidade histórica não era novo devido ao desenvolvimento de uma residência de estudantes no quarteirão da Biblioteca Nacional do Porto, no âmbito da cadeira de Projecto II; como não o era o do mercado, objecto de debate e de reflexão ao longo da minha passagem pelo Atelier A. do arquitecto Joaquim Massena. Projectar um mercado onde nasce o primeiro da cidade do Porto e associar-lhe uma reflexão foi, desde o principio, o caminho escolhido para este trabalho, mas do qual resultaram e ainda permanecem dúvidas sobre as opções tomadas e outras abandonadas, resistindo destas apenas o registo escrito ou desenhado. A intenção de desenvolver um edifício de mercado em altura constituiu um desafio pois foi uma tipologia pouco explorada no território português. Contudo convém não esquecer que esta surgiu da análise e deambulação pelo lugar e da necessidade de completar o triângulo enunciado pela Igreja dos Clérigos e pela Reitoria, não só pelas suas posições, mas, essencialmente, pela relação de escalas, onde à força de volumes altos e elegantes se contrapõem os espaços públicos amplos e contínuos. A partir deste momento, procurei desenhar um edifício que não esquecesse as referências históricas e os ensinamentos do passado, antes procurasse continuá-los e adaptá-los às novas necessidades de consumo, conforto, comodidade e higiene. Assim o mercado em altura surge como uma interpretação da estrutura de mercado pavilhonar, sendo que, ao invés de organizar estes corpos numa superfície horizontal, passo a desenhá-los numa estrutura vertical, onde cada piso corresponde a um tipo de vendas e produtos distintos. Se, por um lado, a integração urbana parece estar consolidada, as dúvidas permanecem em relação


à sua vivência e às relações físicas e visuais estabelecidas entre os vários espaços. É do senso comum que este é um tipo de edifício interessante pelas relações espaciais que se estabelecem entre os vários espaços de venda que o pontuam. Quando compramos fruta no Mercado do Bolhão sabemos que, nas galerias, as hortaliceiras expõem os seus produtos e, quando entramos no Mercado de Matosinhos pela zona de peixe, é impossível não reparar nas cores das flores e das

Os constantes desnivelamentos propostos mostraram-se numa primeira fase problemáticos, visto que quebravam as relações visuais e físicas que estes mercados nos ensinaram, no entanto, penso que a abordagem aos meios pisos e às galerias abertas sobre um terrado central permitiram resolver as relações necessárias entre os espaços, enfatizá-las, permitindo que da zona de venda de carne, localizado no quarto meio piso do edifício, se veja o mercado hortofrutícola, o das flores e os gourmets, ao mesmo tempo que conseguimos ter uma percepção integral de todo o edifício. Foi uma dúvida que sempre me acompanhou, mas que foi fundamental para a resolução de todo o desenho, para a concepção do seu sistema de acessos e organização dos diversos espaços de venda. Inerente à vontade de relacionar os espaços internos do edifício com o exterior, surgiu uma intenção de o desenhar parcialmente aberto, ou seja, com um pátio central e galerias de mercado que se relacionam com este, numa relação íntima com a cidade. Contudo, reconheço que esta intenção reflecte alguns aspectos menos positivos que podem ser alvo de crítica neste trabalho e que se prendem com o conforto térmico, necessário garantir para o desenvolvimento da actividade dos comerciantes, que permanecem no edifício ao longo de largos períodos de tempo, bem como para os compradores que, momentaneamente, circulam pelo mercado e adquirem os produtos alimentares essenciais e outros à sua vida quotidiana. No sentido de responder a esta premissa, a volumetria foi pensada como uma concha, conceito decorrente de uma interpretação do Mercado La Boqueria, em Barcelona, onde não senti, quando o visitei, qualquer tipo de desconforto associado ao facto deste mercado ser exterior, pois penso que os edifícios que se constroem, em três dos lados da praça onde este se implanta, criam uma barreira que impede que as intempéries invadam o interior dos espaços. Transpus este conceito para o mercado, mas optei por fechar todo o edifício no seu perímetro exterior, mantendo ao ar livre o terrado e as galerias de circulação e de venda, simultaneamente, que o rodeiam, eliminando assim o desconforto que o vento poderia provocar no seu interior. É certo que alguns problemas continuam. Não existe o controlo do calor e do frio nos espaços de venda tradicional nem um total fechamento do edifício que garanta que a chuva não invada os espaços de circulação.

“REQUIEM pela Anja”_E finalizando...

frutas que se encontram nos pisos superiores.


Mas não será este o espírito do mercado? A magia do Bolhão, a meu ver, está no facto de ser possível percorrer aquele edifício sem perder a noção de rua e de cidade. Foi este o pensamento que acompanhou o processo de trabalho e que fez resistir ao fechamento integral do edifício, procurando, em alternativa, a solução que descrevi e proponho

183

nos diversos desenhos apresentados. A orientação crítica, a história e o desenho foram os três cúmplices do projecto, que pretendeu, mais do que desenvolver um mercado, devolver a alma que pertencia a este lugar.

“Parecia-me estar a introduzir e acrescentar o necessário, para poder falar não só de renovação mas também de inovação, para conservar mas também reconstituir, para desenhar mas sobretudo projectar uma relação estável entre população, actividade humana e organismo existente, incluindo seu cenário, ambiente físico e arquitectónico. Que é isto senão o desenho da cidade?” 98

(Footnotes)

97

NEUFERT 1976, p. 270.




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Referências bibliográficas impressas para as imagens DOMINGUEZ, Laino Ana, Catálogo de uma exposição, 2002. FUNDAÇÃO MANUEL LEÃO, A Ribeira por Teófilo Rego, Vila Nova de Gaia, 2005. OLIVEIRA, Julieta Quintas, PEREIRA, Luís Tavares, Registos de uma transformação, levantamento fotográfico, Porto 2001, Lisboa, 2002. PACHECO, Hélder, O Porto no tempo da guerra, 1939-1945, 1ª Edição, Afrontamento, Porto, 1998. PINTO Ana Lídia, MEIRELES Fernanda; CAMBOTAS, Manuela Cernadas, Cadernos de História da Arte 3, Porto Editora, Porto, 1999. RAMOS, Luís A. de Oliveira, História do Porto, Porto Editora, Porto, 1994. SCHWEIZER, Hans, O grande Atlas da Arquitectura Mundial, Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Edição Alphabooks Publishers, 1998. SOARES, Andreia Azevedo, “Bragaparques quer construir estrutura de vidro e betão ondulado na Praça de Lisboa”, in Público, 11 de Maio de 2007. VIVAS, Pere, Mercat de la Boqueria, Barcelona, Triangle Postals, 1995.

DOMINGUEZ 2002 FUNDAÇÃO MANUEL LEÃO 2005 OLIVEIRA 2002 PACHECO 1998 PINTO 1999 RAMOS 1994 SCHWEIZER 1998 SOARES 2007 VIVAS 1995


193 01a_ 01b_ 02a-c_ 03a_ 03b_ 03c_ 03d_ 04,05a-b,06_ 07_ 08_ 09a-b_ 09c_ 10,11_ 12a-b, 13a_ 13b_ 13c_ 14a_ 14b_ 14c_ 14d-e_ 14f_ 15a-c, 16, 17a-b,18a-c_ 19a_ 19b-e_ 19f_ 20,21_ 22a-d, 23a-c_ 24a_ 25b-c, 25a-d_ 26a-b_ 27a-d_ 28a-i, 29a-d_ 30a-c_ 31a_ 31b-d, 32, 33_ 34, 35a-b, 36_ 37a_ 37b-c_ 38a_ 38b-d, 39a-c_ 39d-f_ 40_ 41, 42a_ 42b_ 43a-b_ 44a-b_ 45_ 46a-c_ 47_ 48a_ 48b-d_ 48e-f_ 49_ 50_ 51_ 52a_ 52b_ 53a_ 53b-f_

Proveniência das imagens PINTO 1999, p.9 ARÍS 1993, p.46 ALARCÃO 1983, p.32, 35 e 39 SCHWEIZER 1998, p.161 STIERLIN 1997, p.136 SCHWEIZER 1998, p.160 LEMOINE 1989 PEVSNER 1976, p.30 e 284 FILARETE 1990, p.175 PEVSNER 1976, p.286 LEMOINE 1989, p.16. PASSOS 1994, p.51. GEIST 1982, p.49 e 85 NONELL 1992, p.123, 292 ARÍS 1993, p.88 NONELL 1992, p.292 http://www.bcn.es/mercatsmunicipals/ VIVAS 1995 TRIANGLE POSTALS Ana Sofia Gaspar http://www.bcn.es/mercatsmunicipals/ LEMOINE 1989, p.30, 62, 63, 131 PEVSNER 1976, p.320 SERRANO 2006, f.1, 20, 21e 31 LEMOINE 1989, p.345 PEVSNER 1976, p.303 MORANCÉ 1935 PETERS 2006, p.28 MORANCÉ 1935 JOAQUINA 2000 DOMINGUEZ 2002, p. 58, 59, 60, 61 Ana Sofia Gaspar ESCORIAL 2006, p.26, 28 e 30 TRIANGLE POSTALS Ana Sofia Gaspar NONELL 2002, p.199, 307, 315 OLIVEIRA 1985, nº 85 NONELL, 1992, p.56 PASSOS 1994, p.133 NONELL 1992, p.64, 71, 104 Câmara Municipal do Porto 1992 A Ana Sofia Gaspar NONELL 1992, p. 2, 449 OLIVEIRA 1985, nº 112 NONELL 2002, p.92 e 93 Ana Sofia Gaspar PACHECO 1998 CARDOSO 1997, p.126 e 127 Ana Sofia Gaspar Câmara Municipal do Porto 1992 A PORTO VIVO Maio 2005 PASSOS 1994, p.117 SILVA 2008, p.242 NONELL 1992, p.62 Ana Sofia Gaspar FUNDAÇÃO MANUEL LEÃO 2005 PASSOS 1994, p.58 RAMOS 1994 Ana Sofia Gaspar


Câmara Municipal do Porto 1992 A www. joaquimmassena.pt Ana Sofia Gaspar Movimento Cívico e Estudantil do Porto Ana Sofia Gaspar SOARES 2007, p. 24 Ana Sofia Gaspar LUZ 2006, p. 33 Ana Sofia Gaspar Arquitecto Adalberto Dias Ana Sofia Gaspar BOESIGER 2005, p. 175 Ana Sofia Gaspar Arquitecto Adalberto Dias Ana Sofia Gaspar NEVES 2006, p. 112 www. joaquimmassena.pt Câmara Municipal do Porto 1992 A SPEL – Sociedade de Parques de Estacionamento, Sa. Ana Sofia Gaspar

_54a-c _55a-c _56a-d _57 _58a-b, 59a-d, 60a-d, 61 _62 _63a-c _64 _65, 66, 67, 68a_ _68b _69, 70 _71 _72, 80a _80b _81 _82 _83a-b _83c-d _84 _85

Índices Ana Sofia Gaspar, Grand Bazar, Istambul 2000 Idem, Mercado de la Boqueria, Barcelona 2008 Ibidem, Mercado do Bolhão, Porto 2008 Ibidem, Mercado de Matosinhos, Matosinhos 2008 Arquitecto Adalberto Dias

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Páginas centrais de Imagens Ana Sofia Gaspar, Porto 2008 Idem, Grand Bazar, Istambul 2000 Postal, Mercado de la Boqueria, Barcelona 1995 Ana Sofia Gaspar, Mercado de Santa Maria da Feira, S. M. da Feira 2007 PASSOS 1994, Planta geral das muralhas do Porto Idem – Feiras da cidade do Porto, meados séc. XIX Ibidem, OLIVEIRA 1985, NONELL 1992, SILVA 2008 – Mercado do Anjo A.Costa e M.Orquídea Correia da Silva – Feiras do Norte e descrição do Mercado do Bolhão Ana Sofia Gaspar – Mercado do Bolhão, Porto 2008 Idem – Mercado do Bom Sucesso e Mercado de Matosinhos, Porto 2008 MCEP – Acções do Movimento Cívico e Estudantil do Porto, 2008 Ana Sofia Gaspar, Mercado do Bolhão, Porto 2008 Idem – Antigos espaços de mercado na cidade do Porto Ibidem – Mercados actualmente activos na cidade, Porto 2008 Ibidem – Mapa das estratégias para a implantação do Mercado Ibidem – Estado actual da Galeria comercial Clérigos Shopping, Porto 2008 Ibidem – Galeria comercial Clérigos Shopping, Porto 2008 ARTIGAS 2001 – Foyer da FAU/USP Ana Sofia Gaspar - Continuidade espacial do Mercado do Anjo Idem – Organização Programática do Mercado do Anjo Ibidem – Peixe, Pão e Produtos Hortofrutícolas Ibidem - Praça de Terrado e imagem da Anja Ibidem – Esquisso da Anja Ibidem - Publicidade do Gourmet Fauchon Ibidem - Talhos e Charcutarias, Gourmets e Flores Ibidem– Maquetes finais da Proposta Lucia Monteiro – Imagem da Anja

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Ao arquitecto Adalberto Dias pela determinação e rigor Aos arquitecto Joaquim Massena, Filipe Massena e Diogo Massena pela oportunidade de estagiar no Atelier A. Aos meus pais Aos meus avos Ao meu irmão À Manuela Ao Adriano Ao Bolhão E a alguém que já cá não se encontra mas que esteve sempre presente…



“Não há anjos, só anjas. São seres fascinantes porque estão sempre no limiar. Pode ser entre o céu e o inferno, entre a vida e a morte, entre o amor e o ódio.” Mestre José Rodrigues



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