Walter riso ame e não sofra como aproveitar plenamente a vida a dois

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Este amor Tão violento Tão frágil Tão terno Tão desesperado Este amor Belo como o dia E ruim como o tempo Quando faz tempo ruim Este amor tão verdadeiro Este amor tão belo Tão feliz Tão alegre E tão irrisório Tremendo de medo como uma criança no


uma criança no escuro. Jacques Prévert


INTRODUÇÃO Sofre-se muito por amor, essa é a verdade. Inclusive os que se vangloriam de ter uma sintonia perfeita com o parceiro, no mais íntimo do seu ser, às vezes abrigam dúvidas, inseguranças ou pequenos medos a respeito do seu futuro afetivo. Nunca se sabe... Quem não sofreu alguma vez por estar com a pessoa errada, por sentir que o desejo esfriou ou, simplesmente, pelo carinho que nunca aconteceu? Não há nada mais sensível do que o amor, nada mais arrebatador, nada mais vital. Renunciar a ele significa viver menos ou não viver. O amor é múltiplo. A experiência afetiva é formada por um conjunto de variáveis que se entrelaçam de maneira complexa. Sem dúvida, sentir o amor é mais fácil do que explicá-lo, porque ninguém nos educou para amar e sermos amados, pelo menos não de forma explícita. O afeto, em quase todas as suas formas, nos arrebata e transcende. Alguns dirão que o amor não é para ser entendido, mas para ser sentido e aproveitado, e que o romantismo não abarca nenhuma lógica. Nada mais equivocado. A atitude sentimental, além de ingênua, é perigosa, uma vez que uma das principais causas do “mal de amor” nasce justamente das crenças irracionais e pouco realistas que elaboramos sobre o afeto ao longo de nossa vida. As


que elaboramos sobre o afeto ao longo de nossa vida. As concepções errôneas do amor são uma das principais fontes de sofrimento afetivo. Racionalizar o amor? Sim, ainda que não exageradamente, apenas o necessário para não nos intoxicarmos. Tanto o amor desejado (princípio do prazer) como o amor pensado (princípio de realidade) são necessários; razão e emoção em proporções adequadas. O amor não somente deve ser saboreado, mas também incorporado ao nosso sistema de crenças e valores. Trata-se de incrementar o “quociente amoroso” e ligar o coração à mente de tal maneira que possamos canalizar o sentimento de forma saudável. Dito de outra forma: é preciso organizar e regular o amor para torná-lo mais compatível com os neurônios. Não falo de restringi-lo ou de cortar as suas asas, mas de ensiná-lo a voar. O que queremos dizer quando falamos de amor ou quando dizemos que estamos apaixonados? Usamos como sinônimos de amor inúmeras palavras que não significam a mesma coisa: paixão, ternura, amizade, erotismo, apego, simpatia, afeto, compaixão, desejo e expressões desse tipo. Não conseguimos especificar o que é o amor nem unificar a sua terminologia. Para alguns, amar é sentir paixão; para outros, amor e amizade são a mesma coisa; e não poucos associam o amor à compaixão ou à entrega total e desinteressada. Mas quem tem razão? Aqueles que defendem o sexo, os que


quem tem razão? Aqueles que defendem o sexo, os que preferem o companheirismo ou os que pensam que o verdadeiro amor é um fato espiritual? Assim como os filósofos Comte-Sponville e Guitton, entre outros, penso que o amor poderia ser mais bem estudado a partir de três dimensões básicas. Quando esses elementos conseguem se unir de maneira adequada, dizemos que estamos na presença do amor unificado e funcional. De acordo com as suas raízes gregas, os nomes que recebem esses três “amores” são: eros (o amor que toma e se satisfaz), philia (o amor que compartilha e se alegra) e ágape (o amor que doa e se compadece). Há alguns anos, em outra publicação, propus uma estrutura similar, tripartite, do amor: o do tipo I (mais emocional), referente à paixão, o do tipo II (mais cognitivo/racional), que tem a ver com o amor conjugal, e o do tipo III (mais biológico), relacionado com o amor maternal. No entanto, a nova classificação proposta é mais completa e rica em conceitos, mais aplicável à vida prática e mais fundamentada. Um amor completo, sadio e gratificante, que nos aproxime mais da tranquilidade do que do sofrimento, requer a união ponderada dos três fatores mencionados: desejo (eros), amizade (philia) e ternura (ágape). Essa é a tripla condição do amor que se renova a si mesmo, repetidamente, de maneira inevitável.


Um casal funcional não precisa ter relações sexuais cinco vezes por dia (a qualidade é melhor do que a quantidade), concordar em tudo (as discordâncias leves reafirmam a individualidade) ou viver em um eterno romance (muita ternura enjoa). O amor inteligente é um cardápio ativado de acordo com as necessidades: tudo em seu tempo, na medida e de forma harmoniosa. Ainda que ao longo do texto eu aprofunde cada um dos três elementos mencionados, farei aqui um pequeno esboço conceitual para facilitar a leitura posterior. Eros É o desejo sexual, a posse, a paixão, o amor passional. O mais importante é o “eu” que deseja, que apetece, que exige. A outra pessoa, o “tu”, não chega a ser sujeito. É a face egoísta e libidinosa do amor: “Quero possuir você”, “Quero que você seja minha”, “Quero você para mim”. O eros é conflituoso e dual por natureza, nos eleva ao céu e nos faz descer ao inferno num instante. É o amor que dói, que se relaciona com a loucura e a incapacidade de se controlar. Mas não podemos prescindir do eros; o desejo é a energia vital de qualquer relação, seja como puro sexo ou como erotismo. O eros bem conduzido não só evolui até a philia de casal (amizade com desejo), mas também costuma manifestar-se de forma amável como dois egoísmos


que se encontram, compartilham e desfrutam um do outro enquanto fazem e desfazem no amor. O eros por si só não consegue configurar um amor completo, porque sempre vive na carência, sempre falta algo. É a ideia de amor de Platão. Philia É a amizade – no nosso caso, “amizade de casal” –, o chamado “amor conjugal” ou amizade conjugal. A philia transcende o “eu” para integrar o outro como sujeito: “eu” e “tu”, ainda que o “eu” siga na frente. Apesar do avanço, no caso da philia, a benevolência não é total, porque a amizade ainda é uma forma de se amar a si mesmo através dos amigos. A emoção central não é o prazer como desejo ganancioso, mas a alegria dos que compartilham: a reciprocidade, estarmos bem e tranquilos. A philia não requer uma união total (nunca a conseguiremos com ninguém, nem sequer com os melhores amigos), basta que exista certa cumplicidade de interesses, um traço de comunidade de duas pessoas que convivem. Enquanto o eros decai e ressuscita de quando em quando, se tudo vai bem, a philia torna-se mais profunda com os anos. Mas de nenhuma maneira a philia exclui o eros; ao contrário, ela o serena, o situa em um contexto menos libidinoso, menos predador, mas não o aniquila. Nas relações mais ou menos estáveis, fazemos mais uso da philia do que do eros, mas ambos são indispensáveis para formar um vínculo estável. Quando o eros domina, nos transformamos em seres


estável. Quando o eros domina, nos transformamos em seres libidinosos e sem limites, e somos “objeto” e “sujeito” ao mesmo tempo: objeto, quando nos devoram; sujeitos, quando devoramos. A philia e o eros juntos supõem uma luxúria simpática e amena, fazer amor com o melhor amigo ou a melhor amiga. A philia é a amizade de Aristóteles e Cícero, por exemplo, transportada ao casal. Ágape É o amor desinteressado, a ternura, a delicadeza, a ausência de violência. Não é o “eu” erótico que arrasa tudo, nem o “eu” e o “tu” do amor amigável, mas o amor da entrega: o “tu” puro e franco. É a dimensão mais limpa do amor, é a benevolência sem contaminações egoístas. Obviamente, não estou me referindo a um amor irreal e idealizado, porque inclusive o ágape estipula condições; falo é da capacidade de renunciar à própria força para adaptar-se à fraqueza da pessoa amada. Não se trata de prazer erótico nem da alegria amistosa, mas da pura compaixão, da dor que nos une ao ser amado quando sofre, quando ele precisa de nós ou nos chama; é a disciplina do amor que não requer esforço. O ágape não costuma ser necessariamente a última etapa na evolução do amor, mas a sua aparição tampouco desloca ou suprime os seus antecessores: uma vez mais, os inclui e completa. Como será visto ao longo do texto, pode haver


e completa. Como será visto ao longo do texto, pode haver sexo agápico (eros e ágape) e amizade desinteressada (philia e ágape). Em resumo, o ágape é o amor de Jesus, Buda, Simone Weil e Krishnamurti. Segundo o que foi exposto, não há um amor de casal, há pelo menos três amores reunidos em torno de duas pessoas, e a alteração de qualquer um deles fará com que o equilíbrio vital do afeto se perca e aflore o sofrimento. A alteração afetiva pode advir do eros (por exemplo, quando sentimos que não somos desejados ou que não desejamos mais o nosso companheiro ou a nossa companheira), da philia (quando o tédio fica cada vez mais presente e a alegria desvanece), do ágape (quando a falta de respeito e o egoísmo começam a ser frequentes) ou de qualquer combinação deles que seja disfuncional. Algumas pessoas tentam se resignar a um amor que não é harmônico: mais cedo ou mais tarde, o déficit termina por alterar a relação e a tranquilidade pessoal. Amor de casal sem desejo? Bastante improvável; em todo caso seria algo diferente. Conviver com o inimigo? Isso se tornaria insustentável. Despreocupar-se com o bem-estar da pessoa amada? Seria muito cruel. Insisto: somente na presença ativa e interrelacionada do desejo, da amizade e da compaixão o amor se realiza. O amor incompleto dói e adoece. Conheço gente que dissociou os três amores até criar


uma espécie de Frankenstein afetivo. A respeito do eros: encontram-se uma ou duas vezes por semana com o amante. Quanto à philia, aproveitam-na no lar, com o marido ou a mulher. E deixam o ágape para os domingos de missa. Quanto mais desagregados estejam os componentes do amor, maior será a sensação de vazio e desamor. Em outros casos, as necessidades e expectativas dos integrantes do casal não coincidem, e os componentes do amor perdem-se num emaranhado de confusão e mal-entendidos. Se não temos um esquema cognitivo (mental) com o qual interpretamos os fatos, fica impossível resolvê-los. Adriana e Mário estavam casados havia onze anos. O casamento tinha sido aparentemente satisfatório – ao menos era essa a imagem que projetavam para as pessoas. No entanto, lentamente e de forma encoberta, o amor havia começado a fragmentar-se. Mário sentia que a sua vida sexual não era gratificante (precisava ter relações com mais frequência e com maior qualidade), e Adriana queixava-se de solidão afetiva (precisava de um companheiro com quem dividir e se comunicar). Ambos estavam presos num círculo vicioso do qual não estavam muito conscientes. Ela não era capaz de abrir as portas ao eros sem o pré-requisito da amizade entre o casal, e ele negava-se a qualquer aproximação amistosa (philia) sem o eros. A armadilha psicológica também se estendia ao ágape, já


que, por estarem frustrados e magoados pela carência que sentiam, nenhum deles se preocupava com o bem-estar do outro. Concluindo, não estavam presentes na relação nem o eros, nem a philia, nem o ágape. A solução não era fácil, porque implicava que ambos deixassem a obstinação de lado e pensassem no bem-estar do outro; ou seja, era preciso ativar o ágape para conseguir que a sexualidade e a amizade pudessem se encontrar dentro e fora da cama. Na prática, Mário deveria melhorar a sua philia, independentemente de que Adriana colocasse o eros para funcionar, e Adriana deveria melhorar o seu eros, sem se preocupar que Mário se tornasse mais comunicativo e amigável. Como dizia uma canção dos anos 60: “Há meio mundo esperando/ com uma flor na mão/ e outra metade do mundo/ por essa flor esperando”. O orgulho imobiliza. Somente com ajuda profissional eles foram capazes de reestruturar e integrar (equilibrar, harmonizar) cada uma das dimensões afetivas em sua justa proporção. Para assegurar uma relação satisfatória e na qual não houvesse sofrimento, Adriana e Mário tiveram de aprender uma nova maneira de processar a informação. Os objetivos foram os seguintes: Identificar e reconhecer como estavam organizadas as dimensões básicas do amor (eros, philia e ágape).


philia e ágape). Cultivar cada uma delas para que se alcançasse o nível de satisfação requerido. Integrá-las de forma equilibrada e flexível para que se manifestassem de maneira oportuna. Ambos aprenderam uma nova forma de ler e de interpretar o amor que lhes permitiu, mais tarde, promover as mudanças necessárias. Descobriram que a experiência afetiva tem uma narrativa particular, que é possível traduzir e assimilar à vida a dois sem tanto sofrimento. Ame e não sofra é dirigido a qualquer pessoa que deseje avançar no seu processo afetivo, seja para fortalecer ainda mais os aspectos positivos da sua relação, seja para deixar de sofrer inutilmente por amor. O leitor não encontrará receitas mágicas (elas não existem, menos ainda no amor), mas a oportunidade de refletir sobre a sua vida afetiva e pensar em si próprio em relação aos outros. A proposta básica é que, se entrelaçarmos os “três amores com os quais amamos” num esquema de amor unificado, não apenas será incrementada notavelmente a capacidade de sentir satisfação, como a dor psicológica terá menos espaço. O amor não tem por que causar sofrimento se formos capazes de eliminar as crenças irracionais que a cultura incutiu


em nós. Buda dizia que a ignorância é a origem de todo sofrimento psicológico. Da mesma forma, um número considerável de pensadores e mestres espirituais chamou a atenção para a importância de se pensar corretamente para não se sentir mal. Somos ignorantes no amor? Atrevo-me a dizer que sim. Analfabetos emocionais? Não acredito, talvez apenas disléxicos, maus leitores. Em Ame e não sofra pretendo ampliar as ideias que expus em Amar ou depender?. Não se trata apenas de amar sem apegos (uma das principais causas da dor afetiva), o que é uma conquista importante, mas sim de acabar com todo tipo de sofrimento relacionado com o amor. Este texto contém nove capítulos distribuídos em três partes. Na primeira parte, “Eros – o amor que dói”, indaga-se, na natureza sem limites do enamoramento, o desejo, o erotismo e a patalogia de eros. Na segunda parte, “Philia – da mania à simpatia”, analisa-se a amizade de casal e quais são os seus componentes; e na terceira parte, “Ágape – da simpatia à compaixão”, examina-se o tema da ausência de violência e a compaixão afetiva. Cada capítulo completa-se com uma seção chamada “Para não sofrer”, na qual se relaciona de forma simples o conteúdo do capítulo com o sofrimento afetivo e são dadas sugestões para, se possível, evitá-lo. Finalmente, este livro pretende aplicar as contribuições de diversas disciplinas, como a psicologia, a antropologia, a sociologia e a filosofia ao estudo do


psicologia, a antropologia, a sociologia e a filosofia ao estudo do amor, de uma forma acessível para o leitor, mantendo o nível científico e a profundidade que a temática requer.


PRIMEIRA PARTE

EROS O amor que dói

Todas as paixões são boas quando se é dono delas, e todas são ruins quando nos escravizam. Jean-Jacques Rousseau Todos os amantes são peritos em forjar desgraças. Honoré de Balzac


Todos sabem o que é estar sob a influência do enamoramento, esse sentimento apaixonado e viciante no qual as nossas faculdades e capacidades parecem enfraquecer. Sabemos disso porque o corpo registra tudo. Em cada canto da memória emocional está gravado o mais elementar dos suspiros, a “doce mania” ou a “divina loucura” da qual falam os gregos, essa mistura de dor e prazer na qual a complacência parece justificar qualquer grau de sofrimento. Como esquecer aquela exacerbação dos sentidos? Como não querer repetir isso várias vezes, sem arroubos, resignadamente, como um cordeiro feliz? O eros é antes de tudo um amor flutuante, turbulento e contraditório. “Amor que aparece florescendo e cheio de vida enquanto está na abundância e, depois, se extingue para voltar a viver”, diz Platão.1 O eros nasce e morre de tempos em tempos. Se tudo vai bem, reencarna. Como amar e não sofrer? É algo difícil se acreditamos muito no eros, se nos apegamos a ele. “Por que, doutor, por que o senhor é tão negativo a respeito do amor que eu sinto?”, me dizia uma jovenzinha atormentada por um amor passional mal correspondido. Minha resposta não foi muito alentadora: “Porque não é amor, mas paixão”. O amor passional é dual por natureza, chega e vai, luz e sombra, afirma Octavio Paz.2 O eros é possessivo, dominante, libidinoso e, ainda assim, imprescindível. É um amor orientado principalmente a


uma autogratificação, mas por meio do outro, porque a excitação alheia excita. Deleito-me com o seu prazer, que é meu, que me pertence. Não se trata de amar você, mas de ambicionar no sentido de apetecer, como uma sobremesa. Como o único doce, se você quiser e eu puder. É verdade que o amor decentralizado e maduro requer dois sujeitos ativos, ou seja, duas pessoas com voz e voto. No entanto, às vezes renunciamos de bom grado a tal privilégio e aceitamos de maneira relaxada e lúdica ser o “objeto do desejo” da pessoa amada; afinal, que importância tem, se é de comum acordo? Que importância tem se, por um instante, brincamos de ser “coisa” (coisificação amorosa, fique claro) para em seguida voltar ao amor benevolente, ao gostar democrático e amigável? O amor requer dois, mas sem deixar de ser um na fantasia. Uma mulher de 52 anos comentava comigo com certo tom de cumplicidade: “Eu sei que quando ele me pede para vestir uma minissaia e fazer um striptease me deseja muito mais do que me ama. Sei que me transformo num fetiche... Mas, sabe do que mais? Ele também se transforma em um para mim. Adoro vê-lo excitado e saber que posso seduzi-lo com desenvoltura e liberdade, sem melindres. Sinto-me a exibicionista mais descarada do mundo... E vejo-o, por um momento, como meu dono e senhor, meu ‘amo’, meu amor. E daí? Depois voltamos à realidade, felizes, exaustos. Ele, voyeurista, e eu, exibicionista: não lhe parece uma boa


voyeurista, e eu, exibicionista: não lhe parece uma boa combinação?”. Sem dúvida, sem comentários. O “amor passional” teve lugar em quase todas as sociedades.3 Por exemplo, os egiptólogos acharam 55 poemas de amor anônimos cuja data remonta ao ano de 1300 a.C.4 A poesia a seguir, descoberta em um desses pergaminhos, evidencia que a questão romântica parece não ter mudado muito ao longo da história: Seu cabelo lápis-lazúli brilhante, seus braços mais esplêndidos do que o ouro. Seus dedos me parecem pétalas, como as do lótus. Seus contornos modelados como deve ser, suas pernas superam qualquer beleza. Seu andar é nobre (autêntico andar), meu coração seria seu escravo se ela me abraçasse. Os egípcios conheceram muito bem o eros. Isso é demonstrado pelos termos que eles utilizaram para designar o amor: “desejo prolongado”, “doce armadilha”, “doença desejada”. Por sua vez, os gregos referiram-se ao eros como um “mal crônico”, “desejo instintivo do prazer”, “apetite grosseiro”,


“mal crônico”, “desejo instintivo do prazer”, “apetite grosseiro”, “delírio inspirado pelos deuses”, “mania profética”, “sem medida”, “demônio”, “dolência fecunda”, “grandíssimo e enganoso amor”, entre muitas outras expressões.5 Um jovem que se consultava comigo expressava assim o seu doloroso amor: “Sofro por gostar dela, é como uma doença maldita... Nunca estou tranquilo. Quando a vejo e a tenho do meu lado, estou feliz, mas há como um espinho cravado em alguma parte de mim que lembra que ela não é eu, é outro ser, pode ir embora, deixar de me amar, morrer ou simplesmente se cansar. Sempre me falta algo, mesmo quando a faço minha”. Dolência fecunda, doce armadilha ou medo pós-moderno: o fenômeno é o mesmo, dói igualmente. Ainda que a ideia do amor tenha se modificado através da história, o sentimento do amor apaixonado não parece ter mudado muito. Sem perder de vista o realismo do dia a dia, analisarei três aspectos do eros que nos levam a sofrer quase irremediavelmente: a sua natureza sem limite, o desejo erótico e algumas características do eros patológico ou doente.


A NATUREZA SEM LIMITE DO EROS: O ENAMORAMENTO

Carlos era um homem de 35 anos, sério e circunspecto, que procurou o meu consultório por causa de um déficit nas suas habilidades sociais e de um quadro depressivo que havia começado a manifestar-se como consequência da solidão afetiva em que se encontrava. A sua maneira de ser, tosca e pouco expressiva, o havia impedido de encontrar uma companheira. Não ria, não sabia contar nem sentir satisfação com uma piada e vestia-se de preto dos pés à cabeça. Ao cabo de algumas semanas, quando apenas havíamos começado o processo terapêutico, pediu para darmos uma pausa para tratar de um assunto que o estava preocupando bastante. Tinha conhecido uma mulher de quem gostou e não sabia como iniciar um flerte. Então dei algumas sugestões de como abordar a sua possível parceira. Contrariando qualquer prognóstico, vinte dias depois, fui testemunha do que poderia ser chamado de um caso de “mutação afetiva”. Nesse dia, Carlos chegou à consulta totalmente transformado. Parecia outra pessoa, como se o tivessem conectado a uma bateria de 100 mil volts. Não parava de sorrir,


e seu rosto, que antes parecia uma esfinge de granito, tinha agora a expressão aberta e espontânea da exaltação. Os seus movimentos estavam muito mais soltos, e sua tradicional roupa escura havia sido substituída por uma calça jeans informal e uma camisa xadrez. O olhar era mais brilhante, ele cheirava a perfume e tinha uma tagarelice amável e contagiosa. “Aconteceu”, disse com satisfação. “Estou apaixonado, apaixonado.” E ficou como petrificado, olhando fixamente os meus olhos, esperando uma resposta minha, assim que não tive outro remédio senão parabenizá-lo, sem saber com certeza se as minhas congratulações eram justificadas ou não. Então se recostou e disse: “Eu não pensei que existissem mulheres perfeitas, mas elas existem... E sou correspondido! Ela disse que gosta de mim. Estamos juntos há somente vinte dias e sinto que ela me pertence desde sempre. Você acredita em almas gêmeas, na predestinação? Você vai achar estranho. Algo aconteceu com a minha sexualidade... Antes eu era como uma pedra de gelo e agora me masturbo pensando nela todos os dias. Ela está aqui (apontou o coração), aqui (apontou a cabeça) e aqui (apontou o baixo ventre e caiu na risada). Não canso de vê-la, de falar com ela. (Volta a rir.) Será que estou sonhando? Por que você não me belisca? Faça isso, por favor! Belisque! (Então o belisquei.) Viu? Percebe? É real, não é um sonho... Não quero cansá-la. Preciso dela todo o dia. Por exemplo, estou sempre pronto para acompanhá-la aonde ela quiser ir. (Risada de novo.)


pronto para acompanhá-la aonde ela quiser ir. (Risada de novo.) O que você acha? Isso é amor de verdade?”. Nunca mais soube dele depois dessa consulta. A estrutura psicológica do enamoramento (usarei como sinônimos amor apaixonado, amor obsessivo, desejo passional o u eros propriamente dito) parece mostrar certos traços universais que incluem uma mistura de romantismo crônico, euforia e inquietude6, 7, 8, 9, 10 (é desnecessário dizer que Carlos apresentava todos eles). Vejamos cada um em detalhe. Idealização do ser amado. Refere-se à exacerbação das qualidades da pessoa amada, sem levar em consideração os defeitos, passando por cima dos erros ou simplesmente sendo incapaz de criticar o objeto de adoração.11, 12 A ilusão do belo gerada por esse tipo de amor foi descrita por Stendhal13 como a “cristalização do amor”, um lindo castelo no ar parado no tempo. Exclusividade e fidelidade absoluta.14, 15, 16 O enamoramento não concebe a infidelidade em nenhuma das suas formas. Não por convicção ou princípio, mas por pura incapacidade biológica: a mente e o corpo estão ocupados na sua totalidade pela pessoa amada, não há espaço disponível para ninguém mais. “Somente sou mulher para ele, sem


ninguém mais. “Somente sou mulher para ele, sem ele não sou nada”, dizia uma mulher orgulhosa do seu vício. Sentimentos intensos de apego e de atração sexual. Ainda que a maioria das pessoas diferencie entre gozo afetivo e prazer sexual, o enamoramento os unifica de forma indiscriminada. Desejo e afeto misturam-se e fazem com que os indivíduos “apaixonados” pensem que o amor e o sexo sempre andam juntos.17 Ainda que os homens sejam mais propensos do que as mulheres a separar o sexo do afeto18, quando o eros está atiçado as diferenças de gênero desaparecem. Não somos nem de Marte nem de Vênus, mas terráqueos apaixonados, descompostos de amor, repletos de desejo. A convicção de que o amor durará para sempre. A ideia de que existe um amor imortal, eterno e indestrutível, uma espécie de fênix que ressuscita de forma permanente das cinzas do desamor ou do despeito, é uma das crenças mais comuns dos apaixonados do amor.19, 20 Talvez alguns boleros não sejam mais do que o reflexo do que a maioria dos humanos sente: “Relógio, não marque as horas, faz esta noite eterna”. Trata-se


da eternidade afetiva, o amor em suspensão animada. A angústia que costuma acompanhar o eros não provém só da carência, como veremos adiante, mas também da sensação irrevogável de que cedo ou tarde a vida ou a morte darão fim ao idílio. Pensamento obsessivo sobre o ser amado. Ainda que os pensamentos sobre a pessoa apaixonada sejam intrusivos e persistentes, nem sempre são incômodos, mas adotam a forma de um ruminar gratificante, um embelezamento da lembrança da qual o sujeito não quer se livrar. A memória depende do estado de ânimo: quanto maior for a alegria, maior a quantidade de recordações positivas e, ao contrário, quanto mais tristes nos encontremos, mais lembranças negativas teremos. 21, 22 Parte da satisfação afetiva interpessoal deve-se precisamente à nossa habilidade de esquecer o ruim. 23 “Tento fazer isso, mas não consigo! Só lembro as coisas boas que aconteceram entre nós”, me contava uma mulher que tentava se desapegar de um namorado pouco conveniente. Desejo de união e fusão total com o amado. O


desejo que guia o enamoramento vai além do querer estar com a pessoa amada; o que o apaixonado exige é “ser uno com o outro”. Uma mulher casada que nunca tinha sido infiel apaixonou-se perdidamente pelo sócio do marido. A angústia por seu “amor impossível” era tanta que teve de ser medicada e internada por uns dias numa clínica de repouso. Em uma das visitas, expressou seu sentimento: “Já sei o que quero. Não pense que estou louca, mas descobri como acalmar meus desejos... O que preciso é engoli-lo, quero devorá-lo”. Essa necessidade “antropofágica” de não aceitar a separação por nenhuma razão remete, como dizia Fromm24, a uma solidão existencial. Minha paciente expressava de maneira delirante a necessidade de uma certeza afetiva inalcançável: “Ser um, ainda que sejamos dois”. Disposição de correr qualquer risco para conservar a relação. Não há limite, o amor passional não mede consequências. A suposta “valentia” que move os que sofrem de enamoramento não costuma ser mais que inconsciência ou incapacidade para medir as


consequências negativas do seu comportamento; é semelhante ao que ocorre no caso de alguns transtornos mentais.25, 26 Essa falta de autocontrole e a dificuldade de tomar decisões racionais podem facilmente se transformar em apego e configurar um quadro misto de depressão e dependência.27, 28, 29 Além disso tudo, no enamoramento intervêm certos componentes químicos que explicam em parte o comportamento que ele provoca. Foi descoberto que a excitação romântica está diretamente ligada à feniletinamina, uma substância estimulante e viciante que, quando se eleva, produz euforia e alvoroço.30, 31 Também foi reconhecido, para desconcerto de alguns românticos, o papel cumprido por alguns transmissores cerebrais (dopamina, serotonina e noradrenalina) relacionados com doenças mentais como os transtornos maníaco-depressivos e os transtornos de ansiedade.32, 33 Por outro lado, há evidências de que o amor não entra somente pelos olhos, mas pelo nariz. O organismo exala algumas substâncias voláteis chamadas feromônios, que parecem atuar como sinais bioquímicos que despertam a atração e o interesse sexual. Produziria-se sedução através do aroma, uma essência personalizada que explicaria em parte o fenômeno do amor “à primeira vista”.34, 35 Conheço mais de um caso no qual a


primeira vista”.34, 35 Conheço mais de um caso no qual a incompatibilidade foi mais olfativa do que psicológica. A bioquímica do amor erótico poderia ser resumida da seguinte forma: a) Na luxúria ou no desejo ardente de sexo, cuja responsável é a testosterona; b) Na atração ou amor na etapa da euforia, cujas causas são as elevadas quantidades de dopamina e noradrenalina e os baixos níveis de serotonina. 36, 37 Como é possível deduzir do que foi exposto até aqui, o eros é muito complexo. A sua natureza inclui o desejo e a paixão, uma curiosa mistura de dor prazerosa e prazer doloroso; a euforia e a exaltação, a necessidade de posse, a superexcitação biológica (bioquímica e hormonal) e a desorganização do sistema de processamento da informação. O eros escolhe você, não é você que o escolhe.

Para não sofrer Aproveite a paixão sem deixar que afete a sua individualidade e saúde mental O que fazer então para minimizar a angústia da paixão? É possível preparar e fortalecer a mente


paixão? É possível preparar e fortalecer a mente para tal assalto ao coração? Sim, podemos incrementar a nossa imunidade ao sofrimento, sem que isso implique perder a sensibilidade pelo prazer e o gosto de estar apaixonado. Trata-se de dar um toque racional, um freio inteligente para viver o eros com mais tranquilidade e não sair machucado (ao menos, não tanto como vemos que acontece com a maioria das pessoas). É preciso refletir antes, durante e depois de se apaixonar, racionalizar o desejo, pelo menos quando for preciso. Se o eros liberta-se de forma inesperada, a questão é mais díficil de controlar. Tentar convencer um bêbado ou um viciado em ecstasy em plena euforia sobre os efeitos negativos do consumo dessa droga é perda de tempo. No entanto, se você criou um esquema de defesa antes de se apaixonar, ele atuará automaticamente e atenuará o impacto. Permitirá processar o sentimento de forma mais saudável. Obviamente, tampouco se trata de adotar um estilo “antieros”, baluarte dos esquizoides, dos puritanos ou dos covardes. A análise serena tranquiliza o espírito, mas não lhe tira a força.


mas não lhe tira a força. Se você quer deixar o eros entrar na sua vida e aproveitá-lo sem tanta angústia, você deve criar alguns antídotos e, uma vez criados, não esquecêlos. É possível entregar-se “quase” totalmente durante o enamoramento, mas isso implica deixar uma pequena área do cérebro livre de afeto, disposta e vigilante. Seria um caso semelhante ao das mães que acordam com o menor movimento do seu bebê, mas não com o ressoar de um trovão. Falemos de atenção desperta, cuidado cortical, a teoria de Pavlov a serviço da defesa afetiva. É possível conseguir, se você aplicar o princípio da racionalidade responsável. Você não é uma máquina afetiva que devora amor, ainda que queira. Graças ao pensamento racional, não se comportará como uma pessoa dependente e desesperada por sentir. Para sentir bem, é preciso pensar bem. O afeto não aparece num vazio de informação, mas nele intervêm as suas crenças, o seu sistema de valores, filosofia de vida e as suas atitudes. Você nunca é “puro amor”. A racionalidade responsável implica utilizar a razão de forma moderada e inteligente, sem se reprimir,


mas sem deixar totalmente de lado o coração. Os seus sensores de alerta farão com que possa aproveitar de forma sadia a relação. Estar apaixonado só afeta negativamente as mentes predispostas ao sofrimento. Quem disse que não deve haver limites para o eros? Se o alvo da sua paixão lhe pedisse que se prostituísse porque precisa de dinheiro, você faria isso? Não seria uma linha divisória para que o amor passional enfrentasse a realidade? O amor não justifica tudo, caso contrário seria Deus. Há uma série de crenças racionais ou esquemas adaptativos que você pode ir construindo para em seguida internalizá-los e estabelecer assim um cinto de segurança cognitivo contra a investida da paixão. Insisto, não é preciso deixar de aproveitar o prazer de amar ou de ser amado, mas sim saber quando é perigoso ou não. O objetivo é alcançar uma sabedoria afetiva, uma capacidade de discernimento. Cada vez que você sentir, perceber ou intuir que dada pessoa pode provocar paixão em você, ou quando definitivamente você já está sob a influência do eros, ative as cinco premissas seguintes. O ideal é que você reflita sobre esses


temas e assuma uma posição; é melhor que seja com a cabeça fria, para que com o tempo você elabore o seu próprio estilo afetivo. Pratique-as e automatize-as, converta-as em pensamento. 1. Não idealize a pessoa amada Não distorça a informação exaltando o bom e minimizando o ruim. Não digo para você se transformar numa pessoa desconfiada, mas para tentar estabelecer um equilíbrio mais ou menos objetivo. O segredo é: seja realista. Ainda que você se sinta fascinada por um homem, não fique a seus pés. Ainda que ela pareça uma deusa, não faça cara de escravo, não fique babando. O tempo faz com que vejamos como o outro realmente é, mas deve ser um tempo sem desvios nem autoenganos. Se você adota essa atitude realista desde o começo ou desde o momento em que descobre que está apaixonado ou apaixonada, o eros não poderá distorcer a informação. Não achar defeitos no começo de uma relação amorosa é normal, já que os hormônios diminuem a capacidade intelectual e a de observação. No entanto, se você mantém a calma mental, ou seja,


entanto, se você mantém a calma mental, ou seja, se procura estar atento apesar da ilusão, não criará um ídolo nem um monstro de perfeição. Além disso, você quer mesmo um companheiro ou uma companheira “nota dez”? Porque, se é isso que você procura, deveria revisar o seu nível de exigência. Lembre-se: no início de um romance, tudo é cor-de-rosa, todos escondemos os defeitos e exageramos as virtudes. Não digo isso para que você se desiluda, mas para que abrace um amor verdadeiro, de carne e osso. Que tédio é ter um “superparceiro”! Quando você idealiza alguém é porque a pessoa tal como é não o preenche. Além disso, a idealização produz um efeito rebote: quando essa fase passa, você volta à realidade imperfeita do ser amado e à usual desilusão. O eros é um embelezador de tempo limitado e por isso é melhor “esfriar” um pouco o processo. A conclusão é que você deve manter sempre o alerta vermelho ativado, a atenção desperta e uma percepção realista. E, depois, faça o que quiser. 2. Estar apaixonado não implica renunciar ao seu papel social nem a outras áreas da vida


Você não deve sumir do mundo e dos seus prazeres, caso o eros chegue. Não falo de ser infiel, porque quando se está apaixonado ninguém mais desperta os seus apetites e, portanto, não há esse risco. Refiro-me a ter cuidado de não cair no isolamento social ou abandonar as demais atividades. Se você pensa: “Ele preenche tudo” ou “Ela justifica a minha vida!”, você está caindo no abismo. Quem disse que você deve abandonar os amigos e as amigas ou descuidar do trabalho por culpa de um novo romance? Por que você acredita que estar apaixonado é perder a sua essência? O eros nos leva a pensar, de forma absurda, que se não estamos todo o tempo com a pessoa amada a felicidade é incompleta. Desde o início da nova relação você deve deixar claro para si e para a outra pessoa que a sua vida não será alterada no fundamental, no que você é, os seus gostos, passatempos e ideologia. A união deve ser mútua, mas respeitosa, e isso significa “reestruturar a vida”, mas não apagar tudo e começar do zero. O seu companheiro ou a sua companheira não é o segundo messias, portanto não é preciso acabar com o que você construiu ao


não é preciso acabar com o que você construiu ao longo dos anos. Conheci mais de um apaixonado que, sob a influência erótica, tentou mudar a personalidade, como se o eros fosse uma revelação transcendente. Não exageremos. Uma coisa é entregar-se aos beijos e às carícias, e outra é transformar o “eu” em cacos. Assim, se o eros começar a lhe fazer cócegas, seja franco desde o princípio: as minhas coisas, as suas coisas e as nossas coisas. Se você acredita que descuidar dos outros aspectos da sua vida é um “ato de amor”, não se engane: estamos falando de pura paixão e não da philia, que é mais racional. Se você tem vocação para dar (ágape), o que não é ruim, espere um tempo para que o eros descanse. O princípio do prazer seguidamente se disfarça de convicção: o eros lhe outorga o dom do prazer, mas aplaca a sua inteligência e racionalidade, portanto as suas “decisões românticas” são, por definição, suspeitas. Diga a seu novo amor: “Bem-vindo à minha vida, isso é o que eu tenho, isso é o que sou, isso é o que vou defender e isso é o que estou disposto a negociar”. A conclusão é que você deve amar sem se deixar absorver totalmente pelo outro, não deve renunciar


absorver totalmente pelo outro, não deve renunciar à sua maneira de ser nos braços de ninguém, nem abandonar os velhos amigos, interesses ou qualquer outro aspecto importante da sua vida para ter o eros contente e amarrado. A ordem é que gostem de você ou o desejem como um conjunto, ou que não gostem nem desejem você. 3. O eros decai, não necessariamente termina, mas declina com o tempo, por isso não se iluda demais Mais uma vez, é preciso enfrentar a realidade. A magia não sobrevive além do que a natureza designa. O eros pode se transformar em algo diferente e inclusive talvez mantenha o seu encanto original durante um tempo, mas o enamoramento tende a diminuir de intensidade. Portanto, não deveria surpreendê-lo que um dos dois (com sorte, você primeiro) comece a se desencantar. No entanto, você pode estabelecer as bases para que, quando o eros se acalmar, prospere algo novo e gratificante, se isso interessar você. Obviamente, não digo que você tenha de viver a sua experiência romântica com o pesadelo de que tudo vai terminar a qualquer momento. Trata-se de manter os pés no chão. Um pensamento saudável seria:


chão. Um pensamento saudável seria: “Aproveitarei enquanto durar, sem perder demais o norte”. A química esgota-se, e não depende de você que isso ocorra ou não. De todas as formas, você pode estabelecer as bases para que o eros se transforme em philia. “Para sempre” é uma má ideia, assim como “tudo”, “nunca” ou “nada”: esses qualificativos caracterizam o pensamento absolutista e dicotômico que se move entre extremos sem ver os matizes. 4. Não deixe que a pessoa amada ocupe a sua mente, como se fosse um vírus Pensar nele ou nela todo o tempo lhe tira a energia, o idiotiza. Brigue com a obsessão. Amar não é desenvolver um transtorno obsessivo-compulsivo. Você pode usar a palavra “stop” duzentas vezes, telefonar para alguém, sair para a rua, gritar como um louco ou ler algo divertido quando o pensamento pertubador invadi-lo; mas o mais importante é tomar consciência de quanto espaço mental o romance lhe toma. Para isso, é ideal ter um amigo ou amiga que faça o papel de estraga-


prazeres, que o situe na realidade sem contemporizações nem anestesia, que aponte o erro e faça com que você veja que está se distanciando da normalidade. O trato que uma das minhas pacientes fez com a sua melhor amiga foi: “Vou lhe contar cada vez que não for capaz de tirá-lo da cabeça ou quando sentir que estou exagerando. Você, então, me belisca, me morde, me atira um copo de água fria ou me dá um pontapé, mas não me deixe fazer papel de estúpida enquanto tudo durar”. A posição é clara, os pontos de alerta estão ativados. “Enquanto durar” significa muito, é a aceitação de que o conjunto das sensações que estão sendo percebidas não durarão para toda a eternidade. A estratégia que a minha paciente usou é conhecida como a técnica de Ulisses e consiste em colocar o controle fora de si mesmo quando não se é capaz de assumi-lo. Lembremos que Ulisses pediu aos seus companheiros que o atassem num mastro e que não o soltassem até que tivessem saído do mar das sereias, sem se importarem com o que ele dissesse ou fizesse, para assim evitar o feitiço do canto delas. A conclusão é que é preciso se distrair, ceder o


controle para outro, deter o pensamento ainda que seja prazeroso. A droga também o é. Que você “goste” de pensar o tempo todo nele ou nela não é uma razão válida; o princípio do prazer não justifica a loucura. 5. Se a sua relação requer que você faça sacrifícios heroicos e esforços intrépidos para mantê-la ativa, não funciona O enamoramento não é a philia, nem a convivência a dois, assim que não vale a pena correr riscos inúteis para manter uma relação erótica que não se conserva a si mesma. Não deixe que o heroísmo amoroso lhe suba à cabeça. Quando você estiver rondando o precipício da insensatez, pode ser que já seja tarde. O pensamento que você deve fortalecer é: “Não farei nada que me fira ou as pessoas que amo de maneira irracional ou injustificada”. Escreva isso em um ou em vários cartões e distribua-os por todos os cantos, use-os como lembretes. Se você tem que se desgastar muito para que o seu companheiro siga com você ou para que o eros não definhe, está no lugar errado ou entrou no


terreno do vício. O prazer erótico tem o seu próprio motor, e se há algo que não se deve fazer na paixão é se esforçar para gerar prazer, porque isso está implícito nela. A conclusão é que o enamoramento é um estado emocional que pode levá-lo a cometer qualquer insensatez, como, por exemplo, se casar sem pensar devidamente, entregar os seus bens ou a sua vida. Uma paciente, no auge do eros, como prova de amor decidiu deixar-se contagiar pela aids por seu novo companheiro (estavam juntos há menos de um mês). Ainda hoje lamenta esse erro.


AMOR E DESEJO: O EROS IMPRESCINDÍVEL

O desejo move o mundo e cada um de nós. Desejar, segundo o filósofo Espinoza38, é “perseverar no ser” (connatus), é o apetite, a vontade: “não é outra coisa que a própria essência do homem”. Ou, dito de outra forma: o desejo impulsiona-nos a viver o mais intensamente possível. Analisemos duas afirmações que podem destruir a autoestima de qualquer um: a) “Amo você, mas não o desejo”; e b) “Gosto de você, mas não o amo”. No primeiro caso, o contrassenso é evidente, pois não há amor de casal completo sem desejo. O amor sem desejo é amizade pura (philia) ou alguma forma de amor espiritual (ágape). Ambos são válidos, sem dúvida, mas insuficientes por si sós para formar uma relação de casal plena e saudável. No segundo caso, estão dizendo que a paixão não é suficiente para serem amantes, que não haverá sexo, que o desejo se esgotou, que não há apetência. “Gosto de você, mas não o amo” quer dizer “Sinto por você um quase amor, um amor subdesenvolvido que ficou na metade do caminho”. Trata-se de


um afeto filial, sem ou com muito pouca paixão. Se alguém diz que “gosta de você”, mas não sabe “se ama você”, é que não ama o suficiente, então não perca tempo. Uma das características do amor passional é que ele nunca é posto em dúvida. A evidência do amante é esmagadora, não cabe hesitação. Safo39, a poetisa grega, dá uma pista em seu poema. ...O que me arrebata o coração no peito; mal te vejo e então já não posso dizer nada. A língua fica grossa e logo um fogo sutil me percorre sob a pele, pelos olhos nada vejo, os ouvidos zumbem, um suor frio me invade e inteira estremeço, mais do que a erva pálida estou, e apenas distante da morte sinto-me, infeliz. Trata-se do eros incrustado no coração de uma lésbica há mais de 2.500 anos. Não há vacilação, está tudo dito. “Amo, mas não desejo você”, diz a namorada com crueza depois de sete anos de relacionamento. “Então não me


crueza depois de sete anos de relacionamento. “Então não me ama de verdade”, ele responde desconsolado, apelando para uma coerção moral que não dará resultado. Na verdade, ela está dizendo que lhe tem estima, que o aprecia do fundo do seu ser, mas longe da paixão, longe do corpo que já não se abala. É ali onde o amor de casal perde potência, nos limites da carícia que não seduz, na ausência do outro como amor carnal. O eros procura a intimidade da pele, tocar e ser tocado; realiza-se no corpo a corpo, o que nem sempre é o sexo puro. Se, como dizem alguns, o desejo não é importante para a vida amorosa, você aceitaria que o seu companheiro ou a sua companheira amasse você mas não o desejasse? Se um gênio mau colocasse você na situação de decidir entre ser amado ou desejado, o que você escolheria? A grande maioria das pessoas preferiria ser amada a ser desejada, porque o desejo é considerado fugaz e incompleto, enquanto o amor é visto como transcendente e não perecível. É a questionável herança de Platão: o corpo entendido como algo descartável ou um mal necessário. O que você escolheria então, erotismo sem amor ou amor sem desejo sexual? Nós que não somos nem mestres espirituais nem santos e ansiamos pelo jogo erótico com a pessoa amada pediríamos tudo ou nada. Não digo que o eros seja o único, nem sequer o mais importante para a vida a dois. A premissa é clara: o eros é necessário, mas não é suficiente. Eu pergunto a mim mesmo: o


necessário, mas não é suficiente. Eu pergunto a mim mesmo: o que faríamos sem a paixão pelo ser amado, sem a comoção, sem o rubor, sem o anseio pelo outro? Não amamos mais o companheiro ou a companheira depois de deleitar-nos, depois de vê-lo tremer de prazer em nossos braços? Se a resposta for negativa, o amor está fragmentado, há um desequilíbrio que deve ser corrigido antes que haja um rompimento definitivo. Nas palavras do filósofo Comte-Sponville40: “O amor nutre-se do desejo, o amor é desejo. O desejo não é outra coisa que a força da vida em nós, é a capacidade ou potência de gozar”. O desejo a favor da existência é um poder autoafirmativo, o motor principal que nos empurra a atuar a dois.

O amor desejado: sexo e erotismo Que tipo de desejo caracteriza o eros? Desejamos muitas coisas na vida, e nem tudo está relacionado à pessoa amada ou à sexualidade. Podemos desejar um carro novo, sair em férias, obter uma boa nota na universidade, ir a uma festa ou ter ideais transcendentes, mas o eros do enamorado passional somente se realiza na posse do outro, tanto na esfera psicológica como na sexual. Desejo de posse no sentido de “tomar para si”, apoderar-se do ser amado de maneira simbólica ou de fato: “Você é minha ou meu”, “Pertence a mim”, como o carro, a


“Você é minha ou meu”, “Pertence a mim”, como o carro, a casa ou qualquer outro bem material. Um amigo, depois de ter conquistado uma bela mulher que era bastante avessa às suas insinuações, disse: “Por fim a capturei!”. O homem ataca a sua presa. Consegui, a tomei e é para mim. A questão é adonar-se do outro, conseguir o que falta: o eros conquista, apropria, invade território, declara guerra. É o desejo irrefreável de se unir à pessoa amada a qualquer preço; ainda que somente seja uma fusão fictícia, a sensação basta. Desejo sexual: manifestado como sexo puro e instintivo, ou também como erotismo (sexualidade inventada, recriada e humanizada). Mesmo que o sexo carnal tenda a perder intensidade com a familiaridade e o tempo, o erotismo pode prosperar de forma ilimitada apesar dos anos: o animal sacia-se com o objetivo fundamental de se reproduzir; o homem, ao contrário, é insaciável enquanto possibilidade mental. No erotismo, o sexo não está exclusivamente a serviço da reprodução, também está a serviço do prazer, do gozo de amar por meio de contatos físicos e imaginários. Conheci casais de idosos para quem o erotismo, o jogo e a malícia seguem tão presentes como no primeiro dia. As rugas, a flacidez, as estrias e inclusive a impotência não são desculpa para deixar de sonhar com o sexo. É a estética do prazer que não se resigna frente à idade. Um homem de 85 anos me disse: “Quando vou deitar, eu a abraço pelas costas e acaricio os seus seios suavemente... Às


a abraço pelas costas e acaricio os seus seios suavemente... Às vezes coloco a mão entre as suas pernas, e ela deixa que a minha mão deslize, e assim ficamos até o dia seguinte”. A mulher, que estava presente, ficou corada e disse: “Mas, meu amor, como pode contar essas coisas ao doutor... O que ele vai pensar de mim?”. Com o erotismo, entramos no corpo alheio para transcendê-lo, por isso um amor pudico e escandalizado de si mesmo está destinado ao fracasso. Uma das minhas pacientes, uma senhora de 53 anos, rezava o rosário em silêncio enquanto fazia amor com o marido e entregava o sacrifício a Deus em nome das crianças desamparadas de algum lugar cujo nome não lembro. Um homem, adepto de uma dessas religiões fanáticas de viés sectário, somente tocava a mulher quando a biologia se impunha, mas o fazia de má vontade; a única razão era que a testosterona era mais poderosa que a sua fé. O desejo sexual inibido ou diminuído, a aversão ao sexo, os problemas para alcançar a excitação ou o orgasmo quase nunca são virtudes para a ciência psicológica e psiquiátrica; ao contrário, são considerados disfunções sexuais que precisam de tratamento.41, 42 Alguns casais fracassam na vida sexual por pura incompatibilidade, porque têm estilos diferentes ou motivações díspares que às vezes são irreconciliáveis, apesar dos esforços da ciência. Ana procurou meu consultório porque o marido mostrava certas inclinações que lhe pareciam inapropriadas:


“Não é que não goste de sexo, mas meu marido é muito... fantasioso. Precisa imaginar coisas para ficar bem comigo, e isso me faz sentir mal”. Reproduzo aqui parte de uma conversa que tive com ela: Terapeuta: Pelo que você conta, ele precisa de fantasias eróticas para ter relações sexuais; entendi bem? Ana: Sim. Terapeuta: Você pode explicar melhor? Ana: Sim. Fico incomodada de falar disso. Ele imagina coisas que não me parecem normais. Terapeuta: Como o quê? Ana: Que eu estou dançando numa boate e as pessoas me olham... Dançando de forma sensual e coisas desse tipo. Às vezes ele imagina que fazemos amor em público. Terapeuta: Alguma coisa mais? Ana: Ter relações sexuais num parque... Uma vez pediu que imaginássemos que havia outra pessoa conosco. Terapeuta: Alguém em especial? Ana: Sim, uma amiga minha. Terapeuta: Isso acontece com muita frequência? Ana: Uma ou duas vezes por mês.


Ana: Uma ou duas vezes por mês. Terapeuta: Ele pede alguma outra coisa que a incomode? Ana: Ele gosta muito de sexo oral, e me choca um pouco... Terapeuta: Você sente nojo? Ana: Não, sinto pudor. Não digo que seja pecado, mas acho incômodo. Ele precisa de muitos requisitos para se excitar: música, incenso. Às vezes traz cremes e uns óleos pegajosos que eu acho terríveis. Quando ejacula, gosta que eu o besunte com o sêmen. Mas o que mais me incomoda são as fantasias. Não acredito que seja normal... Acho que eu deveria lhe bastar. Terapeuta: Você sente que ele não a deseja? Ana: A mim, sozinha, não. Terapeuta: Pelo que você diz, todas as fantasias dele ou os seus “anexos” giram em torno de você. Ana: Sim, mas eu me pergunto por que não podemos ter um sexo mais natural, mais saudável. Terapeuta: Você acha que o sexo que o seu marido propõe é doentio? Ana: Não sei, às vezes penso que sim. Por que ele não é capaz de fazer amor como todo mundo? Terapeuta: Como você acha que os demais fazem?


Terapeuta: Como você acha que os demais fazem? Ana: Normal. Como duas pessoas normais. Terapeuta: Nos humanos, o sexo costuma ir além do coito ou da simples penetração, é o que se conhece como erotismo. É um salto acima do biológico no qual intervêm as fantasias, os jogos e outros anexos; no entanto, muita gente não gosta e prefere ter relações mais formais. O seu marido tem uma maneira de conceber o sexo diferente da sua; se você se sente forçada a fazer coisas que não quer, é preferível que não as faça. Ana: Para mim deveria ser algo mais natural. Terapeuta: Alguns psicólogos consideram que a sexualidade “natural” nos humanos é precisamente usar a imaginação. O que você pensa disso? Ana: No meu caso, não. Terapeuta: Você tentou se adaptar a alguns desses jogos para ver como se sente? Ana: Não consigo, me incomoda. É como quando ele se masturba. Sinto que me evita, mesmo que faça isso abraçado comigo. Terapeuta: Você tem orgasmos? Ana: Não sei. Acho que sim. Já não sei.

As preferências sexuais de Ana eram muito diferentes das


As preferências sexuais de Ana eram muito diferentes das do marido. Ambos foram conduzidos a um programa de terapia sexual e de casal. Depois soube que nenhum dos dois pôde se adaptar ao estilo do outro e que ela preferiu se separar a ter de participar das fantasias que ele propunha, apesar de que somente fossem virtuais e de que ela fosse a única protagonista. Além de qualquer juízo de valor, o que é difícil de entender nesse caso é que duas pessoas tão diferentes no plano sexual tomaram a decisão de viverem juntas e de casarem-se. Muitos indivíduos superestimam o poder do amor e subestimam o papel que o desejo sexual joga na formação de uma parceria satisfatória. O resultado é visível. O eros sem limites, que geralmente termina em violência ou desvios sexuais, também deve ser tratado.43, 44 Lembro-me do caso de um paciente que se queixava porque a mulher não o acompanhava em suas fantasias, que eram especialmente complexas. Uma delas consistia no seguinte: ele devia descer às 23h45 até a garagem do edifício onde viviam, esconder-se debaixo do carro e começar a se masturbar; à meia-noite em ponto, a esposa, vestida com saia longa e botas vermelhas, devia entrar no carro e acelerar até que ele ejaculasse. Como é compreensível, a mulher, aberta, tranquila e que costumava atender às exigências sexuais do homem, não estava muito contente com tal agitação. Sensatamente, ela não pedia que os jogos sexuais acabassem, mas que fossem menos


complicados e, dentro do possível, em outros horários. Depois de algumas consultas, o homem conseguiu moderar o seu fetichismo. Diferentemente do que ocorria no primeiro caso, neste não havia uma diferença de fundo sexual; ambos demonstravam modos e gostos similares, portanto, harmonizálos não foi problemático. Localizar o ponto exato no qual nos sentimos como dois nem sempre é tarefa fácil. Sem desejo, o amor de casal perde a sua força essencial, mas também é certo que uma relação a dois não pode depender exclusivamente do número de ereções para ser feliz. Há pessoas que são mais sexuais do que outras, e essas diferenças individuais pesam muito ao se experimentar a sexualidade de casal.45 De toda forma, a pergunta está feita: você prefere um parceiro apaixonado ou frio? As mulheres costumam responder que preferem uma “paixão moderada”, para não deixar de lado o ingrediente da ternura. Os homem dizem outra coisa: “Não me importo que seja uma ninfomaníaca e que me esgote. E que também me deseje, claro”. A castidade não parece compatível com uma relação a dois completa e satisfatória, ao menos para os que não aspiram à santidade matrimonial. Você casaria com alguém que fez voto de castidade? Não nego que existam provas de amor desinteressadas que


superem de longe o eros e façam uso do ágape (basta pensar naquelas pessoas cujos pares sofrem de alguma doença terminal ou que foram vítimas de acidentes graves e incapacitantes); no entanto, nada faz supor que, em condições normais, o amor desinteressado e espiritual deva renunciar ao erotismo. Não é preciso desistir do eros para almejar um amor mais elaborado, nem supor que com a velhice chegue a frieza. O eros sempre está embebido no amor de casal. O amor maduro o inclui, o aceita com alegria e o aproveita. Novamente, Octavio Paz diz (veja a nota 2): O sexo é a raiz, o erotismo é o caule, e o amor é a flor. E o fruto? Os frutos do amor são intangíveis. Esse é um dos enigmas. (pág. 37)

O sexo assusta porque põe em dúvida a própria identidade. O eros nos leva ao abismo, nos confronta com as nossas origens e expõe aquilo que prefirimos esconder por pudor ou medo. Na relação sexual, durante um lapso de tempo indefinido, perdemos a orientação, e o corpo do outro transforma-se em nossa única referência; nele nos perdemos. A vivacidade do instinto nos despersonaliza e nos lança fora da razão. O eros é prazer, não necessariamente alegria nem tranquilidade. O eros é subversão e alegoria. Existe o sexo sem amor? Sim, é óbvio, existe em qualquer lugar. E o amor de casal sem desejo? É difícil de conceber, ao menos para um amor que


pretenda alcançar a plenitude.

Carência e tédio: “Nem com você, nem sem você” Como disse antes, o caráter contraditório do eros está fora de dúvida. No enamoramento puro, não há felicidade completa, porque o apaixonado não suporta a ausência do outro, e tampouco há satisfação total porque a expectativa é a de alcançar o amor absoluto (“ficar pleno de você”), o que é impossível. Segundo um conhecido dicionário, desejar, além de estar relacionado com o apetite sexual, tem a seguinte acepção: “almejar o conhecimento, a posse ou o desfrute de uma coisa”. Ou seja, ainda que pareça deprimente, deseja-se o que não se sabe, o que não se tem ou o que não se aproveita. É o desejo visto como carência, como déficit: “Amo você porque não posso tê-lo, porque me faz falta”. No entanto, conceber o desejo dessa maneira é condenálo ao sofrimento, porque, se apenas posso desejar o que não tenho, o que acontece quando o obtenho?46 Se o eros somente deseja o que não tem, não perde o seu sentido quando satisfaz a necessidade, quando consegue o que lhe apetece? Um exemplo típico é quando um homem tem uma relação sexual com uma mulher que acaba de conhecer, atraído


exclusivamente pelo seu físico. Depois do coito, os gêneros diferenciam-se com clareza: cada um toma o seu caminho. Ele quer fugir com urgência: a mulher que alguns segundos atrás exercia o maior dos feitiços agora perde todo o encanto, o eros empalidece, e o tédio impõe-se: post coitum omne animal triste est. Para completar, quando ele acaba, ela começa: “Agora que ficamos juntos, diga o que você pensa do que sente e o que sente do que pensa, e o que sentirá no futuro, o que vai pensar de mim, como me vê... Já que nos divertimos, agora vamos nos conhecer”. O homem entra pelo sexo e chega ao amor, a mulher entra pelo afeto e chega ao sexo. Ao menos essa é a tendência em que nos movimentamos. O desejo também pode funcionar como uma meta: o eros a serviço do orgulho. Uma mulher jovem e bela afirmava: “Gosto de homens que não demonstram interesse em mim, os difíceis, os esquivos... Não sei por qual razão eles despertam a minha sensualidade, são simplesmente um troféu... Dobrá-los me excita”. A contradição do desejo erótico pode manifestar-se também em um nível mais complexo e existencial do que a simples aventura casual. Às vezes, uma dinâmica cruel e dramática induz o amante a uma retirada inexplicável: “Anseio por sua presença, mas, depois de um tempo, já não o suporto...


E não é que o odeie ou que você me cause algum tipo de repulsão, mas me enjoo... Você perde o encanto quando se mostra como é, quando deixa de ser um sonho para se tornar real... Curioso amor esse que somente ama na ausência. Somente amo você quando não está, como se você fosse uma visão, um amor fantasmagórico”. Prazer alcançado: morte do desejo, tédio. A armadilha mortal do eros: “Preciso de você quando não está e me entendio quando você está”. Schopenhauer47 viu claramente esse processo de autoaniquilação erótica quando afirmava que toda a felicidade é negativa: Uma vez realizada a conquista, uma vez alcançado o objeto, o que você ganhou? Nada, certamente, além de ter-se libertado do sofrimento, de algum desejo, de ter alcançado o estado que se estava antes do surgimento do desejo. (pág. 249)

Por isso o eros não consegue estabelecer as bases de um amor maduro e estável. É necessário um desejo que não esteja preso ao medo da perda, que se mantenha vivo apesar do gozo e que esteja escorado em algo mais do que o apetite. Em outras palavras, precisa-se do eros a serviço do presente contínuo, o desejo aqui e agora: desejar o que temos, o que conhecemos e o que desfrutamos.48 Vejamos um caso. Fernando era um homem jovem que mantinha uma relação à distância com uma mulher da sua idade há dois anos e


relação à distância com uma mulher da sua idade há dois anos e meio. Viam-se a cada quinze dias e passavam o final de semana juntos. Desde o começo, a relação demonstrou um desequilíbrio fundamental: ela estava com o pé no acelerador, e ele, no freio. Fernando entrou num conflito mortífero: “Não consigo me comprometer, mas também não consigo deixá-la”. Era mesquinho com ela, brigava por qualquer insignificância e a todo o momento ameaçava terminar a relação. Depois, vítima da saudade e do arrependimento, a chamava para ajeitar as coisas. A ambivalência parecia insolúvel: na distância, a desejava, tinha ataques de ciúme, a assediava pelo telefone e prometia amor eterno; quando junto dela, uma vez terminado o arrebatamento, caía na mais profunda e penosa indiferença. Nas consultas, sua indecisão ficava evidente. Quando eu sugeria que se casasse com ela, ele exaltava as vantagens de viver só, e se eu mencionava o rompimento, se apegava à relação. Se eu exaltava as virtudes da mulher, ele fazia referência aos seus defeitos, e se eu me concentrava nos defeitos, ele a defendia abertamente. “Nem com você, nem sem você.” Por um lado, sofria a pressão de formalizar a relação e, por outro, a ambiguidade de um eros que o empurrava cada vez mais no sentido contrário. Um dia a questão adotou um matiz quase trágico: a “namorada”, farta de esperar, conseguiu um novo admirador, menos ambíguo e muito mais corajoso que o meu paciente. Ao ver que iria perdê-la definitivamente, Fernando


paciente. Ao ver que iria perdê-la definitivamente, Fernando entrou em pânico e, contra toda a lógica, propôs casamento. Ela, contra toda a lógica, aceitou. Aos seis meses de casamento, separaram-se. Ele ainda costuma lhe telefonar quando o desejo, a carência ou a solidão ativam a saudade do que poderia ter sido e não foi. Dadas certas condições amorosas positivas, ou seja, aparecendo nas relações em que exista philia e ágape, ainda que seja em pequenas doses, o eros é capaz de transcender o instante prazeroso e desfrutar da calma depois da tempestade. Domenico Modugno, em uma de suas canções, diz assim: “Saiba que a distância é como o vento: apaga o fogo pequeno, mas acende os grandes”. Eu diria que acende o fogo bem repartido e distribuído. Eros, philia e ágape: a tripla chama que se aviva com a distância. O que fazer, então? Aproveitar o que se tem longe da esperança, daquilo que “poderia ser”, das ilusões; submeter-nos ao aqui e agora de forma consistente. Conheço gente que não aproveita um bom prato de comida porque sabe que vai acabar. A má notícia, ainda que óbvia, é que tudo acaba. As pessoas de quem gostamos vão morrer algum dia, nós mesmos morreremos e, nem por isso, é preciso abandonar-se à dor e deixar de desfrutar o que temos. Acredito que a posição mais sadia deveria ser a inversa: como não vamos viver eternamente, como somos matéria perecível, melhor tentarmos aproveitar de forma


intensa e penetrante cada momento. Repito: devemos aproveitar o que somos e o que temos, instante por instante. Krishnamurti49 afirmava que o desejo é prazer projetado no tempo, ou seja, necessidade psicológica de perpetuar o prazer e repeti-lo até ficar cansado. Somos assim, mas é compreensível: quem não quer repetir com a pessoa amada? E chamo de “apeguinho” erótico, o concebo mais como uma preferência do que uma dependência. Se não fosse assim, apenas nos restaria a opção entediante de um desejo insatisfeito. Diga-se de passagem, vi mais de um fanático da Nova Era mudar de opinião sobre o apego quando o eros, muito a contragosto, o alcança. Toda a apologia orientalista do desapego transforma-se em cacos frente à força embriagante do amor passional. Assim, o enamoramento, que antes era considerado uma manifestação da decadência ocidental, é visto nesse momento como uma forma de santidade e misticismo. O eros é um fato tão real e concreto como o ar que respiramos: negá-lo é uma estupidez; reverenciá-lo também.

Para não sofrer Aproveitar livremente a sexualidade entre o casal Quando um casal se consolida, o eros deve seguir presente, rondando e inquieto. Uma relação sem


presente, rondando e inquieto. Uma relação sem eros é como um organismo sem oxigênio. Se você está com um parceiro que você ama de verdade, deve prestar atenção à sexualidade. Ou seja, deve alimentá-la e cultivá-la. Não há nada proibido se não for nocivo para você e para o outro. Então, qual é o problema? Por que se instaura a rotina? O sexo deve ser criativo, brincalhão, ousado e descarado; deve fazer com que você descubra quem é a cada carícia. Uma relação sexualmente previsível, plana e insossa acaba com o encanto da surpresa. Se você sente que não há erotismo na sua relação, não se resigne, faça brilhar a sua rebeldia, ative a imaginação e, caso o seu companheiro ou a sua companheira se escandalize, enfrente, comunique-se, expresse a sua verdadeira necessidade sem reservas nem vergonha. Ninguém tem que viver reprimido nem esconder o desejo natural da sua sexualidade por pudor ou medo de ser rechaçado pela pessoa amada. O prazer é um dos seus direitos fundamentais. Uma boa relação é baseada na confiança mútua, nas fantasias compartilhadas e num erotismo disponível. Não é preciso que você sinta vontade de fazer amor 24 horas por dia, basta que haja


de fazer amor 24 horas por dia, basta que haja lenha para acender o fogo, prelúdios, insinuações, travessuras. Caso a pessoa amada se ofenda, rechace você ou não o compreenda, você pode fazer uma tentativa de conversar e explicar as suas razões, o que o seu corpo sente. A técnica da assertividade: a capacidade de exercer e de defender os direitos pessoais. Mas, se a negativa continuar, não se adapte à frieza, não mate o eros. Se a sua sexualidade é simples, elementar, quase animal, sem qualquer faísca, e você não está feliz, eu insisto: produza a turbulência. Não precisa começar uma guerra, mas sim uma batalha amistosa. Você deve deixar claro que o amor que sente não renunciará jamais ao eros, porque você não quer um amor incompleto ou filial. Minha experiência profissional diz que o melhor aliado do sexo é o sexo. Como uma bola de neve positiva que cresce e alimenta a si mesma, sexualidade atrai sexualidade, erotismo gera erotismo. A carência tampouco deve ser motivo de sofrimento, sobretudo se você é mulher. A cultura reprimiu a sua sexualidade e às vezes há em você um desejo de resignação erótica que é percebido no medo de ser censurada. Claro que se o companheiro ou


companheira critica você por sentir demais, você deve revisar inteiramente a sua relação. Alimente o seu eros feminino, não importa a quem doer, crie sonhos, invente posições, fantasie-se, besunte-se de óleos, fique pegajosa, escorregadia, louca, impetuosa, assuste o seu homem, deixe-o de boca aberta, sem respiração. Que ele a olhe assombrado e expresse um lacônico: “O que aconteceu com você?”. Se não for bobo, ficará feliz com a mudança. A sexualidade é uma das fontes de prazer mais poderosas, é o abismo que nos conecta com a essência desconhecida, com o arquétipo de onde viemos e, talvez, para onde vamos. Por que renunciar a ela? “Ame e faça o que quiser”, dizia Santo Agostinho. O que quiser, se houver amor. E se não há, eu diria: “Faça o que quiser, mas com cuidado”. E não falo de uma prevenção puritana, mas daquela que se deve ter em relação à sua própria saúde mental. Aventuras? Sim, mas sem que afetem a dignidade. Ninguém deve se sentir usado nem se devem criar falsas expectativas sobre o encontro; tampouco é preciso se contrariar em questões de autoestima. A ressaca moral e/ou psicológica


costuma ser terrível para quem se arrepende. No entanto, mesmo com todos os cuidados necessários, mesmo se aceitarmos o prazer de uma noite sem rumo, devemos reconhecer que é muito melhor quando o afeto está presente. Quando há ao mesmo tempo amor e erotismo em quantidades suficientes, a sexualidade transcende. Em uma boa relação de amantes ou de casal não existe o cansaço ou o tédio pós-coito Depois de fazer amor, você sente que perdeu algo em vez de ter ganhado? Chega o vazio, sente incômodo ou simplesmente lembra que tem coisas para fazer e sai? O amante pode estar orientado a conseguir exclusivamente o prazer imediato ou também a aproveitar o pós-coito, o que permanece depois da tempestade, o restinho do prazer. Pergunte-se que sensação fica em você depois de fazer amor, esse é o teste. Uma boa relação de amantes prolonga-se além do orgasmo, aprofunda-se em outras afinidades diferentes das fisiológicas. Não se trata de suportar o parceiro ou parceira depois de estar satisfeito sexualmente, mas de pular para uma nova dimensão igualmente


mas de pular para uma nova dimensão igualmente prazerosa. Você sofre porque gostaria que houvesse algo mais do que sexo? A retirada do eros é um exame que nos mostra o substrato vital que une os amantes. A biologia não basta para que você esteja contente, algo similar ao que ocorre quando sentimos fome: uma vez alimentados, a vontade de comer desaparece e a comida produz fastio, exceto se você for um amante da cozinha, e aquilo que une você à comida seja muito mais que saciar a urgência. O bom gourmet, o que faz da alimentação uma arte, pode degustar mais e melhor um alimento quando tem o estômago cheio do que quando sente apetite, porque a vontade de comer altera o sabor em si. Nenhum sommelier poderá fazer uma avaliação satisfatória dos vinhos se estiver morto de sede. Quando o desejo sexual sossega, a percepção do outro fica mais aguda, torna-se mais clara e contundente. Quando o eros vai embora, abre-se uma porta mais serena, mais amável. Sem o peso do desejo podemos estar juntos de outra maneira, se houver uma base para isso. Se fazer amor conduz você à insipidez, à falta de


sabor posterior, ao retiro mais do que ao encontro, está faltando philia na sua relação. O prazer sem alegria é uma forma de masturbação a quatro mãos. A pergunta que você deve se fazer, então, é quais possibilidades você tem para transformar esse cansaço, esse incômodo essencial em diversão. Pergunte ao seu parceiro ou parceira por que ele ou ela fica ancorado no silêncio. Há ternura depois do clímax, os corpos acomodam-se em uma postura em que cada um descansa no outro de maneira agradecida ou há repulsão? Ficam frente a frente ou se dão as costas? A dor chega quando você sente o deserto depois da labareda, quando percebe que a entrega não é suficiente, que não prospera. É apenas compreensível. Mas você não tem por que se resignar à apatia do desamor, à ditadura de uma sexualidade que se esgota em si mesma. É preferível a solidão digna e sem conflito a uma relação incompleta. Não digo que você não tente, mas que esteja preparado ou preparada para um possível resultado adverso. Os sofrimentos que não nos permitem crescer são inúteis.


O eros precisa da philia para aprofundar o amor, não há como negar. Há amantes que se veem uma vez por semana, fazem amor e saem apavorados até que a urgência hormonal os empurre novamente a se encontrar. Mas com um parceiro estável esperamos mais, talvez a confabulação, a conversa agradável, o último sussurro; a honestidade que surge de forma natural quando baixamos todas as defesas. Trata-se de fazer amor com o melhor amigo ou amiga, essa é a essência de um amante feliz. A maioria das pessoas que está afetivamente insatisfeita vitimiza-se, deprime-se, entoa o meaculpa e abandona-se à dor em vez de ser assertiva e expressar de forma aberta o que está sentindo. Uma paciente enfrentou assim a questão: “Olha, isso não está funcionando, sinto tédio depois de fazer amor, depois de ter um orgasmo o que eu quero é ir embora, e acho que você sente o mesmo. Só o desejo nos aproxima. Que tipo de relação é essa? Proponho que adotemos uma posição clara e definitiva: ou fazemos alguma coisa para mudar esse jogo insípido ou prefiro que tudo acabe, e sentirei tédio sozinha, pelo menos estarei


livre”. Isso é o que se chama pegar o touro pelos chifres. Para concluir, poderíamos dizer que se o seu companheiro lhe diz que só precisa do eros e, no entanto, você espera mais, o problema está resolvido: não há nada a fazer. Se, ao contrário, quando o eros se afasta você experimenta um grande vazio, concentre a sua energia em compreender o que aconteceu com a amizade que antes unia vocês. Pergunte-se o que falta à relação, por que você se entedia quando o eros é saciado, fale disso até cansar. Ao pensar em sexo, primeiro saiam, divirtam-se, deixem que umas taças de vinho subam à cabeça, enfim, aproveitem o máximo possível e, somente depois, quando a risada tenha surgido outra vez, procurem a cama. Deixem que o desejo reivente-se a si mesmo e projete-se além do orgasmo; você somente deve preparar o terreno para recuperar a philia, ou começar a criá-la caso ela não exista.


PAIXÃO E ATRAÇÃO: O QUE NOS SEDUZ? Os caminhos que levam alguém a se apaixonar são inumeráveis. A história pessoal, a idade, as condições concretas de vida, os gostos, os valores, enfim, o enamoramento é multideterminado. Não obstante a sua complexidade, há alguns elementos que, analisados em conjunto, parecem esclarecer um pouco o panorama de por que gostamos de alguém. Vejamos cada um deles em detalhe.

Beleza e poder Uma mulher bela e vaidosa pode ser tão perigosa como um homem de carteira recheada. Quando um homem está acompanhado por uma mulher muito atraente, melhora a sua imagem social50, 51: diga-me com que mulher você anda e lhe direi quanto você vale. No caso contrário, a profecia não se cumpre: a avaliação da mulher depende exclusivamente do seu atrativo pessoal52: não importa com quem ande, se for bonita, é atraente de todo jeito. Um dos meus pacientes reunia todas as fraquezas típicas masculinas a respeito do sexo oposto: gostava de mulheres


masculinas a respeito do sexo oposto: gostava de mulheres muito mais jovens (de quinze a vinte anos de diferença), altas, magras, curvilíneas, de cabelo longo e rosto infantil. A sua vida amorosa reduzia-se a uma lista interminável de rechaços afetivos similar à de um Dom Juan em decadência: “Valho o que consigo, e não consigo nada”. Os homens viciados na beleza feminina costumam terminar sozinhos, mal casados ou com um acúmulo de separações. A premissa mais saudável para um homem com aspirações estéticas exigentes é a seguinte: “Sempre haverá alguém melhor do que você, mais fascinante ou mais sedutor, que poderá substituí-lo ou ser mais atraente para a sua conquista da vez. As mulheres muito bonitas contam com um exército de homens à sua volta dispostos a tudo para atraí-las”. Não digo que seja preciso buscar uma pessoa desagradável para se apaixonar, mas uma coisa é o bom gosto e outra muito diferente é a dependência da beleza. As mulheres “normais” geram nos homens inseguros uma espécie de tranquilidade erótica. Em quase todas as culturas, o rosto feminino mais atraente é o de aspecto infantil: olhos grandes e separados, nariz e queixo pequenos, sorriso amplo e sobrancelhas altas.53 A busca desse ideal de beleza funciona como uma armadilha para muitas mulheres que, tentando ser belas, terminam por desenvolver verdadeiros quadros de dependência.54, 55 Ainda assim, sem pretender ignorar a responsabilidade que nós,


homens, temos nessa corrida desenfreada para alcançar a perfeição física, creio que as mulheres arrumam-se (maquiam-se, penteiam-se, vestem-se) mais para as outras mulheres do que para os homens. Vejamos um exemplo representativo do que afirmo. Abre-se a porta de um bar animado e entra uma mulher qualquer, não importa a idade ou se está acompanhada. Imediatamente, como movidas por uma mola invisível, a maioria das mulheres presentes, sem a menor dissimulação, dirige a atenção para a recém-chegada. Não é um simples reflexo de orientação, mas uma curiosidade consciente e intencional. Então, em milésimos de segundo, tem início uma radiografia sistemática: cabelo (pintado ou natural), testa, pálpebras, olhos (cor, formato e tamanho), nariz (retocado, não retocado ou mal retocado), papada, qualidade da pele, tamanho dos seios, proporção cintura/quadril, traseiro, pernas, marca e possível estilista da roupa que veste, jeito de caminhar, número e profundidade das rugas, entre muitas outras coisas. Logo, feita a avaliação, a curiosidade termina e tudo volta ao normal: a recém-chegada passa a fazer parte da legião de observadoras que voltará à atividade quando outra mulher atravessar o umbral. Numa pesquisa oficiosa realizada com 150 mulheres que frequentavam consultórios psicológicos, perguntou-se para quem elas se arrumavam quando tinham de ir a um evento social. A


grande maioria disse que era para os homens, mas reconhecia que, de uma maneira ou de outra, levava em conta as demais mulheres. “Eu me produzo para que elas me invejem”, “Eu me arrumo para o meu parceiro e, além disso, para que essas bruxas não me critiquem”, “Para os homens, mas sem se esquecer delas”. Somente umas poucas, geralmente as que tinham uma autoestima alta, não se importa em nada com a opinião das outras mulheres: “Eu me enfeito e me enfeito. O que se embeleza é meu ego... Os outros não me interessam”. Nós, homens, também criticamos as mulheres, mas somos mais toscos e menos detalhistas ao analisar os atributos femininos. Aos homens interessam mais as protuberâncias do que as rugas, mais a cor da pele do que a qualidade, e não distinguimos tão bem o artificial do natural. Uma das minhas pacientes havia feito oito cirurgias plásticas com a intenção de manter ativo o desejo do marido. Uma vez, o homem me disse: “Cada vez que ela se submete a uma cirurgia, sinto que estou com uma nova mulher. O problema é que depois me acostumo e já não é a mesma coisa”. Claro que a novidade não pode residir somente nas reconstruções anatômicas. O eros é uma combinação de vários atributos entre os quais está a atração física, mas não é o único. Basta observar a quantidade de mulheres belas e voluptuosas que foram substituídas por outras não tão lindas ou até mesmo feias. Algo parecido ocorre com muitos homens poderosos que foram


parecido ocorre com muitos homens poderosos que foram substituídos por homens comuns. O sex appeal que mantém o desejo vivo requer certa malícia e encanto que não se obtém sempre com dinheiro ou cirurgias. Em geral, as mulheres oferecem beleza e procuram segurança econômica, enquanto os homens oferecem uma boa posição financeira e querem em troca a beleza.56 Por mais que isso desespere as feministas, possivelmente com razão, a maioria das mulheres sente-se atraída por homens de sucesso. As mulheres gostam de homens dominantes, inteligentes, ambiciosos, altos e fortes.(ver nota 56), 57 Se forem atraentes, melhor ainda. Prestígio, poder e posição: os três “p” que emocionam muitas delas. Quando ouço dizerem: “Para que um jatinho particular, um Mercedes-Benz conversível, viagens pelo mundo e uma mansão, se não há amor?”, minha resposta costuma ser: “Sem dúvida. Mas, se houvesse amor, não seria bom aproveitar também todo esse valor agregado?”. O dinheiro é sexy, aqui e na China. E, quanto à beleza masculina, acho que a feiura não é tão atraente para as mulheres como se quis mitificar. O ditado que diz “O homem, como o urso, quanto mais feio, mais belo” deve ter sido criado pelos feios. Os homens bonitos, como Brad Pitt, produzem tanta agitação nas hostes femininas como um terremoto; e nem se fala do impacto gerado por alguns


terremoto; e nem se fala do impacto gerado por alguns “maduros gostosões” como Sean Connery ou Harrison Ford. Estendo também às mulheres a sugestão que fiz a meu paciente viciado na beleza feminina: os homens atraentes e poderosos normalmente têm um séquito de admiradoras dispostas a tudo. Competir com elas, além de ser impossível, é estressante, já que sempre haverá uma mais bela, mais jovem ou inclusive com mais sucesso. É melhor se fixar num homem normal, nem tão alto nem tão rico, que se acomode no seu colo de vez em quando, que lhe peça conselhos, que faça você sentir que é a mulher mais linda e extraordinária do mundo, mesmo que não seja (que importância tem a objetividade quando nos sentimos amados?). Um homem que passar inadvertido para a concorrência proporcionará mais calma e menos revanche.

A personalidade sedutora Um homem de boa aparência ou uma mulher com um corpo escultural pode perder todo o encanto ao abrir a boca. Da mesma forma, o eros decai necessariamente frente à estupidez. Se a intenção é ter tão somente uma relação sexual, mesmo que o quociente de inteligência da candidata ou do candidato não seja precisamente alto, nos entregamos ao “sacrifício”: “Não o quero para jogar xadrez, nem para casar, nem para discutir filosofia; só quero levá-lo para cama... Ficou claro?”, disse uma


filosofia; só quero levá-lo para cama... Ficou claro?”, disse uma mulher beirando os quarenta anos, envolvida com um homem de vinte e seis. O caso contrário também pode acontecer: há pessoas não muito atraentes fisicamente que, graças a um bom repertório sensual/sedutor, podem conseguir inquietar-nos de forma positiva. Uma mulher usando calças justas e elegantes pode provocar um delírio coletivo entre os homens, mesmo que seu corpo não seja perfeito; no entanto, a mesma roupa numa mulher muito mais bela mas sem estilo consegue apenas despertar um reflexo de orientação masculino. Um homem bemvestido pode ter uma forma de andar tosca e que lhe tire o atrativo, enquanto outro pode mostrar um porte aristocrático que o faz parecer interessante e até sedutor, mesmo que não esteja usando uma roupa de grife. Como usamos o corpo, como nos movemos, como nos insinuamos, o que dizemos e como dizemos é fundamental para que o eros seja ativado. Uma mulher exibicionista e simpática pode “provocar a paixão” em mais de um homem. De forma semelhante, um homem que consiga combinar o aspecto de Tom Cruise com a desenvoltura poética de Cyrano de Bergerac poderia causar estragos entre as mulheres de coração sensível. Não nos esqueçamos de que, para a maioria das mulheres, o tom romântico e as palavras de amor causam um efeito igual ou maior do que a aparência física. O mesmo não ocorre no caso


maior do que a aparência física. O mesmo não ocorre no caso dos homens, que são definitivamente mais visuais do que auditivos. 58, 59 Lembro o caso de uma paciente que era incapaz de ter fantasias eróticas: cada vez que sugeríamos alguma visualização de imagens sexuais, ela as “contaminava” com afeto automaticamente. Se pedíamos, por exemplo, para se imaginar nua com seu marido na praia, ela organizava o argumento de tal forma que se via caminhando abraçada a ele e recostada no seu ombro. Quando sugeríamos que pensasse numa posição sexual específica que lhe desse prazer, não podia fazer isso sem representar uma cena romântica na qual o marido, em pleno ato, a olhava com olhos ternos e prometia amor eterno.

Iguais ou diferentes? Às vezes o eros precisa de um toque de mistério ou de incerteza para funcionar bem. A aventura, o risco, o desconhecido e o desafio podem atuar como um fator estimulante em muitas pessoas.60 Para uma pesquisa, um grupo de mulheres foi convidado a cheirar algumas camisetas empapadas de suor masculino e, em seguida, pediu-se que elas escolhessem as camisetas que consideravam mais sensuais. A maioria das participantes escolheu as peças dos indivíduos que tinham um sistema imunológico diferente do delas.61 Quando se trata do eros, o


imunológico diferente do delas.61 Quando se trata do eros, o prazer está na diferença. Uma mulher feliz em um casamento de oito anos, mãe de dois filhos e totalmente fiel, tropeçou na cocheira com um jovem instrutor de equitação que nunca havia visto. A partir desse momento, sem dizer uma palavra, o desconhecido tornou-se uma obsessão para ela. A sua descrição foi a seguinte: “Fiquei cara a cara com ele. Não entendo o que aconteceu comigo, é impossível explicar com palavras. Foi simplesmente como se jogassem um balde de água fria em mim. Fiquei entre fascinada e petrificada, plantada no chão, boquiaberta, como se tivesse visto um fantasma. Ele me cumprimentou, e eu não respondi. O homem não é atraente, é pouco refinado e nem um pouco culto. Eu sempre gostei de homens impecáveis e executivos de gravata, portanto não consigo entender. Desde aquele dia, não consigo deixar de pensar nele”. Na verdade, a ciência não tem respostas claras que expliquem a atração sexual imprevisível e aparentemente ilógica. Escolha imunológica, lembranças inconscientes, um mecanismo de transferência não detectado, necessidade insatisfeita, vontade de amar ou natureza pura e simples? No caso da cocheira, houve um clic “inexplicável” que mobilizou de forma vigorosa o desejo da minha paciente. Nunca saberemos com exatidão o que aconteceu. Seis meses depois, o arroubo havia passado totalmente.


O eros transcende o cognitivo, o razoável, os “deveria” e muitas vezes nos coloca em situações que não conseguimos compreender. Podemos nos apaixonar por nossos piores inimigos (a história está cheia de exemplos) e desejar de forma irracional quem nos magoa (os consultórios psicológicos estão repletos de pacientes com dependência afetiva). Pode-se amar o carrasco? É difícil compreender, como qualquer outra perversão, mas, sim, acontece.

Admiração/afinidade Não é que a admiração produza orgasmos, mas cria as condições para que ocorram. Quando vemos uma pessoa do sexo oposto com algum atributo que admiramos, a mente orienta nossa atenção imediatamente para ela; interessamo-nos e a observamos de um modo especial (inclusive relevamos alguns defeitos físicos). A admiração funciona como um avançado e moderno sistema de atração que substitui os primitivos estímulos visuais por outros mais sutis e elegantes. Se a admiração nos leva ao “amor passional”, o faz através de um bypass que cria a cultura e exalta a mente. Nunca vemos o eros chegar, por isso dizemos: “Está apaixonado” ou “Apaixonou-se”. Não percebemos como o sentimento vai evoluindo; simplesmente ocorre, chega de fora, essa é a sensação. Por outro lado, no caso da


essa é a sensação. Por outro lado, no caso da admiração/afinidade, podemos detectar o surgimento do processo afetivo, por isso dizemos: “Estou me apaixonando”. O gerúndio implica algum tipo de philia, um pouco mais do que o eros. Na admiração, o erótico é indireto. Por exemplo, se gostamos de música e estamos assistindo ao concerto de um pianista sublime, é muito pouco provável que nos excitemos sexualmente com a ambientação (a não ser que os instrumentos sejam nossos fetiches). Ao contrário, nos encanta a majestosidade da execução, aplaudimos o dom, erotizamos o intérprete e fazemos isso conscientemente. Não sei que substâncias são disparadas nesse caso, mas há um flerte virtual, uma fantasia sofisticada de altos voos que nos situa muito perto do eros; trata-se de um eros mais elaborado, mas eros, no fim das contas. Para as pessoas sensíveis, o virtuosismo é um afrodisíaco potente. Uma pessoa brilhante que, além disso, se destaque em alguma área do nosso interesse ganhará de forma automática pontos no quesito atração, inclusive se não for muito bonita. Isso não garantirá a aparição do eros, mas as suas probabilidades incrementam-se de maneira notável. Dadas certas condições, podemos chegar ao desejo ou ao enamoramento a partir da admiração ou da afinidade, caso não se transforme em tédio. Ter gostos parecidos e não ter de explicar a piada é, sem


dúvida, um começo interessante. Vejamos o caso de duas pessoas que compartilham a paixão por um hobby, um esporte ou uma profissão. Não haverá entre elas uma forma de condicionamento clássico no qual, de tanto associar a pessoa com a emoção postiça que a atividade nos causa, ela mesma se transforma em prazerosa? Se uma paixão nos une, não haverá um caráter transitivo, uma transmutação do desejo pelo outro a partir da coincidência? Isso explicaria por que muitos amantes são companheiros de trabalho ou têm vocações parecidas. Insisto: na atração por admiração falamos de um processo psicoafetivo que não vai diretamente ao coração, mas que passa antes pelo córtex cerebral; abre portas e janelas e se expõe de modo consciente para que a paixão faça das suas. A admiração seduz, ganha adeptos, gera curiosidade. Já não se trata de ícones primitivos, mas da qualidade humana; já não é a crista vermelha ou o rosto pintado que induz a aproximação, mas o símbolo e a metáfora. Ainda assim, devemos reconhecer que a admiração nem sempre alcança o umbral do desejo. Há vezes em que o físico não ajuda, e não devemos esquecer que o corpo, em sua sabedoria, também decide. Admiramos muitas pessoas que não desejamos sexualmente, e desejamos muitas outras que não admiramos. Lembro o caso de uma jovem muito atraente cujo


melhor amigo se apaixonou por ela. O problema é que a garota o considerava e admirava, mas não o via nem o sentia como homem. Vejamos um trecho de uma conversa que tive com ela: Terapeuta: Você diz que ele está apaixonado por você? Paciente: Sim, me disse que gostava de mim fazia tempo. Mas não sei... Terapeuta: Por que não dá uma oportunidade a ele? Você está disponível, terminou com o seu namorado há meses. Por que não? Paciente: Sim, eu gostaria, mas não o acho atraente. Terapeuta: Não faz o seu tipo? Paciente: Não, não faz. Terapeuta: E não poderia chegar a fazer? Paciente: É que nunca gostei de gordos. Eu o chamo carinhosamente de “Gordis”. Além disso, sou dez centímetros mais alta do que ele. Eu me sinto superficial ao dizer isso... Terapeuta: Você o admira? Paciente: Muito. Tem uma infinidade de qualidades. É bom, me faz rir, me cuida, é inteligente, gosto da família dele... Terapeuta: Você está descrevendo o namorado perfeito.


perfeito. Paciente: Eu sei, por isso me dá raiva. Não deveria privilegiar o físico. Mas o fato de que ele seja boa gente não é suficiente para que eu tenha vontade de beijá-lo. Terapeuta: Entendo. Você não deve fazer aquilo que não quer. Não tem por que se violentar. O amor é assim, nem sempre coincidimos. Paciente: Sim, é verdade. Não tenho a obrigação de amá-lo ou de gostar dele. Eu sei que amor não se impõe, você já me explicou isso. Mas de toda forma me sinto mal.

Com o tempo, a amizade não suportou tanta tensão, e cada um seguiu o seu caminho. Em que pesem as afinidades, o eros estava ausente. O organismo inclinava-se para o outro lado, faltava a magia do desejo, o clic que já vimos. Rousseau dizia que “acima da cabeça está o coração”, e Pascal afirmava que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”.62 De qualquer modo, a admiração e a amizade ensinam que o eros nem sempre chega como um turbilhão. Às vezes, o faz com ternura, como uma brisa suave, como um reconhecimento silencioso. Vejamos dois relatos que exemplificam isso. O primeiro foi escrito por um jovem estudante de música à sua namorada: “Quando a vi pela primeira vez, gostei de você na hora. Gostei do seu cheiro, do seu sorriso, da sua forma de


caminhar. Você era vaidosa e tinha um corpo espetacular. Eu me fixei em uma covinha e na forma reta dos seus ombros. Senti uma atração profunda, quase musical. E me apaixonei na mesma hora. Não houve agitação nem desespero, somente uma sensação de paz indescritível”. O segundo é parte de uma poesia, “Nascimento do amor”, do prêmio Nobel de literatura de 1977, Vicente Aleixandre63: Como nasceu o amor? Foi ainda no outono. Maduro o mundo, não te esperava já. Chegaste alegre, ligeiramente loira, resvalando na suavidade do tempo. E te olhei. Que bela me pareceste, sorridente, vívida frente à lua ainda criança, prematura na tarde, sem luz, graciosa em ares dourados; como tu, que chegavas sobre o azul, sem beijo, mas com dentes claros, com impaciente amor!

Em cada ciclo da vida, a paixão adota diferentes formas de expressão. Não obstante, além da indiscutível força que a define, há um fundo que permanece estático, inalterado no tempo, uma ordem que ainda está por ser decifrada.


Para não sofrer Você tem direito de sentir-se atraente, independentemente do que afirmem os especialistas em beleza Você sente que não é desejado como antes? Às vezes, mesmo que pareça desproporcional, não se sentir desejado pode ser tão doloroso como não se sentir amado. Não ser querido pela pessoa que amamos é uma catástrofe para a autoestima. Quando a paixão está em pleno furor, a atração é um fato incontestável, não importa que você seja feio ou feia, o eros fará com que se enxergue como o ser mais belo; o problema aparece quando, depois de um tempo, o eros deixa de cumprir a sua função embelezadora. Se a sua autoimagem é boa, você suportará a queda do eros. Não irá situar a beleza fora, mas no seu interior. Não desejará que os especialistas em beleza – que, entre outras coisas, não existem – definam o seu valor estético. Se você é mulher, uma vez mais, o impacto do corpo é maior. Proponho que você reflita sobre os seguintes pontos para que os integre à sua “base de dados” e gere um esquema de imunidade a respeito da sua


e gere um esquema de imunidade a respeito da sua imagem corporal e a possibilidade de seduzir o seu companheiro como melhor lhe convier. 1. Arrume-se para você, sem esquecer o seu companheiro ou a sua companheira Você pode ingressar na negligência sexual se o seu companheiro não o acha atraente. Se a crítica é que você não tem olhos verdes ou que não é alto o bastante, não há muito o que fazer além de se indignar e voltar a pensar qual é a justificativa para seguir com uma pessoa que não sente desejo por você. Lembre-se de que sempre haverá alguém que irá considerá-lo atraente. Neste momento, em algum lugar do mundo, existe alguém que estaria feliz em estar com você. Entretanto, na maioria das vezes é possível combinar os gostos, ao menos quanto ao fundamental. Não digo que seja fácil, mas sim que vale a pena tentar. Se você gosta de se vestir sempre informalmente, e o seu companheiro gosta mais de paletó e gravata, você pode variar de vez em quando, criar momentos para agradá-lo ou alternar. Não há sentido em defender o jeans como um princípio moral inegociável. Se o seu


um princípio moral inegociável. Se o seu companheiro gosta que você use saias curtas de vez em quando, por que não? Você poderia argumentar que a saia não lhe cai bem ou que prefere as calças compridas, mas, mesmo assim, não vale a pena revisar esse critério e deixar um pouco mais flexível o seu estilo pessoal? Arrume-se para você, mas não se esqueça de que a forma como fizer isso influenciará significativamente o eros do seu companheiro ou companheira. Ninguém duvida que o parceiro nos atraia mais quando se acomoda ao nosso fetiche, quando exalta os nossos sentidos, sejam quais forem. Não subestime a sua aparência. Não perca o prazer de se arrumar e de se gostar. Não fuja do espelho: é verdade que ele é indiscreto, mas ajuda. E se, em que pese a sua boa intenção, o seu companheiro a rechaçar, não se critique nem se autoflagele: existirá alguém com um gosto melhor. A beleza é uma atitude. Se você sente-se belo ou bela, já o é. 2. Exalte os seus encantos e faça uso da sedução Mostrar os seus encantos naturais não é um ato de


mau gosto, nem de exibicionismo barato. Chamase sensualidade, flerte; não é frivolidade, mas sedução. O eros responde às insinuações, não atua a frio nem guiado pela objetividade. Há pontos sensíveis que fogem a toda a lógica, e esses são os que você deve ativar. Mas, se você acredita que o amor “puro” não precisa de galanteios e persuasão, você vive fora da realidade. Uma das ideias mais ridículas que se generalizou em nossa cultura é que o amor erótico não requer nenhum outro ingrediente além do próprio sentimento, ou seja, se eu o amo, então necessariamente o desejo. Nada mais errôneo. Precisamente, o descuido pessoal (não me refiro à beleza, mas à sensualidade) faz que com os anos muitas pessoas deixem de desejar os companheiros, ainda que os amem. Afeto sem desejo, irmãos de alma. De onde você tirou que não deve seduzir o companheiro? Você viu a cara de felicidade do seu marido quando se insinua da forma como ele gosta? Lembra a expressão da sua mulher quando você decidiu ser romântico? O eros manda, mas é preciso ajudá-lo. Se você está sofrendo porque não se sente


desejada ou desejado, pense até que ponto é responsável por isso. Como você estimula a pessoa que você diz querer? Faz isso de fato, o simplesmente acredita que existe uma forma de inércia erótica que alimenta a si mesma? Por que você acha que os casais fazem amor com mais frequência quando voltam de uma festa? É simples: sentem-se melhor, cheiram melhor, estão mais bem-vestidos, há um toque sexy ligado ao cuidado pessoal. Às vezes nos surpreendemos quando em uma festa qualquer vemos a nossa companheira deslizar elegantemente entre as pessoas e pensamos: “Ela não está nada mal; se a visse hoje pela primeira vez, iria achá-la atraente e tentaria ter alguma coisa com ela”. Mas depois de um dia de trabalho, a questão muda. Não é que não exista amor; a philia e o ágape, de fato, podem estar presentes, mas o eros precisa às vezes de maquiagem, menos barba, frescor e descanso. Depende de você manter o eros em plena atividade. No entanto, se você é uma pessoa tímida, inibida ou um tanto moralista, a coisa se complica. Se você sentir-se ridícula fazendo a dança dos sete véus, eu entendo; mas, se essa sensação também estiver presente quando você


sensação também estiver presente quando você cruza as pernas ou caminha em frente de um grupo de homens que a olha, a questão pode requerer ajuda profissional. Uma paciente dizia que se sentia como uma prostituta quando tentava seduzir o marido porque no amor “verdadeiro” isso não tinha lugar. O homem a deixou por uma mulher feia e menos culta, mas com um atrativo especial para ele: era sexualmente picante e atrevida. Não esqueça que às vezes chegamos ao amor através do eros. Sentir-se atraente não é suficiente para produzir no parceiro uma comoção erótica. É preciso ter um pouco de personalidade sedutora, e acredito que todos a temos. Se você se jogar na arena, vai descobrir que é muito mais sexy do que pensa. No seu interior há um animal sexual disposto a pular e a soltar-se das rédeas dos preconceitos. Pode acontecer que o seu companheiro ou companheira se assuste, é verdade, mas isso não justifica que você se acomode ao discreto encanto de um sexo programado e sem imaginação. Cada casal deve fazer a sua própria revolução sexual e revisar os seus protocolos de sedução erótica de tempos em tempos. Você tem direito a


erótica de tempos em tempos. Você tem direito a uma vida sexual plena e saudável. Se não conseguiu, não fique lamentando o que poderia ter sido e não foi. Guarde o orgulho no bolso e tente conquistar a pessoa amada sem sentir humilhação. Procure os seus pontos fracos, explore as suas zonas erógenas, chegue ao seu ponto G, leve-a à loucura. Não há maus amantes, só maus estimuladores. 3. A beleza física não é imprescindível para o prazer sexual A beleza física pode ser um detonador do eros, mas tal como diz o ditado: na cama todos se parecem. Não suspire por uma supermodelo ou por um ator de novela. É provável que na vida privada eles não sejam muito diferentes de você, portanto, por pura estatística, a metade é mau amante. Humanize-os, retire-os do pedestal. Quase todo mundo alguma vez já viu as suas fantasias virarem cacos quando as levou a cabo. Se tão somente a beleza conta, o encanto perde-se na terceira ou na quarta relação sexual. O encaixe sexual é muito mais complexo do que o


gosto estético. Trata-se de compatibilidade anatômica, mais do que contemplativa. O cheiro, o suor, o tipo de pele, a forma de agarrar e soltar, o gosto dos beijos, algumas curvas que se transformam em fetiche sem nos darmos conta, o ritmo e a cadência ao caminhar, o que se diz e como se diz, o prelúdio e o epílogo, o hálito, a roupa interior e exterior, a força e a ternura. Enfim, tudo isso junto e ao mesmo tempo. A beleza? Sim, também influencia no eros, mas não tanto como você acredita. A forma como você move o corpo é talvez mais importante do que a própria forma do corpo. Você nunca se surpreendeu com o fato de que, às vezes, alguém que o atrai muito não coincide com o seu ideal de homem ou de mulher? A química não está somente nos traços ou num rosto bonito; há algo mais primitivo, muito mais vital que nos indica “quem” é, ainda que não saibamos como clareza “por que” é. Não nego que uma pessoa com um físico muito atraente possa gerar alvoroço ao seu redor; no entanto, acredito que os Adônis e as Vênus estejam distantes de nós, muito longe da média. Se você tem complexo a respeito do seu aspecto, olhe


você tem complexo a respeito do seu aspecto, olhe ao redor e verá que a maioria dos seres humanos está na média das pessoas comuns. Não fique rodeado de pessoas cuja única coisa que fazem é pensar no aspecto físico. Você é muito mais que pele e ossos, você é o conjunto vivo e harmonizado de uma infinidade de atributos que podem enlouquecer de prazer qualquer um, caso se propuser a isso.


A PATOLOGIA DO AMOR ERÓTICO Para os gregos, “apaixonar-se” era sinônimo de “enlouquecer”. O amante era o sujeito portador da paixão, e a amada ou o amado um objeto passivo que recebia esse amor. Apenas por observar o ser amado, o apaixonado debilitava-se e ficava paralisado e deslumbrado, como se o tivessem ferido com uma flecha envenenada. Não havia espaço para a razão: o eros infundia mania (loucura mística) e nósos (doença).64, 65 Na atualidade, os velhos encantos do delírio amoroso são tratados através da psicoterapia e da farmacologia. Já não se consideram os deuses como os responsáveis pela exaltação afetiva, mas sim as alterações bioquímicas e os traumas psicológicos.66, 67, 68 De fato, alguns pesquisadores associaram o enamoramento a um transtorno mental específico chamado hipomania69, 70, uma alteração cuja característica principal é a manifestação de um estado de euforia e otimismo exagerado. De forma similar ao que ocorre com o enamoramento, os que padecem dessa enfermidade são expansivos, promíscuos, exageradamente alegres, hiperativos e destemidos, o que os transforma em um alvo fácil para o eros. Ainda que não seja o mais frequente, em certas ocasiões a hipomania pode chegar a ser, enquanto durar, produtiva e


a hipomania pode chegar a ser, enquanto durar, produtiva e oportuna para quem dela padece. Lembro o caso de um paciente de sessenta anos que, quando estava sob os efeitos da hipomania, assumia grandes riscos e conseguia fechar os melhores negócios. Certa ocasião, contra a opinião da maioria, o homem comprou 10 mil cadeiras de praia e as vendeu pelo dobro do preço na semana seguinte. Depois de várias atividades comerciais de sucesso, os familiares me perguntaram se não era possível curá-lo “somente um pouquinho”. A história está repleta de artistas de sucesso e gênios que sofreram de doenças maníaco-depressivas altamente frutíferas. Talvez por uma questão de respeito a quem sofria, referiam-se a elas com termos mais positivos como “temperamento artístico” ou “inspiração criadora”.71 Retomando o assunto dos “amores loucos”, poderíamos dizer que em determinadas circunstâncias, quando a paixão se combina com certas predisposições aos transtornos mentais, o resultado pode ser uma verdadeira bomba-relógio e uma fonte inesgotável de sofrimento. Sílvia era uma mulher de 37 anos que não havia tido sorte nos assuntos do coração. Para falar a verdade, havia tido apenas duas experiências afetivas: uma na adolescência, que durou apenas umas poucas semanas, e outra na época da universidade, que não ultrapassou umas poucas relações sexuais. Não se sentia atraente e considerava que o amor não tinha lugar


Não se sentia atraente e considerava que o amor não tinha lugar na sua vida. Para tentar aumentar a pouca motivação que ela sentia, sugeri que frequentasse uma oficina de escritores e que tentasse recuperar uma antiga vocação que havia prevalecido na juventude. Para a minha surpresa, depois de pouco tempo frequentando as reuniões literárias, começou a sair com o diretor do grupo, um homem mais velho, muito respeitado no meio e apreciado pelas mulheres. Sílvia não podia acreditar que esse homem tivesse se interessado por ela, o que lhe causava uma mistura de felicidade e medo: “Parece inacreditável que eu esteja saindo com ele, me sinto com sorte, mas tenho medo de que ele se canse de mim”. A relação seguiu um curso mais ou menos normal até que tiveram o primeiro encontro sexual. O impacto foi tamanho que Sílvia acreditou que se tratava de um conto de fadas: começou a dormir mal, a manifestar ideias de grandeza, ficar hiperativa e com uma necessidade exagerada de sexo. Quanto mais relações tinha, mais agudos ficavam os sintomas. Finalmente, o seu estado evoluiu para um quadro maníaco, e ela não voltou para casa nem para o trabalho. A família a considerou desaparecida até que, uma semana depois, a encontraram em um balneário, vagando pelas ruas e pregando uma mensagem de bemaventurança que, segundo ela, os apóstolos haviam lhe entregado em pessoa. A descrição que Sílvia fazia dos seus encontros amorosos


beirava o misticismo: “Sinto uma luz que me ilumina quando ele me beija as pernas. A partir dos meus pés nasce uma força inusitada. Os seus pés e os meus pés, quando se unem, adquirem uma forma única e exclusiva. Ali é gerada uma energia extraordinária, eu me transformo em alguém especial; ele me transforma, sou o seu meio, o seu canal. Tudo começa nos pés, e dali se irradia até o seu rosto. Você vê (desenha): é assim, anguloso, profético. E os seus olhos são tão profundos que não preciso que ele fale, eu entendo tudo, eu sei tudo. Os seus beijos são lentos, intermináveis; eu desapareço nele e compreendo a vida. Tudo fica claro”. Depois de seis meses de tratamento psiquiátrico e psicológico, ela começou a retomar a sua vida. O amigo escritor saiu de cena discretamente e não quis mais saber dela. Sílvia ficou com uma mistura de repugnância e medo de se apaixonar. A sua resposta a qualquer insinuação de voltar a conhecer alguém era determinante: “Estou com asco do amor, prefiro ficar sozinha”. Estava decepcionada com o eros. Sílvia era portadora de uma vulnerabilidade genética, tal como mostraram os estudos, que se ativou frente a um acontecimento afetivo altamente significativo para ela. Em outras pessoas, o risco de sofrer por amor não depende tanto da biologia como de alguns esquemas psicológicos adquiridos durante a infância. Alguns deles são:


Perda ou abandono72, 73: “Preciso compensar o vazio afetivo da minha vida e ter o que nunca tive, quero me ressarcir”, “Não suporto a solidão”. Necessidade de aprovação e perfeccionismo74: “Preciso ser amado para me autoafirmar, e devo fazê-lo da melhor maneira possível”, “A opinião dos outros me deixa feliz ou me deprime”. Rechaço e dependência75: “Se eu fosse amado, saberia que sou valioso e me sentiria protegido”, “Preciso de alguém mais forte em que eu possa confiar”. Personalidade histriônica76: “Não posso viver sem amor e sem que me adulem”. A interação desses esquemas psicológicos com determinadas experiências afetivas pode gerar alterações na forma de processar o sentimento amoroso. Por razões de espaço, somente irei me referir a dois grupos de transtornos: as sequelas do eros (medo de sofrer, ancoragem emocional positiva e dependência ao amor passional) e os delírios do eros (como o ciúme mórbido, que tem a ver com o ciúme patológico, e a erotomania, que faz referência a amores imaginários).

As sequelas do eros


As sequelas do eros 1. Medo de sofrer ou o estilo repressivo de enfrentá-lo A paixão, devido à sua evidente irracionalidade, pode deixar sequelas de todo tipo. Uma das mais comuns é o medo de sofrer. Lembremos a atitude final assumida por Sílvia: “Não quero saber de nada, cansei do amor, não quero sofrer mais”. Às vezes, o custo do amor passional é tão grande que não justifica o prazer experimentado. Uma maneira bastante comum de se defender dos estragos do eros é colocar uma barreira de “dureza emocional”.77 Não significa que essas pessoas percam a capacidade de sentir, mas elas bloqueiam mentalmente o afeto antes que cresça e crie raízes: a mente diz não, mesmo que a fisiologia diga sim.78 Vejamos três exemplos típicos de cansaço afetivo: “Cansei de sofrer, é melhor ficar só do que atrás de um amor impossível”, dizia um homem que estava havia mais de três anos num “vai e vem” com uma amante que lhe prometia seguidamente que iria deixar o marido. “Chega, prefiro a depressão à ansiedade”, afirmava uma jovem de apenas quinze anos com três fracassos amorosos no currículo. Para alguns, a tristeza é menos dolorosa do que a incerteza. “Não sei o que acontece: quando me apaixono, ninguém


me corresponde; não quero mais ser a perdedora”, me dizia uma mulher separada que havia se apaixonado várias vezes sem nunca ter sido correspondida. Vejamos um caso complexo, no qual a paciente desenvolveu uma espécie de “amorfobia” que ainda permanece. Clara era uma mulher perfeitamente normal até que sofreu de uma paixão inoportuna, no lugar errado e com quem não devia: apaixonou-se pelo cunhado, irmão do seu marido, um homem recém-separado, muito inseguro e com tendências depressivas. Clara seguiu o padrão que costuma ser adotado por mulheres com um forte instinto maternal: sentem pena do homem e tentam ajudá-lo, depois tomam conta deles e, finalmente, acabam apaixonadas ao extremo. Para algumas mulheres, a fraqueza masculina funciona como um estranho estimulante que as leva a “adotá-los”. Durante seis meses, ela viveu numerosas emoções negativas e muito poucas alegrias. O cunhado sentia tanta culpa quanto ela e quis terminar o relacionamento em vários momentos, mas Clara, estimulada por um eros fora de controle, insistia que deviam seguir juntos a qualquer preço. A sua atitude era próxima ao desvario. Em uma consulta, contou os seus planos: “Eu me meti onde não devia, mas vou lutar pelo homem que amo. Eu sei que você me disse que uma relação assim não tem muito futuro. No entanto, não me darei por vencida. Se eu


me separar, podemos viver noutro lugar, montar um negócio, ou eu poderia voltar a estudar. Meus filhos já estão grandes. Levaria algumas coisas da casa. Tenho que falar com o meu marido, sei que ele vai entender”. Quando disse a ela que nesses casos é importante tentar ser o mais objetivo e realista possível, ela me sugeriu que na vida era preciso ser mais otimista e me deu uma série de conselhos de como conseguir isso. Um dia, quando Clara estava a ponto de tornar público o romance e de enfrentar todos, o cunhado comunicou a ela que iria voltar para a esposa. Ela entrou em pânico (a realidade bate com força quando estamos nas nuvens). Frente ao desespero de perdê-lo, ameaçou contar tudo para a família, inclusive chegou a ter gestos suicidas para tentar manipulá-lo, mas o homem já estava noutra e voltou para a esposa num final de semana. Devido a tudo isso, Clara desenvolveu um quadro depressivo severo e ainda continua em tratamento especializado. Não restaram lembranças positivas nem saudades do que foi aquele amor avassalador, somente uma profunda aversão primária. Tornou-se mais fria com os filhos, não acredita na amizade como antes, e o desejo pelo marido desapareceu sem deixar rastro. Está desenganada da vida e do amor, que considera uma espécie de demônio. Trata-se de decepção e repressão: a morte do eros. Em alguns casos, a negação emocional adquire contornos ainda mais dramáticos, e as pessoas configuram uma alexitimia


ainda mais dramáticos, e as pessoas configuram uma alexitimia reativa, que se caracteriza por um bloqueio generalizado de todas as emoções, tanto as positivas como as negativas (alexitimia significa incapacidade de ler e processar emoções). Essa inibição afetivo-emocional pode perturbar a saúde física de uma forma significativa.79, 80 2. Ancoragem emocional positiva e a dependência ao amor passional Se a pessoa que amamos dissesse: “Você é tudo para mim”, “Minha vida não tem sentido sem você” ou “Nunca deixe de me amar”, teríamos duas opções de resposta: a tradicional e a pósmoderna. Na versão tradicional, nos sentiríamos felizes porque asseguraríamos a relação, mesmo que seja patológica. É o ideal de qualquer apaixonado inseguro ou com baixa autoestima: “Minha companheira sofre de um apego crônico a mim”. “Não me incomoda em nada, ao contrário, me dá tranquilidade.” Na alternativa pós-moderna, a notícia não seria boa: “Tenho uma pessoa do meu lado que limitará a minha ação, que estará atenta a cada um de meus gestos e que se sentirá afetada por qualquer coisa que eu disser ou fizer”. A defesa natural frente à perda de autonomia seria: “Te amo, mas só até onde chegar a minha saúde mental e física”. Em outras palavras: amar sem se suicidar nessa tentativa.


sem se suicidar nessa tentativa. Como é evidente, a maioria segue o primeiro modelo. A cultura ocidental estabeleceu uma associação irracional entre o amor e a dor, de tal forma que, se não sofremos por amor, então não estamos apaixonados. É a ideia platônica da paixão como ausência, como medo ou falta de plenitude.81 O apego amoroso é como qualquer outro vício (jogo patológico, drogas, álcool).82 O indivíduo dependente de afeto apresenta as seguintes características: adesão exagerada ao companheiro, síndrome de abstinência nos momentos em que a pessoa amada não está disponível, tentativas infrutíferas e pouco contundentes de terminar a relação, investimento desproporcional de tempo e de esforço para se manter perto do companheiro e uma clara redução e alteração do seu desenvolvimento social e no trabalho.83, 84 Um encontro azarado com o eros pode deixar, pelo menos, duas sequelas básicas de dependência (ambas relacionadas com o passado): ancoragem emocional positiva e dependência ao amor romântico. A ancoragem emocional positiva é uma forma de imobilidade mental que leva a pessoa a uma fixação pelas primeiras etapas do enamoramento. Trata-se de uma esperança mal concebida que se sustenta de forma ilógica na crença de que, se no começo da relação tudo foi cor-de-rosa, isso deve voltar a acontecer mesmo que a relação tenha decaído


substancialmente. Ou seja, às vezes, ficamos presos aos bons momentos, criamos uma imagem radiante e glorificada do que foi o começo do enamoramento e queremos repeti-lo. Um dos meus pacientes negava-se a aceitar que a namorada não o amava como antes. Reproduzo parte de uma conversa que tive com ele: Terapeuta: Você diz que ela já não é a mesma, que a sedução acabou, que não é mais carinhosa e inclusive às vezes não o trata bem, então por que você segue com ela? Paciente: Eu sei que ela me ama, mesmo que não mais demonstre da mesma forma. Terapeuta: Na verdade, ela demonstra justamente o contrário. Sair com outro homem e beijá-lo embaixo do seu nariz não me parece “uma mudança na forma de amar você”. Paciente: Ela me pediu desculpas depois... Terapeuta: Difícil de processar, não é mesmo? Você não está cansado de sofrer e de esperar que ela reconsidere? Paciente: Sim, sim... Mas o que vivemos foi tão maravilhoso, ela foi tão especial comigo. Terapeuta: Isso foi há oito meses, eram outras condições, você estava na euforia do encontro inicial. Os começos são sempre encantadores. O


inicial. Os começos são sempre encantadores. O importante é ver o que fica quando o eros se acalma. Paciente: É que ainda a amo! Terapeuta: Pergunte-se quem você quer de verdade: a mulher que você está descrevendo agora ou aquela que conheceu há alguns meses? Essa mulher de hoje não é a mesma que você guarda na memória. Ela mudou, ao menos já não sente a mesma coisa por você. Paciente: Quer dizer que estou apaixonado por uma ilusão? Terapeuta: O seu sentimento tem um componente de realidade evidente, ela não é totalmente uma invenção sua. Mas acredito que você esteja apaixonado por uma lembrança, amarrado a um passado feliz. Além disso, tem a esperança de que esse ser maravilhoso apareça outra vez na sua vida. Quando passou a tempestade da paixão e a novidade, você ficou com um remanescente afetivo, e ela não... Paciente: E como você sabe que ela não vai voltar a ser a mesma? Terapeuta: Não sei. O que me interessa saber é até quando você vai esperar, qual é o seu limite e a sua resistência psicológica. Lembre que isso pode fazê-lo adoecer seriamente. Quando você


está com ela, o corpo, o cheiro, a voz ou o olhar dela ativam a sua memória e a imagem que você tanto anseia. Isso o impede de esquecê-la ou de se afastar definitivamente. Insisto: essa mulher não é a que você ama; você ama outra, a que não existe mais.

O homem demorou quase dois anos para se conformar com a perda. A mulher inclusive chegou a maltratá-lo fisicamente para que ele desgrudasse dela e, mesmo assim, ele só via a namorada doce e amorosa dos primeiros dias. É preciso aprender a perder, sobretudo no amor. É preferível sair a tempo quando as opções são poucas, renunciar para evitar um sofrimento pior mais adiante. Um segundo tipo de apego é a dependência ao amor passional: são os chamados “apaixonados pelo amor passional” ou, de um ponto de vista mais bioquímico e cru, os viciados na sensação produzida pela feniletinamina. Se tudo sai bem com o eros, queremos repetir; como no caso de um viciado em crack ou em qualquer outra substância, o organismo procura persistir na fascinação. E é compreensível: ser tocado pelo eros é como ter visitado o céu, e a mente não deixa passar nenhum prazer intenso sem tentar retê-lo. Um “apaixonado pelo amor passional” é um viciado socialmente aceito que tenta reincidir passando de uma conquista a outra. Platão descreve assim (veja a nota 5):


a nota 5): Eis aqui, jovem querido, as verdades sobre as quais deve meditar sem cessar, sem esquecer jamais que a ternura de um amante não é uma afeição benévola, mas um apetite grosseiro que quer ser saciado. “Como o lobo ama o cordeiro, o amante ama o amado.” (pág. 506)

Não se deve confundir a dependência do amor com o medo da solidão ou com a necessidade de procurar companhia. A pessoa solitária sofre de retração, incomunicação ou exclusão afetiva, sendo que encontrar alguém é uma maneira de aliviar a angústia. Em troca, para os viciados em amor passional, o importante não é o suporte emocional, o sossego de ter um companheiro, mas a sensação, o gozo, a emoção. O viciado em paixão não procura companhia ou tranquilidade, mas sim exaltar os sentidos. Uma paciente de 22 anos tinha um verdadeiro recorde de aventuras. A sua maneira de agir era coerente com a filosofia do descartável, ainda que ela não fosse muito consciente disso. Não procurava namorados, mas sim se apaixonar da mesma forma como havia feito na sua adolescência. Como sabia que o eros aparecia em seguida, se em poucos encontros com alguém ela não sentia o que esperava sentir, o deixava de lado. Nem é preciso dizer que a sua vida “amorosa” tinha começado a transitar pelos incômodos e perigosos caminhos da


transitar pelos incômodos e perigosos caminhos da promiscuidade. As pessoas costumam pensar que, quanto mais gente conhecerem, maiores as possibilidades de que a paixão se concretize. No entanto, a minha experiência é contrária a essa afirmação do senso comum. Na maioria das vezes, o eros surge quando menos esperamos; é como se a ansiedade de tê-lo o afastasse de nós. Lembro-me de uma frase de Tagore que define bem o que quero dizer: “O amor é como as borboletas: se você tenta alcançá-las desesperadamente, se afastam, mas se ficar quieto elas pousam em você”.

Os delírios do eros 1. O delírio celotípico ou o ciúme patológico A característica possessiva do eros faz com que muitos apaixonados comecem a desconfiar e a exercer um controle excessivo sobre o parceiro. Uma mulher recém-casada com um homem obsessivo e ciumento me dizia angustiada: “Ele não me deixa fazer nada, tenho que pedir desculpas a todo o momento. Tem ciúmes dos seus amigos, dos vizinhos, cheira a minha roupa íntima. E agora quer que eu coma muito. Quer que eu engorde para que pareça mais feia, porque diz que assim chamo muita atenção!”. O ciúme é um estado emocional negativo que surge quando alguém percebe que a sua relação amorosa está


quando alguém percebe que a sua relação amorosa está ameaçada por uma terceira pessoa, seja ela real ou imaginária.85 As reações afetivas manifestadas englobam um amplo espectro: desconfiança, hostilidade, rechaço, ansiedade, dor, depressão e, claro, a diminuição da autoestima.86, 87 Ainda que existam algumas diferenças culturais na forma de sentir e expressar o ciúme, as reações fundamentais são bastante parecidas em todos os lugares. A forma de agir e de pensar das pessoas ciumentas da Hungria, do México, da Holanda, dos Estados Unidos e da antiga Iugoslávia é praticamente idêntica.88 Por outro lado, os homens e as mulheres sofrem de ciúmes por razões diferentes: os homens se preocupam mais com a infidelidade sexual, enquanto as mulheres o fazem mais pela infidelidade emocional.89 Quando o ciúme é totalmente infundado e imaginário, dizemos que é delirante.90 O Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (DSM IV-TR) faz a seguinte definição: Esta crença aparece sem nenhum motivo e baseia-se em crenças errôneas apoiadas em pequenas “provas” (por exemplo, roupa desalinhada ou manchas nos lençóis) que são guardadas e usadas para justificar a ideia delirante. O sujeito com essa ideia delirante costuma discutir com o cônjuge ou amante, e tenta intervir na infidelidade imaginada. (pág. 365)


Alguns pensam que um pouco de ciúme ajuda a manter a relação. Minha opinião é que ocorre o contrário. Se tiver que assustar o meu cônjuge para que reaja, significa que algo vai mal. Há formas mais racionais e civilizadas de lembrar o outro que seguimos ali. Uma coisa é a pessoa que está ao seu lado ser atraente e admirada pelos outros (não é culpa de ninguém e até pode ser agradável que a elogiem) e outra muito diferente é que se exiba descaradamente para fazer com que você “sofra um pouco” e assim “descubra” como ela é valiosa. É a perda antecipada como fator motivacional: “Amo você muito mais quando penso que vou perdê-la”. Além de ser indigno para ambos, o método é bastante primitivo. O ciúme é uma faca de dois gumes que é melhor não usar. 2. O delírio erotomaníaco ou imaginar amores que não existem Certa vez, uma psicóloga amiga encaminhou um paciente para mim porque o sujeito havia desenvolvido uma ideia delirante sobre ela. O homem pensava que a terapeuta havia se apaixonado por ele. A presunção baseava-se no fato de a médica haver reduzido o preço das sessões e, segundo ele, o admirar de maneira especial. Não é preciso dizer que ela era uma mulher feliz no casamento, recatada, séria e profissional. Numa consulta, o paciente em questão escutou ela combinar com o marido quem iria buscar as filhas na escola e acreditou detectar nessa conversa um indício claro de que o


acreditou detectar nessa conversa um indício claro de que o casamento da sua psicóloga era quase um desastre. Chegou à conclusão de que ela era vítima de um marido cruel e que devia salvá-la. Começou a telefonar para a casa dela, a tentar ficar amigo da secretária para obter informação confidencial e a escrever poesias de amor, primeiro com pseudônimo e depois assinando o próprio nome. Um dia a esperou na porta de casa e lhe contou a ideia de salvá-la do marido. Ela conseguiu convencê-lo de desistir do seu propósito e agarrou seu braço para afastá-lo. Isso aprofundou ainda mais os sintomas porque o homem interpretou o contato físico como uma carícia encoberta, uma mensagem que significava: “Ainda não, espere um pouco mais”. A sua percepção da realidade estava totalmente alterada. Numa consulta, resumiu assim o seu sentimento: “Não pense que estou inventando isso, eu sei quando uma mulher está me seduzindo. Por exemplo: ela me atende de saia curta e, além disso, seus olhos brilham quando me vê, eu percebo. Depois da briga que teve com o marido pelo telefone, ela mudou de lugar o porta-retratos onde aparecia junto dele e o colocou de frente para a parede. Não acha estranho? Vou ajudá-la a deixar desse homem e, depois, quem sabe até poderíamos ficar juntos”. No transtorno erotomaníaco, a ideia delirante costuma referir-se a um amor romântico idealizado. O Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais o define da


diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais o define da seguinte forma: Em geral, a pessoa sobre quem recai o sentimento de amor ocupa um status mais elevado (por exemplo, uma pessoa famosa ou um superior no trabalho), mas também pode ser um completo estranho. (pág. 365)

Uma jovem com problemas de obesidade foi a um show de um conhecido cantor; jurava que o artista a olhava e piscava para ela a quase cem metros de distância e rodeado de mais de 5 mil fãs. A partir desse dia, começou uma perseguição implacável ao ídolo por meio de cartas e telefonemas; inclusive disse estar grávida dele. Somente conseguiu controlar o problema quando pediu ajuda profissional. Às vezes penso que o amor funciona por acumulação: a necessidade de amar pode ser tão grande no ser humano que vamos criando vontades, amontoando impulsos e nos carregando de energia afetiva, até que um dia não aguentamos mais e explodimos com o primeiro que passa. Em Amor, divina loucura, um romance que escrevi com a intenção de resgatar o conceito grego de amor, Eros diz o seguinte: – O amor não vem da razão, doutor – disse Eros. – Primeiro nos apaixonamos e depois perguntamos quem é ele ou ela. Vou explicar melhor. Ninguém pode viver sem amor, porque ele é a força que garante a união de todo o cosmos. Se não amássemos,


força que garante a união de todo o cosmos. Se não amássemos, nós nos desintegraríamos e não poderíamos pertencer a este todo orgânico que chamamos de vida; então vem o nome de “alma penada”, um corpúsculo de vida solitário sem poder se realizar nos demais. Mas, de toda forma, mesmo que nos neguemos a amar, o amor vai se acumulando no ventrículo direito do coração (esse é o lugar onde ele se armazena quando não queremos utilizálo). Podemos reprimi-lo, escondê-lo, mas não eliminá-lo. Esse potencial não desaparece, está aí, pronto para se desenvolver. E o que ocorre quando o guardamos por muito tempo sem processálo, sublimá-lo ou transferi-lo? Se sair do seu leito, transborda; e, quando isso ocorre, não temos mais remédio que entregá-lo ao primeiro que passar. Tome! Entrego a você este acúmulo de afeto porque já não sei o que fazer com ele! Eu me apaixono por você! E aí ficamos, presos. Essa é a razão pela qual às vezes nos apaixonamos por quem não devemos.

Mania ou entusiasmo? Talvez exista uma maneira mais benévola de tratar os apaixonados passionais, como falar de entusiasmo e não de mania ou hipomania, o que não significa que devamos ignorar a patologia que muitas vezes acompanha o eros. O dicionário define “entusiasmo” como “exaltação do espírito frente a algum fato, espetáculo ou situação”; e numa segunda acepção como “adesão fervorosa”. Assim, se alguém resolvesse fazer uma declaração de amor nestes termos,


resolvesse fazer uma declaração de amor nestes termos, provocaria mais risadas do que êxtase: “Quando vejo você, se produz em mim uma exaltação do espírito” ou “Sinto por você uma adesão fervorosa”. Concordamos que nem toda paixão implica hipomania, ainda que seja algo parecido. Podemos falar da paixão pela culinária, pela arte, pelo futebol; de paixões que não necessariamente impliquem doença. No entanto, o contrário sim é certo: não há hipomania sem paixão. Prosseguindo com as definições, a palavra “paixão” tem dois significados: “apetite ou aflição veemente por algo” e “ato de padecer qualquer perturbação ou afeto desordenado de ânimo”. Entende-se a paixão como prazer e dor conjugados. Uma declaração de amor que se ajustasse estritamente à definição de paixão assinalada geraria um verdadeiro caos afetivo no receptor: “Meu amor, sinto por você uma perturbação ou um afeto desordenado que me faz sofrer”. Adeus idílio. Mas há uma descrição semântica de “entusiasmo” da qual gosto. Refere-se à origem grega da palavra, cuja tradução é em theós thimós, e quer dizer: “Ter ou sentir a força de Deus no peito”. E aqui as coisas mudam, a hipomania torna-se mais benigna, e a declaração de amor adquire contornos poéticos: “Quando vejo você, sinto a força de Deus no peito”. Trata-se do ímpeto vital (elã criador) do qual fala Bérgson e que dá sentido à existência: somos “energia lançada através da


matéria”.91 A premissa do amor então seria: “Amar você é sentir a força de Deus no peito”. Onde mais se pode sentir o amor senão perto do coração? Não falo do sexo puro, que é sentido em outra parte, falo do amor passional que, transformado em erotismo, expande-se para cima. Como amar de verdade sem às vezes sentir as pernas bambas e um arrepio? Como fazer isso sem se deixar levar docemente pelo instinto? O entusiasmo é o eros saudável que mantém você em brasa e a todo vapor.

Para não sofrer Escolher bem com quem O primeiro passo para não sofrer, talvez o mais relevante, é escolher bem ou, ao menos, refletir um pouco antes de se envolver; se dar um tempo para que possa avaliar os prós e os contras, um tempo para pensar sobre o futuro, ainda que seja a curto prazo, durante uns dias ou horas. Trata-se de um ensaio virtual que os apaixonados não costumam fazer. Você dirá que o eros não dá tempo, mas, se estiver vigilante, pode vê-lo chegar como um calor, uma sensação de estranheza ou certa inquietude na presença de alguém.


presença de alguém. Se você se deu mal algumas vezes, o mais inteligente é revisar por que isso aconteceu, sentar com a cabeça fria e avaliar as coisas. É absurdo negar o amor por medo de sofrer. Você é tão covarde assim? Uma vez, havia um gato que se sentou sobre o fogo e queimou o rabo. A partir desse dia, decidiu ficar a vida inteira em pé. O que faltou ao gato? Capacidade de discriminação, a chave de todo aprendizado: onde e quando. Insisto, enfrentar o medo não significa fechar os olhos e atirar-se no abismo, mas abri-los bem, elaborar estratégias dirigidas ao problema, pensar. De agora em diante, você não deixará que seja exclusivamente a emoção a tomar a decisão. Isso não implica aniquilá-la, mas mudá-la. Reprimi-la seria como querer curar uma dor de cabeça decepando a cabeça do paciente. De toda forma, tenho uma pergunta sobre a qual gostaria que você meditasse: se soubesse que somente depois de dez fracassos consecutivos a pessoa ideal estaria esperando por você, se esse fosse o requisito imposto por algum deus maldoso, você renunciaria à felicidade de conhecer essa pessoa? Não passaria pelos dez obstáculos?


passaria pelos dez obstáculos? Desiludir-se com o amor é desiludir-se com a vida. Você não pode viver no desamor sem adoecer, ninguém pode. Enfrente a relação seguinte com valentia. Junte o coração com a prudência para estabelecer uma aliança estratégica que lhe permita se mover no meio-termo. Faça também uma avaliação consciente. Se você não tem claro o que deu errado no passado, seguirá andando à toa. Você deve escolher com quem vai ficar, seja para casar (nesse caso é óbvio) ou para ter uma aventura; deve ter claro quem o merece e quem não. Não se ofereça de presente, não deixe que a solidão decida por você. Ajuste a pontaria: esse é o segredo. Não confunda o passado com o presente Não é fácil que o eros se repita com a mesma intensidade ou que se mantenha com a uma força igual. Mesmo assim, há pessoas que, sob a influência de um romantismo a toda prova, param nos momentos excepcionais do início, na euforia original, no assombro gerado pelo amor em suas primeiras etapas. Quer repetir? Difícil. Ficar


ancorado no que foi o impede de ver o que é, o que você tem. Conheço gente que não desfruta do presente porque este não é parecido com o passado. As relações mudam: algumas evoluem, outras regridem; umas crescem, outras se acabam. Mas cada época tem o seu encanto ou a sua dor. Você está apaixonada ou apaixonado pelo amor? O que você quer é repetir a sensação? O que você fará com todo o restante que configura o vínculo afetivo? A relação é muito mais do que emoção. O sentimento é imprescindível, mas os demais componentes também o são. Por que você reduz a experiência afetiva a mera emoção? Você pode argumentar que no início o seu companheiro era mais amável, mais terno e menos egoísta. Se for verdade, você tem razão de reclamar, mas de nada serve a nostalgia. Pensar no que poderia ter sido e não foi? Isso é perda de tempo, uma forma de autocastigo. É provocar sofrimento a si mesmo. E se, em vez de se lamentar, você agir? O amor é construído dia a dia, é convivência sentida e em movimento; você não pode deter o tempo para “sentir o que sentia”. Se você é dessas pessoas que geram dependência ao


você é dessas pessoas que geram dependência ao sentimento, deve fortalecer-se, pedir ajuda, ficar calejada. Para não sofrer, deve concentrar-se no aqui e agora, não há outra opção. Se não fizer isso, confundirá a ilusão com a realidade, e isso sim é grave. Mais uma vez, Tagore: “Se choras pelo sol, as lágrimas não o deixarão ver as estrelas”. E se não houvesse estrelas, tampouco se justificaria rememorar um sol morto. Isso é o que você tem: é pegar, largar ou mudar. Caso haja doença, você precisa de terapia urgente Como você pôde deduzir da leitura do capítulo anterior, o eros pode degenerar-se em patologia. Não tenho muito que dizer sobre esse ponto: se o ciúme entranhou-se em você ou no seu parceiro, ou algum outro delírio está rondando, peça ajuda profissional. De acordo com a minha experiência, o ciúme é uma doença perigosa não só porque atenta contra a segurança pessoal, mas também porque cresce a uma velocidade espantosa. Entusiasme-se, mas não enlouqueça Entusiasmar-se

e

enlouquecer

são

coisas


Entusiasmar-se e enlouquecer são coisas diferentes. O entusiasmo não o afasta da realidade, mas o aproxima da vida com paixão. O amor doentio distorce a realidade e, em geral, machuca quem dele padece. Com o entusiasmo, você cresce como pessoa e se realiza; com a loucura (hipomania), você nega a si mesmo. Sinta o amor com todas as suas forças, viva-o intensamente, apaixone-se, mas sem se destruir. A paixão saudável não implica perda de consciência, ao contrário, a paixão maníaca é sinônimo de inconsciência, de descuido, de aturdimento. Leia o trecho “Mania ou entusiasmo?” várias vezes. Ainda que seja curto, o colocará em contato com a paixão. Escreva em que você se excede, separe as condutas torpes das inteligentes, fique com os comportamentos que permitam desenvolver o seu potencial, elimine aqueles que o idiotizam. Separe a hipomania do entusiasmo, paixão sadia de paixão doentia. A pergunta é clara: no que você erra? Lembre: conter o eros não significa aplacar a sua energia natural, mas saber utilizá-la. Se você é correspondido, e se a pessoa amada não traz riscos para você e, além disso, o merece,


não traz riscos para você e, além disso, o merece, coloque o pé no acelerador, deixe que o desejo o possua, atice a chama, permita que Deus se recrie em seu peito; deixe que o eros faça das suas e o sacuda dos pés à cabeça, que ninguém tire você da dança: a vida é uma festa, e você é o seu principal convidado. Mas se tem uma dúvida, uma só, por pequena que seja, puxe o freio de emergência. Se você sente que não o merecem, que o seu pretendente não merece confiança, que não ama e deseja o suficiente, ou se você intui que quer usá-lo e, obviamente, você não é paranoico, puxe o freio, não prossiga. Para quê? O risco se justifica? Melhor: coloque o eros de molho. E se mesmo com todos esses fatores contrários você insistir e persistir, já não se trata de entusiasmo, mas de estupidez crônica. “Ame e faça o que quiser”, menos enlouquecer, menos sofrer de forma desnecessária.


SEGUNDA PARTE

PHILIA Da mania à simpatia

O amor trabalha, é incansável. Milan Kundera Eu a amo: fico feliz por você existir. Comte-Sponville


A tendência é inevitável, o eros decai com o passar do tempo.1 Não se apaga necessariamente de forma definitiva, mas cedo ou tarde a energia do eros decai. Alguns sustentam que é entre os três ou quatro primeiros anos de convivência que se dá a maior queda2; e outros, mais românticos e veementes (geralmente mais mulheres do que homens), afirmam com ênfase que o amor apaixonado pode ir muito além do que aponta a estatística.3 Gostemos ou não, a realidade impõe-se, e o ímpeto do eros, pela mão da natureza e ajudado pelo costume, aplaca-se. Parece que o final do enamoramento também tem uma base fisiológica. Provavelmente devido ao fato de que nenhum cérebro suporta tanta euforia, o organismo encarrega-se de proteger-nos do infarto amoroso através de certos componentes químicos niveladores. Os três mais importantes são: a) a vasopressina, que se ativa principalmente nos homens depois da ejaculação e os deixa mais responsáveis com a prole e também com a mulher4; b) a oxitocina, que se evidencia mais nas mulheres e estimula o vínculo e o apego aos filhos e ao parceiro5, 6; e c) as endorfinas, que funcionam como um opiáceo, similar à morfina, que serena a mente e diminui a ansiedade.7 Mas o hormônio que mais se opõe à doçura e à expressão de afeto é, sem dúvida, a testosterona, sobretudo nos homens. A evidência é concludente: quanto mais testosterona se


tenha, menor a probabilidade de viver a dois e maior a violência intrafamiliar.8 A oposição carinho/testosterona fica evidente na seguinte descoberta: depois do nascimento dos filhos, os pais tendem a baixar os seus níveis de testosterona para poder desempenhar melhor o papel paternal9, uma forma primitiva de responsabilidade pós-parto. Portanto, o carinho, o afeto sossegado, a amizade ou a philia possuem o seu próprio coquetel bioquímico: altos níveis de vasopressina, oxitocina e endorfinas, e pouca testosterona. O hipotálamo sintetiza a forma primária de apego e ternura: a paz depois da guerra, a proximidade afetiva que se recria no silêncio obrigatório que chega como um presente. Uma mulher, depois de ter completado seis anos de casamento, dizia: “Obviamente não é a mesma coisa, não existe mais aquele desespero, aquela angústia de tê-lo sempre a meu lado. No começo, eu era ciumenta, mas com os anos me tranquilizei. Somos bons amigos e nos confidenciamos coisas. Inclusive, quando fazemos amor, fazemos como dois bons amigos, de forma amável. Mas não me interprete mal, como dois bons amigos ardentes. A questão é de mão dupla, de dar e receber. Meu marido não é um estorvo para mim, eu o desejo, mas com calma, sem dependência. A vontade não manda em mim como antes, eu mando nela. Acho que alcancei a combinação que o senhor me sugeriu certa ocasião: tranquilidade e desejo. Será que o eros somente se aplaca até


tranquilidade e desejo. Será que o eros somente se aplaca até onde permitimos?”. Tranquilidade e desejo, juntos e misturados: a base de toda boa relação. Mas é possível conquistar uma relação equilibrada e realista como a relatada pela minha paciente, ou somente se trata de um caso especial e isolado? A minha opinião é que é possível, se aceitarmos que o eros não será sempre o mesmo. Em outras palavras: dadas certas condições, que demonstrarei mais adiante, podemos conseguir com que a paixão se mantenha num meio-termo interessante. A tabela a seguir resume algumas diferenças entre o eros (paixão/prazer) e a philia (amizade/alegria) reunidas por psicólogos, filósofos e escritores. Eros | Philia amor/paixão | amor/ação amor/carência | amor/alegria amor louco | amor racional amor unilateral | amor intersubjetivo egocêntrico | descentralizado paixão | amor voluptuoso | benevolente redução | expansão exaltação | paz desejo/carência | desejo/potência


desejo/carência | desejo/potência fácil | difícil adrenalina | oxitocina mais incontrolável | mais controlável bioquímico/emocional | cognitivo/racional não se escolhe | escolhe-se decai | aprofunda-se involuntário | voluntário Essas diferenças não devem ser vistas como uma desvalorização do eros, mas como um complemento indispensável da philia de casal. Isso não evita que, às vezes, o eros transforme-se em um problema quando se mistura com a philia. Por exemplo, se começarmos a desejar a nossa melhor amiga, a amizade, querendo ou não, entra em curto-circuito. A introdução do eros produziria pelo menos duas possibilidades: a) a amizade acaba; ou b) transforma-se em algo novo que pode ou não terminar num amor maduro e estável. De toda maneira, numa relação de casal completa e bem constituída, a philia deve estar impregnada de eros e, se possível, bastante dele.


A PHILIA E O AMOR CORTÊS: BREVE RETOMADA HISTÓRICA

O significado da palavra philia relaciona-se com o léxico que os gregos utilizavam para referirem-se ao amor carinhoso, aos afetos no interior das famílias, entre amigos ou, inclusive, às relações conjugais. Depois da conquista erótica, numa fase posterior, o amante podia desenvolver um sentimento de apreço pela pessoa amada. Para os gregos daquela época, a philia era derivada, ou uma consequência quase inevitável, do eros. Havia um momento em que o amante se transformava em amigo, e a mania, em simpatia (philotes).10 Pode-se dizer que a história do amor, em termos de eros, philia e ágape, evoluiu num sentido similar a como se desenvolve em nós à medida que crescemos: primeiro ocorre o egocentrismo individualista do eros; depois o reconhecimento do outro como um interlocutor válido, as primeiras manifestações da philia. Os historiadores coincidem em afirmar que o primeiro esboço desta descentralização afetiva, ou seja, da inclusão do amado como sujeito que pensa e sente, aparece em Roma e em Alexandria.11


Essas grandes cidades, abertas ao mundo, receberam uma influência importante de outras culturas que as levou a reestruturar muitos de seus costumes e crenças. Uma dessas mudanças teve a ver com as reivindicações femininas lideradas pelas patrícias e cortesãs. Enquanto os romanos se dedicavam a ganhar guerras, as romanas ganhavam a sua própria liberdade. Tudo começou no ano de 195 a.C., quando um grupo considerável de mulheres declarou uma greve de maternidade: não teriam mais filhos até que se revogasse uma lei que as proibia de usar roupas coloridas, usar prata e de se afastar mais de mil passos da cidade.12 Vale a pena assinalar que os “donos” legais das mulheres eram os pais consanguíneos e não os maridos, o que por um lado dava às esposas certa independência econômica em relação ao cônjuge e, por outro, a segurança de um protetor por toda a vida. Em Roma e em Alexandria, começa então a ser criada uma visão menos funesta e determinista do amor. Há mais liberdade de escolha e equidade entre as partes.13 Foi no século XII na França, mais especificamente na Provença, que os poetas inventaram o amor cortês, a cortesia, o amor amável e refinado. A origem dos trovadores e da poesia cortesã14, 15 são atribuídas a Guilherme IX, duque de Aquitânia (1071- 1127), um poeta provençal que havia participado das cruzadas. Durante a Idade Média, ocorreu o passo definitivo para a instauração de um amor romântico


passo definitivo para a instauração de um amor romântico medido, imaginado e fantasiado, mais orientado à philia, à admiração da amada do que ao desejo sexual puro: para o amor, eram necessários dois, e um deles era a mulher. Um momento fundamental foram as cruzadas, já que não apenas questionaram numerosos paradigmas culturais, religiosos e sociais16, 17, mas também influenciaram na concepção machista que se tinha do amor. Devido à ausência do senhor feudal ou da sua morte na Terra Santa, os cavaleiros tiveram de servir de forma parecida a como os vassalos faziam com os seus senhores e amos e com as damas que permaneciam no palácio, assim como as viúvas herdeiras. A nova linguagem incluía epítetos como “minha senhora”, “minha nobre dama”, “sou vosso humilde servo”, “vosso desejo é uma ordem”, enfim, o reconhecimento linguístico e sentido de uma condição especial até então desconhecida.18 Por outro lado, o contato com a cultura árabe, uma sociedade que respeitava muito mais o feminino, gerou uma transformação da percepção que os homens tinham das mulheres; por exemplo, foi descoberto que em Bizâncio existia o culto à Virgem Maria e que os emires se declaravam servos e escravos das suas amadas. Consequentemente, uma nova elite feminina emergiu rapidamente na Europa. Depois de quase três séculos de submissão, a nobreza feminina dominava os valentes cavaleiros de brilhantes e impenetráveis armaduras, para quem o


cavaleiros de brilhantes e impenetráveis armaduras, para quem o “amor cortês” havia se transformado numa forma de purificação e distinção. O século XII, tal como diz Lipovetsky19, foi o começo de um canto de amor que nunca deixou de ser celebrado: Jamais uma criação poética conseguiu transformar de forma profunda a sensibilidade, os modos e as relações entre homens e mulheres como a invenção ocidental do amor. (pág. 15)

No entanto, o amor cortês, salvo algumas exceções, nunca foi assimilado ao “amor conjugal”. Devido ao fato de que a legitimidade dos herdeiros era quase uma obsessão para as famílias abastadas, o amor somente era tolerado pelas instituições contanto que fosse infecundo. Conforme explica o historiador Jean-Louis Flandrin20, nos séculos XVI e XVII as leis condenavam o casamento por amor devido ao seu caráter de risco para a ordem social, e somente no século XVIII ocorre uma aproximação significativa entre amor e casamento. No entanto, foi preciso esperar quase dois séculos, até os anos 60, para que o amor se consagrasse e se transformasse num conceito mais universal. Hoje admitimos o amor sem condições, e até nos parece natural e saudável que os casamentos sejam consumados por amor; no entanto, não aceitamos com a mesma facilidade que a separação se efetive por desamor. Mas, a que tipo de desamor nos referimos? Muita


por desamor. Mas, a que tipo de desamor nos referimos? Muita gente justifica uma relação sem eros e até com pouca philia mas, ao menos em teoria, há um acordo geral sobre não se negociar quanto à violência interpessoal. Ou seja, damos mais peso ao ágape ao avaliar a convivência. Então, cabe fazer outra pergunta: não seria igualmente válido considerar como motivo da separação a ausência do eros ou da philia? Viver sentindo a indiferença de alguém que não nos quer pode ser tão cruel e doloroso como apanhar. Ser rejeitado sexualmente de forma sistemática pelo companheiro ou companheira pode destruir a autoestima de uma pessoa tanto ou mais do que a agressão física. Obviamente, não estou minimizando o impacto negativo da violência interpessoal e intrafamiliar; o que tento sublinhar é que do ponto de vista histórico evoluímos até uma concepção enviesada ou compensatória do amor: para evitar a paixão pura e carnal (o eros), levamos o pêndulo até o outro extremo, o da compaixão (ágape); esquecemos que o amor da convivência, a “amizade amorosa” (philia) é, talvez, o ingrediente mais importante de uma relação de casal com os pés no chão. O amor cortês reconheceu a existência do outro como sujeito imprescindível do amor, mas não conseguiu concretizar em detalhes a ideia do amor amigável, do amor conjugal, do casal em ação. Isso a philia explica.


A AMIZADE AMOROSA: O NÚCLEO VIVO DA RELAÇÃO

Uma mulher kung san do deserto africano do Kalahari explica o seguinte: “Quando duas pessoas estão juntas pela primeira vez, os seus corações estão abraçados e a paixão é muito grande. Depois de um tempo, o fogo acalma-se e assim permanece. Continuam amando um ao outro, mas de uma forma diferente: carinhosa e dependente”.21 Alguns especialistas em divórcio suspeitam que as altas porcentagens das duas últimas décadas estão relacionadas, em parte, à excessiva importância que se dá ao amor romântico.22 Na Índia, por exemplo, e não digo isto para desanimar os apaixonados, os casamentos que estão baseados exclusivamente no amor romântico reportam, ao fim de cinco anos23, menos amor do que os “casamentos arranjados”. Parece que o sentimento de amor romântico segue um curso similar ao de qualquer emoção primária: sobe, chega a uma fase de platô e, em seguida, tende a se extinguir.24 Se alguém me dissesse: “Amarei você por toda a vida”, antes de ficar feliz, eu perguntaria: “De que amor você está falando?”. E, em seguida, diria: “Se você refere-se ao ‘amor


como estado’, ou seja, ao amor passional do eros, pensaria que você está se comprometendo com algo que não poderá cumprir, que está me gozando ou, simplesmente, que tem uma ideia distorcida do amor. Muito otimismo para o meu gosto. Mas caso refira-se ao ‘amor em ato’, ou seja, o amor trabalhado, construído e executado no dia a dia (a philia), eu poderia acreditar em você, porque o cumprimento da promessa dependeria de você, da sua vontade, e não de um sentimento. Você poderia então esclarecer a que amor se refere?”. É provável que a pessoa interessada não voltasse a aparecer. Querer ser amigo anônimo de alguém não deixa de ser uma estupidez: “Sou amigo da Carmen, mas ela não sabe disso”; ou como dizem às vezes as crianças: “Ela é minha namorada, mas não sabe disso”. O amigo faz-se presente, manifesta-se, porque essa é a sua essência. A philia é afeto declarado, evidenciado no vínculo e, por essa razão, o que é concretizado é o que finalmente define a amizade: você é amigo à medida que se comporta como tal, não basta apenas sentir.25 A philia aprende-se e “constrói-se” ao caminhar. Não só “fazemos amor”, também “fazemos amizade” em termos afetivos. A experiência da amizade é tão reveladora em si mesma que não temos uma linguagem especial para explicar o seu desenvolvimento e consolidação. Se alguém dissesse: “Ontem meu companheiro e eu ‘fizemos amizade’, curtimos um bom filme, cozinhamos juntos, rimos, cantamos, lemos poesia e


bom filme, cozinhamos juntos, rimos, cantamos, lemos poesia e confessamos alguns sonhos ainda não realizados”, pensaríamos que a pessoa não está bem da cabeça. “Fazer amizade”, é disso que se trata a vida de casal regulada pela philia. É a alegria. Alegria pelo quê? Por a pessoa amada estar em nossa vida. “Amar é a alegria de que você exista”, diz Comte-Sponville26 inspirado em Espinoza. Eu suponho que, quando duas pessoas coincidem em semelhante declaração de amor, o universo inteiro treme, já que o amor recíproco e coincidente sempre tem algo de milagroso. Quando cada um se alegra de que o outro exista: haverá melhor sorte, bênção maior? Pablo era um homem que passava pela temida crise dos quarenta. Estava casado havia quinze anos e, mesmo levando uma vida relativamente aceitável com a esposa e os dois filhos pré-adolescentes, sentia que a rotina estava ganhando terreno. A mulher era uma boa companheira, mas ele precisava de emoções mais fortes: “Já não vibro, o tédio está me consumindo. Ela é uma excelente mulher, mas a nossa vida é insossa; ela segue atraente, mas perdeu o encanto, não há entusiasmo nem surpresa. Todos os dias são iguais: chego do trabalho, ela fala com as amigas, e eu fico vendo televisão ou no computador; aos sábados saímos para jantar fora e aos domingos vamos à casa dos meus pais”. Alguns meses antes, Pablo havia conhecido uma mulher


Alguns meses antes, Pablo havia conhecido uma mulher catorze anos mais jovem do que ele, muito mais fogosa que a esposa, então não demorou muito para se apegar a ela. Pouco a pouco, foi se afastando da família, até que um dia decidiu separar-se da mulher e viver com a jovem amante. Mas a mudança não foi tão fácil. Em que pesem os bons prognósticos, a experiência não saiu como ele pensava: não é o mesmo se encontrar duas vezes por semana em um motel guiado pelo eros ou fugir um final de semana para a praia para curtir o sol, do que conviver com a pessoa todo o tempo ou mesmo parcialmente. Depois de algumas semanas de convivência, Pablo fez uma descoberta que o deixou surpreso: a nova consorte lhe causava estresse. Era muito acelerada, não entendia as suas necessidades e parecia incansável quando se tratava de diversão e prazer; odiava televisão, o mimava pouco e não era muito amável com os seus amigos. Ele a amava mais da cintura para baixo do que da cintura para cima. Logo o eros começou a ser afetado. Um dia qualquer, foi buscar um dos filhos e a ex-mulher o convidou para entrar e lhe ofereceu um café. Ficou conversando um bom tempo com ela e fez um segundo descobrimento tão surpreendente como o primeiro: a sua mulher o compreendia inteiramente. Numa consulta, disse: “Veja, doutor, quando falei com a minha mulher, senti alívio. Podia ser eu mesmo, não tinha que me esforçar para aparentar nada; descobri que ela me


conhece nos mínimos detalhes e, o mais importante, que me aceita. Eu me senti protegido, de volta para casa, entende? Além disso, estava muito bonita. E aconteceu o que tinha de acontecer. Algo renasceu entre nós...”. Pablo voltou para casa num piscar de olhos. No dia seguinte estava outra vez junto à sua “nova mulher”. O que motivou o seu regresso? Era óbvio que o motivo não era sexual, já que esse havia sido precisamente a sua queixa inicial. Então, de que estamos falando? A reposta é a philia. A tranquilidade, o acordo tácito que guia os amigos e nos faz sentir que somos aceitos apesar dos nossos defeitos. A esposa estava disposta a dar a ele “emoções mais fortes”, o que não é difícil de conseguir se ainda há algo de desejo, mas a amante não podia oferecer o contrário, aquilo que se alcança com os anos: a sensação de estar “em casa” e com os amigos. Por isso e para isso Pablo voltou: ao gozo da amizade. A amizade amorosa consiste em gozar da pessoa amada sem angústia e com benevolência: “Alegro-me com a sua alegria, me faz bem vê-lo feliz”. O amor companheiro é o carinho que sentimos por aqueles com quem nossa vida está profundamente entrelaçada.27 Alguns psicólogos não veem com bons olhos a amizade entre o casal, e tendem a separar o “amor de companheirismo”


da libido. Por exemplo, o psicólogo Sternberg, autor de El triángulo del amor28, diz a esse respeito: O amor do companheirismo é o resultado dos componentes de intimidade e decisão/compromisso do amor. Trata-se, essencialmente, de uma amizade comprometida, de longa duração, do tipo que com frequência ocorre nos casamentos em que a atração física, uma fonte primordial da paixão, diminuiu. (pág. 51)

Sternberg está errado. Tornar incompatível o “companheirismo de casal” com o desejo sexual é criar uma falsa dicotomia. Quem disse que o compromisso voluntário que nasce do “querer amistoso” é irreconciliável com a faísca do eros? Ou possivelmente ocorra o contrário: será que o sexo maduro, aquele que surge da boa convivência, não tem a qualidade, o corpo e o aroma dos vinhos envelhecidos? Não se trata de excluir a paixão do compromisso, mas de integrá-los num amor mais unificado e completo. Ninguém nega que com o passar dos anos a atração física tende a diminuir, mas, tal como disse antes, o sal, o gosto pela relação pode estar em muitos outros elementos. O filósofo Vernant29, sem dúvida mais realista, refere-se à amizade de casal como uma relação entre camaradas: Ser camarada é ser amigo no dia a dia. Quando se comeu, bebeu e riu juntos, e se fizeram também as coisas importantes e sérias, essa


cumplicidade cria vínculos afetivos tais que só se pode sentir plena a própria existência com a proximidade do outro. (pág. 203)

Trata-se dos companheiros de bordo, como dizia Brassens numa das suas canções. Nos anos 60, a palavra “camarada” foi adotada pelo partido comunista para referir-se aos que “militavam no mesmo grupo e compartilhavam as mesmas ideias”. Esta é a dimensão política do amor: pessoas comprometidas com a mesma causa, independentemente de serem de direitas ou de esquerdas. Soa bem. Uma “comunidade” é a associação de dois ou mais indivíduos quem têm interesses comuns e que participam de u m a ação comum. Então, a amizade amorosa é uma comunidade afetiva de duas pessoas que se desejam. Você não somente é “meu amor”, o que é compreensível e até lógico porque amo você, mas alguém mais fundamental, mais próximo, mais phílico: você é “meu companheiro”. Companheiro de quê? De intimidade, de vida, de sonhos.

Para não sofrer Em uma boa relação a dois deve existir alegria Ainda que já tenha me referido ao tédio em outro trecho, vou retomá-lo aqui de uma perspectiva


mais emocional. A amizade de casal implica sentirse cúmplice do outro, tal como ocorre com os bons amigos. A primeira coisa que você deve se perguntar é em que medida se sente companheiro ou companheira do seu par. E não me refiro a ser A AMIGA ou O AMIGO com maiúsculas, ou seja, o melhor ou o único (já que isso seria um pouco asfixiante), mas se realmente pode contar com o seu par entre os seus melhores amigos. Você fica feliz quando está com ele ou com ela? Sente saudades? Vocês se divertem juntos? Riem? Têm assunto? Se a resposta a essas perguntas for afirmativa, há um bom clima. Lembre-se de que a alegria potencializa o ser e a tristeza o afunda. Em alguns casais, o cansaço ou a perturbação são óbvios. “Estou feliz porque meu marido foi viajar a trabalho!”, uma amiga me disse certa ocasião. Perguntei a ela com curiosidade por que estava tão feliz, e ela respondeu que, quando ele não estava, voltava a ser ela mesma: “Eu me sinto livre!”, disse num suspiro. Era evidente que alguma coisa estava errada. Não digo que você tenha que fazer haraquiri cada vez que o seu parceiro se ausentar. Os afastamentos breves são bons, mas se você pula de alegria devido a essa ausência e a diversão


pula de alegria devido a essa ausência e a diversão começa no justo momento em que ele sai, não estamos diante de um amigo ou de uma amiga de coração; é provável que se trate de um estorvo ou de um mal necessário. Que fique claro: não falo de arrebatamento, mas de gozo e simpatia. Se o seu parceiro faz você sorrir de vez em quando, você vai bem. Se você não vê a hora de lhe contar as suas vitórias ou um problema que o incomoda, você segue bem. E se às vezes você tem uma sensação agradável quando se encontram de surpresa, você está no caminho certo. Há casais que confundem a “alegria por você existir” com a “resignação por você existir”. Suportam-se, criticam-se, aborrecem-se: é a “alegria” por você existir, o cansaço por você andar rondando a minha vida, o peso de ter você. Os amigos, por definição, são leves. Uma forma adequada de saber se há uma boa amizade é comparar a relação de casal com a de algum bom amigo ou amiga. Procurar semelhanças e diferenças, mas sobretudo se trata de analisar como você se sente num caso e noutro. Compare as emoções: sente alegria quando está com o seu


as emoções: sente alegria quando está com o seu par, ou o tédio toma conta de você? É verdade que não se pode sentir alegria todo o tempo, isso nos levaria outra vez à mania, mas o pano de fundo, o tom geral, é satisfatório? A sua companhia é agradável? Se isso não ocorre, é preciso revisar o que não está funcionando. Talvez o eros e o ágape não estejam bem e afetem a philia; de fato, é muito difícil ser amigo de alguém que nos fere ou nos rechaça. No entanto, às vezes, o problema é de simples convivência ou de tédio: não há alternativa, deve existir alegria, a falta de vontade ou o cansaço não são negociáveis, não é aceitável que a presença do outro incomode você. Um paciente descrevia assim os encontros com a mulher: “Vê-la me provoca mal-estar. Em 80% do tempo nós estamos discordando. Ela queixa-se de que saio com os meus amigos, mas é que não brigo com eles, me divirto. Com eles, relaxo; já ela me estressa”. Na amizade alegre, a proporção invertese: 80% do tempo você está bem e nos outros 20% discute de forma amigável. A amizade de casal baseia-se em algo mais do que desejo (eros) e compaixão (ágape), eu diria que é uma mistura


e compaixão (ágape), eu diria que é uma mistura de deleite e humor. Os amigos riem e concordam no fundamental, essa é a razão pela qual gostam de estar juntos. Você pode prescindir da philia? A resposta é categórica: não, não pode, a não ser que se trate de uma aventura e então o eros será suficiente. No entanto, se o seu par é um dos seus amigos favoritos, você poderia ter acesso a uma interessante combinação de eros e philia, de prazer e alegria juntos. Fazer amor com o amigo ou a amiga: que mais se pode pedir?


O QUE DEFINE UMA BOA AMIZADE DE CASAL? Voltemos a uma pergunta anterior: podemos ser amigos do nosso parceiro? Os filósofos que opinaram sobre esse tema mostram uma grande variedade de posições. Montaigne30 sustenta que é impossível que os integrantes do casal sejam amigos e dá duas razões para isso: a primeira é que o eros atrapalha e, a segunda, que a amizade desgasta o vínculo passional. Para ele, não há saída: paixão e amizade se opõem. Nietzsche31 mostra-se mais otimista. Em Humano, demasiado humano, diz: “O melhor amigo terá provavelmente a melhor esposa, porque o bom casamento está baseado no talento da amizade” (pág. 785). Os bons casais são amigos. Platão, no Lísis32, chega à conclusão de que “não conseguimos descobrir o que é o amigo”. A amizade é uma incógnita, portanto muito mais o é a amizade de casal. Schopenhauer33 afirmava sem uma pitada de pudor: “As mulheres, ao carecerem de inteligência, só podem ser aptas para os cuidados e a educação na primeira infância, pois elas mesmas continuam sendo pueris, fúteis e limitadas de inteligência” (pág.


57). Um pensamento misógino, a morte da philia. Finalmente, Voltaire34 afirma: “Os outros sentimentos misturam-se com o amor, como os metais amalgamam-se com o ouro: a amizade e o apreço o favorecem e a beleza do corpo e do espírito lhe somam novos atrativos” (pág. 147). Ou seja, o eros e a philia podem conviver e alimentar-se mutuamente. Se considerarmos que a amizade é uma forma de amor diminuído, entraremos em crise quando a relação começar a ser governada pela philia. Mas se considerarmos que a amizade de casal é uma dimensão a mais do amor que enriquece a vivência afetiva, então tentaremos fomentá-la e mantê-la ativada. E essa é precisamente uma das vantagens da philia a respeito do eros, o fato de podermos regulá-la e orientá-la à vontade. O ponto de controle é interno e não externo: a philia, em grande parte, depende de nós; a amizade não vem de fora, você a promove ou a destrói. Que fatores impedem que a philia se desenvolva entre o casal? As queixas mais frequentes são: “Somos muito diferentes”, “Não formamos uma boa parceria”, “Estamos há pouco tempo juntos”, “Eu me entedio”, “A relação não é satisfatória”, “Não nos tratamos bem”, “Sinto que dou mais do que recebo”, “Às vezes penso que durmo com o inimigo” ou “Não confio nele”, entre outras. A melhor maneira de compreender o funcionamento da philia e de potencializar o seu desenvolvimento é conhecer quais


philia e de potencializar o seu desenvolvimento é conhecer quais são os seus componentes básicos. A partir de então, poderá se formar um esquema de superação que permita reconhecer os pontos fortes e as fraquezas.

Os componentes da philia amorosa Apesar de que os fatores que formam o amor de casal amistoso possam ser muitos, destacarei aqueles nos quais a psicologia coincide com a filosofia (são principalmente Aristóteles35 e Cícero36 aqueles que, no meu entender, desentranharam melhor o tema da amizade). Esses pontos de coincidência são cinco: semelhança, proximidade, recompensa mútua, equidade/justiça e confiança (deixarei o tema do respeito para quando falar do ágape, na terceira parte). O casal que tenha desenvolvido de forma adequada esses fatores terá conseguido aproximar-se positivamente da tão desejada amizade amorosa. 1. Semelhança e cumplicidade: “numa boa relação, há acordo sobre o fundamental” Enquanto o eros pode ser ativado entre pessoas opostas e diferentes, a philia só pode crescer na semelhança. A ideia de que os contrários se atraem ou de que o diferente nos complementa não parece ter muito fundamento quando o


assunto é amor, ao menos para quem desejar ter uma relação estável e confortável.37 Mesmo que em alguns casos, como nas relações de dominação/submissão, pudesse existir uma tendência à complementaridade38 (os sujeitos dominadores gostam de ter escravos, e os dependentes são fascinados por ter um bom amo), os dados são categóricos: as pessoas preferem casar ou ter relações estáveis com pessoas cujas personalidades e necessidades sejam parecidas com as suas.39 A minha experiência profissional é que os casais cujos membros são opostos em aspectos fundamentais, mais do que se atraírem, se chocam. Vejamos isso com mais detalhes. Incompatibilidade básica não percebida A disparidade de valores, desejos e aspirações não produz afinidade, mas rejeição e incômodo. A combinação de um fanático racista com uma pessoa defensora dos direitos humanos não seria precisamente feliz; tampouco o seria a união de um sujeito violento por natureza com uma pacifista por convicção, e não falo de atração física, mas de convivência. Às vezes, as pessoas preferem ignorar essas disparidades, tapar o sol com a peneira e seguir com a relação como se nada estivesse acontecendo: podemos perseverar de forma irresponsável, inventar teorias fantásticas que justifiquem as diferenças ou simplesmente não lhes dar atenção. Estes são três exemplos:


Resignação irresponsável: lembro-me do caso de uma mulher profundamente devota que estava casada com um homem ateu. Tinham procurado o meu consultório devido ao fato de que o seu único filho havia começado a apresentar sintomas de ansiedade. No que diz respeito ao tema religioso, nenhum dos dois dava o braço a torcer, e os problemas agravaram-se quando o menino fez quatro anos e foi preciso decidir para que colégio iria: desencadeou-se uma luta para decidir se a educação do menino deveria ser religiosa ou laica. A peça teatral Equs, de Peter Schefer, é um bom exemplo de como a informação contraditória pode desencadear alterações mentais. Na obra em questão, o pai do protagonista substituía sempre que podia o crucifixo que ficava sobre a cama do jovem pela foto de um cavalo, e a mãe, com a mesma insistência, fazia exatamente o contrário. Alan, o personagem principal, que havia sido diagnosticado com esquizofrenia, termina cegando com uma agulha vários cavalos, enquanto faz amor com a namorada em uma cocheira. Quando alertei os meus pacientes sobre a possibilidade de o filho adoecer devido à informação contraditória que


estava recebendo, decidiram mudar de psicólogo: o homem me considerou crente demais e a mulher me achou ateu demais. Há pouco tempo soube que ainda seguem juntos apesar do estrago que fizeram ao filho e a si mesmos; parece que certa teimosia irresponsável os empurra a continuar concentrados numa batalha sem sentido e sem solução. Surgem muitas perguntas sem respostas: por que terão decidido se casar sendo tão diferentes? Por que não se separaram? O que os mantêm unidos? Justificativa quase delirante: certa ocasião, um conhecido me disse que teve a sorte de encontrar uma mulher que era o seu complemento perfeito. As razões eram sobretudo astrológicas: ela era de aquário, decidida, e ele era de libra, inseguro ao tomar decisões. O laço que os unia não era afetivo, mas astral. Depois de um tempo, o encontrei com outra mulher, totalmente diferente da anterior, mais tímida e introvertida, e não tão decidida. Dessa vez os papéis tinham se invertido, e era ele quem mandava. Quando perguntei o que havia acontecido com as profecias cósmicas, que segundo ele eram infalíveis, disse que os ascendentes também eram importantes e deu uma


ascendentes também eram importantes e deu uma explicação esotérica que teria feito Nostradamus tremer. O nome técnico dessa alteração é autoengano. Percepção distorcida: certa ocasião atendi um casal totalmente díspar. Estavam havia um ano juntos: ela era uma mulher de 32 anos, de um alto estrato social, bastante culta e apaixonada por leitura e arte; ele tinha 22 anos, era aprendiz de mecânico, vivia num quarto emprestado porque o pai o havia expulsado de casa, sua paixão eram as motocicletas e era viciado em maconha. As discussões e as escaramuças entre eles eram constantes, e inclusive tinham chegado a se agredir mutuamente. O pai da “namorada” foi quem sugeriu que eles fizessem uma consulta psicológica, com a esperança de que a filha mudasse de opinião. No entanto, em que pesem as tentativas terapêuticas para que eles ao menos tomassem consciência de que as diferenças eram de fundo e não de forma, ambos mantiveram a posição de que eram “feitos um para o outro”. Em seguida, deixaram de ir às consultas. A última coisa que soube foi que ela estava grávida e que ele a havia deixado por outra mulher. Embora seja certo que


deixado por outra mulher. Embora seja certo que os casais não vêm prontos de fábrica e que deve haver uma adaptação de ambas as partes, há alguns que são definitivamente incompatíveis: são como as peças de dois quebra-cabeças diferentes: podemos encaixá-las à força, mas o resultado final será uma imagem distorcida. Os casais muletinhas Os casais muletinhas acreditam que uma boa relação é aquela em que cada um se transforma na bengala do outro. Por exemplo, uma pessoa tímida pode pensar que se o seu par é extrovertido, isso compensará o seu déficit em habilidades sociais, e passará menos inadvertida ou, ao menos, poderá sobreviver melhor. É uma versão sofisticada da síndrome do siamês: “Se eu não posso, mas o meu parceiro pode, é como se eu pudesse”. Esse é um amor do tipo cão-guia: não apenas amamos, mas nos fundimos moral e patologicamente. O que os fanáticos da fusão afetiva não sabem é que às vezes o bom se vê afetado pelo mau, e o suposto “fator de suporte” transforma-se em “fator de desequilíbrio”. Olga era uma mulher retraída e insegura que sofria de uma depressão grave havia alguns meses. Ao contrário, o marido era um homem alegre e sociável que nunca havia sofrido nenhuma alteração psicológica. Vejamos um trecho das


conversas que mantive com cada um deles. Conversa com Olga: Terapeuta: Você pode explicar melhor o que a incomoda no seu marido? Olga: Vê-lo contente. Isso me faz lembrar como estou mal. Não é culpa dele, mas é como me olhar num espelho invertido. Terapeuta: Você preferiria que ele adoecesse? Olga: Preferiria me curar, se é isso que você quer dizer. Ultimamente ele não se importa com a minha doença. Age como se nada estivesse acontecendo. Terapeuta: Lembre-se de que tanto a opinião psiquiátrica como a minha é de que você dependia muito dele, portanto não deve interpretar o seu distanciamento como desamor. Olga: O senhor não me entende. Quando estamos numa reunião, ele conta piadas, dança e é expressivo; e eu pareço uma boba. Sinto tanta apatia. Terapeuta: Sente raiva dele? Olga: Muita. Conversa com o marido: Terapeuta: Explique melhor o que você sente.


Terapeuta: Explique melhor o que você sente. Paciente: Creio que isso está me afetando, sinto que as coisas estão mais difíceis para mim. Mesmo que eu pareça alegre como antes, a doença dela me influenciou. Terapeuta: O que você sente quando está com ela? Paciente: Sinto medo. Não sei quando vai estourar, se vai se queixar ou chorar. Há momentos em que está bem, e as crises diminuem, no entanto... Isso vai parecer bobo, mas tenho medo de ficar como ela. Terapeuta: Por isso você se afastou? Paciente: Sim, na verdade, é por isso. Terapeuta: O que sugerimos a você foi não ser condescendente, mas sem retirar o afeto; é importante que ela se sinta amada. No entanto, vejo que você adotou outra posição. Paciente: É que não consigo. O estado de ânimo dela me afeta muito, é como se eu estivesse perdendo as forças. A depressão é contagiosa?

Do ponto de vista terapêutico, a relação havia tomado um rumo inesperado. Por um lado, a comparação permanente de Olga com o estado de ânimo positivo do marido piorava a sua depressão e agudizava os sintomas. Isso é conhecido como “efeito de contraste”: “Quando mais alegre ele está, pior eu me


sinto”. Por outro lado, o marido havia desenvolvido fobia de adoecer, por isso evitava cada vez mais estar com ela. Isso é conhecido como “efeito de contágio”: “Quanto mais estou com ela, mais sinto os seus sintomas”. São dois processos negativos sobrepostos que atuam em uníssono e se reforçam mutuamente. No final, Olga pôde recuperar-se da depressão, mas depois de poucas semanas, para surpresa de muitos, o marido sofreu uma crise similar e teve de ser internado. O que me interessa destacar é que a depressão de Olga não foi compensada de forma positiva pela alegria dele, mas ao contrário, o contágio negativo teve mais força do que a compensação positiva. Obviamente não estou dizendo que os depressivos crônicos formem um bom casal; o que afirmo é que, enquanto não houver doença psicológica no meio, a similitude atrai e a semelhança é um fator que potencializa a relação; mas, se existirem alterações mentais significativas, as regras mudam e as consequências não são fáceis de prever. Definitivamente, é preciso optar pelo parecido Tal como disse anteriormente, tudo leva a pensar que a semelhança produz satisfação e favorece as relações estáveis.40 Cícero dizia que a amizade tinha lugar quando há “consenso nos gostos, opiniões e interesses”, enquanto Aristóteles afirmava que “a amizade existe em virtude de uma semelhança”. É preciso ser parecidos, ainda que não iguais. Ser


É preciso ser parecidos, ainda que não iguais. Ser parecido é estar na mesma margem, não necessariamente no mesmo lugar e respirando o mesmo ar; trata-se de abarcar o mesmo panorama. Na amizade não é preciso se colocar no lugar do outro, porque já estamos ali. “Entendo como você se sente”, “Compreendo o que você quer dizer”, “Eu teria feito o mesmo”: haverá frases mais tranquilizadoras, mais alentadoras, para avivar o amor e aprofundar a philia? Saber que você me entende me libera de toda a dúvida, me faz pensar que você me aceita, que somos semelhantes. Não se trata, pois, de parecer-nos em qualquer coisa, mas de compartilhar aquelas características que são verdadeiramente importantes para uma relação; e sobre gostos não há nada escrito. Por exemplo, algumas das semelhanças encontradas pelos pesquisadores entre pessoas que se agradam mutuamente são: ser expressivos emocionalmente41, fumar maconha42, pertencer a uma determinada religião43, praticar sexo antes do casamento44, ser conservadores no sexo45, levantar cedo46, ser parecidos fisicamente47 e ter ideias similares sobre si mesmos.48 A lista, obviamente, é muito mais extensa. Mas se a semelhança é tão importante para iniciar uma relação estável, por que erramos tanto ao escolher um parceiro? Há duas possibilidades:


Há duas possibilidades: a) Porque confiamos excessivamente no amor e pensamos que amar é um paliativo para todos os males. O que importa então que sejamos diferentes, tão opostos, se temos a mo r? Más notícias: algumas diferenças psicológicas distanciam mais do que o amor aproxima. b) Nunca paramos para pensar racionalmente como somos parecidos ou diferentes em relação ao nosso parceiro, por isso as discrepâncias nos pegam de surpresa. Às vezes, disparidades tão simples como a hora de acordar ou de deitar podem afetar todo o clima afetivo. Insisto: não digo que tenhamos de ser iguais, mas as similitudes devem ser necessariamente maiores e melhores do que as diferenças. Não se trata de se complementar ponto por ponto, mas de se acompanhar. Quando selecionamos o parceiro, não somente escolhemos o amante ou a amante, mas também escolhemos um amigo em potencial, a philia da alegre coincidência; por isso Sêneca e Plutarco concordavam ao afirmar que um dos segredos da boa amizade é saber escolher os amigos.49, 50 2. Proximidade-contato: “uma boa relação propicia a proximidade e a intimidade” A proximidade da pessoa amada é um fator crucial para que a amizade de casal prospere. Não me refiro ao apego


que a amizade de casal prospere. Não me refiro ao apego ansioso ou à necessidade de estar juntos as 24 horas, mas aos encontros regulares que qualquer relação precisa para obter a intimidade. É nos lugares em comum que a philia senta raízes. No entanto, a philia também requer um espaço de reserva pessoal no qual a individualidade não se perca: a “autofilia”, ser amigo de si mesmo sem interferências. A proximidade não significa a perda da autonomia; numa relação saudável e inteligente, nunca nos sentimos encurralados ou sufocados pelo outro, porque cada um sabe o limite a partir do qual o afeto começa a incomodar. Não é preciso se internar numa clínica de repouso ou viajar para um caro e deslumbrante spa para evitar o incômodo; basta solicitar um descanso sob o mesmo teto: estar juntos mas não agitados. E a philia segue o seu curso. Em geral, não nos aborrecemos com a amizade amorosa, ao menos não cansamos de amar o parceiro quando a relação é boa: a proximidade bem administrada fomenta a intimidade afetiva e a afinidade. Esse é o círculo positivo, a espiral de reforço da philia: fazer dos contratos um motivo de alegria e não de sofrimento. Cícero afirmava: “As amizades não devem provocar cansaço, como costuma ocorrer com outras coisas. As mais antigas, como os vinhos que alcançam a maturidade, devem ser as mais deliciosas” (pág. 69).


3. Intercâmbio de reforçadores: “uma boa relação é essencialmente gratificante” Há um preceito nas relações afetivas que está relacionado com o ponto anterior e que não muda nem mudará ainda que os amigos do romantismo entrem em crise e protestem: “Nós nos sentimos atraídos por aqueles que nos satisfazem e gratificam”. É a teoria da gratificação da atração: escolhemos aqueles que nos oferecem um estímulo positivo mais intenso.51, 52 Amor lucrativo, está interessado? Somente em parte e não de maneira consciente e monopolizadora. A receptividade aos reforços e aos castigos forma parte da nossa herança mais arcaica: procuramos o prazer e fugimos da dor, é a mecânica natural da sobrevivência. É sabido que os casais com problemas tendem a apresentar mais trocas negativas do que positivas; por isso, um dos melhores tratamentos é, precisamente, incrementar a frequência dos reforçadores de ambas as partes.53, 54, 55 De que outra maneira poderíamos gerar bem-estar e satisfação numa relação? Portanto, a philia se fortalece naquelas relações nas quais os seus membros são tanto doadores como receptores de comportamentos gratificantes. A fórmula é simples: receber com agradecimento os reforços e entregá-los com desprendimento. Se os castigos prevalecem sobre as gratificações, o amor deixa de ser amistoso, e a philia não é tão


cega como o eros: os “amigos” que nos machucam murcham num instante. “Amar é alegrar-se”, dizia Aristóteles. Essa alegria, esse júbilo tem muito a ver com o número e a qualidade das recompensas, sejam elas materiais, emocionais ou ambas. Ainda que uma boa relação compartilhe tudo (o agradável, o útil, o bom e também o mau), o que conta é que o balanço seja positivo. A todos interessam o abraço, o elogio, a carícia, o detalhe e repetir várias “luas de mel”; essa é a dinâmica motivacional da convivência. Cícero falava da amizade como uma troca recíproca de favores, como ajuda mútua ou devolver um favor com outro. Sem chegar a ser tão minuciosos e milimétricos, há muito de verdade nas suas palavras: na vida cotidiana, os casais melhoram substancialmente quando decidem se preocupar mais com o bem-estar do companheiro ou da companheira. A philia é a mistura ponderada e racional entre a luxúria (receber benefícios) e a benevolência (entregar bemestar). Citemos novamente Aristóteles e o seu realismo: “A amizade dura mais quando os amigos recebem as mesmas coisas um do outro”. E isso nos leva ao próximo ponto, a repetição justa e equitativa dos reforçadores. 4. Equidade-justiça: “uma relação injusta gera desamor” Quando percebemos que o balanço entre o custo e o


benefício da nossa relação não é equitativo, entramos em crise: nos sentimos explorados ou culpados. Consideramos que uma relação é justa quando o que cada membro obtém da relação é proporcional ao que investiu nela.56 Se duas pessoas recebem benefícios iguais, mas não contribuíram de forma similar, alguém pode sentir que a retribuição foi injusta. Não se trata de transformar a relação afetiva num sistema financeiro, mas de manter a dignidade, mesmo se a decisão seja a de entregar muito mais do que se recebe. Uma premissa marxista pode nos localizar no meio-termo: “De cada um segundo a sua capacidade e a cada um segundo as suas necessidades”. Trata-se de uma philia sem mais-valia. “Somente há amigos quando há igualdade”, diziam os gregos. Você perguntará: igualdade de que ou em que, se ninguém é igual a ninguém? A resposta é: igualdade de direitos; igualdade proporcional, satisfazerem-se reciprocamente sem tirar vantagem. Mesmo que, em geral, nas relações de longo prazo, como o casamento ou as velhas amizades, não façamos balanços entre o que damos e o que recebemos57, 58, há situações nas quais, embora não queiramos, a contabilidade aflora. Por exemplo, podemos ajudar um amigo necessitado de forma desinteressada, mas se no futuro o suposto amigo se negar a dar uma mão quando somos nós que precisamos, a lembrança aparecerá de forma automática, e a memória irá encarregar-se de recuperar


forma automática, e a memória irá encarregar-se de recuperar os números no vermelho. Magoa-nos o amigo que não nos corresponde; ainda que voltemos a correr em seu auxílio e o perdoemos várias vezes, dói o desdém da pessoa de quem gostamos. O amigo, dizia Ovídio, se conhece nas horas incertas. Lembremos que a philia não é o ágape, a philia ainda se aferra a certo egoísmo; não é a entrega total nem o amor absoluto, mas a reciprocidade. A philia ainda ama mais os amigos que os inimigos, a philia reclama justiça. Surgem então estas perguntas: o que aconteceria se de alguma forma a sua dignidade fosse afetada pela pessoa amada? O que deveríamos fazer se nos sentíssemos explorados por nossos amigos ou pelo companheiro? Qual é o limite?59 Uma mulher executiva, casada e com três filhos pequenos, dizia o seguinte: “Não acho justo. Eu trabalho igual a ele ou mais. Tenho que administrar a casa, fazer as tarefas com as crianças, me encarregar de planejar as férias, de levar o carro à oficina. Não, definitivamente, cansei! Ele diz que sou uma egoísta, que não o compreendo, mas o que eu deveria compreender? E, se fosse pouco, ainda é exigente”. O que essa mulher deveria fazer? Não contabilizar? Deixar que o marido seguisse agindo dessa forma? É fácil esquecer a reciprocidade quando o parceiro que temos é justo e equitativo, mas se um abusa do outro, a questão muda, o amor se apaga.


se apaga. Conclusão: quem tem uma relação equilibrada sentese mais contente, e quem está em uma relação que considera injusta sente-se mais ansioso e deprimido.60, 61 Esses são dados, essa é a realidade. Felizmente, hoje em dia os jovens casais tendem a estabelecer relações mais simétricas: ambos trabalham, as tarefas domésticas são divididas, e o machismo está em decadência62, mesmo que as feministas não acreditem nisso. 5. Confiança: “os membros de um bom casal têm a certeza de que o outro nunca o magoará de forma intencional” Em Ética a Eudemo, Aristóteles diz que “os verdadeiros amigos não cometem injustiças uns com os outros”. É impossível sustentar uma relação de amizade se não há credibilidade, e por credibilidade entendo confiança básica: a certeza de que a pessoa amada nunca nos magoará de forma intencional.63 É óbvio que se trata de uma certeza condicionada ao fator humano, à boa vontade, mas de qualquer forma imprescindível. A credibilidade está diretamente relacionada com a percepção da sinceridade, ou seja, com a autenticidade da pessoa, a sua honestidade.64 Se fizéssemos uma pesquisa informal sobre o que não perdoaríamos em um amigo, sem dúvida a resposta seria a deslealdade. Haverá algo que doa mais do que a traição da pessoa amada?


Um homem me dizia que tinha de manter sob controle a mulher porque ela já havia sido infiel quatro vezes, uma delas com o melhor amigo. Em outro caso, uma mulher não era capaz de retrucar nada para o noivo porque pensava que num momento de fúria ele poderia matá-la com um tiro. Estamos diante da “antiphilia”, do “antiágape”, do antiamor. Cito novamente Cícero: “O principal apoio para a estabilidade e a constância que procuramos na amizade é a lealdade, pois nada é estável quando se é infiel”. A lealdade é a primeira e principal virtude da philia, é preciso ser franco inclusive na desonestidade: esse é o paradoxo da amizade que tenta se alimentar a si mesma: “Enganei você, sinto muito”. Em quem não dói ouvir uma notícia como essa? Mas ao menos sabemos: “Já não poderei contar com você, ou talvez exista outra oportunidade para voltarmos a tentar algum dia, não tenho certeza, mas ao menos você foi honesto”. O bom amigo não esconde os defeitos, mas os coloca sobre a mesa para apontar o perigo de acreditar nele mais do que o conveniente. Não precisamos de amigos que sejam um modelo de virtudes, eles não seriam confiáveis. Precisamos de amigos sinceros, jamais perfeitos. “Como acreditar então no companheiro?”, perguntava uma mulher angustiada pelo medo de perder o marido. Há dois caminhos que se entrelaçam e nenhum é infalível: de um lado, o coração que intui, a fé, mesmo


que se engane às vezes; e, de outro, o tempo, os anos de convivência, as vicissitudes, a vida compartilhada, a realidade que vai se tornando philia e superando a prova. O amor é um risco que é preciso viver.

A philia e os estilos do apego Tal como já expliquei, o apego gerado pelo eros tem relação com a necessidade de posse e o desejo de fusão. Tratase de um vício orientado ao prazer, uma necessidade basicamente emocional e bioquímica. Por seu lado, a philia produz um tipo diferente de apego, ainda que em situações limite possa se parecer bastante com o amor passional. A dependência da philia é mais psicológica, mais cognitiva, mais orientada à busca de segurança e confiança do que à conservação do prazer. Um aspecto comum a todas as relações íntimas é a interdependência, ou seja, a cumplicidade e a associação profunda com o outro. Trata-se de uma influência e necessidade mútuas: parentes, amigos, namorados ou casais, os vínculos que nos mantêm vivos. Alguns autores sustentam que o apego (não como vício, mas como vínculo sadio) constitui um dos três sistemas básicos das relações próximas: sistema sexual (eros), sistema de interesse/proteção (ágape) e sistema de apego (um tipo de relação similar à philia, mas mais básica).65


O modo como as mães e os pais relacionam-se com os filhos durante a primeira infância tem fortes implicações nas relações afetivas futuras, ainda que não se transforme numa influência irreversível. 66, 67, 68 Com a ajuda adequada, muitos desses padrões aprendidos podem ser substituídos por outros mais funcionais.69 Faz alguns anos, a Organização Mundial de Saúde solicitou ao psicólogo John Bowlby que estudasse a saúde mental das crianças desamparadas de Londres.70, 71 O autor encontrou três tipos principais de apego na infância que nos predispõem, ao menos em parte, a estabelecer certas relações afetivas.72 Vejamos cada uma delas. 1. Apego seguro Sessenta por cento das crianças e dos adultos manifestam um apego seguro.73, 74 Acredita-se que pais sensíveis facilitam esse estilo equilibrado. As crianças seguras sentem algum medo quando a mãe se afasta, mas quando ela retorna eles a recebem com alegria e seguem explorando o meio e brincando com naturalidade. Os adultos educados nessa modalidade se aproximam dos demais sem problemas, não sofrem de vício afetivo e não se preocupam com o abandono ou a rejeição. As suas relações tendem a ser satisfatórias, duradouras e não conflitivas, e desfrutam de uma dependência saudável.75


Percebem-se a si mesmos como amáveis e têm uma imagem positiva das pessoas e de seus pais. Não são especialmente ansiosos e são capazes de estabelecer relações comodamente. O seu esquema afetivo é como este: “Sou querido, e as pessoas são boas”. 2. Apego inseguro/evasivo Vinte e cinco por cento das crianças e dos adultos manifestam o padrão inseguro/evasivo. Os pais indiferentes, que se mostram distantes e que não costumam prestar atenção nos filhos, afetivamente falando, são os responsáveis por esse estilo. Essas crianças não parecem se alterar quando a mãe se ausenta nem demonstram alegria quando ela retorna. Os adultos que foram educados com esse estilo tendem a rejeitar as relações íntimas, são desconfiados e autônomos. São mais propensos às aventuras sexuais esporádicas do que a estabelecer vínculos estáveis. Podem ter um bom conceito de si mesmos, mas consideram que as demais pessoas não são confiáveis e que não se pode contar com elas.76 Podem demonstrar ansiedade, e a sua estrutura psicológica é basicamente pessimista no amor. O esquema afetivo é como este: “Sou querido, e as pessoas são más”. Eduardo era um homem de 42 anos que nunca havia casado. O motivo da sua consulta tinha que ver com uma


confusão afetiva: fazia três anos que saía com uma mulher, e não sabia se gostava dela ou não. Era o solteirão da família e ainda vivia com a mãe, uma viúva inteligente e controladora. Eduardo administrava as finanças da casa e às vezes tinha de suportar as atitudes displicentes e agressivas da sua progenitora. O preferido da mãe havia sido o filho caçula, um playboy viciado em crack que, inexplicavelmente, ela subvencionava, apesar dos protestos dos demais membros da família. Eduardo sentia que os pais nunca o tinham aceitado de verdade; desde pequeno havia se sentido deslocado, e a avó o “adotou” afetivamente. No entanto, apesar das boas intenções da avó, a atenção que ela lhe deu não foi suficiente para compensar o abandono afetivo maternal e paternal. Eduardo não acreditava nas pessoas e menos ainda nas mulheres. Uma vez me disse: “Meu pai foi vítima da frieza da minha mãe, não entendo como tiveram filhos. Ela o criticava permanentemente e lamentava ter se casado com ele, por isso meu pai procurou outra mulher. Desde que me entendo por gente, sei que ele tinha uma amante, mas o surpreendente era que minha mãe não se importava”. Eduardo havia tido inúmeras relações, mas nunca se envolvia muito. Mais ainda, quando sentia que poderia se apaixonar, afastava-se imediatamente. No entanto, nesse caso a estratégia não havia funcionado, já que a namorada quebrava todos os seus esquemas. Era terna, compreensiva, inteligente, equilibrada e independente. Mais de


compreensiva, inteligente, equilibrada e independente. Mais de uma vez ele tentou aumentar os defeitos dela sem muito resultado. Não tinha do que se queixar. Eduardo: O que o senhor acha que eu devo fazer? Terapeuta: Isso é você quem deve decidir. Eduardo: Mas poderia me dar ao menos uma indicação, o senhor a conheceu. Ela lhe parece confiável? Terapeuta: A minha opinião não é tão importante, posso me enganar totalmente. Além disso, você é o interessado. O que diz o seu instinto? Eduardo: O meu instinto está atrofiado! Terapeuta: O que diz, então, o seu coração? Eduardo: Não sei ler as suas mensagens... Terapeuta: Não pode fazer isso porque a sua mente desconfia demais. Houve muitas interferências, uma infinidade de vírus, o que chamamos de crenças irracionais, lembra? Eduardo: Sim, sim. O amor para mim é um problema. Eu sei que ela é espetacular, seria a mulher ideal para qualquer um. O que me detém, então? Terapeuta: O medo. Eduardo: Medo de quê? Terapeuta: Da indiferença, de que não queiram você, de que o machuquem. Medo de soltar o


você, de que o machuquem. Medo de soltar o freio de mão e escorregar ladeira abaixo. Eduardo: Tenho medo de errar. Terapeuta: Todos temos, você não pode amar sem correr riscos. Além disso, já é hora de deixar de colocar a culpa de tudo na sua história: a autocomiseração nunca lhe serviu de nada. Eduardo: Você acha que ela é uma boa mulher? Terapeuta: A resposta não é óbvia?

Finalmente, entre idas e vindas, Eduardo casou-se faz um ano e está feliz com a decisão: o passado não nos condena. Por mais que tenhamos sofrido na infância, uma boa relação pode agir como um bálsamo. Não acredito que o amor cure nada; quem cura são as pessoas quando são doces e compreensivas. Eduardo teve que passar de um esquema de pessimismo crônico, quase esquizoide, a um otimismo moderado. A experiência afetiva do dia a dia encarregou-se de contradizer as suas crenças negativas. Não teve de fazer nada especial, nem sequer resolver os velhos rancores que sentia em relação à mãe; somente teve de amar a sua mulher e deixar-se amar. 3. Apego ansioso/ambivalente Quinze por cento das crianças e dos adultos manifestam o estilo ansioso/ambivalente. Os pais dessas crianças são


inconsistentes na expressão de afeto: algumas vezes respondem às suas necessidades com amor e preocupação, e em outras não prestam atenção. Diante de uma situação desconhecida, essas crianças aferram-se desesperadamente à mãe e têm medo de ficar sozinhas; choram quando os progenitores se afastam e são indiferentes ou hostis quando eles regressam. Quando adultas, podem apaixonar-se e desencantar-se com facilidade, e tendem a romper repetidamente com a mesma pessoa. Preocupam-se muito que o companheiro ou a companheira não os queira e são muito dependentes. Também costumam ser ciumentas, possessivas, muito emotivas e irritáveis frente aos conflitos.77 O conceito de si mesmos não é bom, e veem as pessoas de forma ambivalente – às vezes amável e às vezes não. O esquema afetivo mostra duas facetas que podem se ativar de forma alternada: “Não sou querido, e as pessoas são más” ou “Não sou querido, e as pessoas são boas”. O primeiro esquema fará com que as suas estratégias de enfrentamento sejam defensivas e/ou agressivas. O segundo produzirá um padrão de forte dependência. Lembro o caso de Clara, uma jovem de dezessete anos que tinha rompido com o namorado mais de vinte vezes. O pai de Clara era um homem muito estressado que se relacionava com ela de acordo com os indicadores de vendas da sua empresa. A mãe era uma mulher infantil, com baixa tolerância à


frustração e que tinha chiliques constantemente. Ambos os progenitores eram muito temperamentais e imprevisíveis. Clara, em que pese a sua juventude, havia compreendido que vivia num mundo afetivo desordenado e incerto. Segundo as suas palavras: “Olhe, doutor, eu já vejo as coisas muito claras. O meu pai não suporta a si mesmo; minha mãe é como a minha irmã: cuido dela desde os doze anos, quando entendi que era uma pessoa totalmente imatura. Tudo na minha família é instável e contraditório; meus pais passam do amor ao ódio num instante, em uma hora você pode ouvir os piores insultos e as maiores expressões de afeto. Como você quer que eu tenha uma relação normal com o meu namorado? Sei que não devo me esconder atrás disso para evitar a minha responsabilidade, mas há duas coisas que para mim estão claras: uma é que tenho de melhorar e não parecer com eles, e a outra é que quero estudar noutro lugar, o mais longe possível; espero que o senhor os convença”. Em menos de um ano, ela havia rompido definitivamente com o namorado e tinha acertado o ingresso numa universidade inglesa. Às vezes, é impossível curar uma doença se a pessoa vive numa zona endêmica. Fugir nem sempre é ruim. Soube através de um e-mail que ela conheceu um jovem holandês e que, apesar de às vezes o seu gênio ruim vir à tona, vive contente e realizada afetivamente. Muitos casos de apego ansioso/ambivalente não têm a mesma sorte. O conflito costuma estar mais arraigado e para


mesma sorte. O conflito costuma estar mais arraigado e para atenuá-lo são requeridas muitas horas de terapia. O mais provável é que a minha jovem paciente, devido à sua inteligência e astúcia, conseguisse não se envolver demais na dinâmica afetiva de seus pais. O método que ela utilizou para não se deixar machucar de uma forma inútil é muito efetivo: deixar o problema de lado quando não nos compete, e nos ocuparmos dele quando nos disser respeito.

Para não sofrer Como você deve ter percebido, é impossível existir uma relação perfeita: inevitavelmente, a convivência terá momentos bons e maus. Não obstante, se existe um bom clima afetivo, as desavenças serão assimiladas corretamente e não haverá ressentimento. Os problemas normais – ou seja, os que não afetam a dignidade pessoal – são oportunidades para se entender melhor. De que outra forma podemos crescer num relacionamento se não for pelo método de tentativa e erro? Não se assuste caso identificar diferenças com a pessoa amada, não existe a compatibilidade total. Vamos repassar alguns princípios sobre a amizade de casal para que você possa refletir a respeito e fortalecer a sua philia. Ser compatível no fundamental


O que é fundamental? Os valores, as crenças essenciais, a ideologia, a dignidade. Como já disse, você não deve pensar exatamente igual ao seu companheiro; isso seria impossível, além de tedioso. A semelhança implica aceitar variações sobre o mesmo tema, tonalidades distintas e diferenças de ênfase, mas não de fundo. Deve existir um pluralismo de dois, no qual haja disputas cordiais, governáveis e normais. Isso fortalece a relação. Se você sente que a pessoa amada está na margem oposta, pergunte-se se o distanciamento ocorre em questões essenciais: há coisas que são negociáveis ainda que à primeira vista não pareçam. “Não consigo viver com a bagunça do meu marido”, me dizia uma mulher já madura. “Claro que pode, você fez isso durante quase trinta anos”, respondi. O problema real manifesta-se quando você começa a perceber que certas coisas não se encaixam com os seus princípios, e o incômodo vai ficando cada vez mais visceral e menos racional. É nesses casos em que o corpo oferece resistência. O que você faria se descobrisse que o seu marido é um abusador sexual? O que faria se soubesse


que a sua esposa é infiel ou rouba o seu dinheiro? Há incompatibilidades insolúveis. Ao contrário, se o acordo sobre o fundamental existir, você será cúmplice da pessoa amada, seu amigo de travessuras, de brincadeiras e de humor. Se dão risadas juntos, tudo vai bem, e, caso encontrem-se no silêncio, melhor ainda. Algumas pessoas que acreditam que devem falar sobre tudo, falam demais; é curioso que seja assim, mas às vezes é preciso fechar a boca para alcançar acordos. Vi relacionamentos que se parecem a uma luta de boxe em que os golpes não são físicos, mas verbais. O amor vai tomando a forma de uma controvérsia constante que não afeta apenas o casal, mas também quem está próximo. Recordo que em certa ocasião fui passar uma semana na praia com um casal de amigos totalmente incompatíveis: ele gostava de beber, ela era abstêmia; ela gostava de tomar sol, ele não saía da sombra; ela fumava, ele era alérgico à fumaça de cigarro; se ele contava piadas, ela ficava furiosa; e, quando ele queria fazer amor, ela tinha dor de cabeça. A respeito da educação dos filhos


ocorriam as mesmas discrepâncias. Meu descanso foi estressante. Por que seguem juntos? Eles dizem que se amam. O parceiro deve ser o seu cúmplice, não a alma gêmea nem o pior adversário; é preciso que seja um ser semelhante a você, alguém que possa se indignar ou se surpreender quando você fica indignado ou impressionado. Como você percebe que está com a pessoa adequada? Porque quase tudo flui de forma relaxada e natural, você não tem que passar horas tentando convencer o outro sobre questões que para você são mais do que óbvias. Quais são os ingredientes mínimos para que uma relação seja funcional? Basicamente dois: tranquilidade e desejo governável; tranquilidade de não estar com o inimigo, de militar no mesmo grupo, e um eros disposto, sem dependência. As incompatibilidades, ao contrário, podem variar, assim como as soluções. Por exemplo, os membros de um casal podem discordar a respeito da invasão do Iraque, e não passar disso; trata-se de uma oposição racional e razoável que não afeta o amor. Mas, se ela é fundamentalista islâmica e


ele fanático por Bush, é provável que o reflexo da guerra chegue até eles. Vejamos outro exemplo não tão “conflituoso”: ele é italiano, vem de uma família de cozinheiros, adora comida e acha que cozinhar é um ritual alquímico; ela é anoréxica, odeia gordura, acha que as massas são veneno enjambrado em forma de tirinhas e o cheiro de comida lhe dá náuseas. Suponhamos que, num ato de amor sem precedentes, ele decidisse mudar de interesse, renunciar à sua tradição e esquecer o prazer de cozinhar. Se isso ocorresse, tal como vejo as coisas, haveria um problema ético: ele estaria patrocinando a doença da mulher e seria cúmplice da anorexia. O seu ato de amor, paradoxalmente, terminaria reforçando a doença da pessoa que ele diz amar. É preciso deixar bem claro que a anorexia não é uma posição política nem um ato de protesto a serviço de um ideal social, mas uma doença. Haveria outra opção: que o ato de amor viesse dela, e ela decidisse combater o transtorno de alimentação “por amor”, ainda que soe piegas. É provável que nunca se convertesse ao “italianismo” no sentido de desfrutar com fruição uma lasanha caseira, mas poderia lutar contra a


fruição uma lasanha caseira, mas poderia lutar contra a anorexia e fazer da sua vida pessoal uma experiência mais saudável enquanto, do ponto de vista culinário, poderia fazer feliz o seu frustrado companheiro. Assim, desejo que você não tenha de explicar sempre as piadas para o seu parceiro e que não tenha de suplicar que o acompanhe a um show ou para assistir a um filme. Também espero que os seus sonhos e aspirações não levem você ao sul se a sua metade da laranja sonha em ir ao norte; você é quem deve decidir se é justificado fazer um esforço para que as coisas melhorem. Mas defina um limite de tempo, ninguém é obrigado a sofrer mais do que o necessário. Admiração sem idolatria Admirar o seu par é saboreá-lo; quando você se maravilha com ela ou com ele, não só por suas habilidades ou pelas coisas em que se sobressai, mas por sua essência, o caminho da convivência fica mais fácil: é impossível amar quem você não admira. A boa convivência, a philia, levará você a descobrir o outro repetidas vezes. Se a pessoa amada passa inadvertida para os seus sentidos, se


amada passa inadvertida para os seus sentidos, se já nada nele ou nela surpreende você, se o seu comportamento é tristemente previsível, significa que o amor entrou em decadência. Admirar-se é surpreender-se. Você pode admirar sem amar, mas não o contrário. Admiramos muitas pessoas, mas só amamos uma (ou, no pior dos casos, duas). O problema, a má notícia, é que, quando a admiração termina, recuperá-la é quase impossível, e digo “quase” para não tirar as suas esperanças. Se você está desiludido com o seu par, tem de fazê-lo saber disso, para que ele tente ressuscitar a relação, ainda que o prognóstico seja reservado. O amor tem dois inimigos principais: a indiferença, que o mata lentamente, e a desilusão, que o elimina de uma tacada. No entanto, admirar não é venerar, não é render culto à personalidade e passar a ser um “auxiliar afetivo”. Conheci mulheres que idolatram os maridos de forma reverencial; se você confunde admiração com idolatria, negará a si mesma. O seu parceiro não é a reencarnação de algum antigo mestre espiritual, nem o rei da Babilônia ou a rainha de Sabá. Se você acredita que ele é tão


rainha de Sabá. Se você acredita que ele é tão especial, terminará sentindo-se honrado de ele estar com você quando simplesmente deveria sentir-se feliz. O saudável, do que a philia precisa, é que a admiração seja mútua. Você se considera admirado por seu par? Porque, se não for assim, é preciso dar firmeza à autoestima com urgência. Se o seu companheiro critica você e não reconhece o que deveria reconhecer por direito, você tem um problema sério, já que não pode impor que amem ou admirem você: o amor não pode ser obrigação, tampouco a admiração. Ainda que doa (e devemos reconhecer que às vezes a melhor maneira de vencer o sofrimento é sofrer com fundamento), se não o admiram, não o amam inteiramente: o amor é a conjunção equilibrada de eros, philia e ágape. Talvez o desejem e cuidem de você, mas, se não o admiram, a philia está ausente, o amor está coxo. Amor justo, amor digno Faço dois esclarecimentos para que você leve em conta. Em primeiro lugar, tal como verá no trecho sobre o ágape, há ocasiões em que o amor se


transforma em compaixão, e o balanço custo/benefício inclina-se a favor do mais necessitado. Em segundo lugar, promulgar um amor justo e recíproco não significa que façamos do vínculo afetivo um intercâmbio mercantilista no qual seja necessário fazer uma contabilidade detalhada de passivos e ativos. Não existe igualdade absoluta em nenhuma relação interpessoal; o importante é que você não se sinta explorado e que nada afete a sua dignidade pessoal. A justiça implica igualdade de direitos e se, por alguma razão, você quer renunciar a eles, que seja por convicção e não por medo ou apego. O importante é que você não se engane. Espinoza dizia: “A justiça é a disposição constante da alma em dar a cada um o que lhe corresponde”, e Aristóteles afirmava que a justiça é uma “espécie de proporção”. Falam de reciprocidade proporcional, ou seja, de que as suas necessidades afetivas básicas sejam satisfeitas de forma realista. A amizade, por mais amorosa que seja, nunca é de todo desinteressada; assim, você não deve se sentir mal por esperar retribuição. Você tem direito a buscar a equivalência: se entrega fidelidade,


espera fidelidade; se concede afeto, espera afeto; se dá sexo, espera sexo; se é honesto, espera honestidade. Não esqueça que o que define a convivência é essencialmente a troca amistosa, mas troca, no final das contas. Uma relação na qual a dignidade esteja afetada não é negociável. Se você sente que dá muito mais do que recebe ou que o seu par tem mais direitos do que você, e isso incomoda você, seja assertivo e expresse-o, porque, se não fizer nada a respeito, o rancor substituirá o amor. Confiança básica Você confia no seu companheiro ou companheira? Tem certeza de que nunca irá ferir você intencionalmente? A philia não pode existir sem confiança, sem a segurança de que estamos em boas mãos; é impossível viver na dúvida e na incerteza. Você colocaria a sua vida nas mãos do seu marido ou da sua mulher com a segurança de que ele ou ela faria o possível e o impossível para salvar você? Se a resposta for “não sei, não tenho segurança absoluta”, a sua relação entrou na terapia intensiva. Se você não tem confiança na


terapia intensiva. Se você não tem confiança na pessoa que diz amar, não a ama. Não me refiro a ser cego, mas a alcançar a convicção profunda de que se está bem resguardado. Não há muito que dizer aqui. é tão óbvio! Assim como a desconfiança impede de manter uma relação de amizade, também impede uma relação de casal. Isso deve estar bem claro: numa relação afetiva estável você abre o coração e a mente, mostra-se como é, verte-se no outro, é como um ato de fé; portanto, deve ter a segurança de que nada será usado contra você. Não digo que tenha de pôr à prova a pessoa amada ou criar armadilhas, porque a vida se encarrega disso. Não seria honesto, e você estaria agindo de uma forma que não gostaria que agissem com você. Tampouco digo que fique paranoico e esteja na defensiva todo o tempo, mas é impossível amar quando há medo. Krishnamurti dizia: “O amor é a ausência de medo”. Se não há medo, não há sofrimento.


TERCEIRA PARTE

ÁGAPE Da simpatia à compaixão

Ame e faça o que quiser. A medida do amor é amar sem medida. Santo Agostinho A ternura é a paixão do repouso. Joseph Joubert


Se conseguirmos integrar de forma ponderada e unificada o eros (desejo) e a philia (amizade), a percepção será de que tudo está sob controle, que sem dúvida conseguimos harmonizar uma relação sã e durável. O que poderia faltar? Desejamo-nos com paixão e realizamo-nos mutuamente na alegria compartilhada, o que mais se pode pedir? Mas existe mais. O amor segue o seu curso e não se detém, há um terceiro nível na evolução afetiva. O eros transforma-se em philia, que o inclui, e a philia, por sua vez, transforma-se num novo amor que inclui ambos. Trata-se de um amor diferente dos anteriores, que não sofre, que não ambiciona tanto como o eros nem espera tanto em troca como a philia. Um amor que passa por cima do “eu quero” erótico e do “você e eu” amigável para localizar-se inteiramente no “você”. Não sou “eu” nem somos “nós”, é “você” em primeiro lugar, em primeira pessoa. Esse amor é denominado ágape: o amor desinteressado que dá e se entrega sem mais. Você dirá que tal amor é impossível numa relação humana e real. No entanto, a doçura e a delicadeza costumam estar presentes nas relações funcionais. Às vezes, decidimos dar sem esperar nada em troca, ou sentimos a urgência profunda e determinante de buscar o bem do ser amado mesmo à custa do nosso ego. De vez em quando acontece, e é maravilhoso que seja assim. Comte-Sponville explica isso muito bem1:


Passamos do amor por nós mesmos ao amor pelo outro, e do amor interessado ao amor desinteressado, da luxúria à benevolência e à caridade, em suma, do eros à philia e, às vezes (pelo menos como ideal), da philia ao ágape. (pág. 279)

O amor evolui com os anos quando tudo vai bem: descentraliza-se, e os sentimentos assentam-se, por assim dizer. É o vento calmo que não perde a sua força e se contém, que se nega a machucar o ser com quem compartilha o amor. E não falo de incondicionalidade cega e permanente, mas de querer ajudar e compreender a pessoa amada quando ela precisa de nós. “Onde há necessidade, há obrigação”, dizia Simone Weil.2 O ágape é a dimensão ética do amor que se transforma em altruísmo; é o caminho da outra paixão, a do sofrimento que se oferece; é benevolência pura: “Daria a minha vida por você”, dizem os que sentem dessa forma. Você daria a sua vida pela pessoa que diz amar? Não me refiro a dá-la pelos filhos, algo fácil e natural, mas por quem somente se une a você por meio da “vontade amorosa” e não pela genética. Você daria? Não sabemos, não é verdade? Achamos que sim, talvez, se fosse o caso. Nas relações interpessoais, o ágape chega como o mar à praia: toca nela, limpa e refresca, mas não permanece, porque a água absorveria a areia e essa desapareceria. Como disse antes, o ágape ocorre às vezes, e nesses momentos nos despojamos


o ágape ocorre às vezes, e nesses momentos nos despojamos de tudo o que somos, a consciência esvazia-se de si mesma e ficamos à mercê do amor. O ágape é um presente que nos damos e que oferecemos. Borges expõe isso lindamente no final do seu poema “Baruch Spinoza”3: O mais pródigo amor lhe foi outorgado, o amor que não espera ser amado. Despojado momentaneamente do eros e da philia, resta o ágape, o amor que acolhe e dá. A palavra ágape vem de agapan, que significa acolher com amizade (amar). Em latim foi traduzido como caritas (o caro, o querido), e em português como caridade. Os gregos conheciam o eros e a philia, mas parece que não precisaram definir outro tipo de amor, apesar de que existia o termo philantropia para designar o apreço ao estrangeiro. A revolucionária alternativa amorosa de “amar o inimigo” não surge até o Novo Testamento (Mateus 43-47). A mensagem de Jesus vai muito além do que se aceitava até aquele momento: não se trata somente de amar o desconhecido, o que por si só é difícil, mas de amar quem quer nos prejudicar ou, de fato, nos prejudica. O ágape agrupa todo o conjunto destes amores difíceis: “o próximo como a si mesmo”, o inimigo, a humanidade, o


“o próximo como a si mesmo”, o inimigo, a humanidade, o desconhecido; enfim, trata-se da extensão do amor até o universal. Não digo que seja impossível amar dessa maneira, mas é preciso reconhecer que a maioria de nós não é capaz de sentir isso com plenitude. “Amar os inimigos” requer algo mais do que boa vontade, é a chama da santidade ou da iluminação. Mas no amor é preciso ser prático. Não esqueçamos que o eros e a philia também intervêm, um com o seu afã pelo prazer e o outro com a ênfase na reciprocidade. Realmente somos capazes de não esperar nada da pessoa amada? Você renunciaria à reciprocidade que a philia exige ou ao prazer que o eros impõe? Amar os inimigos é talvez o auge de um processo ascendente no qual o amor evolui até o espiritual, mas pretender conviver sob o mesmo teto com o inimigo, como se fôssemos companheiros de alma, é praticamente impossível. Dito de outra forma: é mais fácil amar o inimigo do que se casar com ele ou ser seu amigo.

A condição do ágape O ágape do amor de casal, terreno e realista, requer uma condição básica para que possa se realizar sadiamente: que a pessoa depositária do ágape não se aproveite das nossas fraquezas. Doar-se sem restrições a alguém que faça mau uso do nosso amor agápico não é altruísmo, mas insensatez. Vejamos um exemplo.


Vejamos um exemplo. Mônica foi educada com a ideia de que uma boa esposa deveria ser incondicional e submissa; para ela, o amor de casal era inseparável do dever conjugal, e nada justificava uma separação. A sua felicidade dependia exclusivamente da satisfação do marido. No entanto, apesar dos bons augúrios e do otimismo que costuma acompanhar os apaixonados, a relação tomou um rumo inesperado devido à incapacidade de Mônica de se opor, de pensar por si mesma e de exercer os seus direitos. O marido, pouco a pouco, foi mostrando uma faceta egoísta e ditatorial: chegava tarde da noite, não ia dormir em casa, não lhe dava dinheiro nem roupas, enquanto ele estreava peças todas as semanas, nunca saía com ela, não permitia que tivesse amigas e criticava o aspecto físico dela. Enfim, o homem agia como um imperador com a sua escrava. Se fosse pouco, a vida sexual de Mônica transformou-se numa verdadeira tortura: o homem a atava, batia e abusava sexualmente dela toda a vez que queria. Diante de tal situação, ela optou por agir de acordo com as suas crenças e colocou em prática a pior estratégia possível nos casos de maus-tratos: o amor incondicional; quanto mais castigo recebia, mais amorosa era a sua atitude com ele. “O meu amor vai curá-lo”, dizia a si mesma, tentando alimentar uma esperança tão absurda como impossível. O dia em que chegou ao meu consultório, Mônica pesava


quarenta quilos, tinha lesões por todo o corpo e uma severa depressão acompanhada de ideias suicidas. Com muito esforço, conseguiu manter as sessões de terapia em segredo, já que o marido a havia proibido de pedir ajuda. Quando a sua mãe soube do que estava acontecendo, lhe deu dois conselhos: “Não se apresse em tomar decisões das quais possa se arrepender” e “Lembre que é preciso dar outra oportunidade às pessoas”. Por sorte, nenhum desses conselhos prosperou. Numa consulta, Mônica expressou assim a sua decepção: “Eu me entreguei ao homem que amava de corpo e alma e para toda a vida. Acreditei que o amor seria suficiente, mas me enganei. Sempre pensei que ele merecia o melhor, e a conclusão a que cheguei é terrível: não é bom se entregar totalmente nem amar de forma incondicional”. A minha resposta foi: “Depende do parceiro”. Para que o ágape interpessoal prospere precisase de um interlocutor que também o demonstre. Uma mulher que decidisse ser amorosa, delicada e terna com um assassino em série não teria muitas chances de sair com vida. Mônica acabou se separando e, depois de um ano, conheceu um homem que correspondeu de forma adequada ao amor que ela oferecia. O escritor Cesare Pavese dizia: “Você será amado no dia em que possa mostrar a sua fraqueza sem que o outro a utilize para afirmar a sua força”. Bela prova: não há nada a esconder, nada a dissimular, estou aqui, com todo o


meu ser exposto. Definitivamente, é mais fácil amar Deus do que as pessoas, porque não temos que conviver com Deus, ao menos num sentido humano. Alguns pensadores sustentam que uma das razões pelas quais os preceitos básicos do amor cristão4 e budista5, 6 ainda não conseguiram uma transformação radical da mente humana é porque propõem estados ideais de felicidade muito distantes da realidade. Antes de pretender alcançar o paraíso ou o nirvana, deveríamos começar por questões mais práticas e menos ambiciosas, por exemplo: a) tentar amar de maneira mais desinteressada (ágape) as pessoas à minha volta, e b) procurar ser menos indiferente à dor alheia. “Tentar”, “procurar”: essa é a semântica realista que não esquece a nossa condição de seres imperfeitos.


DOÇURA E AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA Uma boa relação afetiva deve ser essencialmente pacífica e rejeitar todo tipo de agressão injustificada, seja ela verbal ou física. Entendo que seja injustificada qualquer manifestação violenta que não seja em defesa própria. A característica fundamental do amor não violento é a capacidade de renunciar ao poder para evitar ferir a pessoa amada. É algo parecido com o que ocorre quando pegamos um bebê nos braços e todo o nosso organismo contém-se para acomodar a fragilidade do recém-nascido. O ágape implica esquivar-se, retroceder um pouco para não incomodar nem esmagar o outro. Num sentido mais espiritual, Simone Weil7 afirma que o ato criador de Deus constituiu-se no despojamento da sua divindade para que a existência do homem tivesse lugar; a criação, segundo ela, foi um ato de “descriação” por amor. A vontade divina e o ágape não seriam outra coisa senão a renúncia amorosa. Temos de aceitar que não é fácil abandonar a prepotência e aderir sem condições à fraqueza ou à dor da pessoa amada, sobretudo numa cultura na qual o poder em qualquer uma das suas formas é um valor. No entanto, não pode haver amor sem


suas formas é um valor. No entanto, não pode haver amor sem delicadeza, sem a profunda decisão de não machucar. Percorrer os caminhos do ágape é negar-se a ser o amo ou o verdugo de quem se ama, não há amor se houver abuso de poder, se houver dominação. O amor é o contrário da força que se impõe, é aquilo que enfrenta a crueldade. Se o eros é a confirmação do “eu” que apetece, o ágape é o “eu” que se recolhe, que se retira por amor. Respeitar você é saber ler as suas negativas, as suas inseguranças, reconhecê-las de forma horizontal e não vertical, fazê-las minhas sem me contagiar, é ser exato e cuidadoso nas minhas aproximações para não esmagar você com o meu ego nem machucar você com a minha indiferença. Amar é abrandar o coração. Camilo sempre tinha se caracterizado por ser um homem sensível e afetuoso. Estava casado pela segunda vez com uma executiva de sucesso que gozava de uma boa posição e que estava motivada a vencer. Apesar de ser uma pessoa excelente, Camilo era visto pelos demais como um indivíduo muito tranquilo, evasivo e pouco competitivo nos negócios, o que contrastava acentuadamente com o temperamento da esposa. A relação havia começado a mostrar um desequilíbrio no que se refere ao ágape: os comportamentos conciliadores de Camilo chocavam-se com a fortaleza e a indiferença da sua mulher. Numa consulta, perguntei a ela em que medida se


mulher. Numa consulta, perguntei a ela em que medida se preocupava com o marido, e a reação foi de surpresa: “Por que pergunta isso? Não sei, não acho que ele tenha problemas importantes, é um homem independente, muito tranquilo. Cada um tem o seu mundo e nos damos bem assim. Ele sempre foi inseguro e por isso decidiu pedir ajuda, mas não acredito que o meu papel seja o de cuidá-lo e de me transformar numa babá, se é isso que você quer dizer...”. O egoísmo é cego. Camilo havia começado a manifestar sintomas depressivos (lembremos que a essência da depressão são a solidão e o desamor), o seu trabalho estava balançando, sofria de enxaqueca, tinha problemas frequentes com a família, não estava satisfeito sexualmente e passava por uma crise vocacional, entre outros problemas. Tudo isso havia passado inadvertido para a esposa. As coisas pioraram quanto Camilo contraiu uma infecção respiratória e teve de ser internado numa clínica durante dez dias. Nesse período, a mulher mostrou-se pouco interessada no processo da sua doença e o visitava por poucos minutos durante a hora do almoço, sempre com pressa. No quarto dia de hospitalização, ela comentou que iria se ausentar durante uma semana para ir a um seminário de atualização. Camilo não teve outra opção senão se resignar e passar esses últimos dias na clínica no mais absoluto abandono. Quando retornou ao meu consultório, disse com tristeza: “Agora eu entendo o que o senhor me disse uma vez, que no


amor deve haver reciprocidade. Não me sinto amado, nem protegido, ela pensa que sou fraco porque preciso de afeto. O amor deve ser manifestado nas horas boas e más, percebi na clínica que não a amo mais, eu cansei. Ela não foi delicada quando fiquei doente, subestima os meus problemas, não há ternura, ela não se preocupa comigo. Prefiro ficar sozinho”. Sem o ágape nenhuma relação funciona, porque a insensibilidade, cedo ou tarde, gera desamor. A emoção que se sente frente à indiferença não é a ira do despeito nem a angústia da infidelidade, mas a pura desilusão; quando percebemos que não há o ágape, tudo desmorona. Se a pessoa que amamos nos pede carinho e apoio, por que não atender a essa solicitação, se existe amor? Que razões poderia haver para negar afeto à pessoa amada? Não falo de ser muito condescendente, ainda que às vezes também possamos sê-lo, mas de reconhecer como válidas e legítimas as necessidades do outro, apropriar-se delas e colaborar. A mulher de Camilo nunca foi incondicional quando deveria ser: ou não via o sofrimento do marido ou o subestimava por ser “irracional”. Mas quem disse que a dor deve ser racional para que mostremos compaixão? Teria bastado uma dose mínima de afeto. O exemplo mostra que a ausência do ágape nem sempre se manifesta no maltrato físico ou na agressão manifestada. Em muitas ocasiões, o golpe é mais sutil e menos


manifestada. Em muitas ocasiões, o golpe é mais sutil e menos dramático, mas igualmente doloroso. Quantas vezes, de maneira egoísta, geramos mal-estar na pessoa amada ou tentamos impor a nossa supremacia mesmo sabendo que não é o correto? Nosso amor está contaminado de prepotência. O que fazer então para não lamentar nem angustiar o ser amado? Temos duas alternativas: a atenção desperta (“Escutar o outro com cada célula do corpo”) e a disponibilidade atenta (“Estar disposto a colaborar com toda a energia”). Nem sempre avaliamos o impacto que os nossos atos têm nas pessoas queridas; fazer isso implica descobrir-nos no terreno das fraquezas: “Porque sou fraco, compreendo a sua fraqueza”. É a flexibilidade do amor que se despoja da soberba. É fácil lutar pelo poder, impor-se e competir; é fácil engordar o ego. No entanto, é bastante difícil entregar as armas podendo ganhar a batalha, recolher-se e apaziguar o instinto de sobrevivência. Por que fazê-lo? Por puro amor, porque sim. O ágape significa bons tratos, atenção, esmero no contato físico; é o conjunto de carícias bem distribuídas. Como pode haver amor se existe brutalidade? A aspereza opõe-se ao carinho, à flor, ao galanteio que nos escapa sem tanta gramática. É a morte do erotismo? De forma nenhuma. Ainda que o eros fique moderado no ágape, nada opõe a sexualidade ao amor desinteressado: pode haver sexo agápico, sexo carinhoso, aprazível, dócil, sexo de entrega, sexo sem disputa, duas


aprazível, dócil, sexo de entrega, sexo sem disputa, duas fraquezas enredadas, tão expostas como for possível. É o risco do amor quando o animal se humaniza. Pode haver, inclusive, um eros transcendente. Esta frase de Santo Agostinho mostra isso claramente: “O amor é carne até no espírito e espiritual até na carne; que o diga Teresa de Ávila”. E para corroborar tal afirmação, vejamos um trecho do poema “Glosa”, de Santa Teresa de Jesus8: Esta divina união do amor com que eu vivo faz de Deus meu escravo, e livre o meu coração; mas causa em mim tal paixão ver Deus como meu prisioneiro que morro porque não morro. Possuir Deus, ser possuída por Deus: a amante de Deus. O eros em toda a sua dimensão: a ideia de fusão, a paixão sem limites e o desejo de posse. O ágape é a expressão mais elaborada do afeto positivo, é a expressão natural do amor que se torna consciente de si mesmo na benevolência: beijar, abraçar, roçar, acariciar, pentear, vestir, proteger, alimentar, sussurrar, embalar, pegar, sorrir. Trata-se dos cuidados intensivos do amor, sem tanta


urgência. Não somente desejo você, não somente me alegra a sua companhia, mas também quero lhe cuidar, com sossego, sem obsessão, sem apego.

“O amor carrega a sua própria disciplina” Se há ágape, a atitude protetora nasce naturalmente. Krishnamurti9 dizia que “o amor carrega a sua própria disciplina”. Quando amamos de verdade, não precisamos de muito esforço para que o ágape se manifeste. O amor alivia a carga das exigências, ao menos as transforma e lhes confere um sentido de responsabilidade indolor. Que pais normais se queixariam de cuidar de um filho doente? O amor revela-se com satisfação. Quem em são juízo se divertiria ultrajando a pessoa amada? A violência e o descuido com o outro brigam com o amor. Quem o machuca não o merece, quem o machuca não o ama. Se o amor é “a alegria por você existir”, como destruir você sem me destruir? Por trás da frase de Krishnamurti existe mais: descobrese a ideia de que, quando o amor está presente, os valores subordinam-se a ele ou, dito de outra forma, expressam-se espontaneamente porque o amor os contém. Devemos nos esforçar muito para sermos justos, generosos ou amáveis com


esforçar muito para sermos justos, generosos ou amáveis com os seres queridos? Não, se há amor suficiente. Esconderíamos comida das pessoas que amamos em época de fome para consumi-la escondido em seguida? Ou seria ao contrário: não preferiríamos morrer de fome a ver os nossos filhos sofrerem? Não compartilharíamos o pão com a pessoa amada? Os deveres não definem o amor, ninguém ama por obrigação. Por isso, se aceitarmos que o amor estabelece a sua própria disciplina, bastaria amar. “Ame e faça o que quiser” significa: despreocupe-se, o afeto encarrega-se de tudo. Savater10 diz assim: Onde o amor se instaura, a ética sobra e a virtude deixa de ter sentido. Os objetivos da virtude, como conseguir valor, generosidade, humanidade, solidariedade, justiça etc., o amor consegue sem sequer propor, sem esforço nem disciplina. (pág. 121)

Lembremos mais uma vez Espinoza11 quando diz que não amamos uma coisa ou alguém porque é amável, mas porque a consideramos amável (valiosa) uma vez que a amamos. O amor vem primeiro, o amor outorga valor, o amor agápico desloca a moral, ou seja, precisamos da moral porque não sabemos amar. Essa é a relação entre o amor e a ética. Isso não significa que às vezes não possamos ter acessos de egoísmo, mas, se existe amor, jamais afetarão a dignidade da


pessoa amada. O amor cuida de nós para que possamos cuidar. Um exemplo simples, um contraste: um casal briga veementemente num restaurante porque ninguém quer pagar a conta. Enquanto isso, na mesa ao lado, outro casal discute pela razão oposta: cada um quer convidar o outro. Outro caso: há um só computador na casa, e ele deixa o seu trabalho para mais tarde porque sabe que ela precisa levantar muito cedo para ir trabalhar. Muito esforço? O amor o alivia. Não se sofre pela entrega, não há capitulação, só satisfação. Não há contabilidades nem contas para cobrar; é a amnésia dos apaixonados. Insisto, não estou tentando fazer uma apologia do mito da incondicionalidade afetiva (sem dúvida, onde mais desertores eu vi no âmbito do amor) ou exaltar algum tipo de altruísmo pedante; o que sustento é que, quando o amor acontece com maturidade, o processo afetivo fica mais cômodo, os sacrifícios deixam de sê-lo, a generosidade desloca o ego; o amor deixa de doer, o sofrimento adquire um significado mais próximo da compaixão. Octavio Paz12 conta que Unamuno, já velho, dizia: “Não sinto nada quando roço as pernas da minha mulher, mas as minhas pernas doem se as dela doerem”. Isso é o ágape. “O amor carrega a sua própria disciplina”, que, na realidade, não é disciplina, mas “virtude afetuosa”. Quando o ágape me toma pela mão, a doçura não demora a chegar, e é muito fácil querer você bem e muito simples acariciá-la.


é muito fácil querer você bem e muito simples acariciá-la.

Para não fazer sofrer Você pode criar as condições para que o ágape se fortaleça. Faça as seguintes perguntas a si mesmo: “O que o meu parceiro espera de mim?”, “Quais são as suas necessidades”, “Posso fazer a vida dele mais fácil e agradável?”. Não subestime as preocupações dele, não julgue o seu sofrimento: abra a sua mente e escute-a. Ou por acaso você acredita que os seus problemas são mais “importantes” e “racionais”? Por sorte, você não é o centro do universo. Enfie-se no mundo dele, escrutine o seu ser, mas não como fazem os obsessivos ou os desconfiados, e sim com a serenidade que o ágape confere. Lembre-se: colocar-se no lugar do outro não é “fundir-se” até perder a própria essência, é compartilhar, dividir em dois a dor, unir duas individualidades. Retire aquelas exigências que não sejam vitais; e não espere o amanhã, faça isso já. Se for verdade que você ama o seu parceiro ou parceira, aproveite cada minuto. Lembro o caso de um homem que somente mudou o seu estilo violento


homem que somente mudou o seu estilo violento quando soube que a mulher tinha câncer. A culpa o fez passar da insensibilidade total à atenção permanente. No entanto, nunca pôde sentir-se tranquilo, nunca perdoou a si mesmo. Quando a mulher finalmente morreu, o remorso aumentou em vez de diminuir. Ele ainda lamenta esse fato: é verdade que cuidou da esposa, mas a sua motivação obedecia à necessidade de aliviar o sentimento de culpa e não ao altruísmo desinteressado que caracteriza o ágape. Chegou tarde. O egoísta sempre sofre: por um lado, vive preocupado com que não lhe tirem a melhor fatia, e isso cansa; e, por outro, a sua atitude gera rejeição social, motivo pelo qual costuma terminar os seus dias na mais absoluta solidão. O grande problema do egoísmo é que não pode passar inadvertido: o avaro é notado, salta aos olhos. Tente pensar nos outros um dia inteiro, sem envolver o “eu”; você irá comprovar como é difícil. A cultura nos ensinou a sermos bons receptores, mas maus doadores e, mesmo que você não acredite, dar pode ser tão prazeroso como receber.


Lembre que o ágape não implica ir contra a sua dignidade. Trata-se de você ser capaz de desprender-se de alguns privilégios se isso fizer bem ao seu companheiro ou companheira. Não me refiro à boa ação dos escoteiros nem que você negocie com os seus princípios, mas que seja capaz de renunciar a coisas quando tiver de fazêlo, que aprenda a perder. Se você pensar bem, que coisas são realmente imprescindíveis na sua vida? Suponhamos que a pessoa que você ama tenha uma doença rara e só poderá se curar se você entregar tudo o que tiver: bens, fama, poder, posição, absolutamente tudo. Você o faria? Se a resposta for negativa, a sua relação carece de ágape; talvez você esteja com a pessoa errada ou simplesmente o amor tenha acabado (conheço homens que preferem enviuvar a falir). Se a sua resposta for um rotundo “sim”, a sua relação está bem encaminhada: o ágape está vivo. Em sua maioria, quem passa por situações extremas como, por exemplo, um sequestro, uma doença terminal, a morte de um filho ou um exílio involuntário (para citar alguns casos) descobre que a posição social, o prestígio ou o poder econômico


não são tão importantes quanto pareciam. É uma pura ilusão que se dilui. Você precisa de uma situação limite para se dar conta do que tem, do ágape que lhe falta? Se a dor do seu par não o afeta, não há amor. Não esqueça que o ágape é ternura; o amor agápico resgata a linguagem natural do amor: ele já está incorporado a você, você dispõe dele porque é um produto de milhões de anos de evolução. Você não precisa fazer um curso para abraçar e agradar a pessoa amada (assim espero, para o bem do seu parceiro ou da sua parceira). Talvez o medo ou a vergonha freiem você, mas o medo se vence enfrentando-o, sofrendo um pouco – positivamente – por amor. Gere ao seu redor uma chuva de afeto entre as pessoas que ama, sem distinção nem condições; mostre a elas o que você sente. Como o ágape poderia existir e sobreviver sem a expressão do afeto? Deixe que o carinho brote e se expresse com liberdade, o que você pode perder? Você se sente ridículo ao expressar estima? Sinto contradizê-lo, mas parece muito mais trivial no papel de supercontrolado maduro: é mais


tragicômica a contenção do que a euforia. Você prefere esperar que o seu par busque fora o que não tem em casa?


A DOR QUE NOS UNE É um fato que a dor é mais facilmente sentida e persiste por mais tempo do que o prazer; os seres humanos são especialmente sensíveis ao sofrimento. Prazer e dor são a cara e a coroa da existência, a dor nos empurra para o nosso íntimo e nos isola do mundo, enquanto o prazer nos abre e nos torna indolentes. Um apaixonado entregue totalmente ao gozo do amor é pouco menos que um ente abstrato (o nirvana adormece), mas, frente à possibilidade de perder a amada, o mesmo indivíduo pularia como uma mola e tentaria restaurar o controle afetivo. Por exemplo, se você chegasse de uma viagem curta e descobrisse que o seu companheiro não sentiu saudades, é provável que ficasse preocupado e interpretasse esse comportamento como “suspeito” de desamor. Mas se, ao contrário, você encontrasse a pessoa amada à beira de um colapso nervoso, angustiada e com sintomas depressivos devido à sua ausência, você confirmaria que ela a ama. Obviamente, ficaria interessado pela saúde dela, mas no seu íntimo, no mais profundo e obscuro da sua consciência, uma mistura de orgulho e tranquilidade faria com que você se sentisse bem: “Como ela me ama”. Associamos o amor à dor, essa é a verdade. Teilhard de Chardin13,14 afirmava que existe uma lei


Teilhard de Chardin13,14 afirmava que existe uma lei natural que diz que todo o êxito é pago com uma grande porcentagem de fracassos: crescer é sofrer, é irremediável. Para Kant15, a dor é uma espécie de bênção que nos salva do orgasmo letal que teria lugar se o impulso irrefreável do prazer seguisse indefinidamente o seu curso. Dito de outra forma, a dor como “bênção” que se intercala entre um deleite e outro para que não morramos de satisfação e evitemos a “indolência” do homem feliz. É proibido ser feliz. Kalil Gibran16, num sentido parecido, embora mais poético, dizia que a tristeza não é mais que um muro entre dois jardins. Seja como for, o prazer nos embala, e a dor nos aprisiona. Não importa o sentido que damos a isso, a natureza nos cuida: quando algo gera sofrimento em nós, todo o organismo dispõe-se a eliminar a causa; o curioso é que às vezes a dor alheia dói em nós tanto ou mais do que na própria pessoa. Trata-se de um sofrimento profundo, inexplicável do ponto de vista da biologia. É a necessidade imperiosa de se colocar no lugar do ser amado quando sofre. Lembro o caso de um adolescente cujo pai, já idoso, havia sido sequestrado, e que propôs aos sequestradores trocar de lugar com o pai, uma vez que o homem estava doente. Uma vez feita a troca, o jovem ficou um ano no cativeiro. Quando finalmente o libertaram, contou que durante o confinamento, nos momentos de maior desespero, um só pensamento o manteve


momentos de maior desespero, um só pensamento o manteve em pé: “Se não estivesse aqui, meu pai estaria morto”. Não era valentia nem audácia, somente ágape em estado puro. O amor guia o sistema de valores, e o reafirma, o absorve. Que outra motivação fora o amor poderia ter tido aquele jovem? O valor da benevolência, o ágape, é preservar e reforçar o bem-estar das pessoas próximas a quem amamos.17

As regras de ouro da convivência Se quiséssemos estabelecer uma regra universal de convivência que nos permitisse viver a dois e em sociedade de maneira construtiva, o que mais deveríamos ponderar: evitar a dor e administrar o prazer? Alguns diriam que ambas as coisas são primordiais, e concordamos, mas se você somente pudesse selecionar uma das opções, qual escolheria? O que seria mais importante para a sua convivência a dois, gerar prazer ou evitar a dor? Já vimos que o intercâmbio de reforçadores é determinante para a philia e o prazer é imprescindível para o eros, mas como se relaciona a dor com o ágape? A dor tem uma linguagem mais categórica e absoluta do que o prazer. Se alguém com dor de dente encontra-se com outra pessoa na mesma situação, a identificação será imediata: “Isto é horrível”, diria um; e, seguramente, o outro concordaria com veemência, e o acordo seria total. Mas, se tivessem que


com veemência, e o acordo seria total. Mas, se tivessem que falar de seus respectivos orgasmos ou do prato predileto, a coincidência deixaria de ser tão precisa, a descrição mostraria certa variação tanto na parte operativa como na subjetiva: nós nos parecemos mais na dor do que no prazer. A maioria das pessoas suportaria mais facilmente a ausência de prazer do que a presença da dor: o primeiro deprime, o segundo enlouquece. Vejamos algumas das máximas de convivência (“regras de ouro”) mais relevantes e pensemos qual delas se acomodaria melhor à nossa vida afetiva. 1. A mãe de todas as regras: “Ame o próximo como a si mesmo”. Atribui-se primeiro a Moisés (Levítico 19, 18) e logo a Jesus (Lucas 10, 27). O seu mandamento é claro: dar a mesma importância aos interesses dos outros do que aos próprios, colocar-nos na pele dos demais. É possível obter semelhante amor? Você é capaz de amar não só os seus filhos mas todos os filhos do mundo? É muito difícil, ainda que valha a pena tentar. Em que pese a sua complexidade, “Amar ao próximo como a nós mesmos” permite entrelaçar o amor pelos outros com o amor que sentimos por nós mesmos. Amar você como eu me amo é aceitar que há um “eu”, é reconhecer-me como um ser legítimo que merece o ágape e o concede.


2. Outra formulação cristã é a que aparece no Novo Testamento (Mateus 7, 12), e diz: “Tratemos os demais como gostaríamos de ser tratados”. Aparentemente, a premissa não tem objeções; no entanto, há um “senão”. Bernard Shaw, citado por Savater18, assinalou claramente: “Nem sempre faça aos demais o que deseja que façam a você. Eles podem ter gostos diferentes”. E é verdade, seria absurdo presentear a minha companheira no dia do seu aniversário com uma caixa de ferramentas porque “isso é o que eu gostaria que ela me desse”. Não posso acariciar você como eu gostaria que me acariciasse sem correr o risco de incomodá-la e não posso amar você exatamente como gostaria que você me amasse porque seria desconhecer as suas preferências. Definitivamente: não posso supor que você precisa das mesmas coisas que eu. 3. Rousseau19 assinala que a regra anterior é uma “máxima sublime de justiça”. No entanto, propõe em seu lugar “outra máxima de bondade natural, muito menos perfeita, no entanto mais útil”. Eu somaria: mais razoável e com menos riscos potenciais. “Faça o bem com o menor dano possível ao próximo.” Aqui já se leva em conta a dor do outro, a ineludível realidade da sua capacidade de sofrer. Se o amo de verdade,


capacidade de sofrer. Se o amo de verdade, minha primeira meta, meu primeiro objetivo afetivo será o de não fazer você sofrer; esta é a condição essencial para que o amor floresça: procurar o seu bem-estar sem incômodos, ao menos tentar seriamente; colocar-me no seu lugar, ou melhor, na sua dor, e desse lugar amar você, não como um estranho ou um estrangeiro, mas como parte essencial da sua vida. 4. Voltaire 20 sugere outra opção para começar a construir e a cimentar qualquer vínculo social: “Não faça aos demais o que não quer que lhe façam”. Darwin21 chegou à mesma “regra de ouro” partindo da ideia do instinto social. Assim se desenvolve o ágape: começando pela não violência, pela retirada do poder, pelo respeito, pela dor que nos une. Não lhe farei nada que eu não gostaria que você me fizesse. Darei um passo atrás, um passo amável, para em seguida avançar sobre o positivo. Depois, testarei o seus gostos, mas só quando tiver claro do que você não gosta. O amor não pode crescer se não adubarmos primeiro a terra do bom trato. É muito fácil saber quais são os seus direitos, basta conhecer os meus.

A regra de ouro apresentada por Voltaire sobre a tolerância é a antessala do ágape, o que não significa que a


norma não possa ser colocada a serviço de um fim antiagápico. Por exemplo, um ermitão afetivo (esquizoide) poderia usar a premissa de Voltaire e ajustá-la à sua indiferença: “Como a ideia é não lhe fazer o que eu não gostaria que me fizesse, então decidi não amar você”. Ainda assim, mesmo que a patologia possa criar exceções a essa regra, acredito que na dor nos identificamos mais uns com os outros: não farei você sofrer nem você me fará sofrer. Esse é o trato para que o ágape seja motivo de felicidade.

A compaixão Compaixão significa compartilhar a dor, identificar-se com o sofrimento alheio, torná-lo seu. É a paixão como ato de padecimento: dividir a dor em duas. Não é apenas se colocar na sua pele, mas sentir o que você sente. Isso não quer dizer que devamos aceitar os motivos daquele que sofre; ao contrário, trata-se de uma reação afetiva que se recusa a ser indiferente ou insensível; a aceitação do sofrimento não requer tanta explicação. De acordo com Buda em uma de suas parábolas22, é como se ferissem alguém com uma flecha envenenada, e o sujeito ferido não deixasse que a flecha fosse retirada até saber com certeza quem a lançou, a que casta de guerreiros pertencia o agressor ou qual era a sua linhagem. Obviamente, morreria antes de obter as respostas. O


sofrimento humano sempre é urgente e peremptório para quem sofre, e muitas vezes “pensar corretamente” quando a dor está no auge é impossível ou, inclusive, pouco adaptativo. Respeitar a dor alheia e identificar-se com ela tampouco significa que devamos ficar de braços cruzados ou chorando junto à vítima; não se trata de somar mais sofrimento ao sofrimento, mas de intervir do ponto de vista do ágape. A compaixão, então, é mais afetiva do que cognitiva, mais visceral do que pensante. Schopenhauer23 referia-se à piedade como uma “virtude afetiva”, o amor puro e destinado ao próximo; e Rousseau (ver a nota 19) dizia que “a piedade é um sentimento natural que, ao moderar em cada indivíduo a atividade do amor por si mesmo, auxilia no diálogo mútuo de todas as espécies”. Uma pitada de razão e muito afeto, é disso que se trata. Por isso a compaixão, como o amor, não se obriga. O altruísmo que surge da imposição é débil e mentiroso. Além disso, não se pode generalizar nem alcançar o nível da “grande compaixão” (ágape) a que se referem os budistas.24 A compaixão é a energia básica da qual se nutre o altruísmo, ou seja, a capacidade de ajudar os demais (incluindo o parceiro) sem outro motivo além de querer fazer o bem, despojado de todo interesse ou intenção de se beneficiar.25 Simpatia (de origem grega) e compaixão (de origem


latina) podem ser vistas como sinônimos. É a ética do amor, o ágape que se contrapõe à crueldade e impede que o egoísmo finque raízes. O egoísmo consiste em “colocar o próprio bem, interesse ou proveito acima dos demais”.26 A indiferença, ao desconhecer as necessidades do outro, é a despreocupação essencial. Vejamos exemplos. A secretária de um amigo convidou o chofer do seu patrão para tomar um sorvete na hora do almoço. Ele aceitou com prazer e propôs irem a um lugar próximo. O problema surgiu quando ela foi pagar, já que os sorvetes eram importados e muito caros. A mulher ficou sem um centavo e teve que pedir dinheiro emprestado para poder pagar. Quando perguntou ao homem por que tinha escolhido um lugar tão caro, ele soltou uma gargalhada e disse que, como recebia tão poucos convites, “tinha de aproveitar”. Alguém reprovou a sua conduta aproveitadora e a sua resposta foi lapidar: “O problema é dela. Quem manda ser tão boba”. Ou seja, a culpa não era dele, mas da secretária, que havia “cedido”. De acordo com essa forma de pensar, não há abusadores, mas “abusados torpes”, nem há exploradores, mas “explorados fracos”. A responsabilidade do dano não é tanto do depredador como da fragilidade da vítima. Em outras palavras: “Tiro proveito dos demais porque eles merecem!”. Nós, os psicólogos, chamamos essa forma de entender a vida, em que o mais forte (ou o mais “esperto”) impõe-se diante


vida, em que o mais forte (ou o mais “esperto”) impõe-se diante do mais fraco (ou ao mais “ingênuo”) de personalidade antissocial. É a lei da selva e a sobrevivência do mais apto, o olho por olho, a imposição da força como forma de vida: sobreviver mais do que conviver. Certa vez, um senhor procurou meu consultório para que eu o ajudasse na sua relação porque, segundo ele, a mulher “havia saído de seu controle”. Na verdade, ele queria que eu falasse com a esposa para convencê-la a submeter-se às exigências dele: “O senhor é homem, doutor, e me entende. Se ela vir que um profissional me apoia, mudará de opinião”. A questão girava em torno do ciúme do homem e da sua consequente conduta agressiva, mas o que mais chamou a atenção foram os argumentos com os quais ele tentou justificar o castigo que impunha à mulher: Paciente: Ela é a culpada. Se vê que estou furioso, por que me incita, por que me enfrenta? Terapeuta: De que maneira ela o “incita” ou “provoca”? Paciente: Ela responde quando a repreendo! Ela me agride verbalmente! Terapeuta: Bom, é de se esperar; você disse que quando se enfurece a trata de prostituta e, às vezes, bate nela. Não lhe parece lógico que ela reaja? Ou esperava que ela não se defendesse?


reaja? Ou esperava que ela não se defendesse? Paciente: Isso! O senhor acertou na mosca! É uma questão da inteligência, ninguém discute com um bêbado ou com um louco... Terapeuta: Mas, pelo que entendi, o senhor não é alcoólatra nem tem problemas mentais, pelo menos assim parece... Paciente: Mas nesses momentos eu me transformo. Quando vejo que a olham ou que ela começa a flertar, perco o controle. É ela que me empurra ao ciúme com o seu jeito de caminhar e de olhar para os outros homens! Terapeuta: Tentou usar métodos menos drásticos e mais respeitosos? Se a sua mulher for tão faceira como você diz, não seria melhor falar sobre o assunto em vez de usar de violência? Paciente: Por favor! Depois de vinte anos de casado ela já deveria ter se acostumado! Além disso, não é para tanto. Não pense que eu sou um selvagem e que a machuco de verdade. Já disse a ela: “Se você tivesse um marido violento de verdade, saberia o que é viver mal!”. Olhe, doutor, sou um bom homem, sou responsável, trabalhador, adoro os meus filhos e nada falta para ela, a trato como uma rainha... Terapeuta: Talvez tudo isso não seja suficiente, talvez ela precise de outras coisas.


Paciente: Como o quê? Terapeuta: Delicadeza, comunicação, respeito. O que acha disso?

A posição do meu paciente estava muito longe de uma concepção agápica do amor. Em primeiro lugar, não era capaz de se colocar no lugar da sua mulher, já que a sua maneira de processar a informação era acentuadamente egocêntrica. Em segundo lugar, ele não se sentia responsável pelos maus-tratos, pois considerava que ela o provocava. Finalmente, achava que a esposa era pouco inteligente, uma vez que não havia desenvolvido a tolerância à dor necessária para suportar os maus-tratos. Quando entendeu que eu não iria ser seu aliado, não retornou para a segunda sessão. Para a mentalidade psicótica, os atropelos sempre serão justificados. Por exemplo, muitos estupradores asseguram que são vítimas de mulheres bonitas e sensuais porque elas os impulsionam a se comportar desse modo. Fundamentar o abuso em supostos atenuantes é confundir a explicação com a justificativa. O termo “explicar” refere-se aos fatores causais que desencadeiam um fenômeno determinado, enquanto “justificar” implica a fundamentação ética de um comportamento em relação a determinado código de conduta. Por exemplo, poderíamos “explicar” por que Hitler desenvolveu tanto ódio aos judeus apelando para qualquer teoria psicológica, mas isso não


apelando para qualquer teoria psicológica, mas isso não “justificaria” de nenhuma maneira o holocausto. O erro é desculpado, mas a maldade requer um processo muito mais complexo que a simples desculpa: o perdão.27 Perdoar é lembrar sem ódio, é passar pelo luto do rancor28, por isso tem a ver com o amor. Na “explicação” não preciso me envolver emocionalmente, a ciência me ajuda; mas na “justificativa” assumo uma posição pessoal na qual a ética se mistura com o afetivo. Numa dieta, podemos pensar que um sorvete não tem importância, mas tem sim. A totalidade não define o alcance da ofensa: quem abusou de uma criança não é menos culpado do que aquele que abusou de dez. Pode alguém ser “mais ou menos” ladrão ou assassino? É impossível. Alguns valores não admitem meio-termo. O ágape é a dimensão mais elaborada do amor de casal, ainda que requeira o eros e a philia para formar uma relação completa. O afeto decanta-se com os anos, recalca a sua essência, sublinha a sua natureza original: o eros acalma-se e transforma-se em erotismo, a philia aprofunda-se, e o ágape toma as rédeas.

Para não sofrer nem fazer sofrer Negue-se a todo tipo de agressão, não transforme


a relação num campo de batalha. Você pode criar imunidade à violência em qualquer uma das suas formas, apenas dizendo “não” três vezes, negandose a fazer três coisas, aconteça o que acontecer. Você pode escrever e assinar o compromisso com o seu par. Comprometo-me a: – Não subestimar a dor do companheiro ou da companheira (compaixão). – Não agredir o meu parceiro ou a minha parceira de forma nenhuma e não me aproveitar das suas fraquezas (doçura, delicadeza). – Não fomentar a indiferença afetiva, a frieza, a falta de contato físico ou a ausência de carícias (expressão de afeto positivo). O ágape é maternal, por isso o descuido é desamor; não importa a explicação que você dê, nada desculpa o abandono da pessoa amada. E se você acredita que isso irá transformá-lo em dependente, despreocupe-se: há uma forma de cuidado que não é codependência, que vai além do apego. É o prazer em dar, de fazer o bem a quem amamos. Não falo de superproteção, mas de atenção amorosa, de vigilância afetiva e efetiva


para buscar o bem-estar do outro. Tampouco digo que você tenha de se desvelar como fazem os pais apreensivos; ao contrário, trata-se de estar disposto e disponível para quando a pessoa amada precisar de você. O seu par não é seu filho, é verdade, mas o ágape não é tão sutil: quando é preciso dar, se dá. Se você sente que os problemas cotidianos afastam você do seu companheiro ou da sua companheira, a sua relação está em perigo. Nas épocas ruins, as boas relações são fortalecidas, e as disfuncionais acabam; a dor compartilhada pode unir mais do que separar. Se vocês têm problemas econômicos, lutem juntos; se os expulsarem do lugar onde vivem, procurem outro, durmam na rua, mas juntos; porque o sofrimento é menor quando se divide em dois; e se houver uma doença na família, que seja motivo de união, de trabalho em equipe. Cada vez que as dificuldades afetarem o seu amor, lembre-o que não está só, que você não é um desertor ou uma desertora, e que pode contar com você. Um amor completo não se esgota no prazer do sexo nem na alegria de que o outro exista: precisa estar preparado para o


sofrimento compartilhado. O รกgape reafirma-se na dor a que a vida obriga.


EPÍLOGO Ao longo deste texto, separei os três componentes básicos do amor e aprofundei cada um deles sem perder de vista que o amor completo e saudável requer todas as facetas mencionadas. A paixão, a amizade e a ternura formam um mosaico dinâmico de possibilidades que, bem harmonizadas, ajudam a compreender e a viver o amor sem tanto sofrimento. Poderíamos dizer que cada casal cria o seu próprio estilo afetivo, conforme o predomínio do eros, da philia ou do ágape. Há casais mais “eróticos”, mais “phílicos” ou mais “agápicos”. A pergunta que surge é: as três dimensões podem coexistir ao mesmo tempo, ou seja, casais “erótico-phílicoagápicos”? A minha resposta é um contundente sim. E eu não estou falando de relações idealizadas ou supercasais que só existem na imaginação dos iludidos. Refiro-me à possibilidade de construir um conjunto afetivo estável no qual os três complementos básicos do amor estejam presentes cumprindo, ao menos, duas condições básicas: Que nenhuma das três dimensões esteja abaixo do nível mínimo de funcionamento de que o casal precisa.


precisa. Que cada componente possa ser ativado quando a situação ou a necessidade assim o requerer. No começo de uma relação é possível que a estrutura afetiva seja escalonada para baixo: muito eros, um pouco de philia e o ágape em formação:

EROS...PHILIA...ÁGAPE Com o passar dos anos, se a relação é boa, a estrutura inverte-se sem perder nenhum componente: muito ágape, bastante philia e erotismo mantido.

ÁGAPE

EROS...PHILIA...

Então, dependendo de diferentes variáveis (como os ciclos vitais, o tempo da relação, a personalidade e as necessidades pessoais), o estilo afetivo de um casal será determinado por diferentes combinações de eros, philia e ágape, sejam esses normais ou patológicas. Ainda que as possibilidades possam ser muitas, apresentarei alguns exemplos que reflitam a ideia principal que desejo transmitir.


Caso A: Casal funcional com predomínio da philia EROS...PHILIA...ÁGAPE A estrutura dessa relação é predominantemente phílica (amistosa), ainda que também exista um nível aceitável de eros e ágape: serão companheiros afáveis, terão relações sexuais satisfatórias e o trato interpessoal será respeitoso e carinhoso. É importante assinalar que o predomínio de um componente (nesse caso, a philia) não exclui necessariamente os outros dois. Dizer que um casal é “mais amistoso” do que erótico ou agápico significa que os seus pontos de contato são mais fortes na philia que no prazer sexual (eros) ou na compaixão (ágape), sem que isso implique que a sexualidade e a ternura estejam alteradas. Ao contrário, trata-se de matizes, de tonalidades afetivas que podem ir mudando de acordo com as situações. Por exemplo, se no caso A o eros fosse ativado, a estrutura adotaria uma nova forma, pelo menos enquanto durasse a paixão:

EROS...PHILIA...ÁGAPE


Caso B: Casal ideal inexistente Do ponto de vista teórico, a relação perfeita seria aquela na qual os três elementos estivessem igualados e nivelados por cima todo o tempo:

EROS...PHILIA...ÁGAPE As pessoas que sonham com semelhante amor vivem em permanente frustração. No entanto, isso não significa que em certas ocasiões não sintamos o efeito de um eclipse mágico, fugaz e indecifrável em que os três elementos consigam se alinhar por cima.

Caso C: Casal disfuncional com um eros insuficiente Uma diminuição significativa de um dos componentes poderia fazer com que a relação do caso A adote uma estrutura disfuncional. Por exemplo, se o eros estivesse pouco desenvolvido, o esquema seria o seguinte:

PHILIA...ÁGAPE

EROS...


Os membros desse casal hipotético seriam muito amigos e se preocupariam cada um com o bem-estar do outro (não violência, delicadeza no tratamento), mas a sua sexualidade estaria muito diminuída em relação à frequência ou à qualidade. Tal como vimos nas diferentes partes do livro, essa distribuição não deve se confundir com aquela que ocorre nos casais que estão casados há muito tempo, aquelas nas quais a frequência sexual pode estar diminuída, mas o erotismo mantém-se vivo apesar de tudo. Também poderia ocorrer o caso em que o eros estivesse ausente: – – – –...PHILIA...ÁGAPE A união, então, estaria sustentada em uma típica “relação de amigos” ou o que se conhece como um casamento por conveniência.

Caso D: Casal disfuncional masoquista – – – –...– – – –...– – – – Em resumo, poderíamos dizer que cada casal organiza as suas próprias possibilidades e predileções afetivas tentando


suas próprias possibilidades e predileções afetivas tentando obter um esquema psicológico/emocional em que “os três amores com os quais amamos” estejam presentes. A carência de qualquer um deles nos fará sofrer. A proposta é que, de maneira consciente, racional e realista, cada um procure o seu próprio perfil sem perder nenhum dos três componentes. Se você é muito afetuoso, terno e gosta de mimar a pessoa amada, o ágape será muito importante para você; se é uma pessoa muito fogosa, inquieta por experimentar diferentes formas de prazer e fantasias eróticas, o eros ganhará peso e relevância; e se o que você mais gosta em uma relação é encontrar uma companheira ou um companheiro de andanças, a philia irá comandar. Reconhecer em si mesmo e nos outros os gostos e predileções incrementará as possibilidades de que haja uma melhor adaptação e uma comunicação mais fluida. Talvez tudo já esteja dito no amor, talvez não haja nada a acrescentar nem nada a definir; talvez a única coisa que nos resta seja fazer variações sobre o mesmo tema, concebê-lo, imaginálo e reinventá-lo para nós mesmos como um jogo interminável de opções. Assim, poderíamos tentar obter a maior felicidade possível com o mínimo custo, sem angústia nem sofrimento.


NOTAS Primeira parte: Eros – O amor que dói 1. PLATÃO. O banquete. Porto Alegre: L&PM Pocket. Tradução de Donaldo Schüler. (2009) 2. PAZ, O. La llama doble. Barcelona: Seix Barral. (1995) 3. JANKOWIAK, W. Romantic Passion: An Universal Experience? Nova York: Columbia University Press. (1995) 4. ACKERMAN, D. Una historia natural del amor. Barcelona: Anagrama. (1994) 5. PLATÃO. Diálogos. Barcelona: Gredos. (2002) 6. ELLIS, A. “El amor neurótico: sus causas y tratamiento”. In: B. Shawn (comp.), Vivir en una sociedad irracional. Barcelona: Paidós. (2000) 7. ELLIS, A. “Aplicación de la terapia racionalemotiva a los problemas del amor”. In: A. Ellis e R. Rieger (eds.), Manual de terapia racionalemotiva. Bilbao: DDB. (1990) 8. KATZ, J.M. “How Do You Love Me? Let Me Count the Ways”. In: Sociological Inquiry, 46, 17-22. (1976)


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Terceira parte: Ágape – Da simpatia à compaixão 1. COMTE-SPONVILLE, A. Pequeño tratado de las grandes virtudes. Barcelona: Editorial Andrés Bello. (1997) 2. WEIL, S. A la espera de Dios. Madrid: Editorial Trotta. (2000) 3. BORGES, J.L. Poesia. São Paulo: Companhia das Letras. Tradução de Josely Vianna Baptista. (2009)


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Texto de acordo com a nova ortografia Título original: Ama y no sufras: cómo disfrutar plenamente de la vida en pareja Tradução: Marlova Aseff Capa: L&PM Editores. Ilustração: © Jordi Elias/Getty Images Preparação: Patrícia Yurgel Revisão: Lia Cremonese Cip-Brasil. Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ R479a Riso, Walter, 1951Ame e não sofra: como aproveitar plenamente a vida a dois / Walter Riso; tradução Marlova Aseff. – 1. ed. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. Tradução de: Ama y no sufras: cómo disfrutar plenamente de la vida en pareja Inclui bibliografia ISBN 978.85.254.3173-8


1. Amor. 2. Casais. 3. Relações interpessoais. 4. Relações homem-mulher. I. Título. 14-09572 CDD: 306.7 CDU: 392.6

© Walter Riso c/o Guillermo Schavelzon & Assoc., Agencia Literaria, 2008 info@schavelzon.com Todos os direitos desta edição reservados a L&PM Editores Rua Comendador Coruja, 314, loja 9 – Floresta – 90.220-180 Porto Alegre – RS – Brasil / Fone: 51.3225.5777 – Fax: 51.3221.5380 Pedidos & Depto. comercial: vendas@lpm.com.br Fale conosco: info@lpm.com.br www.lpm.com.br


Table of Contents Introdução Primeira Parte: Eros A natureza sem limite do eros: o enamoramento Para não sofrer Amor e desejo: o eros imprescindível O amor desejado: sexo e erotismo Carência e tédio: “Nem com você, nem sem você” Para não sofrer Paixão e atração: o que nos seduz? Beleza e poder A personalidade sedutora Iguais ou diferentes? Admiração/afinidade Para não sofrer A patologia do amor erótico As sequelas do eros Os delírios do eros Mania ou entusiasmo? Para não sofrer Segunda Parte: Philia A philia e o amor cortês: breve retomada histórica A amizade amorosa: o núcleo vivo da relação Para não sofrer


O que define uma boa amizade de casal? Os componentes da philia amorosa A philia e os estilos do apego Para não sofrer Terceira Parte: Ágape A condição do ágape Doçura e ausência de violência “O amor carrega a sua própria disciplina” Para não fazer sofrer A dor que nos une As regras de ouro da convivência A compaixão Para não sofrer nem fazer sofrer Epílogo Caso A: Casal funcional com predomínio da philia Caso B: Casal ideal inexistente Caso C: Casal disfuncional com um eros insuficiente Caso D: Casal disfuncional masoquista Notas Primeira parte: Eros – O amor que dói Segunda parte: Philia – Da mania à simpatia Terceira parte: Ágape – Da simpatia à compaixão


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