Jumping Jack Flash

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JUMPING JACK FLASH De Ivan Fernandes


JUMPING JACK FLASH Texto de Ivan Fernandes

I was born in a cross-­‐fire hurricane Rolling Stones

I´m evil, my middle name is misery Elvis Presley Everybody has a poison heart Ramones If you smile through your fear and sorrow Smile and maybe tomorrow Charlie Chaplin

1 (Chuva. Luz de manhã fria sobre a porta da escola X. Em frente à porta um pai parado debaixo do guarda-chuva com seu filho. O pai tem um walkman pendurado no pescoço e parece mais jovial que o filho, que usa óculos e cabelo penteado.) Flash — É aqui. Sammy

— Pai...

Flash

— Me chama de Flash. Agora meu nome é Jack Flash, esqueceu?

Sammy

— Não, não esqueci, eu só não levei a sério.

Flash

— Tudo bem, ninguém me chama de Jack Flash. Um dia, quando eu tiver um escritório no prédio mais alto da cidade, vou mandar gravar na porta: JACK FLASH.

Sammy

— Qual cidade?

Flash

— Qualquer uma delas: Washington, New York, L. A., Vegas...

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Sammy Flash Sammy

— Antonina... — Antonina, não. Esquece Antonina. O maior prédio de Antonina tem três andares. — Não foi o que você disse na chegada.

Flash

— Mas é o que eu estou dizendo na saída. Além do mais, você não tem do que reclamar. Essa escola parece melhor que a última, não parece?

Sammy

— Tô pouco me fudendo pra escola.

Flash

— Eu não sei mais o que fazer pra melhorar o seu humor. Me dá uma pista.

Sammy

— Voltar pra Antonina já ajudava.

Flash

— Filho, quando a gente sai de um lugar, deve olhar pra frente. Quando você fica olhando pra trás, só duas coisas podem acontecer: ou vem um caminhão pelo outro lado e te atropela, ou Deus te manda um raio e te transforma numa estátua de sal. Ele já fez isso antes. Está na Bíblia. Não é meu livro preferido, mas está lá.

Sammy

— Eu não tô olhando pra trás. Eu só queria me despedir.

Flash

— Sammy, existem amigos em todos os cantos. Você encontra outros. Eu mesmo tenho amigos em todos os lugares.

Sammy

— Não quero fazer amigos pra daqui a pouco ter que abandonar tudo.

Flash

— Tá sendo pessimista, garoto. Você não abandona as lembranças. Você tem as suas lembranças, não tem? Aposto que tem.

Sammy

— Você tem?

Flash

— Pode apostar, meu filho. Uma porrada delas.

Sammy

— E o que você faz?

Flash

— Com as lembranças? Ora, você vive elas, pensa nelas, essas coisas.

Sammy

— Como você faz pra se livrar delas?

Flash

— Porra, Sammy, você tem cada pergunta. Eu sei lá, eu... Elas não vão embora assim.

Sammy

— Nunca mais?

Flash

— Você aprende a viver com elas. Vai por mim. Agora escuta, Sammy, eu não quero ser responsável pelo seu atraso logo no primeiro dia. Além disso eu preciso descolar um lugar pra gente até o fim da sua aula. Então é nessa hora que a gente se separa. Mas depois a gente se

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encontra exatamente aqui e retoma a conversa do mesmo ponto. Em que ponto a gente estava? Sammy

— Você aprende a viver com elas.

Flash

— That’s fucking right. Agora vê se não apanha chuva. (Entrega o guarda-­‐chuva ao garoto.) E não faça nada que eu não faria.

Sammy

— Pai...

Flash

— Flash.

Sammy

— Cadê meu material, Flash?

Flash

— Eu só tenho dois braços, Sammy. Hoje você assiste sem material, amanhã a gente resolve isso. Porque hoje nós vamos dormir na melhor cama que o dinheiro puder comprar. Nem a rainha de Sabá dormiu o sono que nós vamos dormir hoje, Sammy, e tudo que você tem que fazer é entrar na sua nova escola, assistir todo aquele blá-­‐blá-­‐ blá e depois voltar exatamente pra cá. Acha que consegue fazer isso?

Sammy

— Qual é? Não sou nenhuma criança.

Flash

— Era isso que eu queria ouvir.

2 (Um carro estacionado. Dentro dele está Cosmo. Um tempo, e Jack chega, abre a porta e entra no carro.) Cosmo

— Atrasado.

Flash

— Qualé, dá um desconto. Eu estou a quarenta quilômetros daqui.

Cosmo

— E veio de quê, velocípede?

Flash

— Era o primeiro dia do meu filho na escola. Você queria que eu fizesse o quê? Chutasse ele lá pra dentro? Não foram nem vinte minutos!

Cosmo

— Se você somar todos os pequenos atrasos de um dia, vai perder mais de vinte e quatro horas.

Flash

— Que tipo de gente fica somando atrasos? Essa discussão é que é um atraso, Cosmo.

Cosmo

— Você é um atraso, a discussão é outro atraso, e olha que surpresa, eu também tenho um problema pra resolver antes. Entendeu o que eu disse sobre pequenos atrasos?

Flash

— Mas logo agora? Que foi, não teve tempo antes?

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Cosmo

— Antes eu estava aqui na hora marcada, esperando você chegar atrasado.

Flash

— Brilhante, Cosmo. Você é realmente o homem do planejamento. E qual é o problema dessa vez?

Cosmo

— Coisa minha, coisa rápida.

Flash

— O carro? A rua? Já sei, as luvas. Eu trouxe as luvas.

Cosmo

— Um pinto.

Flash

— Um...

Cosmo

— Meu filho ganhou um pinto numa feira de animais.

Flash

— E daí?

Cosmo

— Como e daí? Não quero um pinto dentro de casa.

Flash

— Eles morrem rápido.

Cosmo

— Não quero que ele morra na minha mão.

Flash

— Vai morrer na mão do seu filho. Toda criança que ganha esse pinto mata o desgraçado em menos de duas horas.

Cosmo

— Meu filho não mora comigo, ele... Saltou do carro e esqueceu. E eu não posso cuidar do bicho. Ele precisa andar na terra. Além disso, ele não tem mãe. Talvez ele precise de uma mãe.

Flash

— Nós vamos comprar uma galinha pra ele?

Cosmo

— Vamos trocá-­‐lo numa loja de animais.

Flash

— Peraí, você trouxe o pinto pra ca?

Cosmo

— Está no porta-­‐luvas. Eu acho que ele sente frio.

Flash

(Conferindo o porta-­‐luvas) — You’re a fucking crazy mother fucker. Porque não devolveu ele na feira?

Cosmo

— Me disseram que eles matam os pintos que são devolvidos.

Flash

— E daí?

Cosmo — Você acha que eles sofrem? Flash — Não deve ser muito divertido. Cosmo

— Não posso fazer isso. É como entregar um judeu aos nazistas. Eu preciso que alguém assuma a responsabilidade por ele.

Flash

— Ele é um brinde, Cosmo. Não tem mãe. Foi abandonado pelo seu filho. A única pessoa que se preocupou com ele até agora foi você.

Cosmo

— Você tá dizendo que eu tenho que cuidar dele?

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Flash

— Eu estou dizendo que vou entrar lá, e vou entrar agora. (Pausa) Ninguém disse que seria fácil, Cosmo.

Cosmo

— Tem razão, ninguém disse. (Pausa. Flash veste luvas)

Flash

— Pensa que é a última vez.

Cosmo

— Só tem duas maneiras de se fazer isso pela última vez: sendo preso ou sendo morto.

Flash

(Checando um revólver) — Tá sendo pessimista, Cosmo. Eu sempre planejei minha última vez. Agora eu quero que você limpe todos os seus pensamentos e se concentre em mim, só em mim. Assim que eu bater a porta, ligue o carro. Saio no três. (Luzes caem em resistência) Um, dois... (Black out) três.

3 (Ouvimos os acordes iniciais de Jumping Jack Flash, dos Rolling Stones. Luz sobre um quarto de motel decadente. Sentado diante de uma pilha de guardanapos, Sammy faz anotações com uma caneta dourada. Ouvimos Flash cantando fora de cena. Ele sai do banheiro enrolado num roupão.) Sammy — Dá pra abaixar um pouco? Tô tentando me concentrar. (Flash desliga o rádio e liga a TV.) Flash — Ei, Sammy, tem canal de filme pornô, olha. Sammy

— Qual é a graça de ver um filme pornô com o próprio pai?

Flash

— É, não tem graça. (Desliga a TV) Também não tem graça quando você fica mudo. Que é? Não gostou do seu primeiro dia?

Sammy

— Porque não me disse que era um internato?

Flash

— Estou vendo que você não gostou do seu primeiro dia.

Sammy

— Tem idéia do que pode me acontecer num lugar desses?

Flash

— Nada de mau vai acontecer ao filho do velho Jack Flash.

Sammy

— Ah, é. Eu e meus super-­‐poderes. Não tem graça, pai.

Flash — Era só pra te fazer sorrir, Sammy. (Cantarola) Smile though your heart is aching... Smile even though it’s breaking... Se serve de consolo, meu primeiro dia também não foi nada bom, Sammy. Sammy

— Você acha que me consola saber que o seu dia não foi bom? Porra, pai. A vida tem que ser uma merda? (Pausa)

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Flash

— Você cresce muito rápido, Sammy. Eu largo você um pouco e quando vou olhar, você já cresceu. Tá legal, eu devia ter contado que era um internato. Não tive coragem. Desculpe. Não é tão ruim, eu venho te buscar todo o fim-­‐de-­‐semana. E ainda consegui essa noite pra você.

Sammy

— Quer trocar?

Flash

— Eu trocaria. Mas eles não me aceitam por causas das tatuagens.

Sammy

— Então eu também quero tatuagens.

Flash

— Olha, eu sei que os últimos tempos não têm sido muito fáceis, com a gente tendo que se mudar e tal. Mas aqui vai ser diferente, Sammy. Breve, muito breve, a gente vai ter uma casa só nossa e vamos passar o dia inteiro em volta de uma piscina tomando blood marys até você enjoar e querer voltar para a escola.

Sammy

— Isso é um filme de ficção científica.

Flash

— Ah, é? E de onde você acha que vieram os foguetes e todos os grandes inventos? Tudo foi sonhado antes, Sammy. Tudo passou antes no cinema.

Sammy

— Então nosso filme vai mal. Porque a gente sonhou com palácios e acabou no Las Vegas Hotel.

Flash

— Quem falou em palácio? Eu falei na cama da Rainha de Sabá. E ninguém pode reclamar das camas do Las Vegas Hotel.

Sammy

— A única Rainha de Sabá que já passou por esse lugar era travesti.

Flash

— Era o único hotel vazio da cidade, Sammy. Ninguém vai incomodar a gente aqui. E eles trocam os lençóis. Eu falei pessoalmente com o dono.

Sammy

— Pelo menos eles têm guardanapos aqui.

Flash

— Que não são pra escrever. Você vai acabar arrumando uma dor de cabeça.

Sammy

— Não se preocupe, não vou perguntar pelo material.

Flash

— Eu não esqueci do material, não. But it’s been a fucking hard day’s night, Sammy. Hoje não tive mesmo tempo. Mas amanhã, sem falta, mando entregar lá na escola.

Sammy

— Quem vai entregar? Alguém da Jack Flash Corporation International?

Flash

— Tô sentindo uma ironia no ar.

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Sammy

— Não é ironia, Jack. É real. É minha terceira escola do ano. As matérias já tão quase no fim, se eu não tenho os livros, não entendo nada.

Flash

— Sammy, você devia ser menos inseguro. Você não precisa dos livros para ser inteligente. Você tem inteligência para escrever seus próprios livros. Um dia todos esses babacas da escola vão comprar um livro escrito por você.

Sammy

— Agora eu tô sentindo uma ironia no ar.

Flash

— E outra coisa. Eu não me lembro de ter dado essa caneta a você.

Sammy

— Eu achei.

Flash

— Essa caneta? Achou essa caneta? Onde?

Sammy

— Como assim?

Flash

— Não é uma Bic, Sammy. É uma caneta folheada a ouro. Quem é que perde um negócio desses?

Sammy

— Pois é, se perdeu, não dá pra saber quem foi.

Flash

— Não pegou isso de alguém, pegou, Sammy?

Sammy

— É só uma lembrança. (Pausa)

Flash

— Muito cuidado com as lembranças, meu filho. Agora diz boa noite pros seus guardanapos e vem deitar. — Eu ainda preciso terminar.

Sammy Flash

— Amanhã eles repetem a mesma lenga-­‐lenga pra você. Mas eu tenho que acordar cedo e não posso perder a hora. E por mais que me doa lembrar, você também não.

Sammy

— Eu nunca perco a hora. E minha mala já tá arrumada.

Flash

— Ponto pra você. Sério, Sammy, vou apagar a luz. (Apaga a luz. Um tempo.) Pára de escrever no escuro, Sammy. Parece maluco!

Sammy

— Puta que pariu.

4 Voz de Cosmo — Flash. Flash. (Mais alto) Flash! (Luz sobre o mesmo quarto. Flash sonolento deitado na cama. Cosmo em pé, à sua frente, segurando um jornal.) Cosmo — Atrasado de novo. Flash — Numa dessas você leva um tiro.

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Cosmo

— Não atirou naquele segurança quando teve chance, não vai atirar em mim.

Flash

— Com você eu tenho intimidade, fica tudo mais fácil. Cadê o Sammy?

Cosmo

— O garoto? Passou por mim na saída. Pra que ele precisa de tanto guardanapo?

Flash

— Problema respiratório. E no jornal, alguma notícia boa?

Cosmo

— O cara não falou nada sobre você.

Flash

— Nem podia. Eu fiz dele um herói. O homem que impediu tudo. Charles Bronson. Um dia é da caça, outro não. Bola pra frente, Cosmo. Cadê o mapa que eu te pedi?

Cosmo

— Francamente, não acho aconselhável.

Flash

— Vou te dizer o que não é aconselhável: baixar a cabeça não é aconselhável.

Cosmo

— Grana, Jack, armas, é disso que eu tô falando. Não pode parar um carro forte só porque sabe em que estrada ele vai passar.

Flash

— Cosmo, Cosmo, se queres ganhar uma guerra, precisas conhecer bem o terreno, isso está na Arte da Guerra, foi escrito a cinco mil anos atrás, e desde então é assim que todas as guerras foram ganhas: estudando o terreno.

Cosmo

— Isso não é o Vietnã, Jack. Não quero complicação pro meu lado. Já basta ser seu motorista.

Flash Cosmo

— Qual é? Não quer passar o resto da vida fazendo isso. — Também não quero passar o resto da vida preso.

Flash — Quem falou em prisão? Eu tô falando em ilhas havaianas cheias de dançarinas de hula-­‐hula dizendo: “Venha, Cosmo, we’ve been waitin’ for you, we need you, we love you, oh, Cosmo, Cosmo!” Cosmo

— Elas vão Ter que superar a frustração de viver sem mim. Tô fora.

Flash

— É a sua última palavra? (Pausa) Eu não tiro sua razão. Todas essas notícias de morte no jornal. Mas Cosmo, se ao menos você pudesse saber quanta coisa pode segurar com a mão, antes de ouvir aquela vozinha gritando que você não pode.

Cosmo

— O nome dessa voz é juizo.

Flash

— Pode ser, mas os grandes loucos sempre andaram de mãos dadas com os grandes visionários. Sabe porque? Por que eles acreditam.

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Cosmo

— Eles acreditam e terminam todos no hospício com um chapéu de Napoleão. Agora me dá ao menos uma razão pra eu não te comprar um chapéu igual.

Flash

— Eu tive um sonho, Cosmo. Nesse sonho se passavam vinte anos. Sabe o que vai ser de você daqui a vinte anos? Se você faz coisas pequenas é assim que sua vida vai ser pra sempre. A vida sem grandeza é a morte disfarçada, Cosmo. Essas migalhas que a gente tira aqui: ninguém vai morrer nem ser preso por isso. Mas elas acorrentam. Amanhã a gente tem que tirar de novo. E depois de amanhã. E depois. E assim se passaram vinte anos, entendeu? Mas se a gente acerta agora... Ah, se a gente acerta... Seria a última vez, Cosmo. As ilhas havaianas, elas estão lá esperando. E nenhum inferno pode ser pior do que não agarrar sua chance, Cosmo. Sabe como eu sei disso? Porque no meu sonho se passavam vinte anos e eu estava exatamente aqui em frente a você e perguntava o que teria acontecido se a gente ao menos tivesse tentado. E essa pergunta me corroía por vinte anos. (Pausa) Pensa se você quer ir, Cosmo. Porque eu vou.

Cosmo

— Eu odeio você, Jack Flash.

Flash

— Eu sabia que podia contar com você.

5 (Banheiro vazio da Escola X. Sammy entra com o supercílio aberto e o óculos quebrado. Olha-se no espelho.) Sammy

— Merda. (Olha nos porta-­‐lenços de papel. Estão vazios. Bate na porta fechada da cabine da privada. Não há resposta.) Merda.

(Usa a própria camisa numa tentativa de estancar o sangue. Bate o sinal. Johnny, a garota, abre a porta fechada da cabine com um chute e se dirige ao espelho. É bonita e frágil, usa os cabelos presos e escondidos, roupas masculinas e coturnos do exército.) Johnny — Ganhou as boas-­‐vindas? Sammy

— Deu pra perceber?

Johnny Sammy

— Vai precisar dar um ponto nisso aí. — No way. Posso resolver isso sozinho.

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(Johnny vai até a cabine, pega um rolo de papel higiênico, que coloca em cima da pia.) Sammy — Agora? Porque não respondeu quando eu bati? Johnny

— Horário de aula. Só me materializo depois que o sinal bate o recreio.

(Desajeitadamente Sammy tenta estancar o sangue com papel higiênico.) Johnny

— Mas você não sabe fazer isso. É assim. (Molha o papel na torneira) Vai arder um pouco (Vai passando o papel suavemente em seu próprio rosto) Entendeu? Primeiro precisa limpar a área. Depois vai precisar de algodão e esparadrapo. Pede na enfermaria.

Sammy

— Tá bom. E ter que dizer quem foi que fez isso.

Johnny

— Por cinco pratas eu te trago algodão, esparadrapo, gaze e, de quebra, um remédio pra dor de cabeça.

Sammy

— Onde aprendeu isso?

Johnny — Com pergunta é mais caro. Vamos só dizer que eu também já tive dor de cabeça. E às vezes preciso de remédio pra dormir. Agora vai passando você. Como eu te mostrei. Pronto. Já sabe lamber suas feridas. É assim que se faz na selva. (Vira-­‐se para sair) Sammy

— Eu só tenho três pratas.

Johnny

— Fechado.

Sammy

— Não vai me dizer seu nome?

Johnny

— Por que?

Sammy

— Por que não?

Johnny

— Me chamam de Johnny.

Sammy

— Flash. Jack Flash. (ela não aperta a mão dele) Porque você fica trancada no banheiro?

Johnny

— Não é da tua conta. (Sai) 6

(Las Vegas Hotel. Jack está deitado na cama. Cosmo entra com uma sacola de supermercado.) Flash

— Conseguiu?

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Cosmo

— Tem dinamite aí pra uma cidade inteira. Uma cidade assim tipo Antonina.

Flash

— Em Antonina não tinha nada que valesse a pena explodir. E o carro?

Cosmo

— Semi-­‐novo, cor discreta, pneus em dia. Parado a três quadras daqui.

Flash — E a placa? Cosmo — Já trabalhei nela. Escuta, se vai me entrevistar, primeiro me serve um café. Flash

— Tem café de ontem na garrafa térmica. Brazilian coffe.

Cosmo

— Quando é que você vai se convencer que vive do lado de baixo do equador?

Flash

— Eu vivo no mundo, Cosmo. É uma maneira bem mais ampla de encarar o problema.

Cosmo

— Essa cama aí é uma imagem via satélite do seu mundo, Jack. Você não sai dela há dias.

Flash

— É que me faltava o motivo.

Cosmo

— Tem quase uma tonelada de motivos aí nessa mala. Eu batalhei tudo até agora e você só faz os planos.

Flash

(Levantando) — Sabe, Cosmo, você leva jeito pra chefe de departamento. Aqueles que ficam regulando o rendimento dos funcionários. Vou mandar seu currículo pras Lojas Americanas. . (Olha dentro da sacola.) Agora, como fiscal de equipamento você é um fracasso.

Cosmo

— Por que?

Flash

— Não é que eu entenda muito de explosivo. Na verdade eu nunca tinha ficado frente a frente com dinamite. Mas não era bem isso que eu esperava ler nas instruções: (retira da sacola um pacote de ração.) “Para o seu filhote crescer forte e saudável, sirva três vezes ao dia”.

Cosmo

— Puta merda. É do Gengis Khan.

Flash

— Quem?

Cosmo

— Eu te falei dele. O frango que o meu filho deixou comigo.

Flash

— O pinto?

Cosmo

— Não é mais um pinto. É um frango. Gengis Khan.

Flash

— Isso é nome que se dê a um pinto, Cosmo?

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Cosmo

— Ele é muito frágil, precisa de um nome imponente. Qual o problema com esse? Todo mundo descende do Gengis Khan. Ele comeu todas as nossas tataravós.

Flash

— A minha não.

Cosmo

— A sua também.

Flash

— Tá bom. Mas o que essa ração está fazendo aqui? Aqui diz: “Para dobermans e animais de grande porte”. Não fala nada sobre pintos.

Cosmo

— É o que eu disse, Jack. Ele é frágil. Precisa de estímulo para crescer. Ele nunca viu ninguém da mesma espécie, só cachorros, todos maiores que ele.

Flash

— Cosmo, não é que eu não me importe com o destino do seu pinto, mas onde é que está a porra da dinamite?

Cosmo

— Estacionado a três quarteirões daqui. Eu confundi as sacolas.

Flash

— Ótimo. Agora só falta você ter estacionado em local proibido.

Cosmo

— Não tem perigo. No máximo o Gengis deu uma bicada.

Flash

— Gengis Khan está no carro?

Cosmo

— Ele sempre fica no carro. Acho que se afeiçoou ao porta-­‐luvas.

Flash

— Faça um favor a você mesmo: use a sua parte da grana pra contratar um bom psiquiatra.

Cosmo

— Vamos, a gente vai até o carro e toma alguma coisa na padaria. Não quero café de ontem.

Flash

— Preciso relembrar o significado da palavra esconderijo?

Cosmo

— Não estamos escondidos aqui. O dono do hotel já me viu várias vezes.

Flash

— Donos de hotel são cegos, surdos e mudos por natureza. Peça café na portaria que eles entregam aqui. Não demore no carro. E pelo amor de Deus, dá um sumiço no Gengis Khan. Depois ele emporcalha o carro todo e a gente não consegue passar adiante.

Cosmo — Você não tem sentimento, Jack? Flash — Não se ganha uma guerra com sentimento. Cosmo

— E como vai querer o seu café, general?

Flash

— Preto e amargo.

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7. Escola X. Sammy, sem óculos e de curativo no supercílio, está fechando sua mala. Johnny aparece por trás dele. Johnny

— É uma coisa triste, o fim de semana, não é?

Sammy

— Eu pensei que era o que todo mundo esperava por aqui.

Johnny

— Esperam, fazem as malas, passam dois dias, fazem as malas de novo e voltam. E aí esperam de novo.

Sammy

— E você, ta esperando alguma coisa?

Johnny

— Só o dinheiro que você me deve.

Sammy

— Achei que não quisesse mais receber.

Johnny

— Está com as ataduras, não está?

Sammy

— É, mas não é fácil procurar alguém quando se tem sete graus de miopia. Minha única pista era aquela cabine no banheiro, mas ela tem estado vazia.

Johnny

— Esconderijos mudam.

Sammy

— Por que você age como se estivesse em Alcatraz? Não assiste aula, não aparece nos intervalos...

Johnny

— Acontece que esse lugar só é bom vazio. E só fica vazio durante as aulas. E no fim de semana. Anda me seguindo, Jack?

Sammy

— Acontece que eu não gosto de ficar devendo. (dá a ela o dinheiro)

Johnny

— Disse que só tinha três. Como conseguiu o resto?

Sammy

— Eu também tenho meus esquemas.

Johnny —Que esquemas? Sammy — Com pergunta fica mais caro. Johnny

— Não temos como ir muito longe sem perguntas.

Sammy

— Sinal verde pras perguntas, então?

Johnny

— Mais ou menos. Uma pergunta pra cada.

Sammy

— Aonde você passa seus fins de semana?

Johnny

— Em lugar nenhum. E você?

Sammy

— Algum lugar que meu pai chama de casa. É como se fosse lugar nenhum. E por que você não sai?

Johnny

— Por escolha.

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Sammy

— Sua?

Johnny

— Pulou minha vez. Por que sua casa fica em lugar nenhum?

Sammy

— Toda vez que eu tive endereço era um quarto de hotel. Às vezes, de motel. Nada muito diferente disso aqui.

Johnny

— Pelo menos você sai. E quantos endereços você já teve?

Sammy

— Nunca contei.

Johnny

— Mais do que os dedos da mão?

Sammy

— Muito mais.

Johnny

— O que seus pais fazem?

Sammy

— Meu pai…viaja. Viaja bastante.

Johnny

— E sua mãe?

Sammy

— Não conheci. Quando ela morreu eu era muito pequeno. (pausa)

Johnny

— De quê?

Sammy

— Um acidente. Não sei direito.

Johnny

— Desculpe.

Sammy — Não precisa. Eu não conheci ela. Você ta muitas perguntas na frente. Johnny — Pode fazer as suas. Sammy — Quando você pensa em mim, qual a primeira imagem que te vem na cabeça? Johnny — Eu não penso em você. Sammy — Nunca? Johnny — Essa foi sua segunda pergunta. Sammy — Você não respondeu à primeira. Johnny — Chega desse jogo idiota. (sai) Sammy — Peraí! Johnny! Eu ainda tenho direito a quatro perguntas!

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8 Cosmo e Jack Flash esperam no carro. Cosmo — Tem certeza que era aqui? Flash — Claro que é aqui. Acha que eu não consigo ler um mapa? Cosmo — É que não ta acontecendo nada. Flash — O que é que você queria? Que passasse uma escola de samba? Cosmo — Eu só queria que acabasse. Faz horas que a gente ta aqui. Flash — É como uma pescaria, Cosmo. Tem que ficar quieto e esperar. Em silêncio. (um tempo) Cosmo — Antigamente meu pai costumava me levar pra pescar. Era muito diferente. Hoje os filhos não querem aprender mais nada com os pais. Meu filho... Flash — Tem luz na estrada, Cosmo, fica quieto. (abaixam-­‐se. A luz de um farol passa por eles. Ouvimos o ronco de um motor ao longe.) Alarme falso. Cosmo — Todos os alarmes eram falsos. Olha, eu não tenho nervos pra isso. Flash — Eles vêm na próxima. Cosmo — Foi o que você disse depois do primeiro alarme falso. Isso não tem pé nem cabeça. Eles desviaram, Jack. Flash — (abrindo a porta) Quer ir embora? Vá em frente. Get your fuckin´ass out of the fuckin´ car, motherfucker. Eu não vim até aqui pra voltar. Pensa que só você tem coisas a perder? Eu vou terminar isso de uma forma de outra, mesmo que seja sozinho, mesmo que seja contra todo mundo. Eu sei reconhecer uma chance quando vejo uma. Cosmo — (fechando a porta) Você é louco. Flash — Leonardo da Vinci também foi chamado de louco. Eles que venham. Eu to pronto. (ficam no carro um tempo, em silêncio. Soam os acordes de Jumpin´Jack Flash, enquanto as luzes vão morrendo lentamente.)

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9. Voz de Sammy — Pai? (nenhuma resposta) Pai? Penumbra sobre o quarto do Las Vegas Hotel. Sammy parado na moldura da porta. Ele entra, tateando as paredes. Sammy — Ó de casa... Sammy tateia as paredes, até encontrar o interruptor. Acende a luz. Flash está deitado na cama, coberto, os olhos abertos. Sammy senta-se na cama e tira os sapatos, sem olhar pra ele. Sammy — Flash quer dizer rápido, né? Quer dizer, tinha aquele super-herói e ele nunca se atrasava. E nenhum funcionário da Jack Flash Corporation International apareceu pra me buscar. Com quem eu reclamo? Eu quase passei a noite na rua. Flash — Laura. (pausa. Sammy olha para Jack pela primeira vez. Jack olha o vazio.) Sammy — Tudo bem? (Jack olha para Sammy sem dizer nada. Um tempo. ) Ta olhando pra mim? (Jack continua olhando em silêncio) Quantos dedos tem aqui? (Jack se contorce debaixo das cobertas e vira-se para o outro lado.Há sangue em sua cabeça. Sammy arranca as cobertas da cama. Jack tem cortes e pedaços de vidro espalhados pelo corpo.) Flash — Eu não sabia. Laura. Eu não sabia. Sammy — O que aconteceu? Flash — Eu ia pagar. Sammy — (segurando a cabeça de Jack) Por que tá falando da minha mãe? Flash — Naquele carro devia ser eu. Eu! Sammy — A gente precisa dar um jeito nesses cortes. Eu tenho ataduras. (encontra uma garrafa de whisky vazia) Merda. Merda. Merda. Flash — Laura. Laura. Sammy — Presta atenção: o que aconteceu? Flash — Como era a música que você cantava pra ele? Sammy — Eu não sei. Flash — Era a música que você cantava. Eu não sei cuidar dele. Quando eu pego ele no colo, tenho medo. Sammy — Pai... Jack — (cantando) “Smile though your heart is aching... Smile even though it’s breaking...” Era assim, não era? Era essa música. Sammy — Levanta um pouco. (puxa Jack para cima e enrola ataduras em volta de sua cabeça) Jack — Samuel, Saul e David. Samuel foi o último dos juízes, Saul o primeiro rei, Davi o segundo. Esse é o nome que seu avô te deu, Sammy. O último juiz. Ele era advogado. Sammy — Sou eu que to aqui com você, pai. Olha pra mim. Pode ver? Jack — (acaricia os cabelos de Sammy) Você cresce rápido, Sammy...

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Sammy — Você ainda sente dor? Me diz onde é que dói. Jack (bota a mão em seu próprio peito) – aqui. ( Sammy abraça Jack e afaga seus cabelos. Luzes caem em resistência.)

10. Sammy e Johnny dividem a cabine do banheiro. Johnny — Quer falar sobre isso? (Sammy faz que não com a cabeça. Ficam em silêncio) Johnny — “Oh, páginas da vida que eu amava Rompei-vos! Nunca mais! Tão desgraçado!” Sammy — Que porra é essa? Johnny — Um cara que escreveu. Tem lá no livro. Álvares de Azevedo. Sammy — Não tenho material. Johnny — Depois tem assim: “Ardei, lembranças tristes do passado. / quero rir-me de tudo que eu amava.” Legal, né? Quero rir-me de tudo que eu amava... Sammy — Eu não leio muito livro. Johnny — Só li isso. O resto é chato. (pausa) Uma vez escrevi isso aqui nessa porta. Apagaram. Mas eu sempre escrevia de novo. Sammy — Por que? Johnny — Antes não tinha ninguém aqui. Servia pra passar o tempo. Sammy — Eu acho que o tempo passa e eu não vivo como tem que se viver. Johnny — Ninguém vive. (pausa) Pode fazer. Sammy — O quê? Johnny — As perguntas que ficaram faltando. Sammy— Já me esqueci. (pausa) Johnny — É pior quando você conhece. Sammy — O quê? Johnny — Sua mãe. É pior quando você se lembra. (pausa) Sammy — Quantos anos você tinha? Johnny — Não faz muito tempo. Sammy — Como foi que ela morreu? (pausa) Johnny — Não quero falar. Tá? (Sammy faz que sim. Ficam em silêncio. Bate o sinal. Eles se olham e não se mexem. Luzes caem em resistência.)

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11. Las Vegas Hotel. Cosmo está sentado em frente a Jack, que está com a cabeça enfaixada. Flash — E depois? Cosmo — Aí aqueles vidros todos estouraram e você bateu com a cabeça no chão. Você voou nessa altura aqui, ó. Flash — Eu sei, idiota. E depois disso você me larga aqui sozinho? Cosmo — Eu podia ter largado você lá. Era a outra opção. Se pelo menos você não tivesse atirado. Flash — Ta dizendo que foi culpa minha? Cosmo — To dizendo que tava tudo sob controle. Flash — Eu podia ter morrido! Cosmo — Mas não morreu. Acha que vai precisar de um médico? Flash — A sua preocupação me comove, Cosmo. Cosmo — Não é com você que eu me preocupo. É com o que está debaixo de você. Flash — Sangue e cacos de vidro, é isso que eu tenho debaixo de mim. Cosmo — Sangue, cacos de vidro – e isso aqui. (tira uma maleta de baixo da cama. Pausa. Jack abre a mala. Não vemos o que tem dentro.) Flash — Jesus fuckin´ Christ. Desde quando isso ta aqui? Cosmo— O combinado era ficar com você. Eu não podia ficar rodando com isso. O carro já é um risco muito grande. Flash — Eu...consegui? Cosmo— Eu te mostrei onde estava, mas você ficava repetindo um nome. Laura, eu acho. “Laura! Laura!” Você tava delirando. Flash — Eu só lembro da explosão. (fica de pé em cima da cama e grita) I am the king of the world! Mama! I´m in the top of the world! Cosmo — Médico, que é bom, não precisa, né? Flash — Pra quê medico? Eles pedem aqueles remédios todos porque ganham em cima. São todos uns mentirosos. Cosmo — É, mas isso aí na sua cabeça é de verdade. Flash — Não preciso de médico nenhum. O Sammy fez um curativo. Quando voltar, ele olha de novo. Dá pra acreditar? O Sammy cuidando de mim. Cresce muito rápido, o meu filho. Cosmo — Acaba passando você. Flash — Muito engraçado. E depois? Cosmo — Depois? Depois eu fui me esconder no carro e fiquei lá até agora. Flash — Tem lido os jornais? Cosmo — Sem testemunhas. O cara que você atirou morreu. O outro ficou cego na explosão.

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Flash — O cara morreu? Cosmo — É, morreu. (pausa) Por que atirou nele? Flash — Eu não tive culpa. Cosmo — Ele não ia reagir. Eu não entendo, quando aquele outro cara reagiu você não fez nada, e esse... Flash — Ninguém viu. Não aconteceu. Foi um pesadelo. Só um pesadelo. Já acabou, não quero mais falar sobre isso. Cosmo — E o que é que nós vamos fazer com essa mala? Flash — Nada. Vamos enterrar no quintal e fingir que não existe. Cosmo— Por quanto tempo? O natal está chegando e eu queria... Flash — Cosmo, eu tive razão em todas as coisas até agora, e tenho razão nisso também. Nós vamos achar uma boa beira de estrada e fazer como os piratas faziam. Como se nada tivesse acontecido. Sem ostentação. Bandeira zero. (pega a mala) Aquele que desobedecer terá que caminhar sobre a prancha. Cosmo— Mas é natal, Jack. Flash — Ho, ho, ho. Não existe natal. Eu escolho o lugar, você cava. Eu te ajudaria, mas ainda não posso fazer esforço, você sabe. (vai saindo com a mala, cantando) Treze homens na arca do defunto... Ho, ho, ho... E uma garrafa de rum… (sai. Cosmo olha um tempo, suspira e sai também)

12. Las Vegas Hotel. Sammy escreve na mesinha, sem óculos, com a cabeça enfiada nos guardanapos. Ouvimos Jack cantando fora de cena.) Flash— (fora de cena) ...E uma garrafa de rum! Ho, ho, ho... (aparece de roupão e cabeça enfaixada) Viu, Sammy? A cabeça do seu pai é dura como pedra. Sammy— (sem tirar a cabeça do papel) Que sorte a minha. Flash — Sorte não: competência. Precisa muita competência pra formar uma cabeça assim. (liga a tv. Sons de filme pornô. Desliga a tv. Pausa) O que você tanto escreve nesses guardanapos? Sammy — Que você me prometeu uma bicicleta e esqueceu. (pausa) Flash — Escreve sobre mim aí? Sammy — Desisti das matérias. Flash — E quando foi que eu te prometi uma bicicleta? Sammy — Antes de chegar em São José. (pausa) Flash — Faz dois anos que nós saímos de São José. Sammy — E eu ainda não tenho bicicleta. (pausa) Flash— Isso resolve o seu problema, ganhar uma bicicleta? Sammy — Não, eu não preciso mais de uma bicicleta.

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Flash — E do que é que você precisa? Sammy — Eu não sei. (pausa) Como era a minha mãe? Flash — Por que? Sammy — Você nunca fala dela. Flash — A gente não deve ficar falando de quem morreu, Sammy. Sammy — Você gostava dela? (pausa) Flash — Muito. Sammy — Como ela era? Flash — Parecida com você. Também gostava de livros. Gostava de ler estórias pra você. Gostava de ler pra mim também. Você só dormia se ouvisse uma estória. Hoje você quase não dorme. Sammy — Hoje eu não ouço nenhuma estória. Flash — Eu também não, Sammy. (pausa) Sammy — Por que nunca mais ficou com ninguém? Flash — Não preciso de ninguém. Eu posso ser sua mãe e seu pai, moleque. Sammy — E quem vai ser o seu? Flash — Posso ser meu pai e minha mãe também. (pausa) Sammy — Sente falta dela? Flash — Always on my mind, Sammy. Always on my mind. E você, do que é que sente falta? Sammy — Acho que de tudo. Flash — That´s life, kid. Quanto mais você vive, mais sente o que falta. (pausa) Sammy — Fica melhor em algum momento? Flash — Vai ficar, Sammy. Mais rápido do que você imagina. Eu prometo. E dessa vez não vai ser igual à bicicleta. É só essas cicatrizes fecharem. Quanto tempo acha que leva? Sammy — Não sou médico. Flash — Sammy, Sammy, sempre se desvalorizando. Não preciso de médico. Só preciso de uma noite de sono. Depois dessa noite tudo terá passado como um pesadelo. (deita-se e se enrola nas cobertas.) Sammy — Quer que eu apague a luz? Flash — Não. Prefiro que você escreva. (cobre-se inteiramente com as cobertas. Sammy volta a enfiar a cara nos guardanapos.)

13.

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Capela da escola X. Luz sobre Johnny, sentada, abraçando os joelhos. Sombras de anjos e imagens sagradas. Por trás dela surge Sammy.) Sammy — Tem certeza que não vem ninguém? Johnny — Aqui é como se fosse um deserto. (Sammy senta-se ao lado de Johnny.) Sammy — Eu não sabia que os anjos usavam espada. Johnny — Acho que eles brigavam com Deus. Sammy — Por que? Johnny — Porque eles não sabiam o que eles eram. Sammy — Anjo é masculino ou feminino? Johnny — Anjo não é nada. (pausa) Sammy — E se você pudesse fazer um pedido? Johnny — Eu ia pedir pra fugir pra bem longe. Sammy — Eu também. (pausa) Pro mesmo lugar? Johnny — O que? Sammy — A gente ia fugir pro mesmo lugar? Johnny — Tanto faz. (pausa. Bate o sinal. Eles não se mexem.) Já parou pra pensar que amanhã é o último dia? Sammy — Já fez sua mala? Johnny — Não vou voltar pra casa. Sammy — Por que? Johnny — Porque não quero. (pausa) E você? Sammy — Johnny, se eu não… se a gente não se encontrar mais, eu quero que… Johnny — Por que tá me dizendo isso? (Sammy beija Johnny. Quase imediatamente, ela se desvencilha, imobiliza seu braço e abre um canivete na jugular dele.) Sammy — Ei! Johnny — Nunca mais toca em mim. Nunca mais encosta em mim. Sammy — Eu pensei que... Johnny — Pensou errado. Nunca mais encosta em mim. Sammy — Eu só queria... Johnny — Eu não quero te machucar, Jack. Mas se encostar em mim de novo eu mato você. Sammy — Eu não vou encostar em você, ta bom? (ela solta o braço de Sammy e guarda o canivete, tudo bem devagar. Eles se olham por longo tempo.) Johnny — Você ia dizer que... talvez você se mude de novo? Sammy — Talvez. (pausa) Johnny — Não queria que você fosse embora. É bom ficar do seu lado. (pausa)

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Sammy — Você pode ficar aqui do meu lado, se você quiser. (pausa. Ela se senta ao lado dele. Voltam à posição inicial.) Johnny — (olhando pra cima.) Olha. Colocaram uma estrela de natal lá em cima. Sammy — Natal é uma coisa que não existe.

14. Porta da escola X. Jack Flash retoca o brilho dos sapatos com um lenço. Usa paletó colorido. Um chapéu cobre parcialmente o curativo na cabeça. Sammy entra segurando sua mala e passa diretamente por ele. Flash — (indo até Sammy) Não conhece mais os amigos? Sammy — Só quando eu enxergo eles. Flash — É, eu pensei nisso. É por isso que eu trouxe feijões mágicos. Sammy — Como é que é? Flash — O que você vê quando olha pra mim? Sammy — Um borrão de tinta. Flash — Então fecha os olhos. (Sammy fecha. Jack coloca um óculos nele.) Pode abrir. (Sammy abre) E agora, o que você vê quando olha pra mim? Sammy — Um borrão de tinta. Flash — Não gostou da minha roupa nova? Onde é que está seu espírito de natal? Sammy— Meu espírito de natal me diz que a gente vai se mudar de novo. Flash — Adivinha, Sammy: eu vim te levar pra casa. Sammy — Las Vegas Hotel? Flash — Não, meu filho: nossa casa. (pausa) Sammy— A gente tem casa? Flash — E com piscina. Sammy — Se é uma piada, eu não entendi. Flash — (pegando a mala de Sammy) Vamos botar isso no porta-malas. No caminho eu te explico. Sammy — A gente tem carro? Flash — Carro é pra gente comum, Sammy. A gente tem um Mustang. Um Mustang vermelho. Sammy — (olhando em volta) — É televisão? Cadê a câmera?

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Flash — Esquece a câmera. A vida que você conheceu até hoje acabou, Sammy. A partir de hoje você vai ter as coisas que sempre quis. Vai ter um quarto só pra você. Vai dormir e acordar na mesma cama, comprar pão na mesma padaria, ir e voltar todo dia pelo mesmo caminho. Eu quero que a gente passe o melhor natal de todos os tempos. Eu prometo que esse vai compensar todos os que a gente não teve. Eu sei que eu já prometi muita coisa, mas... são meus feijões mágicos. Eles só vão crescer se você acreditar em mim. Acha que pode? Sammy — Acho que sim. Flash — Então vem aprender a diferença entre um Mustang e um carro. Sammy — Eu preciso saber se eu vou voltar pra cá. Flash — Não vai querer voltar, Sammy. Sammy — E se eu quisesse muito, muito, muito fazer uma coisa que não tem a menor possibilidade de dar certo, mas tivesse uma última chance de fazer essa coisa, você acha que eu devia tentar mesmo assim? Flash — Sabe o que eu acho? Eu acho que se você quiser muito, muito, muito, não tem como dar errado. Sammy — Pai... Flash — (pousando a mala no chão) — Pode ir. Eu fico esperando. (Sammy sai correndo em direção à escola.) Flash — (sozinho) Aposto que é uma garota.

15. Banheiro da escola X. Johnny, sozinha, olha para uma foto. Faz poses femininas. Mexe no cabelo. Arruma-o de várias formas, sempre comparando com a foto. Desanima. Solta os cabelos, fecha os olhos, aperta a foto contra o peito. Entra Sammy, sem ser visto por Johnny. Sammy — Assim você fica mais bonita. (Johnny leva um susto e se esconde dentro da cabine) Johnny (de fora) — Vai embora! Sammy — Não consigo! Johnny (sempre de fora)— Não interessa! Sammy — Pelo menos ouve. Johnny — Pra quê? Você não ia embora? Sammy — Vim te convidar pra passar o natal na minha casa. Johnny — Odeio natal! Sammy — A gente finge que não é natal. Johnny — Não torna a coisa mais difícil, Jack. Pega a mala e cai fora! Sammy — Mas e você?

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Johnny — Foda-se! Sammy — Não posso te deixar aqui sozinha, Johnny. Johnny — Vai viver sua vida! Que preocupação é essa comigo, agora? Sammy — Não é preocupação. Johnny — Então é o quê? Sammy — Eu não sei! Johnny — Eu também não! Acha que eu gosto disso? Sammy — Não, eu achava que você não ia aceitar. Johnny — Então por quê? Sammy —Porque... porque... deixa pra lá. Eu precisava tentar, só isso. Vou embora. Talvez a gente não se veja mais. Se é isso mesmo que você quer, é só ficar em silêncio. (espera uns segundos, vai saindo) Johnny (baixo) — Por que, Jack? (pausa) Sammy — Sabe, eu já tive 38 endereços. Contei depois que você me perguntou. 38 cidades. 38 quartos de hotel. Eu sempre fiquei do lado de fora da janela da casa. E desse lado sempre parece que lá dentro todo mundo é feliz. Eu passei todos esses anos achando que se eu conseguisse passar pro lado de dentro eu ia me sentir melhor. Aí vem meu pai hoje e diz que vai me levar pra casa. Mas eu não conseguia... eu não conseguia... parar de pensar em você. Nem por um momento, nem por um segundo da noite que eu não dormi, nem enquanto eu fazia as malas, nem enquanto meu pai disse a palavra mágica. Então é por isso. Porque eu acho que... você é a minha casa de verdade, Johnny. (pausa. Ela sai da cabine. Se olham por longo tempo.) Johnny — Eu... não posso aparecer assim pro seu pai, eu... preciso me arrumar... Sammy — Eu te espero. Johnny — Quanto tempo? Sammy — Toda minha vida mais seis meses.

16. Las Vegas Hotel. Flash termina de fazer as malas. Sammy esvazia os armários. Johnny, de cabelos penteados, experimenta chapéus. Flash — Vocês precisam ver o brilho da piscina à noite. A água, parece que ela tem vida. Sammy — Fala dos blood marys. Flash — Eles brotam nos galhos das árvores com o orvalho da manhã. Sammy — E por que a gente não ta lá? Flash — Melhor pegar a estrada de noite. Johnny (experimentando um paletó) — Vão mesmo largar essas coisas aqui?

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Flash — Sweetness, aceite uma lição do velho Jack Flash: quando se vai embora, se deixa tudo sem olhar pra trás. Quando você pensa no que deixou pra trás, duas coisas podem acontecer... Sammy (cortando, para Johnny) — Ficou muito bem em você. Johnny — Não é exatamente do meu tamanho. Sammy — Combina com o chapéu. Johnny — Acha que eu sou bonita, Jack? Flash — Well, sweetness... Sammy — (cortando) Sou eu. Flash — Pensei que tivesse falado comigo. Johnny — Esqueci que você também é Jack. Dois Jacks. A gente se acostuma. Flash — Dois Jacks, é? (Sammy abaixa a cabeça. Pausa) E sabe por que nos chamam assim? Sabe o que quer dizer Jack Flash? Sammy — João Bobo. Aquele boneco que apanha e volta pro mesmo lugar. Flash (chocado) — Quem disse? Sammy — Eu perguntei pro professor de inglês. Flash — Porra nenhuma. O que é que um professor pode saber sobre isso? Um cara que passa a vida escondido atrás de um quadro-negro, o que é que ele pode saber? Johnny — É uma música, não é? Flash — Absolutely right! Eu fui liquidado e deixado como morto/ eu caí a meus pés e vi que sangravam/ eu desanimei diante das migalhas de uma casca de pão/ e eu fui coroado com um cravo bem atrás da minha cabeça/ but it´s all right now. É mais ou menos isso. Jumping Jack Flash: aquele que foi além da dor e do sofrimento. That´s what rock`n`roll is all about. Johnny — Tudo bem, é apenas uma música. (pausa) Sammy — Por que ainda estamos aqui? Flash — Já arrumou suas coisas? Sammy — Que coisas? Tudo que eu tenho cabe nessa mochila. Flash — (jogando a chave do carro pra ele) Então vai dando partida no Mustang. Sammy — Mas... Flash — Sempre tem uma primeira vez. Só pisa no acelerador, não usa a embreagem nem a marcha. Sua convidada vai gostar de saber que você aprende depressa. (para Johnny) Pode levar o que quiser, sweetness. Sammy — E você? Flash — Pago a conta e desço em seguida. Cinco minutos. Não quero que você veja seu presente. (pausa. Sammy e Johnny vão saindo) Vai ficar mais difícil guardar tudo que você tem nessa mochila, Jack. (saem. Jack só) Professor de inglês. (tira de baixo do travesseiro a maleta do assalto, abre e confere. Guarda a maleta dentro da mala maior. Confere sua arma e coloca-a dentro da calça.) Professor de inglês... (fecha a porta e sai)

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17. Salão da casa de Jack Flash. Garrafas de champagne abertas e copos cheios. Jack está abrindo mais uma garrafa. Sammy e Johnny estão terminando de montar uma árvore de natal. Ela usa o paletó e o chapéu da cena anterior. Flash — ...E foi isso que eles fizeram: pegaram um funcionário aposentado de barba branca, escolheram uma roupa que tivesse a cor da empresa, fotografaram e colocaram nas garrafas. E o mundo todo adotou a imagem. Johnny — Papai Noel? Flash — É por isso que ele usa vermelho. Pra vender mais coca-cola. (bebe) Mas eu sou fiel ao champagne. Uma vida bem sucedida é cercada de champagne por todos os lados. Querem mais? Sammy — Ainda não terminei o outro copo. Flash — Vocês têm que aproveitar as bolhas do champagne, crianças. Elas não duram pra sempre. Johnny — A gente devia tirar esse enfeites e colocar umas correntes. Sei lá, furar as folhas com alfinetes. Ia ficar mais legal. Flash — Também não precisa ser um memorial do holocausto, sweetness. É natal. Johnny — E qual a diferença? Pra nascer uma criança mataram todas as outras. Sammy — Eu voto nos alfinetes. Flash — Vou contar a vocês a verdade sobre o natal: uma família em fuga passa a noite num estábulo escondida entre bois e burros. E por quê? Porque só neles se podia confiar. Sammy — Parece bem otimista. Flash — E é. Eles sobreviveram. Nós estamos montando a árvore deles. Essa é a mensagem: todo mundo precisa do seu próprio estábulo, com os bois e burros que confia, e nós somos bois e burros uns dos outros. Nós estamos aqui, os cachorros estão lá fora e ninguém, ninguém nessa noite escura e fria vai cravar seus dentes miseráveis no nosso pescoço. (toca a campainha) Sammy — Isso é o que chamo de timing. Flash — Deu nosso endereço pra alguém, Sammy? Sammy — Só se eu fosse médium. (pausa. A campainha toca novamente.) Flash — Muito bem, crianças, a versão do alfinete ganhou. Não é de um espírito muito natalino, mas vocês estão em maioria. Tem uma caixa de pregos em algum lugar por aí. Pregos fazem um estrago maior, hein? Vocês só precisam procurar. (toca a campainha. Ninguém se mexe.) Johnny — Ninguém vai atender a porta?

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Flash — Deve ser alguém vendendo cartões de natal. Sabe como é, fundos pra sociedade protetora dos animais, pros velhinhos órfãos de Minnesota, pro bingo, essas coisas. Eu me livro do chato em dois segundos. (a campainha toca novamente) Sammy (para Johnny)— Vem. (saem. Jack saca seu revolver e se aproxima da porta. A campainha toca mais uma vez. Jack engatilha a arma.) Flash — Quem é? Voz de Cosmo — Papai Noel. (Jack abre a porta. Entra Cosmo, vestido de Papai Noel) Flash — Enlouqueceu? Quê que a gente combinou? Cosmo — Ele não lembra de mim. Flash — Quem? Cosmo — Meu filho. Ele não lembra de mim. Flash — Do que é que você ta falando? Cosmo — Ele ganhou o Gengis Khan de presente. Flash — O pinto? Cosmo — Galo. Flash — Deu um galo pro seu filho? Foi isso que fez com sua parte? Não conseguiu pensar em nada melhor? Cosmo — Dei o melhor presente que um pai pode dar. Não precisei comprar. Eu cuidei. Flash — E você quer que ele fique feliz? Cosmo — Eu quero que ele se lembre, só isso. A última vez que a gente se viu, o Gengis não passava de um brinde de feira. Mas agora ele não lembra do bicho, da feira, de nada. Entende, Jack? Ele não lembra dos momentos que passa comigo. (pausa) Flash — Ele é só uma criança, Cosmo. Cosmo — A mãe dele, acho que ela não fala sobre mim, acho que ela... Flash — A memória dos filhos é curta, Cosmo. As coisas correm sem que eles lembrem de nós. Cosmo — Eu aturei aquele maldito galo cantando no meu ouvido em cada madrugada filha da puta nesse tempo todo. Não me venha falar de memória curta. Se eu consigo me lembrar, por que ele não? Flash — Eu… não sei o que dizer, Cosmo. ( Cosmo serve-se de champagne.) Cosmo — As coisas não correm, Jack. Elas não saem do lugar. Elas ficam totalmente paradas enquanto o tempo passa. (pausa) Eu tenho um plano. (entram Sammy e Johnny com uma caixa de pregos) Jack — (adiantando-se) Crianças, o bom velhinho da coca-cola veio nos visitar. Johnny — Pensei que você entrasse pela chaminé. Cosmo — A última vez que eu fiz isso queimei a bunda na lareira. Sammy — Eu conheço ele.

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Flash — É só um ator aqui da região. Sammy — Ia sempre lá no hotel. Me deu carona uma vez. Não é você que cria um pinto? Cosmo — Galo. Um maldito e desprezível galo. (bebe) Flash — Papai Noel aparece bem mais do que devia. Mas não pode ficar, tem que visitar outras crianças, não é, Papai Noel? Cosmo — (bebe e ergue o punho) Viva la Revolución! Flash — (baixo) Ih, caralho... (para Cosmo) Cosmo, nós estamos no meio de uma celebração aqui. Johnny — A gente vai depredar a árvore de natal. Cosmo — Ótima idéia. Na minha época as pessoas brincavam de mímica. Era bem mais chato. Flash — Eu mereço. Johnny — A gente podia usar esses pregos pra crucificar besouros. Flash — Você diz besouros de verdade? Johnny — Depois a gente coloca na árvore. Cosmo — Genial! Caçada de besouros ao luar! Todos pro jardim! O último a chegar é mulher do padre! (saem, Johnny e Sammy, correndo, seguidos por Cosmo) Flash — (só) Eu mereço.

18. Jardim da casa de Jack Flash. Jack, Cosmo, Sammy e Johnny deitados, olhando as estrelas, cada um com sua garrafa de champagne. Sammy — Ali tem mais uma. Johnny — Fui eu que vi primeiro! Sammy — Fui eu! Flash — Pra mim não passa de um vaga-lume. (pausa) Sammy — Agora eu vi! Johnny — Eu que vi! Cosmo — Acho melhor os dois fazerem o pedido de uma vez. (Johnny se levanta) Sammy — Pediu o quê? Johnny — (sorrindo para Sammy) Mais champagne. (corre pra dentro da casa. Sammy vai atrás dela. Cosmo se levanta com esforço) Cosmo — Chega de estrelas cadentes. Daqui a pouco os passarinhos começam a cantar. É a parte do dia que eu mais odeio. Me lembra o infeliz daquele galo. (para Jack) Vai ficar aí?

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Flash — (sentando) Sabe, eu passei tanto tempo em quartos de hotel que não consigo assimilar que sou eu que moro aqui. É como... como se não fizesse parte de mim. Cosmo — Olha só pra você, Jack Flash: comprou a casa mais bonita, o carro mais caro, gastou todo seu dinheiro e agora vem com essa conversa. Flash — Não gastei tudo. Ainda tem uma parte escondida. Cosmo — Onde? Flash — A propaganda não é a alma do negócio. Cosmo — O que eu disse do plano continua de pé, Jack. Flash — Não sei, Cosmo. Era pra ter sido a última vez. Cosmo — Nosso mundo não é atrás daquela porta, Jack. Nosso mundo é aqui. Você pode se esconder da verdade por um tempo, mas não pra sempre. (passa sua garrafa a Jack e vai saindo. Jack fica sozinho, sentado, olhando a casa. Bebe. Luzes caem em resistência

19. Interior da casa de Jack Flash. Johnny serve-se de champagne e bebe a taça inteira. Entra Sammy. Johnny — Champagne faz cosquinha no nariz. (ri. Sammy também sorri. Passam os sorrisos. Continuam se olhando.) Sammy — Até onde posso chegar perto de você? Johnny — Pode chegar mais perto. (ele dá um passo) Mais. (ele se aproxima) Aí. Sammy — Posso fechar os olhos? Johnny — Por que? Sammy — Assim eu posso ouvir você e imaginar. Johnny — Imaginar o quê? (pausa) Sammy — Quer mesmo que eu conte? Johnny — (baixo) Quero. Sammy — Imagino como você é por baixo disso tudo. (pausa) Johnny — Como eu sou? Sammy — Imagino você nua. (pausa) Johnny — Mas... mas eu… Sammy — (fechando os olhos) Imagino sua boca bem perto da minha. Imagino que a gente se beija. E você? Johnny — Eu? Sammy — Fecha os olhos. Johnny — Eu...

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Sammy — Confia em mim. (pausa. Ela fecha) Você pode ser o que quiser. Como você se imagina? Johnny — (baixo) Beijando você. Sammy — E depois? Johnny — Tirando a roupa. (luzes começam a cair lentamente) Sammy — Gosta que eu olhe pra você? (ela faz que sim) Percebe quando eu olho pra você? Johnny — Sempre. Sammy — O que você ta tirando agora? Johnny — O que você quer que eu tire? Sammy — Eu me imagino abrindo sua blusa. Johnny – E o que você vê? Sammy — Seus peitos. Escondidos nas minhas mãos. Eles cabem direitinho. Johnny — Direitinho. Sammy — Você respira forte e eles sobem e descem. Não é assim quando você respira forte? ( ela faz que sim) É como se eu tocasse em você e sentisse. Onde estão suas mãos agora? Johnny — (baixo) Em você. Sammy — Aonde? Johnny — Na sua boca. No seu cabelo. Sammy — Eu gosto muito das suas mãos em mim. Johnny — Posso puxar você pelo cabelo? Sammy — Traz a minha boca pra você. Johnny — Te beijei de novo. Sammy — Gosta de beijar? Johnny — Gosto. Sammy — Que mais você vai fazer comigo? Johnny — Vou ficar nua pra você. (escuridão completa) Sammy — Tira a roupa pra mim. Johnny — Tirei toda minha roupa pra você. Sammy — Nua. Johnny — Nua. Sammy — Você é linda. Johnny — Cadê suas mãos? Sammy — Nas suas pernas. Johnny — Eu sei onde elas querem chegar. Sammy — Elas podem? Johnny — Podem.

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Sammy — É bom quando eu toco em você? Johnny — Muito. Sammy — É diferente? Johnny — Muito. Sammy — É diferente pra mim também. Johnny — Você gosta de mim? Sammy — Eu gosto tanto de você, Johnny. Johnny — Então me beija. Me beija.

20. Sala de Jack Flash. Ele está sentado em frente à árvore de natal, iluminado pelas luzes coloridas. Sammy acende a luz. Flash — O sono nunca foi uma conquista fácil, não é, meu filho? Sammy — Só vim pegar água. Flash — Desistiu do champagne? Sammy — Já acabaram as bolhas. Flash — É. Mas ninguém lembrou de depredar a árvore. Sammy — Ta tudo bem? Flash — (indicando o colo) Senta aqui, moleque. (Sammy fica parado) Anda, eu sou seu pai, não é como sentar no colo de um homem. (pausa. Ele senta. Ficam assim.) Quando você era criança eu não sabia te pegar no colo. Agora você não é mais criança. Sammy — Tem gente me esperando. Flash — Eu ainda não entreguei seu presente. Sammy — Presente? Flash — Sabe, existe mais um significado pra Jack Flash. Jack Flash é o cara rápido. Mãos rápidas. (pausa) Sammy — E daí? Flash — Eu quero que você me prometa que vai usar as suas mãos rápidas em coisas diferentes. Sammy — Coisas diferentes? Flash — (mostrando uma caixa de presente) Abre. (Sammy abre. É uma máquina de escrever) É uma Remington. Dizem que os melhores do mundo escreviam nela. Sammy — Eu não sei escrever. Eu não tenho livros. Flash — Não precisa de livros. Só precisa da sua cabeça. E das suas mãos rápidas. Promete, Sammy. Sammy — Eu não sei do que você tá falando.

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Flash — Eu não sou um bom herói pra ninguém, Jack. Eu não quero ser um herói pra você. Promete. (pausa) Sammy — Prometo. (Pausa) Posso beber minha água? Flash — Apaga a luz. (Sammy vai saindo, levando a máquina. Apaga a luz.) Ei, Sammy. (Sammy volta-se.) Pede a benção. Sammy — Hã? Flash — Deus te abençoe. (Sammy sai. Jack, só, pega o telefone.) Sou eu. Ta acordado? Anda, eu sei que você ta aí. (pausa) Ta bom. Só quero dizer que aceito. Por mim o plano ta de pé. Mas andei pensando, precisa de algumas correções. Vai ser coisa grande. Coisa muito grande. Passo aí na hora do almoço e a gente conversa melhor. E olha: remédio pra ressaca é água de coco. (Enquanto ele fala, ilumina-se lentamente a figura de Cosmo, ainda vestido de Papai Noel, amarrado a uma cadeira, a boca tapada pelo gorro. Jack desliga o telefone e continua ali, iluminado pelas luzes da árvore. ficamos com Cosmo, seus olhos arregalados e o sinal de ocupado.)

21. Ruído de máquina de escrever. Luz de amanhecer sobre Sammy, que escreve. Por trás dele surge Johnny. Ela carrega uma mala. Johnny — Nunca me disse que gostava de escrever. Sammy — (ainda na máquina) Como era aquilo que você repetia? Ardei, lembranças tristes do passado... como era? (vira-se e vê as malas. Pausa) Johnny — Quero rir-me de tudo que eu amava. Era assim que continuava. (pausa. Ficam se olhando.) Não achou que eu ia ficar. Sammy — Não achei que fosse embora tão cedo. (pausa) Tem alguma coisa que eu posso fazer pra você ficar? Johnny — Eu... queria que você ficasse com isso. (dá a ele uma foto.) é uma foto da minha mãe. Dizem que ela parecia comigo. Eu não tenho nenhuma foto minha. É pra você lembrar de mim. (pausa. Sammy recebe a foto) foi um natal muito bom, Jack. Eu queria que você soubesse. Eu não tive natais muito bons. Sammy — Então, Johnny, por que não fica mais um pouco? Johnny —É engraçado. A gente nem sabe os nossos nomes. Sammy — Você já sabe o meu. Johnny — Eu não sei de nada, Jack. (pausa) E você também não sabe nada. Sammy — Por que você não me conta? Eu sei que aconteceu alguma coisa. Alguma coisa que você não fala. Conta pra mim. Eu quero ajudar. À vezes é bom falar. Johnny — (saindo) Não preciso de ajuda. Eu vou embora. Sammy — (bloqueando) Pra onde? Johnny — Não te interessa.

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Sammy — Claro que interessa. Vai pegar a estrada como? Johnny — Dou meu jeito. Sammy — Peço pro meu pai te levar. Johnny — Não. Sammy — Tá frio pra caralho lá fora. Johnny — Foda-se. Sammy — Pra onde você vai? Johnny — Embora. Sammy — (segura ela) Johnny... Johnny — (dá um soco nele) Fica longe de mim! (ele cai. pausa. Quase sem voz) Desculpe. Eu...desculpe. (vai saindo) Sammy — Só mais uma coisa. (ela pára. Ele tira a folha da máquina e dá pra ela) Pra você lembrar de mim. (pausa. Ela pega a folha e se dirige lentamente à saída. Pára na porta) Johnny — Eu prefiro morrer do que contar pra você. Eu não quero que você saiba nunca. (sai) 22. Casa de Cosmo. Ele devora um frango assado. Flash está sentado ao lado dele, mas não toca na comida. Cosmo — Você devia experimentar. Flash — Não, obrigado. (pausa. Cosmo come) Cosmo — Anda, prova um pedaço. Flash — Isso é canibalismo, Cosmo. Cosmo — (segurando uma coxa de frango) Canta agora, filho da puta. Canta. Flash — Ta feliz? Cosmo — (comendo) Não. Flash — Nem eu. Não vim até aqui pra ouvir um pinto morto cantar. Isso é um almoço de negócios.

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Cosmo — (parando de comer) Ok, Flash. Sua vez de cantar. Ainda dá tempo de desistir. Flash — Desistir? Por que? Cosmo — Você faz perguntas demais, Flash. Esse é o seu problema. Flash — Olha, o seu plano é bom, só precisa de alguns ajustes. Cosmo — Por exemplo. Flash — Mais armas. Cosmo — Pra quê? Só precisou de uma pistola de mão pra matar aquele cara. Flash — Por que ta dizendo isso? Aquilo foi um acidente. Cosmo — Um acidente que nunca tinha acontecido. Flash —Era ele de um lado, eu de outro. Quem faz perguntas numa hora dessas? Você só reclama porque sempre ficou sentado na porra daquele volante e nunca fez nada. Cosmo — Só queria que isso ficasse bem claro. (pausa) Flash — As coisas ficaram maiores. Não dá pra voltar ao que era antes. Cosmo — Pode apostar nisso. (pausa) Flash — Aquele cara morreu olhando pra mim. Já viu alguém morrer na sua frente, Cosmo? É sempre o mesmo olhar. Não sei por que to te falando isso. Cosmo — Você fala demais, Flash. Flash — Você ta estranho hoje, Cosmo. Cosmo — É o frio. Flash — O frio só vai piorar. Cosmo — Eu sei. (pausa) Flash — Acha que consegue as armas? Cosmo — Elas vão aparecer.

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Flash — Ótimo. Sabe onde me encontrar. (sai. Sozinho, Cosmo abre a blusa. Está grampeado. Arranca os esparadrapos que prendem o microfone e volta a comer o frango)

23. Luz sobre Sammy. Ele bate à máquina. Luz sobre Flash. Ele faz arremessos com uma bola de basquete. Flash — Um dia vou te levar pra ver os Giants, Sammy. Sammy — (batendo à máquina) De onde eles são? Flash — Sei lá. Dallas, Los Angeles, New York... Em algum lugar deve ter um Giants. Sammy — Então não existe. Flash — Claro que existe. É o meu time. Eles não perderam nenhum jogo da temporada. Sammy — Que temporada? Flash — Uma dessas aí. Primavera, verão, inverno, que diferença faz? Sammy — Você ta inventando. Flash — Eu podia ensinar você a jogar igual os caras do Giants. Sammy — Eu já sou igual os caras do Giants. Flash — Ah, é? Sammy — Os caras do Giants não sabem de onde eles são. Eu também não sei de onde eu sou. Nem onde eu estou. Qual o nome desse lugar? Flash — Eu te disse quando chegamos. Antonina. Antonina. (apaga-se luz sobre Jack Flash. Sammy continua escrevendo.)

24. Jack e Sammy na porta da escola X. cada um tem seu próprio guarda-chuva. Flash — Você fica por alguns dias. Depois eu volto pra te pegar. Sammy — Dessa vez eu aprendi o caminho.

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Flash — É que... talvez o caminho tenha que mudar. Eu vou precisar fazer uma viagem... depois a gente vê. Sammy — Depois quando? No meio da noite, sem se despedir de ninguém? Flash — Não me olha assim, Sammy, ainda não tem nada certo. Sammy — Você disse que lá era a nossa casa. Flash — Ainda é. Mas nossa casa é onde a gente está, Sammy. Além disso, você queria voltar pra escola, não queria? Sammy — O que é que você sabe do que eu quero? (vai entrando) Flash — Ei! Não vai desejar boa sorte pro seu velho pai? (pausa. Sammy vira-se) Sammy — Já parou pra pensar que um dia eu vou ficar e você vai ter que continuar sozinho? Nesse dia, eu vou te desejar boa sorte. (sai. Flash fica só, olhando a fachada do colégio.)

25. Cosmo espera no carro. Jack entra correndo com uma maleta na mão. Flash — (entrando no carro) Correu! Correu! (Cosmo não se mexe) O carro não tá ligado? (Cosmo não se mexe. Jack empurra Cosmo) Cadê a chave? (Sirene e farol alto sobre os dois. Cosmo não olha para Flash, dá um tapa em seu ombro e sai do carro sem erguer as mãos. Jack fica no carro e lentamente leva as mãos à cabeça. Sirenes aumentam enquanto luz vira um pino sobre ele.)

26. Duas cadeiras, uma de frente pra outra. Sammy aguarda de pé. Entra Flash. Marcas de porrada. Tem as mãos unidas por algemas. Eles se sentam nas cadeiras. Ficam em silêncio. Flash — E aí, encontrou a menina no colégio? Sammy— Não. Flash— Eu te disse. Sammy — Às vezes você acerta. Flash — É, às vezes. (pausa) Leu os jornais? Sammy — Li. Flash — Falaram bem de mim? Sammy — Não. Tão te tratando bem? Flash — Não tem morangos no café, mas a cama é melhor que a do Las Vegas Hotel. Sammy — Então você admite que a cama do Las Vegas era ruim. Flash — Não. eu admito que a daqui é melhor. (pausa. Sammy sorri.)

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Sammy — Sempre precisa ter a última palavra, né? Flash — Sabe qual o segredo da sabedoria, Sammy? Nunca ter a última palavra. deixe a última palavra para os idiotas. (pausa) Mas diz alguma coisa, senão vai parecer que eu sou o idiota que falou por último. Sammy — Se eu falar, vai parecer que sou eu. (Jack sorri. Sammy sorri) Flash — Você tem o sorriso da sua mãe. Não é sempre que ele vem, não é o seu estilo. Mas é o mesmo sorriso. Sammy — Como é o meu estilo? Flash — A gente tem que adivinhar. Quando alguma coisa te machuca, você não grita. (pausa) E como é que tão te tratando? Sammy — Eu não gritei ainda. Flash — É o que me preocupa. (pausa) Sammy, tem uma coisa que você precisa saber. As coisas vão ficar meio difíceis, então... Sammy — Eu sei sobre a máquina de escrever. Flash — Sabe? Sammy — Eu achei o pacote lá dentro. (pausa) Como é que eu faço pra te devolver? Flash — Não vai devolver. É tudo seu. Sammy — Tá maluco? Eu não quero ficar com isso. Flash — Claro que quer. Pegue o dinheiro e faça uma viagem. Pegue uma estrada e veja onde ela termina. Uma vez eu corri o país inteiro com sua mãe. Faça isso também. Leve a sua namorada. Sammy — Ela não é minha namorada. Flash — Você encontra outra. Existem namoradas em todos os cantos. ache uma que goste de você, Sammy, que goste de verdade. Forme uma família. Tenha filhos. Viva a sua vida como ela merece ser vivida, Sammy. Como você sempre quis viver. Sammy — Mas e você? Flash — Eu vou ficar aqui jogando basquete. Por um longo tempo. Já te disse que eles têm um time aqui? Pois é. Os Giants. Eu sou o maior pontuador que eles têm. Sammy — Pai, se eu ficar com isso, logo eles chegam em mim também. Flash — Se você voltar, sim. Mas você não vai voltar, Sammy. Não volte nunca. Não me escreva. Não venha me visitar. Saia daqui e nunca mais olhe pra trás. Sabe o que realmente acontece quando você olha pra trás, Sammy? As lembranças te alcançam e nunca mais te deixam em paz. Ache uma cidadezinha bonita, no meio do nada, e fique por lá. E quando perguntarem de onde você é, não diga nada. Diga que não lembra. E talvez um dia, depois de muitos anos, quando eu já estiver descansando do lado de sua mãe, talvez você se lembre de escrever minha estória nos seus guardanapos. Nesse dia você pode dizer, sei lá, que eu fui um cara legal. Que eu me importava com você, tentava cuidar de você. As pessoas não ligam se quem conta a estória mente um pouco. Sammy — Não seria mentira. Flash — Não se você disser. (pausa) Hora de ir. Sammy — Pai...

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Flash — Você não é um Jack? So hit the road, Jack. Sammy — Eu nunca fiz isso sozinho. Flash — Sorte a sua. Nada se compara à primeira vez. Vai, eu fico olhando você. Não vou fechar meus olhos até você passar pela porta. Quero me lembrar de você assim: indo conquistar o mundo. Vai, meu filho. (Sammy levanta e se encaminha para a porta. Flash observa) Ei, Sammy! (Sammy se vira) Até um dia. (acenam. sammy sai. Luz morre sobre Flash) 27. Sammy parado na porta da escola X. Veste o casaco que foi de Flash. Máquina de escrever pousada no chão. Esvazia sua mochila no lixo e acende um fósforo. Johnny surge por trás dele. Sammy— Oh, páginas da vida que eu amava Rompei-vos! Nunca mais! Tão desgraçado! (coloca fogo no lixo.) Johnny — Ardei, lembranças tristes do passado. Quero rir-me de tudo que eu amava. (Sammy se vira e a vê. Pausa.) Sammy vem de Samuel? Sammy — Vem. E Johnny, vem de onde? Johnny — De algum lugar. Que é como se fosse lugar nenhum. Sammy — E vai pra onde? Johnny — Acho que embora. E você? Sammy — Também. Johnny — Pro mesmo lugar? Sammy — O quê? Johnny — A gente vai embora pro mesmo lugar? É assim que termina? Sammy — É assim que começa. (pausa) Johnny — Sabe, quando a gente sai de um lugar deve olhar pra frente. Sammy — (virando-se de costas) Não, é bom olhar pra trás. Olhar pela última vez. Eu to olhando pra essa parte da minha vida pela última vez. E você? Johnny — Eu? Sammy — Quer tentar? Johnny — Segura minha mão? Sammy — Já é um começo. (Sammy segura Johnny pela mão. Ficam olhando pra fachada do colégio) FIM

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