MACBETH sxuola

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MACBETH William Shakespeare

Tradução livre do original e dramaturgia Maurício Paroni de Castro (consultoras Tânia Guerreiro e Ângela Noronha) Dramatis Personae

Duncan, rei de escócia Malcolm e Donalbain, seus filhos Macbeth, barão de Glamis, depois de Cawdor, depois Rei de Escócia Banquo Macduff Ross barões de Escócia O Velho Dobal que nós conhecemos,com mais de 50 anos de palco A Jovem Augusta que nós conhecemos, com menos de 50 anos de palco Alvise, espectro de Banquo, Fleance, filho de Banquo e espectro de Duncan

Lady Macbeth Lady Macduff Três irmãs do destino Hécate

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PRIMEIRO ATO Três enormes rolos de panos, alinhados no mesmo eixo, com pinturas; o primeiro para o tempo/horas, justaposto um segundo para o espaço/lugares, por sua vez justaposto a um terceiro, mais baixo, para objetos/personagens.

Penumbra, iluminada pelas velas do Coro de Sonâmbulos, entregues por quem do público dispôs-se a acendê-las. Este Coro tende a enganar quem quer que seja com suas litanias hipnotizantes.Os Kurokus abrem o pano de boca vermelho. BRUXABORGHI (Vestido com bichos de pelúcia enforcados, denota com

aquele ar evocativo de infância o evidente fardo de impaciência que a sabedoria traz). Será com trovão (O CORO SONÂMBULO diz continuamente a palavra “trovão”), chuva ou relâmpago?

Acende-se intermitentemente a pintura do Relâmpago. Essas pinturas devem ser iluminadas à antiga, por ribaltas de lâmpadas comuns. BRUXABORGHI dança. BRUXAKÖHLER entra da Rua, de biquíni, e interrompe a atmosfera. Maquia-se. Alguém do CORO SONÂMBULO substituí “trovão” por “Praça Roosevelt”. BRUXADOBAL, senhor posto em trajes de menina impressionista, bate na BRUXAKÖHLER, que pára de se maquiar, vai para trás do seu projetor e passa a desenhar uma Lua com os seus instrumentos de maquiagem. Cobre-se com um pano preto, mais decente. Sinaliza um pedido de compostura. BRUXABORGHI Quando a gente se vê de novo? BRUXADOBAL 2


Quando acabar a baderna e a guerra for perdida e vencida. BRUXABORGHI Antes do pôr-do-sol. BRUXADOBAL Onde? BRUXABORGHI Para lá da pântano, para encontrar Macbeth. BRUXADOBAL O sapo canta.

O CORO faz “crock” “crock” “crock” continuamente. BRUXABORGHI Névoa. Ar engordurado. BRUXADOBAL O bonito é feio. BRUXABORGHI O feio é bonito. BRUXAKÖHLER (O mudo, enfurecido) BONOSOKUBUDAI! BONOSOKUNEHAN! BRUXABORGHI “O Bem, o Mal é tudo igual.” BRUXADOBAL “O Bem, o Mal é tudo igual.”

BRUXABORGHI e BRUXADOBAL têm diante de si um rolo, espécie Toráh e lerão o texto se desejarem. BRUXADOBAL não suporta a roupa de bruxa que lhe puseram; típico ator envergonhado pelo que é obrigado a fazer, também ele esconde sua roupa com um pano preto. Volta a ser o VELHO DOBAL de todos nós, com mais de 50 anos de teatro. Faz de tudo para tomar parte das manipulações do CORO SONÂMBULO. A pintura do Relâmpago muda para a pintura do Pôr-do-Sol. Mudança dos rolos de pintura a cargo de KUROKALEX e KUROKASTRO. Esses KUROKUS entram

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de maneira solene, à Japonesa. O CORO silencia. Os dois desenrolam as pinturas. KUROKASTRO Rei Duncan, Malcolm, Donaldbain, Lennox, Corte. KUROKALEX E um soldado ensanguentado.

(Repetem isso continuamente. O CORO SONÂMBULO, hipnótico e sedicioso, movimenta todos os gestos de DUNCANNILTON. Completamente desprovido de tônus muscular, faz enorme esforço intelectual para compreender o que lhe dizem, é crédulo e cínico). DUNCANNILTON Quem é esse desgraçado que sangra? Talvez tenha notícias da revolta. KUROKALEX É um amigo. KUROKASTRO Conta ao Rei o que sabe. CORO SONÂMBULO Não se sabia o destino. O VELHO DOBAL Macdonwald, o revoltoso ... (Consulta os seus pergaminhos. Uma pessoa do CORO repete continuamente a palavra “infame”) tinha reforços de infantaria e de cavalaria, das ilhas do poente. CORO SONÂMBULO O destino era danado. O VELHO DOBAL Mas era fraco o sorriso daquela puta rebelde. Eis que o bravo Macbeth desdenha o destino: espada fumante de sangue, crava passagem até a face daquele escravo e, sem dizer oi nem adeus, rasga-lhe a carne do umbigo à garganta, e lhe finca a cabeça num mastro. DUNCANNILTON (Hipnotizado) Nobilíssimoprimovalente... CORO SONÂMBULO (parte do CORO) 4


O sol conosco. (idem) O VELHO DOBAL Ouça, Rei de Escócia, ouça. CORO SONÂMBULO (Outra parte do CORO) Trovão e tempestade. (idem) O VELHO DOBAL – (Com volume mais alto que o CORO SONÂMBULO. Consulta sempre os seus pergaminhos.) Ouça, Rei de Escócia, ouça; da fonte na qual deveria brotar conforto veio o desconforto. O invasor Norueguês, com armas e tropas novas, começa o seu assalto. DUNCANNILTON (Completamente atordoado) Têm medo nossos capitães, Macbeth e Banquo? O VELHO DOBAL Estão como a águia e o leão diante de pássaros e coelhos. Tomam banho de sangue em feridas abertas. Mas desmaio pelas minhas de agora. DUNCANNILTON (Sempre atordoado) Um médico, um médico. KUROKALEX (Anuncia) O nosso Barão de Ross. DUNCANNILTON (Sempre mais atordoado, olha para o rolo do espaço, não

consegue orientar-se) De onde vem, nobre Barão? CORO SONÂMBULO

(GATT-ROSS, do CORO, canta, como uma canção de nina para acalmá-lo) De Fife, meu rei, onde o invasor insulta o céu e nos sopra gelo.

(O CORO evoca uma turba de estádio de futebol. A metade contra o Rei mais alta que a metade a favor). O Rei Norueguês, com hordas encorpadas pelo traidor Cawdor, desfecha um ataque pavoroso...

(A metade a favor do Rei mais alta que a metade contra). ...Mas Macbeth, lacrado em sua armadura, enfrenta-o braço a braço. Doma aquele demônio e deixa o inimigo sem líder.

(As duas metades se juntam a favor). DUNCANNILTON (Cada vez mais atordoado com os sons) 5


Grande alegria! CORO (ibidem) E faz o inimigo comprar a paz em nota viva. DUNCANNILTON O Barão de Cawdor nunca mais nos trairá. Dê-lhe voz de morte. Saúde Macbeth como herdeiro do título do morto. Aquilo que ele perde, Macbeth ganha. BRUXABORGHI (para BRUXAKÖHLER, que, mudo, desenha o futuro com

rapidez em seu projetor) Onde é que você esteve, minha irmãzinha?

BRUXAKÖHLER desenha em seu projetor um porco degolado. BRUXADOBAL (Arrumando os seus pergaminhos, com saudade de seu figurino

em Timão de Atenas) Assassinando suínos. BRUXABORGHI Fala sério, irmãzinha, onde esteve? BRUXADOBAL A semear ventos. (peida). BRUXABORGHI Que arte gentil.

Silêncio. BRUXAKÖHLER peida. BRUXABORGHI (inspira profundamente os perfumes.Lê o seu rolo) Possuo tudo comigo, Possuo os portos onde sopram os ventos, Possuo a rosa dos ventos, Olhem só o que eu possuo. BRUXADOBAL Mostra, mostra. BRUXABORGHI Um dedo de timoneiro, Náufrago de minha rosa de ventos. 6


O CORO SONÂMBULO imita o som do vento. KUROKU-CASTRO Aí vem Macbeth.

As BRUXAS se ondulam ao vento frenético, e cantam outra canção de ninar. O CORO faz o toque de tambor. BRUXABORGHI e BRUXADOBAL Loucas Vagabundas No terreiro, No mar Três pra você Três pra mim Mais três pra nós

(pausa) Já fez nove. Silêncio! O despacho está pronto. KUROKASTRO e KUROKALEX (anunciam alternadamente e mostram ao

público seus respectivos sporrans.) Macbeth, Banquo.

Do CORO saem Macbeth e Banquo, recebem dos dois Kurokus os seus sporran e os vestem. Tomam as suas lanças de combate – esculturas de Giampaolo Köhler. Os Kurokus rodam o rolo do tempo para a pintura da aurora - de Laura Trevisan. MACBETH Dia tão horrível e belo jamais tinha visto.

Os Kurokus rodam o rolo do espaço para o pântano. BANQUO A que distância estamos de Forres?

(As Bruxas estão em quase penumbra. Acende-se o projetor BRUXAKOHLER; O CORO SONÂMBULO reinicia o barulho do vento.)

de

Que coisas desancadas, esculhambadas: nem parecem morar neste mundo, mas estão aqui. Estão vivas? 7


(Pausa) Parecem entender-me; levam os dedos ossudos às bocas crispadas.

(Pausa) Seriam mulheres, se as barbas não impedissem. MACBETH Falem. Se conseguirem. O que são vocês?

(BRUXAKÖHLER saúda MACBETH ao desenhar o Brasão – os motivos dos ralos de banheiro - de Glamis) BRUXABORGHI Salve, Macbeth: (lê) Barão de Glamis!

O CORO SONÂMBULO repete sempre Macbeth Barão de BRUXAKÖHLER Saúda MACBETH a desenhar o Brasão de Cawdor.

Glamis.

BRUXADOBAL Salve, Macbeth, (lê)Barão de Cawdor!

O CORO SONÂMBULO, idem. BRUXAKÖHLER saúda MACBETH mais uma vez, ao desenhar a Coroa de Duncannilton. Todos esses desenhos são acompanhados pela admiração do CORO. BRUXABORGHI Salve, Macbeth, daqui a bem pouco, nosso Rei!

O CORO SONÂMBULO repete “Macbeth nosso Rei”. Silêncio. MACBETH fica extasiado, sorri e tem medo dessas palavras. O CORO SONÂMBULO o quebra com a litania “Medo, Palidez, Medo, Palidez”, et coetera, e deverá seguir cada palavra-chave das falas dos diálogos a seguir, até o fim da cena. Isso deverá ser feito A FAVOR E NÃO CONTRA OS ATORES, SEJA POR VOLUME, SEJA POR ESCUTA DAS INTENÇÕES DOS MESMOS; PEDE ATENÇÃO DOBRADA E LEALDADE CÊNICA; NÃO É EFEITO OU COMENTÁRIO MUSICAL. É TEATRO. BANQUO Por que fica pálido, por que teme tão boas palavras? Em nome da Verdade, vocês são alucinações ou aquilo que parecem? Saudaram o meu companheiro com previsão de imensa nobreza, Com esperança de realeza, Até roubar-lhe a serena aparência.

(Silêncio. Troca de palavras do CORO SONÂMBULO) 8


A mim, fala nenhuma.

(pausa) Se conseguem ver através das sementes do tempo, Digam-me então qual vingará e qual morrerá, Falem a mim; Não rogo nem temo favores e ódio.

As BRUXAS saúdam BANQUO, seguidas pelo coro: ‘Salve, Salve, Salve’. BRUXABORGHI Menor, mas maior do que Macbeth. BRUXADOBAL Não tão feliz, mas mais feliz. BRUXABORGHI Gerarás reis sem ser Rei. Então, salve, Macbeth e Banquo! BRUXADOBAL Salve! MACBETH Fiquem, harpias mal-acabadas! Esqueceram as falas? Morto Sinell, virei o Barão de Glamis. Como é que virei o de Cawdor, se ele ainda vive? Não há chance nem de eu ser Rei, nem Barão de Cawdor! Digam de onde tiraram estas tramas estranhas, E porque interrompem nosso caminho nesta landa maldita com tais profecias? Falem! Eu ordeno!

As BRUXAS evaporam-se. Os Kurokus mudam o rolo do tempo para o Dia. BANQUO (incrédulo) A terra tem bolhas, A água também, E isso eram elas. Por onde sumiram? MACBETH No ar. O que parecia um corpo desapareceu como a respiração no vento. Quem me dera tivessem ficado. 9


BANQUO Mas aquilo com que falamos estava mesmo aqui? Ou comemos daquela raiz insana que deixa a razão prisioneira?

(Silêncio, quebrado pelos Kurokus, que giram lentamente o rolo do espaço para uma floresta. Eles caminham.) MACBETH Os teus filhos serão reis. BANQUO Você será Rei. MACBETH E Barão de Cawdor também. BANQUO Assim a música das palavras. Quem vem lá?

KUROKALEX e KUROKASTRO anunciam a entrada de GATT ROSS e, sob coação, de Angus. A GATT-ROSS retoma seu sporran; os KUROKUS dois outros sporrans com brasão e armas de Angus. Alternar-se-ão nas falas de ANGUS. GATT-ROSS O rei recebeu com alegria Notícias de teu sucesso, Macbeth, E quando soube da tua pessoal valentia Na luta contra o rebelde A sua admiração e louvor Competiam entre si. Silencia, ao imaginar o teu dia. DUNCANNILTON (do CORO) ...Impassível, Diante dos rangos da Noruega, Sem temor das imagens de morte por si aventadas... GATT-ROSS Trago a graça de nosso Rei, E levo o Senhor até ele. Não se fala em pagar, 10


Mas em futura honra maior. Pediu-me que o chamasse Barão de Cawdor: Portanto, Salve, Barão de Cawdor, Tal título é seu. BANQUO Pode o demônio ter dito a verdade? MACBETH O Barão de Cawdor vive. Porque me veem com roupas dos outros? KUROK-ANGUS-CASTRO Vive, aquele que era Barão, Uma vida sob pesado julgamento, Vida que deve perder. KUROK-ANGUS-ALEX Estava combinado com os da Noruega, Ou alinhou-se depois com o inimigo, Prestando a eles auxílio secreto; Ou se em ambos se empenhou Para a destruição do país, Não sei. KUROK-ANGUS-CASTRO Tais traições capitais Estão provadas e confessadas. MACBETH Barão de Glamis e de Cawdor. (O CORO SONÂMBULO repete a fala) E o melhor ainda por vir.

(A BANQUO) Não é que os teus filhos um dia serão Reis, Se quem me concedeu o título de Barão, Prometeu a eles não menos que a Coroa? BANQUO (à parte) Mas o feudo Cawdor leva direto à Coroa. Que estranho: Muitas vezes, pra nos levar à ruína, A Força do Escuro nos diz a verdade, Propina a minúcia honesta, 11


Pra trair fundo no que se segue. Primos, uma palavra só, vos peço! MACBETH (à parte) Duas verdades estão ditas, Prólogo feliz do Ato maior da trama real. Este aliciamento sobrenatural Não pode ser mau; e nem pode ser bom. Se é mau, porque me garante o sucesso, Confirmado pela verdade em que “Eu sou o Barão de Cowdor?” (O CORO SONÂMBULO repete: ‘Eu sou o Barão de Cawdor’) Se é bom, porque cedo à sugestão Cuja imagem horrenda me arrepia os cabelos, Faz o coração bater nas costelas? Os medos de hoje são menores que a imaginação terrível: Meu pensamento, onde o assassínio ainda é fantasia, Abala a minha condição natural: Cada órgão está regulado pela suspeita, E nada mais é do que aquilo que não é. BANQUO Olha o parceiro tomado! MACBETH Se a Fortuna me quiser Rei Que a Fortuna me coroe Sem que eu me mexa. BANQUO A honra encontrada É como roupa nova Que mal assentou-se-lhe ao corpo, Só o uso pode dar sua forma. MACBETH Venha o que deve vir. O tempo e a hora sempre chegam ao fim, Até nos dias mais duros. BANQUO Digníssimo Macbeth, a seu dispor!

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MACBETH Tenha paciência comigo, Minha mente vaga forjou-se do que já acabei de esquecer. Senhores, a vossa dedicação está incisa Onde todos os dias eu posso reler. Juntemo-nos ao Rei.

(A Banquo) Pesa o que aconteceu com a passagem do tempo; Falemos depois, abertamente, sobre o que nos irá pelo coração. BANQUO Com prazer. MACBETH Até lá, então! Venham, amigos.

(Saem). Além daqui, devo deixar abertas as palavras do coro. As experiências, porém, devem ser bem precisas; partiremos de palavras em negrito. Tenderei a diferenciar palavras grifadas em vermelho com a voz feminina de Augusta Ruiz, ao passo que o CORO brincará COM OUTRAS PALAVRAS. Estas devem estar bem distante de um jogral, pois causam diretamente a ação de Duncanilton agora (sempre atordoado) e, - depois do assassinato deste - a paranóia de Macbeth ou a loucura da Lady. Trata-se de diálogo; não conseqüencial, jamais de subtexto, mas sempre diálogo. Há intenção explícita entre as palavras do coro e a terrível imaginação que Macbeth quer evitar. DUNCANNILTON Executaram Cawdor? GATT-ROSS Senhor, falei com quem assistiu à sua morte. Confessou sinceramente a traição, Implorou o perdão real, Demonstrou grande arrependimento. Nada na sua vida o honrou mais que o momento da morte. Morreu como se houvesse encenado a hora fatal, Jogou fora seu bem mais precioso como coisa de nada. DUNCANNILTON Não há arte possível pra desvendar o caráter humano pela aparência. Era um homem no qual depositava absoluta confiança.

(Kurokus anunciam Macbeth, Banquo, Ross e Angus) 13


Digníssimoprimo! A ofensa de minha ingratidão ainda pesa sobre mim. As mais rápidas asas da recompensa São lentas demais para ultrapassar quem está tão na frente. Se merecesses menos gratidão e retribuição, Talvez a conta estivesse em meu favor. Posso somente dizer que Muito mais te devesse dar se te desse mais do que pudesse pagar.

(O CORO SONÂMBULO indigna-se com o “calote”). MACBETH O serviço e a lealdade que devo são a paga. É papel de sua alteza receber nossos serviços, É nosso dever com o trono e o estado. DUNCANNILTON Eu te plantei, para ver-te crescer e ser forte.

(A banquo) Não mereces menos, também os teus feitos devem ser proclamados: Dá-me um abraço, segure-me pelo coração! BANQUO (taciturno) Onde quer que eu cresça A colheita será sua. DUNCANNILTON Imensa alegria esconde-se atrás de minhas lágrimas. Filhos, parentes, Nobres e vocês, mais próximos de mim, Sabem que a coroa passará para o meu primogênito, Malcolm, que nomeamos, de agora em diante, Príncipe de Cumberland. Esta honra nem vem solitária, nem ele será investido sozinho, Pois sinais de nobreza brilharão, como estrelas, em quem merecer. Daqui para Inverness! E cada vez mais ligados a ti. MACBETH O repouso é cansaço quando não feito em teu nome. Eu mesmo serei mensageiro, para fazer minha esposa feliz Com a notícia da tua chegada. DUNCANNILTON Meu digníssimo Cawdor! MACBETH 14


O Príncipe de Cumberland é pedra no caminho: Pular ou tropeçar. (Pausa) Estrelas, escondam o seu fogo. Não deixem a luz chegar a fundos e negros desejos, que os olhos se fechem ao gesto da mão; Aconteça o que os olhos temem ver, quando estiver feito para ser visto. (Sai) DUNCANILTON Banquo! Homem valente, elogiar-te é banquete para mim. Vamos atrás do irmão que partiu antes para só nos dar boas vindas. (O rolo do tempo volta ao por do sol, e o rolo do espaço mostra a sala do castelo de macbeth. A lady entra durante a mudança do espaço, aparece lendo). LADYMACBETH

Foi no dia da vitória: enxergavam além dos mortais comuns. Quando eu mais ardia para saber tudo, viraram ar e nele evaporaram. Logo chegou a notícia do Rei fazendo-me Barão de Cawdor – título com que as harpias tinham acabado de me chamar. No fim, saudaram-me como futuro rei. Isto revelo, companheira de glória, para que te alegre e antevejas a grandeza a que te destinas. Guarda-o no teu coração. És Glamis, és Cawdor, serás o que foi prometido. Mas teu caráter derrama demais leite e bondade, Impede o caminho mais curto. Não te falta ambição; Falta Maldade em tua Santa Vontade, À qual sem doença anseias chegar. Através do Legítimo queres alcançar o Ilegítimo. Glamis, Cawdor, e além: Terás de agir por isso! Terás que fazer o que temes fazer.

(Pausa) Vem depressa, No teu ouvido vou derramar meu espírito, Açoitar com a coragem da língua O que te afasta do que o destino promete.

(ao mensageiro que entra) Quais são as novidades? KUROKALEX O rei virá aqui esta noite. 15


LADY MACBETH Estás louco? O teu senhor não está com ele? (à parte) Se isso fosse verdade teria avisado Para que preparasse tudo. KUROKASTRO É verdade senhora! Um dos nossos veio na frente, Quase sem fôlego conseguiu entregar a mensagem. LADY MACBETH Até o corvo está rouco. Anuncia a entrada fatal do Rei nas minhas muralhas. Vem, pensamento, espírito de Morte, Assexua-me a mente, Crava ferocidade nas minhas carnes profundas: Adensa-me o sangue, Degola-me o acesso ao remorso. Nenhuma piedade há de a mira turbar, Ou de jazer entre ela e o feito final. Vem a meus seios, transforma meu leite em fel; Correio de Morte, sai do lodo incorpóreo, Onde alimentas a fonte maligna, Vem, noite espessa, sacia-te no mais fétido fumo do Inferno. Que minha faca afiada não veja a ferida imediata, Que o Céu travado nos panos da treva não grite: Pára! (A jovem augusta fecha a cortina vermelha) Pára!

(Macbeth abre a cortina vermelha. A LADY o recebe.) Glamis, Cawdor, mais que isso, próximo Rei, Tua carta explode o turvo presente, Sinto no instante o futuro. MACBETH Amor, Duncan chega esta noite. LADY MACBETH E quando parte? MACBETH Amanhã. 16


LADY MACBETH Nunca verá o sol de amanhã.

Ppausa) Tua face é livro em que pode-se ler o estranho. Se queres enganar o tempo, parece-te com o tempo. Dá boas vindas com olhar, gesto, palavras. Sê flor inocente que esconde serpente. Deve ser bem recebido e tratado: À minha mão deixarás a empresa da noite, Que nos dará poder e governo a todos os dias e noites da vida. MACBETH Falaremos depois. LADY MACBETH Finge clareza. Feição alterada é sinal de medo. Deixa o resto comigo. (O rolo da noite e do dia chegam. O rolo do espaço apresenta o Castelo de Macbeth. Canto do coro – a pesquisar se melodia ou somente ritmo. O Coro o move.) DUNCANNILTON Adorável, o local deste castelo. O ar, doce e ligeiro, esperta nossos sentidos. BANQUO As andorinhas, hóspedes do verão, constroem sua alcova sagrada, Atraídas pelo doce hálito que vem deste céu. Não há canto, friso, topo de coluna Onde não estão aninhadas. Só vivem e procriam onde o ar é delicado.

(Entra Lady Macbeth) DUNCANNILTON Honra à nossa anfitriã! O amor é seguido pelo trabalho que lhe damos, mas é sempre amor, que agradecemos. Se Deus lhe agraciar em dobro, vocês a nós agradecerão o trabalho causado.

LADY MACBETH 17


Por mais que faça e refaça, empenhando-me em lhe agradar, nosso esforço empalidece diante da honra que Sua Majestade nos dá com sua presença. Por todas as graças obtidas, rezaremos sempre por Vossa Majestade. DUNCANNILTON Onde está o Barão de Cawdor? Viemos em seu encalço, tentando em vão alcançá-lo, mas além de bom cavaleiro, o amor, agudo como suas esporas, o trouxe de volta muito antes de nós. Bela e nobre anfitriã, seremos seus hóspedes esta noite. LADY MACBETH E nós, para sempre seus servos. Disponha desta casa como sua. DUNCANNILTON Senhora, me dê a mão. Leve-me até meu anfitrião. Nossa estima por ele é imensa e nossas graças se derramarão sempre sobre sua pessoa. (saem)

(O rolo da noite volta, assim como o rolo do espaço vai à sala do Castelo de Macbeth. Canto do coro. Os Kurokus movem o rolo de personagens de corte, pratos e objetos neles desenhados ou esculpidos.) MACBETH Agiria depressa, Se tudo acabasse no fim do ato, Se dentro de si o assassinato entrevasse a conseqüência, Se o sucesso perdoasse o ato; Se o golpe fosse tudo e o fim de tudo, Aqui, aqui mesmo, nas margens da areia seca do tempo, eu me atiraria ao futuro. Mas nestes casos temos Sentença na vida presente; postas em ato, as inspirações malditas voltam-se como peste contra o inventor. As mãos da justiça empurram a borda do cálice por nós envenenado de encontro aos próprios lábios.

(Pausa) O Rei descansa, sereno: sou seu parente e vassalo, dois fortes obstáculos ao ato. Como anfitrião, deveria barrar a porta ao assassino, e não cravar-lhe a faca. Além isso, Duncan exerce seu mando com tal brandura, reina com tal docilidade, que suas virtudes induzem perdão à danação de sua morte;

(pausa) E a Piedade, Bebezinho nu com asas de vento, que no ar cavalga alazões invisíveis,

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Denunciaria o horror aos olhos de todos, Até que as lágrimas afogassem o vento. Não tenho esporas para incitar meu intento se não as da ambição excessiva que salta a si mesma para cair no peito do outro.

(Entra Lady Macbeth) E então? LADY MACBETH Quase acabou de comer. Por que você saiu da sala? MACBETH Perguntou por mim? LADY MACBETH Nem isso você intui? MACBETH Não vamos continuar com esta aventura. Recebi dele honraria que me valoriza diante dos olhos de todos, Devo aproveitar o brilho da roupa nova, Não tão depressa jogá-la fora. LADY MACBETH Estava bêbada a esperança que te vestia? Caiu no sono e agora acorda, pálida e verde, Depois de aprontar livremente? Daqui em diante julgarei teu amor. Tens medo de ser, agir e valer, pelo que desejas ser? Queres ter aquilo que estimas a coroa da vida, Mas vives, covarde, deixando o "não ouso" cobrir o "eu quero", Como o gatinho deixa de comer peixe Pra não molhar as patinhas? MACBETH Paz é o que peço: Ouso o que um homem pode ousar; Quem mais ousa, homem não é. LADY MACBETH Foi então a Besta quem te fez revelar-me teu plano? Quando ousavas agir, sim, eras homem; Querer ser mais do que és fazia um homem de ti.

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Nada existia, tempo ou lugar; tu os criastes. Aí estão eles, e te deprimes. Amamentei, conheço a delícia De amar filho ao peito: Mas eu o arrancaria de mim, Com gengivas sem dentes, E lhe faria saltar os miolos, Se tivesse me jurado como juraste. MACBETH Se falharmos? LADY MACBETH Falharmos! Se mantiveres tua coragem não falharemos. Quando Duncan dormir -Não irá demorar muito, o dia foi duroDarei tanto vinho a seus guardas Que a memória deles, guarda do cérebro, vai virar fumaça; Os vasos da razão serão mero alambique. Quando dormirem como porcos, como mortos, O que não poderemos fazer com o indefeso Duncan? Impossível não incriminar aquelas esponjas -Eles vão arcar com a infâmia. MACBETH Não concebas senão filhos homens, tua alma intrépida só deveria produzir machos. Se os mancharmos de sangue, e usarmos os seus punhais, Quem duvidará que foram eles? LADY MACBETH Quem ousará discordar, Ao ouvir nosso clamor e lamentos diante do morto? MACBETH Estou decidido; Cada fibra do meu corpo está tesa A cumprir o ato terrível. Vamos! É preciso atuar a cena mais linda: A falsa aparência esconda o que sabe o falso coração!

(saem. O coro canta a última frase. Um Kuroku fecha a cortina vermelha. O outro anuncia o segundo ato. Podem entrar os atrasados. Vende velas, pipocas, e

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água. Aluga almofadas, anuncia que os desenhos das maldiçoes estão à venda, ao final tratar com Bruxakohler. O Segundo ato está prestes a começar). ATO II BANQUO (Ao kuroku, que tem a Lua de pano pintada de Laura nas mãos, atrás

do pano da noite, e lhe fixa algumas estrelas). Que horas são, filho? KUROKU A lua está baixa, Mas ainda não ouvi o relógio. BANQUO E ela baixa à meia noite. KUROKU Talvez seja mais tarde. BANQUO Segura a minha espada: Andam poupando velas no Céu, As estrelas estão apagadas; Segura isto também. Sinto um sono de chumbo e mesmo assim não durmo: Que os anjos afastem de mim pensamentos malditos A que a Natureza abre caminho durante o repouso.

(entra Macbeth) Dá-me a espada! Quem está aí? MACBETH Um amigo. BANQUO Senhor? Ainda não foi descansar? O Rei já se recolheu, após dia de diverso deleite. Recompensou os teus serviçais. Presenteou a tua mulher com este diamante, pela mais distinta das recepções. Deitou-se imensamente feliz. MACBETH Estávamos despreparados. A nossa vontade de recebê-lo deu liberdade ao defeito. Teríamos feito muito melhor. BANQUO

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Foi tudo bem. Ontem sonhei com as três harpias: Parece que te revelaram alguma verdade. MACBETH Não penso mais nelas, mas podemos falar do assunto. Se tiveres tempo, claro. BANQUO Estou à disposição. MACBETH Quando ocorrer, se seguires o meu conselho, será em tua honra; BANQUO Desde que não a perca, por procurar aumentá-la; desde que mantenha aberto o peito e limpa a lealdade. MACBETH Bom descanso, por ora. BANQUO Obrigado, para ti também. (Sai Banquo) MACBETH (para Kuroku) Diz pra tua senhora que toque o sino quando a minha bebida estiver pronta.

(O Kuroku move o rolo, passa uma chávena no rolo dos objetos.) Vai deitar-te.

(Sai Kuroku. Olha para o rolo, vazio e mal-iluminado) Será mesmo um punhal com o cabo na minha direção o que vejo à minha frente? Vem, deixa-me agarrar-te: Te vejo mas não te seguro.

(Pega uma vela e mexe no rolo. Nada mais aparece.) Alucinação fatal, tão sensível ao sentimento como à visão!

(Pausa.) Será um Punhal mental, criação falsa nascida na opressão febril das têmporas?

(Pausa.) Ainda te vejo, de forma tão palpável quanto este aqui na minha mão. Mostra o caminho por onde eu já ia, e o instrumento que deveria usar. Ou os meus olhos são joguetes dos outros sentidos ou valem mais que todos eles.

(Pausa.) Continuo a ver-te; E na tua lâmina e cabo, vejo gotas de sangue que antes não via. Não, isso não existe! É este ato maldito que te traz aos meus olhos. Agora, quando em metade do Mundo a Natureza parece morta, e sonhos maléficos controlam o pano do sono, a feitiçaria celebra as oferendas à pálida Hécate.

(O CORO SONÂMBULO balança-se e ulula com voz baixa; junta DUNCANNILTON atrás do rolo do espaço, onde está desenhado o seu leito. 22


MACBETH com uma das mãos, move o rolo do espaço até traze-lo para o seu lado. Com a outra, prepara o punhal para o golpe. Caminha no lugar. Isto será muitíssimo lento, quase imperceptível, de grande e sutil contenção interpretativa dos atores. O público deve ouvir as duas respirações - ofegantes do assassino e tranqüilas da futura vítima - durante as pausas.) O lobo, sentinela de uivo ensaiado, anuncia o seco Assassino mover-se como um fantasma, no passo furtivo do estuprador rumo ao seu alvo. Terra, segura e firme, não ouças ou vejas por onde vão os meus passos! Temo tuas pedras delatem meu caminho, e acabem com o horror presente do momento essencial.

(pausa. Ouve-se as respirações.) Enquanto eu ameaço, ele vive: as palavras esfriam o calor das ações.

(toca o sino) Vou, e está feito. O sino me chama. Não o ouças, Rei, é um mau presságio que te intima ao Céu ou ao Inferno.

(O Rei continua a dormir serenamente. A cena deve continuar nesse clima, a tensão está nele. MACBETH distancia-se, continuamos a perceber-lhe a respiração ofegante. Entra LADY MACBETH; põe-se no lugar de MACBETH, ao lado do rolo dos objetos.)

LADY MACBETH O que os deixa bêbados me deixa valente. O que os apaga me ateia fogo. Escuta! foi a coruja que gritou, Não é nada, só o toque que dá o pior boa-noite. Ele vai fazer, As portas estão abertas: Os guardas desprezam seu posto roncando. Droguei tanto as bebidas, que a Morte e a Natureza discutem se vão viver ou morrer.

(volta Macbeth. O CORO continua com as respiração). MACBETH Quem está aí? Oi! LADY MACBETH Que não acordem sem nada ter sido feito. Tentar e não consumar será o nosso fim. Deixei ali os punhais, ele não pode não vê-los. Eu mesma o faria, se não parecesse tanto o meu pai quando dorme.

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(Duncannilton é esfaqueado. Muda a respiração. Grita surdamente e despede-se de seu papel. Desveste-se da coroa. Vai até o projetor de BRUXAKÖHLER e, despojadamente, pinta os dois punhais e as mãos de Macbeth de vermelho. Vai sentar-se ao fundo da platéia, perto da saída. Acende um cigarro, reza, toma um copo d’água, ou qualquer ação corriqueira da pessoa que é. Deixa de existir como ator no palco. A pessoa Nilton voltará somente para assombrar os atores. Começará a fazer parte de um futuro CORO MORTO, onde não há personagens, somente o texto e a função das mesmas, mas com a figura do ator. Se puderem gravitar em torno da JOVEM AUGUSTA, que todos conhecemos, com menos de 50 anos de teatro, melhor. Ela estará a se preparar para entrar como Hécate, com o rosto branco da Lua, em meio às cordas e balanços. A composição do CORO MORTO é exatamente a mesma do CORO SONÂMBULO: a diferença é o ‘ESTADO CÊNICO’ de quem ivi participa. Isto tem muito a ver com Tadeusz Kantor: como roubei-lhe a técnica dos figurinos e composições, será bom para nós restituir-lhe com uma homenagem. ) MACBETH (continua a récita) Fiz. Não ouviste um barulho? LADY MACBETH Ouvi arrulhos de coruja e os grilos. Falaste alguma coisa? MACBETH Quando? LADY MACBETH Agora. MACBETH Vindo pra cá? LADY MACBETH Sim! MACBETH Escuta...quem dorme no segundo quarto? LADY MACBETH Donalbain. MACBETH (olha as mãos) ...Que visão horrorosa. 24


LADY MACBETH Mal sinal, dizer ‘visão horrorosa’. MACBETH Um riu dormindo, outro gritou ‘assassino’, E se acordaram um ao outro: fiquei parado e escutei. Rezaram e voltaram a dormir. Um gritou “Valha-me Deus”, o outro “Amem”. Enquanto me viam com estas mãos de carrasco: Eu ouvia seus medos, e não consegui responder “Amém” quando eles disseram “que Deus nos proteja”.

(A JOVEM AUGUSTA pendura dois desenhos dos assassinados em seus balances) LADY MACBETH Não pense mais tão fundo. MACBETH Mas por que não consegui dizer ‘Amém’? Quando mais precisava de proteção, um ‘Amém’congelou-me a garganta. LADYMACBETH Repensadas assim, ações como essas trazem loucura. MACBETH Pensei ouvir uma voz dizendo, ‘Dormir, nunca mais’. Macbeth assassinou o sono, O sono inocente, O sono que enlaça O embaraçado novelo de preocupações, A morte em cada dia de vida, O banho após o trabalho árduo, O bálsamo de mentes feridas, Prato principal da Mãe Natureza, Nutriente primeiro da festa da Vida. LADY MACBETH Que queres dizer? MACBETH Continuava a gritar pela casa toda.

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O CORO SONÂMBULO (Passeia pelo palco e grita em desordem”Dormir nunca

mais”. Depois, em ordem, sussurra a lógica terrível.) Glamis assassinou o sono, Por isso, Cawdor jamais dormirá, Por isso, Macbeth jamais dormirá. LADY MACBETH Quem foi que disse isso? Por que curvas a tua força com uma mente tão fraca?Vai beber um pouco d’água, tira essa prova suja da tua mão. Por que trouxe pra cá os punhais? Devem ficar lá, leva-os de volta espalha sangue nos guardas adormecidos. MACBETH Não vou continuar. Tenho medo de pensar no que fiz. Não me atrevo a olhar aquilo de novo. LADY MACBETH Molenga, dá cá os punhais. Devem parecer culpados. Adormecidos e mortos não passam de imagens. São os olhos da infância que temem o demônio pintado.

(Sai. JOVEM AUGUSTA gruda as figuras das guardas assassinadas no rolo das personagens. Ouve-se o CORO bater) MACBETH De onde vem este barulho? O que se passa comigo, que qualquer som me horroriza? Que mãos são estas? Hah! Arrancam-me os olhos. Podem todas as águas do mundo lavar este sangue das minhas mãos? Não, minhas mãos tingirão de vermelho o verde de todos os mares.

(Nilton pinta de vermelho as mãos de Lady Macbeth) LADY MACBETH (de perto da porta) As minhas mãos tomaram a cor das tuas; Mas tenho vergonha de ter o coração tão alvo. (Ouve-se o CORO bater.) Alguém bate, vamos pro nosso quarto. Um pouco de água nos limpará desta ação. Não foi fácil? (O CORO bate.) Escuta, batem de novo. Veste o pijama, para que a ocasião não nos mostre acordados. E não fica perdido nos teus pensamentos.

(O CORO bate fortemente) MACBETH

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Muito melhor não saber quem eu sou que saber o que fiz. Quem me dera pudessem acordar o Rei com essa batidas.

(sai.) KUROKASTRO (de trás da coxia preta) Isso é que eu chamo de bater. Se a gente fosse os Porteiros do Inferno, não trancava mais nada. (O CORO bate de novo) Bate, bate, bate. Quem é que está aí, em nome do Maligno? Taí um bóia-fria que se enforcou achando que aqui se ganhava melhor. Espero que tenha trazido mais pano, que aqui vai suar pelo que fez. (batem) Batem, batem. Quem está aí, em nome do outro Demônio? A Fé aqui é enganadora e pode jurar nos dois pratos da balança, contra qualquer um deles. (batem) Batem, batem, batem. Quem está aí? (batem) Batem, batem. MACDUFF Foi dormir tão tarde, amigo, a ponto de acordar só agora? KUROKASTRO Na verdade senhor, festejamos até o galo cantar: E a bebida, senhor, provoca três coisas. MACDUFF Quais são? Kurokalex Nariz vermelho, sono e mijo, senhor. Quanto ao tesão, é atiçado ou não. Atiça o desejo e broxa o corpo. Convence e desanima. Faz ficar duro antes pra murchar na hora. Engana e abandona, oferecendo a mentira. MACDUFF Então ontem te ofereceram a mentira. Kurokalex Ainda sinto isso na garganta, mas consigo segurar.

(entra Macbeth) MACDUFF Quem não acordou com esse barulho? Bom dia. O Rei está acordado? MACBETH Ainda não. 27


MACDUFF Ele ordenou-me que o chamasse cedo. Quase deixei passar a hora. MACBETH Eu te levo até ele. MACDUFF Sei que o faz com gosto, mas não deixa de ser um incomodo para o senhor. MACBETH O trabalho que nos dá prazer alivia a dor. KUROKASTRO (Move o rolo do espaço e aparece a porta do quarto) É esta a porta. MACDUFF Vou acordá-lo; é esse o meu serviço exclusivo.

(sai. O rolo do espaço vai ao salão do castelo) kurokastro O Rei está de partida, hoje? MACBETH Está. Ele disse que sim. KUROKASTRO Foi uma noite tremenda. O vento derrubou chaminés, ouviram-se lamentos no ar, estranhos gritos de morte. E profecias terríveis de incêndios e confusão, amamentados por nossa época horrível. O pássaro do inferno gritou a noite toda. Alguns dizem, que a terra teve febre e que chegou a tremer. (isto é sugestão do coro). (entra MACDUFF) GATTMACDUFF Horror... horror, horror que língua e coração não podem contar. MACBETH O que foi? GATT-MACDUFF

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A confusão acabou de assinar a sua obra-prima: o assassínio mais sacrílego arrombou o Templo eleito do Senhor e roubou a vida do seu santuário. MACBETH Que vida? GATT-MACDUFF Venham até ao quarto, e destruam a vossa visão, não me obriguem a falar: Vejam e depois falem vocês mesmos. O CORO SONÂMBULO (Mexe nos rolos, todos vermelhos) Acordem, acordem, toquem o sino de alarme: Assassínio e Traição! GATT-MACDUFF (procura e grita no meio do CORO, que faz o barulho do

caos) Banquo, Donalbain, Malcolm, acordem! Livrem-se do sono, simulacro da Morte, e olhem a própria Morte. Levantem, levantem e vejam a grande imagem do Juízo Final. Malcolm, Banquo, saiam das sepulturas, caminhem como fantasmas, para presenciar este horror. Toquem o sino.

(Toca o sino, entra Lady Macbeth) LADY MACBETH O que é que se passa? Porque é que esse sino terrível convoca os que dormem na casa? Fala, fala! GATT-MACDUFF O que tenho para dizer não serve à escuta, Sua repetição aos ouvidos, de tão terrível, mataria a senhora.

(A Banquo) Banquo, Banquo. O nosso Rei foi assassinado. LADY MACBETH Ahhhhhh! O quê, aqui nesta Casa? BANQUO Cruel demais em qualquer lugar. Caro Duff, contradiz a ti mesmo, diz que não é verdade.

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(Entram Macbeth, Lennox e Ross) MACBETH Estivesse eu morto uma hora antes, teria vivido uma vida abençoada. A partir deste instante, nada mais é serio na vida mortal; Tudo não passa de uma brincadeira. A Reputação e a Honra estão mortas, O vinho da Vida esgotou-se. Só do lixo não se pode queixar.

(Kurokus movem o rolo dos objetos: desenhados Malcolm e Donalbain, atrás de fundo vermelho). MACBETH A origem, a nascente, a fonte de vosso sangue foi estancada. BANQUO (Aos olhos do Rei, presumivelmente fora de cena,mas olhando na

direção de NILTON, que deverá interpretar MALCOM) O Rei foi assassinado, ao que parece, por sua guarda de quarto. Suas mãos e seus rostos estavam manchados de sangue além dos punhais, fora do coltre. Estavam assustados e confusos; nenhuma vida humana lhes devia ter sido confiada. MACBETH Ainda assim, arrependo-me da fúria que me levou a matá-los. BANQUO Por que fizeste isso? MACBETH Quem consegue ser sábio, surpreso, temperado, furioso, leal e neutro ao mesmo tempo? Ninguém! O ímpeto do amor violento ultrapassou a Razão. (Reconstitui a cena, verificarei de auxiliados pelas cores dos rolos e da pintura) Aqui jaz o Rei, a sua pele prateada, laqueada de sangue dourado. Os profundos golpes das punhaladas são brecha na Natureza para a devastadora entrada da Ruína. Ali, os assassinos, impregnados nas cores dos da sua laia, com seus punhais embrulhados no sangue coagulado.

(Pausa) Quem poderia frear tendo um coração para amar, E, nesse coração, Coragem para declarar o seu amor? BANQUO Cuidem da senhora:

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E quando tivermos cobertas as nossas fragilidades, vamos investigar esta obra sangrenta, para conhecermos um pouco mais. Medo e escrúpulo nos abalam: das mãos de Deus partamos contra as ocultas pretensões desse demônio traiçoeiro. MACBETH Vamos nos vestir e encontrar, depois, no Salão. O CORO Todos nós.

(Vestem suas armaduras do lado.) BANQUO (No fundo da cena) O que fazer? Mostrar mágoa fingida é uma profissão fácil aos homens falsos. Aqui há punhais nos sorrisos dos homens. A flecha assassina lançada ainda sibila no ar. O mirante melhor está longe do alvo.

( Fecha-se o pano vermelho. Meia Luz). VELHO DOBAL, tomando um café, atrás das coxias pretas. Com a minha idade, vi horas horrendas e coisas estranhas: mas nada como esta noite. JOVEM AUGUSTA, maquiando-se para a Hécate. Ah, meu velho, está tudo estranho...pelo relógio já é dia, mas a noite estrangula aqueles rolos; é noite mesmo, ou é dia envergonhado ? A escuridão trava este palco, enquanto a luz a devia beijar. VELHO DOBAL É contra a Natureza, como o ato que foi cometido.

(Pausa) ...Ontem na Praça, um falcão foi morto por uma coruja, caçadora de ratos. JOVEM AUGUSTA E os cavalos dos guardas têm ficado selvagens. Quebraram as amarras, combatendo a obediência devida, como se declarassem guerra à cidade. VELHO DOBAL Comeram uns aos outros. JOVEM AUGUSTA Eu vi tudo.

(Abre-se a cortina vermelha: Macduff) 31


Como vai o mundo agora, senhor? Já se sabe quem cometeu o crime de sangue? MUCDUFF Aqueles que Macbeth matou. JOVEM AUGUSTA Que ganham eles com isso? MACDUFF Foram subornados: Malcolm e Donalbain, os dois filhos do Rei, fugiram, cai sobre eles a suspeita do ato. JOVEM AUGUSTA Contra a Natureza, uma vez mais. Ambição que seca a própria fonte de vida. O mais natural é que a coroa seja de Macbeth. MACDUFF Já partiu para Scone para ser investido. JOVEM AUGUSTA Vai pra lá? MACDUFF Não. Vou para Fife. JOVEM AUGUSTA Eu vou para lá. MACDUFF Boa sorte, adieu e que as nossas roupas velhas não sirvam melhor que as novas. JOVEM AUGUSTA

(para o velho Dobal) Adeus, senhor VELHODOBAL Que a benção acompanhe aqueles que fazem bem do mal, e amigos dos inimigos.

O pano vermelho se fecha. Venda de água e pipocas. Aviso de quanto falta para terminar. Voltarão depois Hécate e BRUXADOBAL como personagens Diante do nosso pequeníssimo proscênio. 32


BANQUO Glamis, Cawdor, Rei: você conseguiu. Tudo como as harpias prometeram, e eu temo que tenhas jogado muito sujo para o conseguir: No entanto, foi dito que a Coroa não seria tua pra sempre, e eu vou ser a raiz e o pai de muitos Reis. Se elas disseram a verdade, como a disseram ti, Macbeth, não poderão elas também ser meus oráculos, e fundar em mim a esperança? Mas silêncio. Aí vem ele! (toca o sino. Abre-se a cortina.) (entram Macbeth como Rei, Lady Macbeth, e outros do CORO – na verdade, A JOVEM GUTA, NILTON, GATT-ROSS, que, aos poucos transformaram-se num CORO DE MORTOS. Quem morre assassinado vai fazer parte deles, ao desmaquilar-se ou deixar as personagens) MACBETH Eis o nosso principal convidado. LADY MACBETH Se ele tivesse sido esquecido, teria havido uma grande lacuna na nossa festa, e tudo o mais seria de mal gosto. MACBETH Esta noite oferecemos uma ceia solene, senhor, faço questão da sua presença. BANQUO Que Sua Alteza me dê as ordens a que o meu dever está indissoluvelmente ligado. MACBETH Partirá a cavalo, esta tarde? BANQUO Sim, meu bom senhor. MACBETH Desejo a s, que contínua opinião que continuo a considerar séria e próspera No Conselho que hoje se reúne. Mas faremos isso amanhã. A cavalgada, é para longe? BANQUO Tão longe, meu senhor, quanto o tempo entre esta ceia e o jantar. Se o meu cavalo não agüenta o ritmo,tomarei à noite uma ou duas horas emprestadas MACBETH 33


Não faltes à nossa festa. BANQUO Não faltarei, meu Rei. MACBETH Ouvimos dizer que os nossos primos sanguinários se refugiaram, um na Inglaterra e outro na Irlanda, não confessaram o cruel parricídio, e enchem os ouvidos de quem os escuta com estranhas invenções. Mas sobre isso falaremos amanhã, em que também trataremos de negócios de Estado. Vai montar teu cavalo: Adieu, até logo à noite. O Fleance acompanha-te? BANQUO Sim, meu bom senhor, está na hora. MACBETH Desejo que os vossos cavalos sejam ligeiros e de cascos seguros. Adeus.

(sai Banquo) Cada um seja senhor do próprio tempo até ás sete da tarde, quando daremos as boas vindas à sociedade. Ficarei recolhido até a hora do jantar.

(Fecha-se a cortina vermelha. No proscêncio, Macbeth e um KUROKUS) Aquele homem me aguarda? KUROKUS Aguardam sim, meu senhor, do lado de fora do Palácio. MACBETH Traga-o para dentro. Ser Rei não é nada, mas continuar a ser rei com segurança... Meus receios cravam profundamente em Banquo. Na sua nobre Natureza reina o que mais tenho medo. Pelo tanto que ousa e pelo seu espírito destemido, possui uma sabedoria que lhe guia o valor e que o faz agir com cautela. Não há ninguém senão ele que eu tema mais, sendo eu Rei; meu Gênio é censurado pelo dele, qual Marco António por César. Reprovou as harpias quando elas me chamaram Rei, obrigou-as a falar com ele. E elas profeticamente o abençoaram pai de uma dinastia. Em minha cabeça colocaram uma coroa infrutífera, em minha mão um cetro estéril, a que meus filhos não herdarão. 34


Tudo me será arrancado por outra estirpe. Se for assim, foi por Banquo que perdi a cabeça, foi pelos filhos dele que matei um grande Rei, foi apenas por eles que enchi de rancor a barca da minha paz. Reis, das sementes de BANQUO. Reis. Não! Destino, desce ao combate; desafia-me até ao final.

(O KUROKU, atrás da cortina vermelha, diáfana, gruda a figura do matador no rolo das personagens) É o prisioneiro? KUROKU Sim, meu senhor. MACBETH Agora fica na porta até te chamar!

(Indi toma uma vela e vai até as figuras. A luz deve vir de trás, o que vemos serão silouettes da cena, KUROKU em primeiro plano) Saiba que foi ele que te atirou nessa condição miserável. Você foi manipulado, enganado, delatado e tudo o mais que se possa dizer e fazer. Até uma meia-alma ou uma mente insana sabe, foi BANQUO o culpado.A paciência é tão parte do teu caráter pra deixar isso passar? Serás assim tão cristão a ponto de rezar pelo homem cuja pesada mão quase te curvou até à sepultura e tornou os teus filhos também miseráveis para sempre?

(pausa) Perdigueiros, galgos, spaniels, pastores, bastardos: todos são cães. Mas a classe distingue o veloz, o lento, o cão-de-guarda, o caçador, cada um de acordo com o dom que a Natureza lhe concedeu. Recebem uma nota, que os distingue uns dos outros.

(pausa) Os homens são a mesma coisa. Se tu, matador de profissão, tiveres uma posição nesta classificação, que não esteja abaixo do nível do humano. Se eu puser –te à prova nesta tarefa cuja execução aniquila o teu inimigo, que a morte seja perfeita. Ela te agarra ao meu coração e a mim, que tenho que cuidar de estar vivo. (pausa) Tu és fustigado pelas desgraças e vitima da tua nascença. Concede à tua vida esta chance de remendá-la. Ou livra-te dela para sempre. BANQUO é inimigo comum. Cada minuto a mais na sua vida é um golpe na nossa. E embora eu pudesse, de forma nua e crua, fazê-lo desaparecer deste Mundo apenas com o aval da minha vontade, não o faço pelo bem de certos amigos, meus e dele, cujo amor não devo perder. Preciso da vossa ajuda escondendo isso do olhar público. Deve ser feito esta noite, a certa distância do Palácio: devo ficar livre de suspeita. (Pausa)

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E para que não haja embaraço ou suspeitas: Com ele está Fleance, seu filho, cujo sumiço me é tão vital quanto o do pai, devendo por isso abraçar o mesmo destino nessa hora negra. Banquo, se o vôo da tua alma deve findar no Céu, será nesta noite.

(Sai. Abre-se o pano vermelho. Sala do Castelo.) LADY MACBETH Nada se ganha e tudo se perde quando se alcança o desejo sem prazer: É melhor ser o alvo da destruição, do que pela destruição vivermos numa alegria dúbia.

(entra Macbeth) Mas então, porque ficas sozinho? Fazendo de fantasias horríveis tuas companheiras, tendo pensamentos que deviam ter morrido com quem morreu. O que não tem remédio, não te deve mais dizer respeito. O que está feito, está feito. MACBETH Ferimos a cobra, mas não a matamos. A ferida vai fechar e a cobra vai voltar, enquanto a nossa pobre malícia continua à mercê dos seus dentes. Deixemos que a moldura das coisas se dissolva, sofrem ambos os mundos; Aqui fazemos nossa refeição com medo, dormimos na angustia dos sonhos terríveis que as noites nos vibram. Estão melhores os mortos a quem mandamos para ganhar a paz que nós vivos, no êxtase do suplicio da mente. Duncan dorme bem na sua tumba, depois do delírio da febre vital. A traição já lhe fez o pior: nada, nem aço, nem veneno, nem intriga, nem extorção, o pode mais atingir. LADY MACBETH Acalma-te, vamos, suaviza essa aparência enrugada. Esta noite, seja alegre e jovial com os convidados. MACBETH Assim serei, amor, e peço que o sejas também. Lembra-te de BANQUO, dá-lhe atenção com o olhar e a palavra. Neste presente inseguro, deixemos a limpidez da nossa honra na corrente da bajulação. Vamos usar os nossos rostos como máscaras dos nossos corações. Vamos esconder o que somos. LADY MACBETH Pare com isso. MACBETH Escorpiões transbordam a minha mente: BANQUO e Fleance estão vivos. LADY MACBETH Mas sobre eles, não há a eterna proteção da Natureza.

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MACBETH Sim , eles podem ser atacados e tu ficarás alegre. Antes que o morcego faça o último vôo da noite, antes que Hécate se recolha com seus besouros, vai haver uma ação terrível. LADY MACBETH O que? MACBETH Vem, noite selada, Venda o terno olhar tímido do Dia. Com a tua mão sangrenta e invisível, Cancela e destrói essa amarra que me empalidece. A luz fica espessa, O corvo regressa ao bosque, As coisas boas do Dia Começam a adormecer Enquanto a negra Noite se levanta em busca de presas. Fica inocente e mantêm-te em silêncio. Quando ações maléficas se iniciam, tornam-se cada vez mais fortes por sua própria maldade. Peço-te que venhas comigo.

Sai. Os KUROKUS têm as falas dos assassino, com as sombras projetas na cortina, diáfana). KUROKASTRO-ASSASSINO Saiu da cana? Quem te soltou? KUROKALEX-ASSASSINO Macbeth. Mandou te ajudar. Nós não tem que desconfiar dele, ta tudo programado. Já tá no fim do dia, quem tá atrasado acelera pra ganhar tempo. Escuta! Cavalos! Apaga a tocha!

(Apagam a vela que os iluminava mal.) BANQUO (de dentro) Ah, os servos do Palácio. Alguém de vocês nos dê luz. KUROKASTRO-ASSASSINO É ele: sempre vai andando daqui até o Palácio.

(Entra BANQUO e FLEANCE- ator ALVISE) KUROKASTRO-ASSASSINO 37


Se liga. BANQUO Vai chover, esta noite. KUROKALEX- ASSASSINO Tomara que chova...(esfaqueia) Apaga o outro, apaga! BANQUO Ah!, traição! Voa, filho! Foge e me vinga! KUROKALEX ASSASSINO Acende a luz, rápido! KUROKASTRO-ASSASSINO (Confuso) Mas não era para apagar? (A luz se acende: a silhueta de BANQUO morto está grudada no rolo das personagens. A partir de agora, ALVISE será o fantasma de BANQUO em meio ao CORO MORTO – basta uma passada de maquilagem branca e, ao remover a mesma, seu filho, FLEANCE. É um jogo de signos importante e deve ser bem preciso. Todos esses mortos deverão ter um pequeno equipamento de maquilagem para isso. A simplicidade deles é a eficácia da precisão desejada. Um paninho, uma cor e um removedor bastam.) KUROKALEX ASSASSINO Aqui só tem um. O pivete vazou. KUROKASTRO ASSASSINO O filé mignon. Vamos cair fora.

(Black out) MACBETH (de costas, falando como se a corte estivesse em outro aposento. O rolo do espaço mostra a porta de entrada de seu salão real. Macbeth abriu a cortina pela metade.) Minhas calorosas boas vindas. Sirvam-se à vontade, já venho beber com vocês.

(Aparece um kurokastro na metade do palco descoberta) Sangue na cara. KUROKASTRO-ASSASSINO Sangue de Banquo. MACBETH 38


Melhor na tua cara que dentro dele. Foi eliminado? KUROKASTRO-ASSASSINO Já era. MACBETH Fleance? KUROKASTRO-ASSASSINO Vazou. MACBETH Esse é o meu pior medo. Teria sido perfeito como o mármore, sólido como uma rocha, vasto e essencial como o ar. Ainda estou confinado, preso por dúvida e medo. Com Banquo, morreu a velha serpente. O filho vai criar veneno, mas ainda não tem dentes. Amanhã falamos de novo. (Sai KUROKASTRO-ASSASSINO, entra LADY MACBETH) LADY MACBETH Abandonaste os teus convidados: para comer assim, podiam ficar em casa. Cortesia é tempero, sem ela tudo fica insípido.

(Entra o fantasma de BANQUO – ALVISE, que, a exemplo de Nilton, remove a sua maquilagem). MACBETH Bem lembrado.

(Vai até a metade da cortina, na porta, e diz a seus convidados) Que a boa digestão sirva o apetite e a saúde sirva ambos. Aqui estaria completa a nossa nobreza, se Banquo estivesse presente. Prefiro supor indelicadeza a lamentar um seu infortúnio.

(Pausa. Grita, transtornado) Quem fez isso? O chão está encharcado de sangue. LADY MACBETH (De fora, entre o meio da festa, apostada na metade da

cortina) Sentem-se, nobres amigos, o Rei fica assim desde a juventude. O ataque é passageiro, estará bem num instante. Se repararem demais, vão ofendê-lo e causar mal estar. (Entra e diz a macbeth) Estás louco? MACBETH Sim, a ponto de me atrever a olhar ao que horroriza o Demônio. 39


LADY MACBETH (Agarra-se à cortina). Que absurdo! Isso é como aquele punhal vagando no ar que dizes te conduziu ao Rei. Esses ataques, impostores do medo bem podiam virar a história de uma mulher à lareira no inverno com o consentimento da avó. Que vergonha! Por que essas caras? Aquilo não passa de uma cadeira vazia. MACBETH Olha.

(ALVISE vai para trás da cortina) Olha!

(Ao fantasma) Se consegues acenar com a cabeça, fala também! (Desesperado, para LADY MACBETH) Se os cemitérios e as sepulturas nos devolvem quem enterramos, os nossos monumentos virarão estômago de abutre.

(ALVISE/FANTASMA de BANQUO volta a seu lugar no proscênio. Este jogo deverá ser empregado várias vezes nas alucinações de que MACBETH é vítima; trata-se de três ou quatro passos, atrás e dentro da cortina, ou atrás e não da LADY). LADY MACBETH Que loucura! Que vergonha! MACBETH (Perigosamente louco, à sua corte) Aqui foi derramado sangue, há crimes terríveis demais para serem contados. Já foi o tempo em que o homem morria quando simplesmente lhe cortavam a cabeça. Agora, levantam-se de novo e sentam naquela cadeira vazia.

(Pausa) Não se espantem comigo meus amigos, é só uma doença de nada. Amor e saúde para todos! (Olha para a Lady, que mostra sinais de alívio). Brindo à alegria geral de toda a mesa, e ao nosso querido amigo Banquo, de quem sentimos falta. Estivesse ele aqui... A todos e a ele brindamos. De todos a todos.

(Pausa. ALVISE faz o seu jogo de entra e sai da festa e de suas alucinações. Três passos, para trás da cortina ed è bella che fatta!) Sai da minha vista, carniça! Que a terra te cubra. Os teus ossos estão secos, o teu sangue está frio. Expirou a vida desse olhar que me lanças. LADY MACBETH Meus amigos, levem isso como um costume seu. Não lhes prestem atenção.

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MACBETH Fora, sombra horrível, fora! (ALVISE volta ao proscênio). Volto a ser um homem quando essa coisa vai embora. Por favor, continuem sentados. LADY MACBETH Destruiste a alegria do banquete com a mais surpreendente desordem. MACBETH Poderão as coisas nos possuírem como nuvens passageiras sem nos deixarem completamente loucos? Duvido de minha capacidade quando te vejo suportar isso mantendo o tom natural da tua face. A minha empalidece de medo.

(Pausa) Boa noite! Não esperem, saiam já. LADY MACBETH Muito boa noite para todos! MACBETH Sangue vai gerar sangue: sabe-se de pedras que se moveram e de árvores que falaram. (Olha para os rolos e os KUROKUS) Que horas são? LADY MACBETH (Confusa) Quase de manhã. Não se sabe se é noite, se dia. (Os KUROKUS ficam confusos). MACBETH O que dizes de MACDUFF valorizar-se com sua ausência ao nosso banquete? Vou mandar-lhe um sinal. Não há quem não tenha em casa criado pago por mim.

(pausa). Amanhã bem cedinho, vou visitar as minhas irmãs harpias. Elas devem saber mais sobre isso. E eu quero saber sobre tudo, seja o que seja. Vadeio tão fundo neste rio de sangue que voltar seria bem pior que atravessar. Tenho tantas vozes na cabeça que devo interpretar sem conhecer o papel. LADY MACBETH Falta-te o maior remédio de todos: o sono. MACBETH

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Vem, vamos dormir. Vertigem e insônia é medo de principiante; este duro trabalho requer mais prática.

(HÉCATE, que terminou de maquilar-se, entra, acompanhada de ALVISE e NILTON. Vai fixar a sua imagem no rolo do tempo.) BRUXADOBAL Então, Hécate? Estás zangada? HÉCATE E não era pra estar, suas megeras? Insolentes, descaradas! como se atrevem a negociar com Macbeth enigmas e assuntos da morte, enquanto eu, dona do vosso poder e inventora do Mal, nem fui chamada para interpretar o meu papel e mostrar a glória da nossa arte? Pior que isso, tudo o que fizeram foi por um sujeito caprichoso, malicioso e rancoroso que (como outros) ama apenas por seus interesses. Consertem isso! Desapareçam e encontrem-se comigo no abismo do Inferno pela manhã. Ele lá estará para saber o seu destino. Arrumem caldeirões, feitiços, e tudo o mais. Eu irei pelo ar. Passarei esta noite a tecer um fim funesto e fatal. Uma grande obra será feita esta noite. Sob o canto da Lua estão penduradas gotas vaporosas. Vou apanhá-las antes que cheguem ao solo, e destilá-las com despachos; evocarão os espíritos que o fazem mergulhar iludido na confusão. Ele desprezará o destino, desdenhará a morte, e lançará sua ambição bem acima da sabedoria, da virtude e do medo. Vocês sabem como a confiança é o maior inimigo do homem. Me chamam. Vejam o meu espírito, sentado numa nuvem cerrada, aguardando por mim.

(Ela gruda a Lua no rolo e vai ao proscênio. O VELHO DOBAL fecha o pano de boca). A JOVEM GUTA, desmaquiando-se. O Rei foi chorado por Macbeth: feliz estava ele com a sua morte. Dizem que Fleance matou o correto e valente Banquo, porque fugiu. Quem poderá não pensar, o quão monstruoso foi para Malcolm ou para Donalbain matar o seu pai? Ato hediondo, como isso desgostou Macbeth! Não é que imediatamente e em pura raiva, dilacerou os dois delinquentes, escravos da bebida e do sono? Nobre ação...Sim, e muito sensata também: pois teria enraivecido qualquer coração vivo.

(Pausa) Isto afirmo: que ele planejou tudo muito, e penso que tivesse ele os filhos de Duncan ao seu alcance - Queiram os Céus, nunca terá! - eles descobririam, como Fleance, o que seria o destino da morte. E por não ter comparecido à festa do tirano, sei que Macduff caiu em desgraça. Onde ele está? 42


O VELHO DOBAL O filho do Rei (de quem o tirano retém o que lhe é de direito) vive na Corte Inglesa, recebido pelo Rei Eduardo. Pará lá foi Macduff, pedir-lhe auxílio para acordar Northumberland e o guerreiro Siward, para que possa libertar as nossas festas de punhais sangrentos. Isso exasperou Macbeth de tal forma que ele se prepara para a guerra. A JOVEM AUGUSTA Mandou chamar Macduff? O VELHO DOBAL Mandou. E com um absoluto “Senhor, eu não vou”, o mensageiro virou as costas. A JOVEM AUGUSTA Que um Anjo voe até à Corte de Inglaterra, que um vento abençoado possa retornar ao nosso país, que sofre sob uma mão amaldiçoada. O VELHO DOBAL Enviarei minhas orações para ele.

(Entram os Kurokus para vender mais pipoca)

A cena das bruxas

BRUXA BORGHI (Lendo a receita no pergaminho) Peçonhentas entranhas , sapo achatado em pedra bem fria, por trinta e uma noites suando veneno. Filé de cobra morta, olho de salamandra e dedo de sapo, pêlo de morcego, língua de cão, língua de víbora, picada de cobra, perna de lagarto, asa de coruja. BRUXA DOBAL (Corrige) Não. Escama de dragão, dente de lobo, múmia de bruxa, goela do bobo, bucho de tubarão do mar fossa, raiz de cicuta arrancada do breu, fígado de blasfemo judeu, nariz de turco, beiço de mongol, dedinho de recém nascido estrangulado eogado no fosso por puta cruel rameira. Engrossar o caldo até uma gosma grudenta e esfriar com sangue de macaco. HÉCATE Espíritos encarnados e cinzentos, venham todos os que puderem.

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BRUXADOBAL Pela coceira do meu polegar, algum sem-vergonha está para chegar. [entra MACBETH] MACBETH Bruxas nojentas, filhas do demônio; vos esconjuro, pelo negro ofício que professam, digam o que sabem. Ainda que desatem os ventos em furacões, respondam o que vou perguntar. BRUXA BORGHI Fala. BRUXADOBAL Pergunta. BRUXA BORGHI (Aponta BRUXAKOHLER, que desenha.) Ele sabe o que pensas. Ouve sem nada dizer. BRUXA DOBAL (em transe lê o desenho) Macbeth, Macbeth, Macbeth! Toma cuidado com Macduff, Chega; é o bastante. MACBETH Na verdade, isso no fundo eu já temia. Mais uma palavra... BRUXA BORGHI Ele não dá consultoria!. Isso aqui não é escritório. (soluços de BRUXADOBAL) Macbeth, Macbeth, Macbeth! Seja sempre sanguinário, violento, resoluto. Ria da força do homem, pois homem nascido de mulher jamais fará mal a Macbeth. MACBETH Então, Macduff poderá viver. Mas... quero segurança em dobro, e garantia do destino. Não ficarás vivo. BRUXA BORGHI Escuta calado. (Soluço. Transe. Lê)

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Investe-te da força do leão. Seja orgulhoso, sem se importar com rebeldia nem conspirações. Macbeth não será vencido enquanto o grande bosque de Birnam não vier atacá-lo em Dunsinane. MACBETH Isso jamais acontecerá! Quem poderia comandar uma floresta e fazê-la sair do lugar? Ótimo presságio! Fantástico! Feitos rebeldes, não ousem me ameaçar enquanto o bosque de Birnam não vier me atacar. Até lá, o grande Macbeth há de ser senhor, chegando ao fim de seus dias como a natureza determina. Incomoda-me, porém, uma dúvida: Digam-me se os descendentes de Banquo chegarão um dia ao trono deste reino? BRUXA BORGHI Não perguntes mais. MACBETH Não; é preciso que eu saiba. Se não me revelarem isto, que lhes recaia eterna maldição. Quero saber. BRUXA BORGHI Mostre-se! BRUXADOBAL Mostre-se! TODAS Que vejam seus olhos, que sofra seu coração, Como sombra vêm, como sombra vão. (Uma seqüência do fantasma de Banquo /Alvise aparece.) MACBETH Tu te pareces demais com o espírito de Banquo. Some! Tua coroa me fere olhos; teus cabelos, tua testa coroada, pareces o primeiro, tal como o terceiro que te segue. Bruxas nojentas, por que isto? Mais um! O quarto! Abram-se os olhos estarrecidos. Esta linhagem estenderá então até ao fim dos tempos? Outro? E o sétimo? Chega, não quero ver mais nada. Aí vem um último, com um espelho na mão, mostrando ainda muitos outros. E há alguns com dois orbes e três cetros. Que terrível visão! Vejo agora que é verdade: Banquo, sorri e aponta para eles, como se todos seus filhos fossem. (As visões desaparecem.) Como! É assim? BRUXA BORGHI É assim. (Desaparecem) 45


MACBETH Onde estão? Foram embora? Maldita seja sempre esta hora perniciosa do calendário. Quem está aí? (Ao Kuroku) Viste, por acaso, as irmãs feiticeiras? KUROKU Não, meu senhor. MACBETH Não se cruzaram? kUROKU Na verdade não, meu senhor. MACBETH Infecto seja o ar onde elas passam. KUROKU 2 Macduff fugiu para a Inglaterra. MACBETH Fugiu para a Inglaterra? kuroku 2 Sim, meu bom senhor. MACBETH Ó tempo! Antecipas meus pavorosas ações! O fugidio propósito nunca será alcançado se não materializarmos os atos. De agora em diante, o que meu coração desejar será imediatamente executado. E agora mesmo, para coroar com ações meus pensamentos, colocarei esta idéia em prática: Macduff de Fife, passarei à espada tua mulher e todas as almas desgraçadas que ali estiverem. O ferro, dobra-se enquanto está quente. Chega de visões. (Saem.)

(Abre-se a cortina vermelha.Estão atrás do rolo do espaço. Uma porta. A luz é diáfana ). LADY MACDUFF Mas o que é que ele fez para ter de fugir da sua terra? KUROKALEX Deve ter paciência, senhora. 46


LADY MACDUFF Ele não teve nenhuma: Fugir foi uma loucura: não foram as ações que nos traíram, foram os medos. KUROKALEX Medos ou sabedoria. LADY MACDUFF Sabedoria? Deixar mulher, filhos pequenos, casa e título, num lugar de onde ele próprio foge? Ele não nos ama. Falta-lhe o instinto natural. Porque até o pardal defende até a morte suas crias contra a coruja. É medo, não amor; como pouca é a sabedoria da fuga por qualquer razão.

(Silêncio.) Ele tem pai mas é órfão.

(Nina seu filho) Filhinho, o teu pai morreu. Como vais viver? Com minhocas e moscas? Como vais fazer sem um pai? Como vou fazer sem marido? Posso arranjar vinte em qualquer mercado. Posso comprá-los para os vender outra vez. Teu pai era um traidor? Sim, era. O que é um traidor? Quem jura e mente Quem faz isso, é traidor e deve ser enforcado. Cada um deles tem que ser enforcado. Quem deve enforcá-los? Os homens honestos, claro. Então aqueles que juram e mentem são loucos, porque há suficientes para enforcar os homens honestos. (Pausa. Começa a chorar) Como irás fazer sem um pai? Se ele estivesse morto, chorarias por ele. Se não chorasse seria um bom sinal; você teria rapidamente um novo pai. VELHO DOBAL Senhora, o perigo se aproxima. Não se deixe encontrar aqui. Trate de sumir daqui com o pequenino. Que o Céu a proteja. Não me atrevo a demorar-me mais aqui.

(sai mensageiro) LADY MACDUFF Para onde vou fugir? Não fiz mal nenhum. Mas estou neste mundo, onde fazer o mal é muitas vezes louvável, e fazer o bem algumas vezes uma loucura perigosa.(Pausa) Quem são vocês?

(entram KUROKUS-ASSASSINOS) KUROKU-ASSASSINO Onde está o seu marido? LADY MACDUFF 47


Em nenhum lugar tão excomungado onde alguém como você o possa encontrar. KUROKU-ASSASSINO É um traidor. E este um filhinho de traidor.

(Apunhala a criança. Fecha-se a cortina vermelha.A mãe foge, desesperada.O rolo do espaço vai a um pântano.O do tempo vai à aurora. Abre-se a cortina vermelha.) MALCOLM Aquele tirano foi em tempos considerado um homem honesto. Eu sou novo, mas pode-se aprender alguma coisa de mim; é sábio oferecer um fraco e inocente cordeiro para apaziguar um deus feroz. MACDUFF Eu não sou traidor. MALCOLM Mas Macbeth é. MACDUFF Eu perdi a esperança. MALCOLM Talvez no lugar onde eu encontrei minhas dúvidas. Por que deixou sua mulher e seus filhos tão expostos, sem sequer se despedir? Não deixe que a minha desconfiança seja a sua desonra, é apenas a minha segurança: poderá ser absolutamente honesto, pense eu o que pensar. MACDUFF Sangra, sangra pobre País, porque a bondade não se atreve a fiscalizar-te: faz desfilar as tuas maldades, pois o título foi confirmado. Passe bem, meu senhor. Eu não sou o canalha que o senhor imagina. MALCOLM Não se ofenda: Eu não falo como se o temesse. Acima de tudo penso que haveria mãos levantadas por meus direitos: aqui da Inglaterra foram-me oferecidas milhares. Mesmo assim, quando eu tiver pisado a cabeça do Tirano, cortada pela minha espada, o meu pobre País terá mais vícios do que antes, terá mais sofrimento com aquele que vem depois. MACDUFF E quem será? 48


MALCOLM Eu mesmo, de quem conheço todos os vícios, que, quando se abrirem, farão o negro Macbeth parecer tão puro como a neve. MACDUFF Nem nas legiões do horrendo inferno, poderá haver demônio mais malvado que Macbeth. MALCOLM Ele é sanguinário, devasso, avarento, falso, enganador, violento, fede a cada pecado que tenha nome. Mas a minha volúpia é infinita, nada pode satisfazer o poço da minha luxúria. O meu desejo derruba todos os obstáculos à minha vontade. Melhor Macbeth do que governar alguém assim. MACDUFF Um vício sem limites é uma tirania: tem provocado o esvaziamento precoce de tronos felizes e a queda de muitos Reis. Mas por agora não tema em resgatar o que é seu. Pode conduzir os seus prazeres de muitas formas; poderá enganar mulheres dispostas a isso. MALCOLM Isso faz crescer no meu caráter doente uma avareza desmedida, que sendo Rei, me faria mandar matar os Nobres por suas terras, desejar de uns as jóias, e de outros as casas. O fato de ter mais, não passaria de condimento para me fazer querer ainda mais. MACDUFF Isso cresce com uma raiz mais perniciosa do que a luxúria do verão e tem sido a espada que destronou os nossos Reis. Tudo isso seria tolerável se compensado pelas virtudes. MALCOLM Mas eu não tenho virtudes. Não tenho sinais daquelas adequadas a um Rei. Em compensação, domino as variações de cada crime, praticando-as de todas as formas. Se um homem assim for capaz de governar, fale: eu sou como acabei de descrever. MACDUFF Capaz de governar? Não, nem de viver. Nação miserável! Com um Tirano indigno do título de cetro sangrento, quando é que verás teus dias gloriosos de novo? Uma vez que o aspirante legítimo do teu Trono é interditado pela sua própria acusação, e blasfema toda a sua estirpe? Duncan foi um santo Rei. Meu peito, a tua esperança termina aqui. 49


MALCOLM A tua emoção, filha da integridade, reconcilia os meus pensamentos com a tua lealdade e honra. O demoníaco Macbeth por muitos desses ardis, tem procurado levar-me sob o seu jugo. (Pausa) Aqui repudio as manchas e culpas que atirei sobre mim. Mal cobiço o poder , em nenhum momento perdi a minha fé, não denunciaria nem o Demônio, e adoro a verdade tanto como a vida. A primeira vez que menti foi agora e sobre mim mesmo. Na verdade, ponho-me ao seu comando e ao comando do meu País, para onde se dirigia, quando o senhor se aproximou, o velho Siward com dez mil homens guerreiros preparados para a batalha: agora partiremos juntos e que a garantia de sucesso se equipare ao valor da nossa causa. Porque ficas em silêncio? MACDUFF Coisas tão más e boas no mesmo instante. É difícil conciliar. MALCOLM/NILTON (A um dos KUROKUS) Como vão as coisas? KUROKU Corre o rumor que muitos homens de valor tenham descido às praças. A vossa presença na Escócia criaria soldados, faria até as mulheres lutarem para se livrarem de suas aflições. MALCOLM Para lá caminhamos. A Inglaterra concedeu-nos dez mil homens. KUROKU Infelizmente minhas próximas palavras deviam ser uivadas ao vento do deserto para que ninguém as pudesse ouvir. MACDUFF A que dizem respeito? À causa comum ou ao desgosto privado de um único peito? KUROKU Nenhuma mente honesta poderá não partilhar o sofrimento, embora o principal pertença apenas a ti. MACDUFF Se ele é meu, revela-o depressa.

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KUROKU O teu castelo foi surpreendido: a tua mulher e os teus filhos assassinados. Contar-te os detalhes seria a tua morte. MALCOLM Ponha em palavras o sofrimento. O desgosto que não fala o coração leva à sua explosão. Vamos fazer de nosso próprio destino o remédio da nossa vingança para curar este desgosto mortífero. Enfrente isso como um homem. MACDUFF Mas também devo sentir como um homem. Me ajudem.

(O diz ao público e a quem representou quem foi assassinado: Banquo, Nilton e Lady Macduff. Silencio. Os atores olham ao público, sem nada dizer. Pode expressar o que quiser, mas deve ser o ator). MALCOLM Que isto seja a pedra para amolar a tua espada; que se transforme em raiva. MACDUFF Podia interpretar o papel de mulher com os meus olhos e o de brigão com a língua. Mas, Céus! Abreviem o tempo intermédio; ponham frente a frente ele e eu. Posicionem-no ao alcance da minha espada. MALCOLM Não nos falta nada a não ser partir. Macbeth está maduro e os poderes divinos têm em nós os seus instrumentos. É longa a noite que nunca encontra o dia. A cada nova manhã, novas viúvas choram órfãos.

[VELHO DOBAL E JOVEM AUGUSTA conversam nos balanços Ali estão todos os do coro morto.Isso pode assemelhar-se a uma espécie de manicômio, mas somente sugerido; vai realmente parecer isso; entretanto, ainda é num caminho apenas sugerido. Nos próximos dez dias definiremos a coisa.] VELHO DOBAL Quando foi a última vez que ela andou? JOVEM AUGUSTA Costuma levantar-se, jogar um roupão nas costas, abrir a escrivaninha e puxar uma folha de papel. Escreve alguma coisa, lê o que escreveu, fecha e lacra a mensagem e volta para a cama. Tudo isso no mais profundo sono.

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VELHO DOBAL Usufruir dos benefícios do sono, agindo como se estivesse acordada. E nesta agitação sonâmbula, chega a dizer alguma coisa? JOVEM AUGUSTA O que diz, não lhe posso contar. Não sem uma testemunha que possa confirmar minhas palavras.

(Ao fundo,[entra Lady Macbeth com uma vela). Juro que está profundamente adormecida. VELHO DOBAL Por que a vela? JOVEM AUGUSTA Estava a seu lado. Quer sempre uma luz ao lado. VELHO DOBAL Está de olhos abertos. JOVEM AUGUSTA Mas os sentidos fechados. VELHO DOBAL Veja como esfrega as mãos. JOVEM AUGUSTA É como se lavasse as mãos. Às vezes por meia hora. LADY MACBETH Sai, mancha dos diabos! Sai, te ordeno! Quanta sujeira há no inferno! Que asco, que vergonha, ter medo! Por que temer que saibam, se a ninguém temos de prestar contas? Quem diria que o velho tivesse tanto sangue? Será que nunca vou conseguir limpar estas mãos? DAMA DE COMPANHIA Ela disse o que não devia ter dito, não há dúvida. Deus sabe o que ela já viu. VELHO DOBAL Conheci sonâmbulos que morreram placidamente em seus leitos. LADY MACBETH Lava as mãos e não faça esta cara de espanto. Te digo e repito: Banquo está enterrado, não pode sair da cova. Pra cama, pra cama! Batem à porta. Vem,

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depressa: dá-me tua mão. O que está feito está feito, não pode ser desfeito. Pra cama, depressa! Pra cama! VELHO DOBAL Agora ela volta para a cama? JOVEM AUGUSTA Direto. VELHO DOBAL Infectadas, as mentes despejam nos surdos travesseiros seus segredos. Ela precisa mais dos deuses do que da ciência. Boa noite. Minha mente está pesada, meus olhos perplexos. Penso, mas não ouso falar. (Os dois KUROKUS desenrolam aos exércitos, pintados por giampaolo e Laura) KUROKU 1 Os exércitos ingleses devem estar próximos da floresta de Birnam; avançam por lá. Sabem dizer se Donalbain vem com o irmão? KUROKU 2 Certamente não, senhor. muitos outros rapazes aqui mostrarão pela primeira vez sua coragem. KUROKU 1 E o que faz o tirano? KUROKU 2 Fortifica Dunsinane. Dizem que ele está louco. Já não consegue limpar as mãos de seus crimes secretos. A cada minuto uma nova revolta re-prova sua traição. Seus súditos cumprem ordens, não o seguem por amor KUROKU 1 Sigamos adiante; para Birnam, marchemos. (Movem o rolo do espaço para a floresta de Birnam) MACBETH Não me tragam mais notícias. Enquanto a floresta de Birnam não chegar a Dusinane, o medo não me pode atingir. E esse garoto, Malcolm, acaso não nasceu de uma mulher? Os espíritos que conhecem todas as mortais conseqüências assim me asseguraram: ‘Não temas, Macbeth, nemnhum homem nascido de mulher terá poder sobre ti.

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Assim, desertem Barões traidores, juntem-se aos ingleses devassos: a alma que me anima e o coração que trago no peito não esmorecerão diante da dúvida nem tremerão de medo.

(Ao Kuroku) Que o diabo te carregue e pinte de negro tua face de palerma. Onde arranjastes esta cara de pato? KUROKU Há dez mil— MACBETH Patos, canalha? KUROKU Soldados, senhor. MACBETH Pinta de vermelho teu medo, menininho com fígado de flor. Que soldados, babaca? Que morra tua alma! Que soldados, carinha de coalhada? KUROKU Tropas inglesas, senhor. MACBETH Some daqui. Ou esta luta consolida meu poder, ou me derruba de vez. Muitos anos vivi: o caminho da minha vida se inclina para o outono, de folhas amarelas. Não posso almejar aquilo que deveria acompanhar a velhice: a honra, o amor, a obediência, amigos. Em seu lugar, ouço maldições profundas, lisonjas fáceis, da boca pra fora, que meu coração desejaria desprezar, mas não ousa. Lutarei até que meus ossos sejam descarnados. Minha armadura! Quero vesti-la. Como está a paciente, Velho? VELHO DOBAL As fantasias obsessivas Que não lhe dão descanso. MACBETH

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Não se pode arrancar da memória a tristeza enraizada, apagar as inquietações da mente e com um antídoto fazer esquecer, livrar o peito nervoso da matéria perigosa que lhe pesa no coração? Joga fora teu remédio e me dê a armadura; Se pudesse, velho, através da urina destas terras, descobrir sua moléstia e purgála, até que a saúde original fosse restituída, eu te aplaudiria. Vamos lá, ordeno.—Que erva, droga ou purgante poderia evacuar os ingleses daqui? Ouviu falar deles? (Pausa)Não temo a morte ou ruína, Enquanto a floresta de Birnam não marchar a Dunsinane.

(Realça-se a mata de Dunsinane. O CORO MORTO faz seu barulho de soldados que marcham. A mata se aproxima, pois o rolo lentissimamente se mexe). MALCOLM Que esteja perto o dia em que nos sentiremos seguros em nossas casas. Chegamos à floresta de Birnam. Que cada homem corte um bom galho para levar como camuflagem; Assim encoberta nossa tropa, não saberão ao certo quantos somos. Vamos à guerra.

[Ouve-se dentro um grito de mulher.] MACBETH Quase tinha esquecido o gosto do medo. Já houve tempo em que meus sentidos teriam se enregelado ao ouvir um grito dentro da noite; quando meus cabelos teriam se eriçado. Estou tão empanturrado de atrocidades que o horror, tão comum em meus pensamentos homicidas, já não consegue me abalar minimamente. KUROKU A rainha morreu. MACBETH Tivesse morrido em outra hora; o momento há de chegar: para o amanhã, do amanhã, do amanhã, se esgueira sorrateiramente no ritmo apequenado do dia após dia, até a última sílaba do tempo marcado. Todos os nossos ontens iluminam, idiotas, o caminho para o pó da morte. Apaga-se a vela! A vida é sombra que caminha: uma triste atriz, pavoneando-se frenética em seu momento de glória, para depois dela nunca mais se ouvir. É um conto, contado por um tolo, com grande alarde e furor, mas de conteúdo vazio .

(Ao KUROKU, que move lentamente o rolo das personagens, onde está desenhada a floresta, aos poucos vira um exercito.) 55


Já não tem mais segredo, diz logo. KUROKU Acho que vi, mas não sei como dizer. MACBETH Diga. KUROKU Olhei em direção a Birnam e parecia que a floresta se movia. MACBETH Mentiroso, lacaio! KUROKU Que caia sobre mim a vossa cólera, se não for assim. A três milhas de distância, pode-se ver a floresta avançando: uma floresta em movimento. MACBETH Começo a suspeitar do demônio, que disfarça a mentira com a verdade. “Nada temas enquanto Birnam não marchar a Dunsinane.” E agora acontece uma floresta marcha rumo a Dunsinane! Peguem as armas! Às armas! Vamos! Começo a me cansar do sol, que venha a catástrofe! (O ROLO REVELA O exército com galhos de árvores com tambores e bandeiras) MALCOLM Estamos perto; joguem fora seu disfarce, mostrem-se como são. MACBETH Amarraram-me a um poste; impossível fugir, lutarei até o fim. Quem é Aquele que não nasceu de mulher? Só a ele devo temer, a mais ninguém. MACDUFF Mostra a tua cara, tirano! Se não caíres por minha espada, os fantasmas de minha mulher e de meus filhos nunca me deixarão em paz. KUROKU O castelo entregou-se sem resistência. Os homens do tirano lutam dos dois lados. Os nobres barões deram grande prova de valor. Pouco há a fazer. MACBETH Por que morrer, como o romano louco, por minha própria espada? Enquanto me deparar com inimigos, prefiro neles enfiar minha faca não em mim. 56


MACDUFF Vira, cão dos infernos! MACBETH Tu és, dentre todos os homens, aquele a quem mais quero evitar. Some daqui; minha alma já está por demais pesada com teu sangue. MACDUFF Não tenho palavras; minha língua é minha espada, que só ela pode dizer do abominável que és. MACBETH Tenho corpo fechado, nenhum homem nascido de mulher tem poder para me matar. MACDUFF Pois este feitiço não vale contra mim. Saiba o anjo da morte que te protege que Macduff foi colhido do ventre de sua mãe antes do tempo. MACBETH Maldita seja a língua que me diz isso, acovardando a melhor parte do homem que há em mim. E que nunca mais se creia nesses demônios que falseiam e jogam com duplo sentido, Mantendo a palavra no literal e quebrando-a no real. Não lutarei contigo. MACDUFF Entrega-te então, covarde, e vive para seres um animal de circo. Te enjaularemos como um monstro raro no teu retrato, nos lambe-lambes das ruas. MACBETH Não me curvo a beijar o chão, aos pés de Malcolm, nem servirei de isca para distrair a patuléia. Mesmo tendo Birnam marchado até Dunsinane, mesmo que tu, que me resistes, não tenhas nascido de mulher, vou lutar até o fim. Fecho meu corpo com espírito guerreiro. Vem, Macduff! E maldito seja quem primeiro gritar: “Basta!” [Saem, lutando. Macduff volta carregando o corpo de Macbeth. Fecha-se a

cortina vermelha). MACDUFF É pouco o que se paga para ver tão grande dia. O mundo está livre. MALCOLM

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Não esperaremos muito tempo para ajustar nossas contas e retribuir vosso amor. O que resta a fazer e que será realizado com o tempo: chamar de volta à casa os amigos que fugiram para longe do olhar do tirano; julgar os cruéis ministros do carniceiro morto e da diabólica rainha que terminou a vida por suas próprias mãos: e tudo o mais que for preciso havemos de realizar, tudo a seu tempo e tudo em seu lugar. Agradeço portanto a todos e a cada um e os convido para minha coroação.

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