A SEDE COMO ESPAÇO POÉTICO trajetória espacial da Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz (Porto Alegre)
Os grupos de teatro vêm desempenhando um destacado papel social neste Brasil que se quer democrático: em linhas diversas, procuram ampliar sua função cultural e encontrar lugar fora do círculo vicioso mídia/público e das salas comerciais. Cresce o número de coletivos organizados que buscam espaço físico para um projeto cuja amplitude ultrapassa em muito a lógica do produto de mercado. No ano passado, Peter Pál Pelbart escreveu um artigo para a Trópico/Documenta em que discute a invasão da subjetividade: “Se antes ainda imaginávamos ter espaços preservados da ingerência direta dos poderes (o corpo, o inconsciente, a subjetividade) e tínhamos a ilusão de preservar em relação a eles alguma autonomia, hoje nossa vida parece integralmente subsumida a tais mecanismos de modulação da existência.” (http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2792,1.shl)
Nos últimos anos, um fenômeno no mínimo curioso desafia as teorias sobre a dominação da subjetividade pelo poder neoliberal. As leis de incentivo, criadas para incrementar o mercado da cultura, vêm sendo usadas pelos grupos para manter e aparelhar seu espaço de trabalho, e não porque existam nos editais itens reservados a esta finalidade, mas porque os artistas reduzem o próprio cachê, economizam na produção, fazem um enorme equilibrismo para “desviar” a verba de montagem e garantir a própria existência. Aquele mecanismo inventado para gerar produtos e consumo vem sendo subvertido pela ética dos grupos, que agregam à destinação circunstancial do patrocínio uma utilização para fins estruturais de continuidade. Por mais precária que seja, uma sede delimita um lugar de encontro consigo mesmo. Como apontou Peter Brook, o espaço vazio coloca o artista diante do risco – ele se referia ao espaço metafórico da criação, mas se pode pensá-lo também como o próprio sentido da constituição coletiva. O espaço não fornece liberdade, mas a aciona como questão, provoca o grupo na interrogação sobre suas pretensões, coloca-se ali como meio potencial para a produção de subjetividade. Picasso descreve um passeio no parque como uma situação em que ele se impregna de verde para depois, no ateliê, verter o verde na tela. O espaço está para os atores não apenas como o ateliê mas também como a tela está para o pintor: seu meio de produção.