A SEDE COMO ESPAÇO POÉTICO trajetória espacial da Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz (Porto Alegre)
Os grupos de teatro vêm desempenhando um destacado papel social neste Brasil que se quer democrático: em linhas diversas, procuram ampliar sua função cultural e encontrar lugar fora do círculo vicioso mídia/público e das salas comerciais. Cresce o número de coletivos organizados que buscam espaço físico para um projeto cuja amplitude ultrapassa em muito a lógica do produto de mercado. No ano passado, Peter Pál Pelbart escreveu um artigo para a Trópico/Documenta em que discute a invasão da subjetividade: “Se antes ainda imaginávamos ter espaços preservados da ingerência direta dos poderes (o corpo, o inconsciente, a subjetividade) e tínhamos a ilusão de preservar em relação a eles alguma autonomia, hoje nossa vida parece integralmente subsumida a tais mecanismos de modulação da existência.” (http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2792,1.shl)
Nos últimos anos, um fenômeno no mínimo curioso desafia as teorias sobre a dominação da subjetividade pelo poder neoliberal. As leis de incentivo, criadas para incrementar o mercado da cultura, vêm sendo usadas pelos grupos para manter e aparelhar seu espaço de trabalho, e não porque existam nos editais itens reservados a esta finalidade, mas porque os artistas reduzem o próprio cachê, economizam na produção, fazem um enorme equilibrismo para “desviar” a verba de montagem e garantir a própria existência. Aquele mecanismo inventado para gerar produtos e consumo vem sendo subvertido pela ética dos grupos, que agregam à destinação circunstancial do patrocínio uma utilização para fins estruturais de continuidade. Por mais precária que seja, uma sede delimita um lugar de encontro consigo mesmo. Como apontou Peter Brook, o espaço vazio coloca o artista diante do risco – ele se referia ao espaço metafórico da criação, mas se pode pensá-lo também como o próprio sentido da constituição coletiva. O espaço não fornece liberdade, mas a aciona como questão, provoca o grupo na interrogação sobre suas pretensões, coloca-se ali como meio potencial para a produção de subjetividade. Picasso descreve um passeio no parque como uma situação em que ele se impregna de verde para depois, no ateliê, verter o verde na tela. O espaço está para os atores não apenas como o ateliê mas também como a tela está para o pintor: seu meio de produção.
Uma sede representa também o tempo não dividido, não seccionado. Em A farsa da boa preguiça, Suassuna trata do ócio necessário à criação – seu protagonista encontra acolhimento junto aos representantes divinos que reconhecem naquele tempo não preenchido com os imperativos da produtividade uma função positiva: o tempo que obedece às necessidades do processo criativo. As características do espaço físico que um grupo ocupa mudam seu trabalho. A maneira como cada grupo trabalha transforma e redimensiona o que parecia ser a vocação do lugar. Uma sede tem muitos usos. Pode ser simplesmente o lugar onde se guarda o material de cena, possibilitando ao grupo ter à mão um repertório e dispor de autonomia para gerenciar sua circulação. Ainda que meramente utilitário, como uma espécie de armário que se abre apenas na medida da necessidade, este pequeno espaço já representa uma função essencial, uma vez que possibilita o encontro com outros públicos e a própria manutenção da atividade do grupo. Uma sede pode ser também um escritório onde se ampliam os contatos, onde se elaboram projetos, onde se organiza a memória artística. Este tipo de espaço, que recebe o grupo em momentos furtivos, ganha os sinais de sua presença – as paredes são adornadas com os símbolos de sua história e suas referências; junto aos objetos de uso profissional se colocam outros, de valor afetivo, marcas de um imaginário. Por meio destes sinais os integrantes do grupo lembram a si mesmos de sua trajetória – aquilo que fizeram juntos e que define uma relação de pertencimento. A sede se torna o espaço onde o grupo gera sua organização. Ampliando seu trabalho, o grupo amplia também a função da sede, que pode abrigar uma pesquisa de formação do ator, de estudo e experimentação. Inicia-se ali a sistematização da prática e do pensamento sobre o fazer teatral, a moldagem de uma identidade, a investigação das subjetividades. Surgem novos objetos necessários a este exercício – textos, instrumentos musicais, adereços – e outros que fornecem estrutura a uma estada de maior duração. A relação sistemática com o espaço exige que o grupo organize sua infra-estrutura, desde a limpeza até os elementos necessários para tornar agradável a permanência. A sede se torna a casa do grupo, seu espaço de gestação artística. E, da continuidade deste trabalho, pode advir a necessidade de uma casa que se abra ao público, em que o grupo se torne o anfitrião de um diálogo com a comunidade. Ele agora começa a cuidar do espaço como quem se prepara para uma festa e procura, nos elementos visuais escolhidos, dizer não apenas “o que nós fizemos” mas também
“quem nós somos”. Neste momento a sede se constitui como espaço de relação: as atividades que o grupo oferece ao público sinalizam a busca de uma inserção social. Se o espaço se abre aos espectadores, se a matéria do diálogo é a representação, a trajetória da criação completa seu ciclo na mesma casa: lugar de construção da identidade e do pensamento que norteia o modo de organização, de formação do ator, de criação e finalmente de encontro com o público. O tempo e o espaço do fazer teatral, em todo o seu ciclo, está então nas mãos do grupo. O espetáculo se concebe em diálogo com a sala, que se molda não apenas àquela obra mas ganha características estruturais de acordo com uma concepção de teatro. Todos estes espaços – caracterizados por sua destinação – se encontram entrelaçados na Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz. Ao longo de 32 anos de história foram cinco diferentes moradias: - de 1978 a 1979, o Teatro Ói Nóis Aqui Traveiz, na Rua Ramiro Barcelos 485 - de 1980 a 1982, a Casa Para Aventuras Criativas, na Rua Ramiro Barcelos 228 - de 1984 a 1999, a Terreira da Tribo, na Rua José do Patrocínio 527 - de 1999 a 2008, a Terreira da Tribo, na Rua Doutor João Inácio 981 A partir de 2009, dois endereços: - a Terreira, na Rua Santos Dumont 1186 - o Território Cultural, na Rua João Alfredo 709 O pesadelo do aluguel acompanha todas as fases deste trajeto. No “Diário de Bordo”, publicado pelo Sesc de Santa Catarina, sobre a turnê realizada em 2002, Paulo Flores escreve: Já pensaste em não pagar o maldito aluguel? A gente fica pensando, 25 anos para um grupo de teatro é bastante tempo, mas quando este tempo e trabalho serão suficientes para sensibilizar os burocratas do Poder Público, que acumulam prédios vazios e muitos papéis que nada dizem, que pra nada servem? A independência é o que nos salva desta empulhação. (...) E viva o Teatro de Grupo que, contrariando a tudo, segue em frente. (p.84)
Em 2007, o grupo prepara as atividades de comemoração de seu trigésimo aniversário quando, como já havia acontecido antes, a Terreira da Tribo recebe uma ordem de despejo. Mas, no ano seguinte, parece conquistar finalmente uma sede própria: a Prefeitura de Porto Alegre faz ao grupo a cessão de um terreno na Cidade Baixa, bairro onde se localizava a primeira Terreira. Ali está uma terra, um território
riscado no chão, atestado em papel. Ali está também o vazio, na sua forma mais absoluta. Contar uma história é sempre recriá-la de um certo ponto de vista. E neste grupo há muitos ângulos possíveis, porque são muitos anos e muitas linhas de ação. Escolhi falar do ponto de vista do espaço porque, na história da Tribo, ele aparece como o elemento fundamental. E porque nos próximos anos surgirá, na rua João Alfredo 709, no bairro da Cidade Baixa, em Porto Alegre, um novo espaço, uma nova Terreira – com as dimensões, a estrutura, a organização e a cultura de uma das mais vigorosas utopias do teatro brasileiro.
AS TERREIRAS DA TRIBO
Em janeiro de 1978, um grupo ainda desconhecido aluga, por cinco salários mínimos, um imóvel na Rua Ramiro Barcelos 485, onde antes funcionava uma boate cujo nome, Las Piedras, ainda está estampado na fachada incrustada de grandes pedras. O prédio tem uma área livre de 10 x 6 metros, mais duas pequenas salas e dois banheiros. O nome “Ói Nóis Aqui Traveiz” repetia o título da música do grupo musical Demônios da Garoa, dos anos 60, querendo expressar, pelo português incorreto, a irreverência, e, pelo sentido das palavras, a persistência. Enquanto se divide entre as obras e os ensaios, o grupo também cuida da divulgação. Cinco mil cartazes anunciavam a estréia. Júlio Zanotta e Paulo Flores visitam a redação dos jornais vestindo bermuda, chinelo e smoking, e tocando violino e tuba. Ainda no mês de janeiro, ao sair do ensaio, três pessoas são levadas à Polícia Federal, onde são interrogadas, acusadas de agitação pública e ficam detidas e incomunicáveis até o dia seguinte. Os dez integrantes assumem as funções de eletricistas, pintores, pedreiros e carpinteiros para reformar o espaço. O forro é retirado, consertam-se as telhas, instala-se estrutura de eletricidade, refaz-se o piso. Com projeto da artística plástica Lisete Alves, a ditadura e o povo são retratados na fachada do novo teatro: dois monstros e uma figura magra atrás das grades. Das pedras das paredes, surge o teatro como “pedra nas veias” (a alusão ao alucinógeno LSD associava o teatro à possibilidade de transcendência): Pedra nas veias para buscar um acontecimento teatral que negue a desumanização do indivíduo e denuncie a descaracterização consumista
Pedra nas veias para deformar aquilo que até ontem chamávamos teatro. Uma deformação que resulte não apenas em um mero efeito formal, mas que transcenda os limites físicos da cena como idéia de libertação ... para expor cruamente no espaço cênico uma figuração crítica do cotidiano ... para encontrar no ator a sua desilusão, a sua frustração, a sua raiva, os seus pesadelos (...) ... para ir um pouco adiante da cultura de resistência. Para ousar oporse. (fragmento extraído do texto de divulgação)
O grupo se constitui com o objetivo de quebrar a divisão palco/platéia com um teatro político em que o ator, ambicionando mudar a sociedade, mude antes de tudo a si próprio. No projeto dos fundadores, constam: as teorias de Antonin Artaud, no que concerne ao espaço utilizado em todas as suas perspectivas e à preponderância da linguagem física sobre o discurso verbal para atingir o espectador pela via sensorial; o Teatro Oficina na fase de criação coletiva, extraindo do happening a quebra da fronteira entre arte e vida; as proposições de Julian Beck e Judith Malina, como todo o teatro radical norte-americano dos anos 60, na relação entre linguagem e contestação ideológica, assim como na renúncia à estrutura empresarial para a instauração do coletivo artístico e da produção cooperativada. Dois meses depois de assinar o contrato, no dia 31 de março de 1978, à meianoite, o Teatro Ói Nóis Aqui Traveiz é inaugurado. A temporada vai de quarta a domingo, com ingressos populares e lotação de 60 pessoas. São dois espetáculos consecutivos, separados por um intervalo, ambos com texto de Júlio Zanotta Vieira. O cenário é um lixão feito de jornais e embalagens. O público ocupa o entorno, numa fila única de bancos, entre a parede e a cerca de arame farpado que contorna o espaço cênico. Os atores emergem nus debaixo do lixo. Em A Divina Proporção, respingava-se leite no público e pedaços de carne crua eram arremessados ao acaso durante uma cirurgia. A crítica classifica o espetáculo como misto de grand-guignol, protesto, surrealismo, celebração da anarquia; a linguagem merece os adjetivos de crua, debochada, violenta, livre, grotesca. Seus propósitos são vistos como “devastadores” no ataque às instituições, ao mundo organizado e à sociedade burguesa. Considera-se também que há uma agressão gratuita ao público, que algumas vezes revida. A representação é marcada pela tensão da expectativa, porque alguns espectadores vão ao teatro justamente para entrar no jogo da provocação. No dia da inauguração, três homens causam tumulto na platéia e provocam a interrupção do espetáculo. Dia 7 de abril, o ator José Paulo Nunes é espancado ao sair
do teatro. Dia 24 de abril, vinte espectadores são presos na saída. No dia seguinte, a polícia manda suspender a temporada e intima o diretor Paulo Flores a comparecer à delegacia. Em 2 de maio, chega uma intimação para que o grupo comparecer ao Serviço de Fiscalização de Diversões Públicas no dia seguinte, quando recebe uma comunicação verbal de que o teatro será fechado para “acabar com a anarquia” e, mesmo diante do alvará e de documentos que comprovam o funcionamento legal, alega-se que o prédio não tem condições de funcionamento. O grupo encaminha um pedido de vistoria no local, para verificar as instalações. Em 8 de maio, a equipe de vistoria comparece ao teatro mas não emite nenhum parecer. O teatro permanece fechado. O grupo contrata um advogado, que não consegue obter nenhum documento sobre as causas da interdição do teatro. Em episódio de uma comicidade que só a ditadura militar brasileira seria capaz de produzir, o diretor do Serviço de Fiscalização de Diversões Públicas da Secretaria de Segurança do Estado, exige que o nome do grupo respeite a língua oficial culta e sugere que ele passe a se chamar Olhem-nos Aqui Outra Vez. No dia 18 de maio, há uma discussão no plenário da Assembléia Legislativa. O deputado César Schirmer considera o fechamento do teatro como mais uma das “sucessivas manifestações de arbítrio” do governo, enquanto o arenista Pedro Américo Leal considera o fato um “caso de âmbito policial” (Zero Hora, 19 de maio de 1978). No dia 25 de maio, o Correio do Povo publica uma carta em que a classe artística, por meio de sua associação profissional, repudia a arbitrariedade: “A Associação Profissional dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio Grande do Sul, em face aos últimos acontecimentos que culminaram com o fechamento do Teatro Ói Nóis Aqui Traveiz, vem de público manifestar o repúdio da classe artística ao ato de força do qual estão sendo vítimas os companheiros do grupo em questão. (...)”. “(...) é a perfeita amostragem do inconformismo da juventude lúcida desse país, e do sentimento de angústia que nela se instala, ao ver tolhida todas as suas manifestações que possam ter algum efeito nas consciências amortecidas pela perda da memória.”
Sem espaço, o grupo começa a se apresentar em universidades, com entrada franca, sempre levando aos eventos uma atitude provocativa que causa polêmica e termina com represálias aos artistas ou aos organizadores. A falta de espaço próprio e de continuidade de trabalho faz com que parte dos integrantes se disperse. Depois de quatro meses fechado, o teatro é reaberto dia 29 de agosto, com um grupo convidado, enquanto o Ói Nóis prepara uma nova montagem e realiza sua primeira oficina para formar novos atores. Em novembro estréia A Bicicleta do
Condenado, de Fernando Arrabal. “Colocamos em cima deste texto todo esse horror que a gente sentia”, “a peça continua sendo um ritual de exorcismo de violência”, diz Paulo Flores (Correio do Povo, 04 de novembro de 1978). Para tratar da opressão contra o músico a quem não se permite executar a escala musical, o grupo acaba com a divisão palco/platéia. Os espectadores são colocados dentro do cenário, sentados sobre tijolos e sacos, como parte do ambiente onde se realizam torturas, lutas corporais ou ataques sexuais. As vigas junto ao telhado servem também de área cênica, que os atores alcançam por cordas. Um coro de personagens vendados e amordaçados se movimenta em bloco. No final do espetáculo, o protagonista, morto pelo ditador, é carregado para fora do teatro e, na rua, o coro se liberta das mordaças e vendas e louva a liberdade. Neste espetáculo, Paulo Flores deixa de assinar a direção e identifica na criação coletiva uma prática anarquista, “de modo que qualquer integrante, independente de sua bagagem, possa participar de todas as etapas do processo de criação” (Folha da Tarde, 06 de março de 1979). Em 1979, no lançamento de Ensaio Selvagem, de José Vicente, o grupo declara à imprensa que o espetáculo é “a negação do teatro morto e a procura da única possibilidade de vida no público, no contato físico, na comunhão dos corpos” (Folha da Tarde, 26 de abril de 1979). Para falar da resistência de uma atriz brasileira capturado pela máfia americana que fabrica estrelas, o grupo coloca em cena uma jaula de cordas, uma banheira de plástico e paredes cobertas com cartazes de filmes norte-americanos. Sem cadeiras ou bancos, o público senta no chão coberto de espuma e, durante duas horas, ouve música de discoteca e pode escolher entre a cena que se passa diante de si e a exibição, em super 8, da versão grotesca das cenas da peça. A representação mantém a divisão palco/platéia até a metade, quando a frase do protagonista - “o teatro está morto” – marca um blecaute. Em silêncio, os atores começam a se aproximar do público e, diferentemente dos espetáculos anteriores, busca contato na suavidade do toque das mãos. É um convite para que o público tome partido, libertando o personagem daqueles que o dominam. Em Curitiba, a maior parte dos presentes entrou em cena, confrontouse com os personagens em favor do protagonista e conduziu a finalização do espetáculo. O crítico Marcelo Marchioro recomenda o espetáculo “para todos os que possuem uma visão ampla e irrestrita do que seja cultura” e que “têm condições de entender o que seja um espetáculo consciente e revitalizador”. Comparando à montagem carioca do Teatro Ipanema, considera a encenação gaúcha “muito mais clara, dinâmica e objetiva do que a concebida por Rubens Correa” (O Estado do Paraná, 29 de junho de 1979).
No mesmo ano estréiam ainda O Sentido do Corpo e O Rei Já Era Parará Tim Bum. No primeiro, poemas e fragmentos acompanham o movimento dos atores sobre um plástico transparente, sob o qual tintas coloridas se misturam. Para entrar no teatro, os espectadores passam entre corpos nus e, na porta, os atores compõem uma pirâmide, de pé uns sobre os outros. Na primeira parte do espetáculo, os atores estabelecem contato físico entre si e com o público, por meio do toque, do afago, da curiosidade e da sensação. Na segunda parte, os corpos entram em catarse. Para escapar à censura, o espetáculo foi definido como uma composição plástica e não houve venda de ingressos – distribuíram-se senhas em troca de doações espontâneas. Foram apenas três apresentações. Segundo Cláudio Heemann, o espetáculo “atrai, repugna, hipnotiza, assusta, convence, conscientiza, amedronta, mas, sobretudo, mexe com as estruturas e preconceitos de cada um” (Zero hora, 9 de junho de 1979). Em O Rei Já Era Parará Tim Bum, o espaço é dividido em dois ambientes: de um lado, um jardim, com chão de terra, grama, tronco de árvore e um chafariz que jorra água durante todo o espetáculo; do outro, uma fachada em ruínas, onde a ação transcorre em um plano elevado. Parte do público deve se movimentar com os atores, enquanto outra pode permanecer sentada em bancos de pouca visibilidade. O problema é que acompanhar a ação significa pisar na terra e, no decorrer do espetáculo, se sujar: em dado momento, os personagens dos dois espaços – os mendigos e seu opressor – entram em confronto e fazem guerra de lama. Alguns abandonam o espetáculo, outros participam interferindo na ação (como um espectador que pegou a rede que prendia um personagem, jogou-a sobre o outro e o arrastou na lama) ou reagindo ao jogo (um ator foi esbofeteado quando puxou uma mulher para dançar). Em 1980, o grupo abandona o espaço por falta de condições financeiras para pagar o aluguel. Seu novo projeto, O Amargo Santo da Purificação, que utilizaria textos de Sartre, Ginsberg e Renato Tapajós para falar do movimento de guerrilha, é vetado pela Censura Federal.. Permanecem no grupo apenas Paulo Flores e Jussemar Weiss, aos quais se agregam 9 componentes novos. Em agosto, alugam um sobrado antigo, na mesma rua e a duas quadras da primeira sede. O imóvel da Ramiro Barcelos 228 dispõe de dois andares, com três quartos e duas salas. O espaço não é convertido em casa de espetáculo, mas em residência e laboratório de pesquisa. Morar em comunidade e fazer teatro o dia inteiro era a proposta do grupo, que chamou sua nova sede de Casa para Aventuras Criativas. Há agora um projeto que vai além da produção de espetáculos:
negar qualquer forma de organização com base na liderança individual, cultivar a autogestão, resistir ao consumo e viver da arte à margem do sistema econômico. Para montar o novo espetáculo, sem espaço próprio, o grupo precisa recorrer a uma sala de espetáculos convencional e adaptar sua linguagem ao palco italiano. Recusado pelos teatros municipais, Ananke, a luta pela vida estréia no Teatro Presidente. Os espectadores são recebidos na entrada do teatro pelos personagens que os chamam a ocupar lugares diferentes no palco: a casa ou a roda dos excluídos. No final, o espectador deve decidir entre libertar a moça Ananke ou defender a casa e seus princípios. Houve apenas três apresentações, nos dias 18, 19 e 20 de dezembro de 1980. Em 1981 o ativismo político faz o grupo tomar a rua como seu principal canal expressivo, dedicando-se à elaboração de intervenções teatrais em movimentos políticos – entre eles, o protesto contra a poluição do Rio Guaíba e as usinas nucleares, por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, e a passeata que relembra a bomba de Hiroshima, ambas reprimidas pela polícia. Em entrevista à imprensa, Jussemar Weiss afirma que o conceito de “atuador”1 reflete a “identificação muito íntima entre o que dizemos e fazemos no palco e o que vivemos efetivamente” e que a proposta de um nãoteatro pretende ser, mais do que uma negação, “um antagonismo prático, ativo”, “uma concepção de vida e de mundo” (Correio do Povo, 18 de dezembro de 1980). Quinze anos depois, Weiss analisa, a dificuldade daquele período de vida comunitária: Nosso discurso era pela paz, pela vida em grupo, mas vivíamos muito tragicamente essa luta pela felicidade, pelo nosso trabalho, pelo tipo de relações que estabelecíamos. Era muito difícil a vida. Estávamos nos limites da mendicância. A instabilidade era também a marca do trabalho que fazíamos; não tínhamos tempo para muita conversa, não podíamos descansar. (apud Alencar, p.76)
Em 1982, o grupo entrega a casa e novamente se dispersa. Durante um ano, dedica-se a oficinas junto a estudantes, o que o leva a uma constituição heterogênea, com indivíduos das mais diversas áreas e um ponto em comum: a proposta de uma ação política.
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Termo atribuído pelo Teatro Oficina aos atores de Gracias Señor, criação coletiva, 1972.
A PRIMEIRA TERREIRA
Em 1984, alugam um imóvel que funcionara como depósito farmacêutico e escritório de contabilidade, por 350 mil cruzeiros mensais, na rua José do Patrocínio 527, na Cidade Baixa, bairro de tradição boêmia. No terreno de cerca de 500 m2 havia um galpão de dois andares, cinco salas e um pátio amplo cujo acesso era uma entrada de garagem onde caberiam três carros. O grupo neste momento contava com mais de dez integrantes, dos mais variados interesses artísticos e culturais, mas sobretudo político. Em um mutirão, o grupo reconstitui a rede elétrica, os telhados e adapta as divisões do galpão à sua nova destinação. O nome Terreira da Tribo procura reunir as diversas propostas – comunidade, teatro ritualístico e ativismo. O objetivo inicial da Terreira é funcionar como centro alternativo que contemple diversas formas de atuação. A inauguração é feita com um show de música punk, com cerca de cinco bandas da cidade e arredores. Durante três anos, a Terreira reserva as quartas-feiras às bandas estreantes e veteranas, como espaço livre em que qualquer grupo, independente de suas condições técnicas, artísticas e financeiras, pode se apresentar ao público. As segundas são destinadas às oficinas gratuitas. As terças, a filmes não comerciais. Sexta à meia-noite entra a Casa do Som, com compositores de MPB e grupos instrumentais. De quinta a domingo, o espaço é do teatro. A venda de lanches e a Associação dos Amigos da Terreira são meios de levantar verba para as despesas básicas do espaço. Em entrevista à imprensa, o grupo declara que ele está aberto a “todas as pessoas que gostam de cantar, dançar, representar, pintar, fotografar” e afirma que “qualquer pessoa é capaz de criar e a Terreira da Tribo está aí para isso”. (Zero Hora, 21 de julho de 1984) Além de trabalhar nos ensaios, apresentações e produção dos espetáculos, os atuadores preparam comidas para o bar, atendem no balcão, limpam a casa depois dos shows e eventos da madrugada. O espaço também serve de moradia para os que trabalham em regime de dedicação integral e não têm outra fonte de sobrevivência. O estreitamento da convivência e a mistura entre arte e vida colocam o grupo diante da necessidade de lidar com o desgaste emocional. Na Terreira, as oficinas ganham continuidade. A oficina de Experimentação e Pesquisa Cênica, com turmas fechadas, trabalha pela via da linguagem. A oficina de Teatro Livre, sempre aberta a novos alunos, se destina à consciência corporal e expressiva. A partir dali, os espetáculos começam a nascer no processo de troca e
criação com os alunos, que muitas vezes se integram ao grupo depois da experiência proporcionada pela oficina e pela montagem. O novo teatro comporta até 200 espectadores e oferece o ingresso mais barato da cidade, além de distribuir convites e realizar apresentações gratuitas. O espetáculo inaugural, A Visita do Presidenciável, adapta o texto de Luis Francisco Rebello para metaforizar a decadência da classe média conservadora. O centro da narrativa, entrecortada por diversos personagens e tramas, é um casal de velhos que mora há 20 anos numa casa que se deteriora (em 1984, o golpe militar completava 20 anos). Cada núcleo de ação ocupa um espaço do galpão e o público fica na casa decadente, entre os móveis velhos e os abacates maduros que cobrem o chão. No final, a casa desabava sobre todos, numa chuva de cacos, goteiras e pó. O cenário é construído com sucata e sobras da madeira retirada do galpão. Bonecos de três metros de altura se deslocam por meio de cordas penduradas no teto. Por este mecanismo, uma mão gigantesca entrega a faixa do presidente. O crítico Cláudio Heemann, usando uma seqüência de adjetivos – surrealista, metafórica, onírica, exacerbada, histérica, louca – comenta a montagem: “Mais sugerido que racionalizado, o espetáculo apresenta um mundo dominado pelo arbítrio, a crueldade e as forças de opressão”, (...) “menos agressivo do que em seus primeiros trabalhos, mais sólido no uso da linguagem teatral, sempre fiel ao propósito de eliminação das estruturas burguesas e oligárquicas”. (apud. Alencar, p.99)
Em 1985, com Teon, o Ói Nóis encena pela primeira vez na rua uma performance com estrutura de espetáculo, que começa com uma procissão de personagens vestidos de mantos e máscaras, carregando cruzes e varas de bambu. O grupo define a montagem como “uma prece aos milhões de índios mortos em toda a América”. Sem texto, usando dança, canto e pantomima, os atuadores investem em “um sonho que falasse da natureza grupal do ser humano e da sua vulnerabilidade; um sonho que o arrastasse às profundezas da emoção.” O espetáculo fica três anos em circulação e é um marco divisório na relação do grupo com o público. Em 1978/79, o Grupo era assistido por jovens universitários e remanescentes da contracultura; no início dos anos 80, entre seus espectadores, estavam profissionais liberais que transitavam no centro da Capital; a partir de 1985, sua maior platéia não estava na classe média, mas nos trabalhadores que vivem na periferia da cidade. Teon foi, aos poucos, transferido das praças centrais de Porto Alegre para os campos de futebol, pátios de escolas e sedes de associações comunitárias, atingindo um público que, em muitos casos, não tinha sequer acesso ao cinema. (Alencar, p.102)
Na Terreira, o grupo intensifica a pesquisa estética – os elementos rústicos e sem acabamento da primeira fase vão sendo substituídos por adereços e cenários elaborados. Para As Domésticas, da peça de Jean Genet geralmente traduzida como As Criadas, constrói-se um quarto luxuoso. Divulgada como cerimonial místico-erótico, sua primeira cena é um culto de invocação da morte em que o ritual de magia negra é executado quase que na íntegra. Mas é no espetáculo seguinte que o Ói Nóis Aqui Traveiz faz uma virada em sua trajetória de encenação. Para Fim de Partida, de Beckett, cria um abrigo antinuclear construído como uma imensa lata de lixo. Para chegar nesse ambiente, os espectadores passam antes por um longo túnel coberto por folhas de zinco. No abrigo, encontram o que restou da vida humana: personagens de limitada condição física, enclausurados entre paredes de zinco. Clov e Hamm têm o corpo em decomposição; Nagg e Nell são figuras fantasmagóricas. Diferentemente dos espetáculos anteriores, o público não é convidado a contracenar. O ator Jairo Klein descreve suas impressões: Dentro do espaço, tinha-se a sensação de claustrofobia total. A gente passava por um corredor gelado, com pouco luz, que ia afunilando até desembocar no local da encenação. A impressão era de estar entrando num abrigo antinuclear mesmo. Na hora de sentar, começava o desconforto: uma vontade de ir embora. As imagens eram muito impressionantes. Era tudo muito tenso, de uma dramaticidade e de uma verdade muito grande. Eu saí completamente trepidando com o meu corpo; não consegui falar com ninguém. Peguei um ônibus e fui para casa em prantos. Me identifiquei com aqueles quatro seres abandonados e completamente sem perspectivas. Me vi sozinho diante deles sem poder fazer nada, vendo aquela putrefação na minha frente. Foi uma das experiências mais belas e, ao mesmo tempo, mais solitárias que eu vivi no teatro. (apud. Alencar, p.109)
O espetáculo recebe cinco prêmios. O crítico Cláudio Heemann registra, em matéria do jornal Diário do Sul, em 20 de dezembro de 1986, sob o título “Prêmios a quem abre caminho ao não convencional”: “O caso mais radical é do maldito e por tanto tempo hostilizado Ói Nóis Aqui Traveiz (...) que jamais havia ganho um só prêmio, apesar da ousadia das montagens”. Antônio Hohlfeldt, crítico do Diário do Sul, considera Fim de Partida o melhor espetáculo do ano e escreve, em 22 de dezembro de 1986: “A correção do trabalho, o aprofundamento da proposta do dramaturgo irlandês, a seriedade da produção, cercada de atenção para todos os detalhes, da cenografia à maquiagem e aos adereços, marcou-nos.”
O ano de 1987 começa com a apresentação de Manchas no Lençol, primeiro espetáculo da oficina de Experimentação e Pesquisa Cênica, baseado na técnica de sombra chinesa e apresentado nas madrugadas de sábado. Em maio estréia A Exceção e a Regra, texto de Brecht adaptado para a rua, também como resultado do trabalho da oficina. Circulou durante um ano pelas ruas da cidade, em iniciativas isoladas do grupo ou em parceria com programações políticas de entidades de classe. Em agosto de 1987, estréia Ostal, baseado no roteiro de Aldo Rostagno para o grupo italiano Cfr. Na compra do ingresso, o espectador recebe um número e é orientado a aguardar sua chamada num local semelhante a uma sala de espera de hospital. Por ordem numérica, os vinte espectadores são chamados um a um e conduzidos pelo pulso, por um ator com luvas de borracha, por um corredor estreito e escuro, revestido por tecido. No caminho, almofadas recheadas com tampinhas, esponjas, sacos de serragem, formavam desníveis a serem transpostos. Do teto pendiam fios de tule emaranhados, que se assemelhavam a teias de aranha. Ao final do corredor, o guia cobria a boca e o nariz do visitante com máscara cirúrgica e o introduzia num quarto escuro, com cheiro de éter e uma cama gigante que ocupava quase toda a sala. No centro da cama, de camisola branca, uma mulher deitada. Sentada à sua direita, uma mulher de preto que olhava fixamente cada um. Quando o último espectador entrava, o médico trancava a porta com um cadeado. Durante 75 minutos, o público assistia ao que se passava na mente da mulher, em processo de destruição e abandono. Preparado para atingir o inconsciente do espectador, Ostal não tratava a esquizofrenia como doença clínica mas como conseqüência inevitável do processo de adaptação social a que o indivíduo é submetido desde a infância. Havia uma salinha preparada para atender aos eventuais desmaios dos espectadores. Na sala, um alçapão se abria do teto para que descesse um casal nu que simulava um ato sexual; dois braços saíam da parede parecendo querer estrangular a paciente; depois de um blecaute ouviase do lado de fora do quarto uma violenta briga de casal; a mulher de preto imobilizava a mulher de branco e retirava de suas entranhas uma longa fita de gaze com que moldava uma boneca; a mulher de preto oferecia o seio à mulher de branco; a mulher de branco tocava cada um dos espectadores e em seguida se debatia contra as paredes. Não havia texto. No desfecho, através de uma janelinha, o público via uma longa mesa de jantar. Sobre as louças, a mulher de preto, despida, rolava. A mulher de branco contemplava uma foto em que se via sorrindo. Despia-se diante do público. Depois de um blecaute, a sala era iluminada e há apenas um varal com os figurinos estendidos.
A montagem ficou cinco anos em cartaz e recebeu prêmios como melhor espetáculo, melhor cenário e melhor produção de 1987. Fez uma temporada de dois meses na danceteria Estação Madame Satã, em São Paulo. O crítico Alberto Guzik, do Jornal da Tarde, São Paulo, publica em 20 de outubro de 1988: “Em 17 anos de crítica, nunca passei por uma experiência tão asfixiante quanto Ostal”; “O espectador tem a possibilidade de tornar-se testemunha de um projeto que leva (acho que pela primeira vez no Brasil) o teatro de Antonin Artaud às últimas conseqüências”. No final dos anos 80, a Terreira foi perdendo o caráter multicultural para se destinar especificamente ao teatro. Os integrantes que haviam participado da fundação do espaço se distanciam; por outro lado, as oficinas proporcionam um constante e intenso fluxo de pessoas que, diariamente, participam dos ensaios, dos trabalhos de carpintaria e adereços, confecção de figurinos, intervenções públicas, discussões conceituais, etc. Em 1988, nasce o projeto Caminho Para Um Teatro Popular cujo objetivo é “realizar um teatro político que sirva de instrumento de reflexão e conscientização social e de combate à colonização e massificação culturais”; “democratizar o espaço da arte, atuando nas ruas e atingindo um público que, por suas carências econômicas e culturais, está afastado das salas de espetáculo”. O projeto é aberto com o terceiro espetáculo de rua do grupo, A História do Homem que Lutou sem Conhecer seu Grande Inimigo (pernas de pau). Nos anos 90, entram em repertório Dança da Conquista, 1990; Deus Ajuda os Bão, 1991; Os três caminhos percorridos por Honório dos Anjos e dos Diabos e Se não tem pão comam bolo, 1993; Independência ou morte, 1995; A heroína da pindaíba, 1996. Dois anos depois, reestréia A Exceção e a Regra, de Brecht. Seguem-se A Saga de Canudos, 2000, e Antônio Brasileiro, 2008. Também em 1988, nasce o projeto Teatro Como Instrumento de Discussão Social, com o objetivo de levar as oficinas para a periferia da cidade e estimular, nos indivíduos, o autoconhecimento, a auto-estima e a capacidade criadora. As oficinas seriam também um veículo para a articulação política e cultural das comunidades. Paulo Albuquerque, então funcionário da Prefeitura e supervisor do projeto de Descentralização da Secretaria de Cultura, avalia que o resultado positivo “foi possível ser atingido muito em função da experiência desenvolvida pelo Ói Nóis nessa área” e acrescenta: “é um trabalho político, é uma ação que envolve realmente uma postura ideológica diante da sociedade, diante do mundo” (apud. Alencar, p.158).
A oficina na Vila Santa Rosa começa em 1990. Seis anos depois, o grupo formado neste processo conquista autonomia e começa a trabalhar como ResgatArt, atuando na constituição de um núcleo cultural na comunidade. Processo semelhante se deu na Restinga, bairro que concentra 10% da população de Porto Alegre, por ter recebido, na década de 60, os moradores de favelas removidas do centro. Ali se formaram, depois de quatro anos de oficina, o grupo Ars Longa Vita Brevis e a Comissão de Cultura da Restinga, que representa a comunidade e os artistas locais em instâncias públicas deliberativas. Em 1994, o grupo terá quatro localidades atendidas por oficinas contínuas. A partir de 2005 serão oito comunidades. Entre 1988 e 1990, o grupo se dedica à elaboração do novo espetáculo, com um processo de criação e pesquisa ainda mais radical. Durante este período, 25 pessoas trabalham. A partir dali, teria início uma nova linha de encenação, denominada Teatro de Vivência, que buscaria no ator contemporâneo a recriação mítica. Em fevereiro de 1990, estréia Antígona, Ritos de Paixão e Morte, com fragmentos de Sartre, Camus, Heiner Muller, Anais Nin, Edgar Allan Poe, Mallarmé, Hölderlin, Dante, Dostoievski, Elra Pound, Nietzsche, Lao Tse, Julian Beck e Artaud, para recontar e reviver o mito da mulher que quer enterrar seu irmão. No texto do programa, Paulina Nóbilos fala sobre a criação do mito dentro do processo:
...dias e noite inteiras de amor e guerra contra si mesmo e todos os outros inimigos possíveis existentes na memória e no coração. Tudo rompido, aberto e em sangue, como caberia virtualmente a um grupo que se determinasse a cumprir inteiramente o rito. (...) E despedaçados ou não resolvemos ver até onde iria este desgaste que se transformava em capacidade criativa. Você criava para além da exaustão, quando realmente sentia que o seu EU se desconstruía, porque não sentia mais emoções e sensações usuais, mas aquelas guardadas e totalmente impossibilitadas pela civilização moderna (...).
O objetivo da montagem era levar os espectadores a um estado onírico capaz de restituir-lhes os sentidos mais primitivos, diluir as fronteiras entre o consciente e o inconsciente. Com 25 cenas, três horas de duração e 50 espectadores por sessão, o espetáculo leva o público por cinco ambientes. Um dos princípios do Teatro de Vivência é tornar real o que era descrito ou aludido pelo texto. Marcada ao ritmo do bumbo, a batalha entre Tebas e Argos acontece no pátio, com Polinices e Etéocles em pernas de pau, atores lutam pelos telhados com espadas e escudos, descem por cordas, misturam-se ao público, andam sobre carretéis de fios elétricos como em carros de
guerra. No cenário do deserto, toneladas de areia cobrem o galpão. No lago, uma ponte móvel de madeira e cordas. Um praticável serve de fachada da corte e, em um monte elevado de terra, fica exposto o corpo de Polinices, esqueleto montado com crânio de gesso e ossos de boi. Quando decide enterrar sozinha o irmão, Antígona coloca um punhado de terra na mão de alguns espectadores. Creonte conclama todos ao Bacanal: em trinta minutos de dança, canto, bebida e jogos eróticos, os atuadores se insinuam ao público, oferecem uvas, castanhas, flores e vinho. Alguns espectadores vão embora, outros tiram a roupa e participam. Tirésias interrompe a orgia, acusando Creonte de profanação. O público é levado para uma choupana – sala revestida de juta e com cheiro de alfafa – onde o personagem do soldado, em cena criada pelo grupo, expõe sua ótica sobre o conflito. O espetáculo obtém unanimidade de crítica e sucesso de público, onze prêmios do Troféu Açorianos e do Troféu Quero-Quero: melhor espetáculo, direção, cenário, figurino e ator coadjuvante – Sérgio Etchichury como Tirésias – e atriz coadjuvante – Arlete Cunha. Alguns trechos publicados na imprensa, de críticos e espectadores, revelam o impacto da montagem: Até o final da peça, não se tem realmente idéia de quais são as dimensões físicas do lugar onde estamos (...) todos os recursos transportam o espectador para um teatro de caráter quase primevo, não muito distante de uma cerimônia religiosa. Sente-se a paixão e a fúria daqueles homens que viveram perto dos deuses. (Cyro Silviera Martins, Revista Zero Hora/Opinião do leitor – Ritual de Paixão e Fúria, 29 de abril de 1990) ...impactante, inventiva, reveladora e completamente conseqüente, (...) ninguém sai impune, ninguém vai esquecê-la. (Maristela Bairros Schmidt, Correio do Povo, 18 de março de 1990) ...foi uma revelação perturbadora. (...) Pela primeira vez em Porto Alegre me dei conta das inúmeras possibilidades do teatro como expressão dramática e desenvolvimento de linguagem. (...) Nunca uma peça me solicitou de uma forma tão radical e visceral. (Luis César Cozzatti, Zero Hora, 12 de abril de 1991) Com este trabalho, indiscutivelmente, o grupo Ói Nóis Aqui Traveiz coloca-se na vanguarda do teatro brasileiro, e estivesse no centro do país, seu espetáculo tornar-se-ia referência obrigatória. (Antônio Hohlfeldt, Jornal do Jockymann, março de 1990)
Na mesma linha de encenação se colocam: Missa para Atores e Público sobre a Paixão e o Nascimento de Dr. Fausto de acordo com o Espírito de Nosso Tempo, versão coletiva da peça de Goethe, 1994; Hamlet Máquina, 1999, e A Missão (lembrança
de uma revolução), 2006, ambas baseadas nas peças de Heiner Muller; Aos Que Virão Depois de Nós: Kassandra in Progress, 2002, criação coletiva.
A montagem sobre Fausto recebe sete prêmios em Porto Alegre. Os espetáculos de rua também são premiados, dentro e fora do estado. O grupo começa a viajar mais e a participar de festivais e mostras pelo país. Em 1995, o Ói Nóis Aqui Traveiz tem quatro espetáculos de rua em repertório e dois espetáculos na sede. Em 1996, estréia Álbum de Família, de Nelson Rodrigues, na sede, e A Heroína da Pindaíba, de Augusto Boal, na rua. A Terreira não pára: pode-se chegar lá a qualquer hora do dia ou da noite que há sempre gente trabalhando. Em época de montagem, há os que sequer vão para casa e varam os dias confeccionando máscaras minuciosamente elaboradas, cenários de pedra, estátuas de gesso; há os que estão sempre lendo, planejando e catando os colegas para mais um ensaio desta ou daquela cena; há os que ficam em trânsito, redigindo pedidos, conseguindo material, percorrendo sebos; há também os que apenas passam por uma ou duas experiências como atores. As etapas da trajetória do grupo foram se somando à sua personalidade artística: do teatro de vivência (1978) ao texto coletivo (1979); da casa-comunidade (1980) às primeira intervenções de rua (1981); da pesquisa sobre a experimentação cênica (1984) às apresentações na periferia da cidade (1988); das oficinas de teatro popular à encenação ritualística (1989), nada foi abandonado, tudo foi sendo incorporado. Sala e rua são duas facetas complementares do imaginário desta tribo que se quer tão política quanto existencial, tão coletiva quanto pessoal, tão combativa quanto poética. Em 1994, quando morre o proprietário da Terreira e o imóvel entra em inventário, o grupo encaminha à Câmara dos Vereadores uma proposta de projeto que torne a terreira uma área de preservação cultural. O prefeito solicita à Secretaria de governo uma averiguação sobre as possibilidades legais. O movimento sindical e comunitário respalda a defesa da Terreira como patrimônio histórico-cultural da cidade. A Associação dos Amigos da Terreira faz campanha que toma as ruas com o slogan “Defendo Território Cultural Terreira da Tribo – Ói Nóis Aqui Também”. São confeccionados adesivos, panfletos, camisetas e jornais informativos. O debate se instalou na I Conferência Municipal de Cultura. Em 1996, os herdeiros entram na justiça e pedem o imóvel. A Secretaria considera que o projeto caracteriza um privilégio. A Procuradoria Geral do Município emite parecer desfavorável, dizendo que “as atividades artísticas não são consideradas
pela Lei como de interesse social” (25 de agosto de 1994, Dra. Jacqueline de Couto e Silva). A Secretaria Municipal da Cultura indefere o pedido. A Associação recorre à Câmara Municipal e, numa segunda tribuna livre, obtém moção de apoio assinada por todas as bancadas endossando a solicitação de interferência do Poder Público para preservar a Terreira. Forma-se uma Comissão Externa para acompanhar o processo. Em relatório de 27/11/96, a comissão declara que os órgãos públicos de cultura “não examinaram concretamente os documentos apresentados pela Terreira da Tribo, e por isso não consideraram a relação implícita entre espaço e criação cultural que o Grupo desenvolve”. O vereador Antônio Hohlfeldt, relator da Comissão, acusa o prefeito de falta de vontade política. Semanalmente, o grupo se apresenta na rua enquanto alunos e simpatizantes passam um abaixo-assinado. Um ato-show reúne, no Largo Glênio Peres, milhares de pessoas. Grupos de teatro e bandas se apresentam em solidariedade. Intelectuais e artistas escrevem cartas. A Associação dos Amigos da Terreira encaminha projeto de criação do Centro Cultural de Experimentação Teatral e a compra do imóvel pela Prefeitura. O projeto é aprovado na Conferência Municipal de Cultura e por três vezes na Plenária do Orçamento Participativo da Região Centro. Em 1998, o grupo recebe uma ordem de despejo a ser executada em agosto. Membro do Conselho de Orçamento Participativo da Região Centro, a artista plástica Ana Rosário avalia as conseqüências da luta política do grupo para a cultura da cidade. Este ano houve uma mudança muito importante do Orçamento Participativo graças à Terreira. (...) Dentro da Região, a Cultura disputava espaços com os postes de luz e esgoto. Como ela estava fortalecida nesse movimento, pudemos exigir que ela saísse da ‘Organização da Cidade’. Hoje ela é Tema e tem sua própria verba. Até então não se discutia nada de cultura dentro do COP. A Terreira criou essa dinâmica, fazendo com que a cultura passasse a ser vista com outros olhos. (apud. Alencar, p.250)
Os anos de 1997 a 1999 foram os mais duros na história dos atuadores. Antes mesmo de ser desalojada, a tribo enfrentou a ira dos novos proprietários do imóvel que impuseram um aumento contínuo no valor do aluguel, que chegou, segundo os cálculos dos atuadores, a um valor três vezes maior que o preço de mercado. Endividada e sem repertório, a tribo tinha muito a pagar e quase nada a receber. O que faz com que um grupo se desfaça? O que faz com que não se desfaça? E como continua a ser ele mesmo
quando já não pode ser o mesmo? Estas questões, que permearam a ação dos atuadores durante aqueles anos, tiveram resposta na continuidade do dia a dia. Em 1997, com A Morte e a Donzela, de Ariel Dorfman, o Ói Nóis comemora 20 anos contando a história da mulher que reconhece, no homem que visita sua casa, o torturador de seus dias de cárcere. Do grupo, estão em cena apenas Paulo Flores e Tânia Farias. Em fevereiro de 1998, A Heroína da Pindaíba se apresenta em São Paulo, na I Mostra Brasileira de Teatro de Grupo e no III Encontro Brasileiro de Teatro de Grupo, movimento de que participa desde o começo da década de 90. No mesmo ano, lança o livro de Sandra Alencar, Atuadores da Paixão. Em março, a FUNARTE anuncia os vencedores do Projeto Cena Aberta, da FUNARTE, que designou, a 13 grupos brasileiros, verba para montagem e para formação de jovens. O prêmio salva o Ói Nóis da paralisia: durante aquele ano, os atuadores trabalham em nova montagem de A Exceção e a Regra, que estréia em setembro, faz quatro leituras públicas de peças de Brecht, produz um seminário sobre o dramaturgo, realiza seis oficinas, paga suas dívidas. Às portas de sair do espaço que ocupara por doze anos, nasce o projeto do espetáculo A Saga de Canudos, para tratar da luta pela terra e do território cultural. O Ói Nóis Aqui Traveiz percorrera todas as instâncias de organização social a seu alcance e em todas elas recebera apoio e parecer favorável, que fornecia ao poder público instrumento para uma ação oficial que se responderia, assim, a uma mobilização popular e legal que apagasse qualquer possibilidade de alegação de favoritismo. Tal estratégia se baseara na hipótese – ou na expectativa – de que um governo de esquerda (em Porto Alegre a Prefeitura esteve com o Partido dos Trabalhadores de 1988 a 2004) teria como meta principal a democratização dos meios e modos de produção, incluindo aí a cultura. A resposta a esta decepção política veio com a encenação que marcou a despedida da sede: Hamlet Máquina, último espetáculo apresentado na Terreira da rua José do Patrocínio, um mês antes de ser cumprida a ordem de despejo, ressalta a visão crítica sobre a esquerda. Sobre a encenação, Antonio Hohlfeldt escreve:
Na verdade, a obra de Heiner Müller não é (...) senão a expressão de um sentimento de frustração e de derrota de quem, acreditando, ao longo de décadas, em determinados valores, via que a maneira pela qual eles haviam se transformado em práxis política-administrativa estava absolutamente equivocada e redundara em fracasso. Incomodava ao homem de esquerda ver que seus companheiros haviam se equivocado. A melhor metáfora deste sentimento, no espetáculo (...), é uma das cenas finais quando, nos vídeos de
televisão, aparece a figura de Stálin, morto, e as três atrizes, nuas, desfilam portando cabeças gigantescas de Marx, Lênin e Mao: a ambigüidade da retórica racional esvaziada (das cabeças), com a possibilidade de se “parir” um novo socialismo (nos ventres e vaginas constantemente indicados pelas atrizes em seu estranho balé, partes do corpo feminino que produzem o “novo”). (“Denúncia Atualizada de Heiner Müller”, Jornal do
Comércio, Porto Alegre, 13 de agosto de 1999) Um mês depois do despejo, o grupo se instala na rua Dr. João Inácio 981. Já não é um bairro boêmio nem central, mas afastado da vida noturna e voltado para a indústria. Não há ali um pátio nem espaços diversificados. Em relação à sede anterior, onde o Ói Nóis fundou e solidificou suas bases, a nova sede representa uma clara limitação física e social. Mas é ali que seu projeto pedagógico se consolida na Escola de Teatro Popular.
Às oficinas contínuas – Teatro de Rua, Teatro Como Instrumento
de Discussão Social e Teatro Livre – vem agregar-se a Oficina para Formação de Atores, com duração de um ano, grade curricular com 5 horas diárias de aulas teóricas e práticas, montagem de conclusão de curso e, como as demais oficinas, gratuidade a todos os alunos. No ano 2000, o grupo participa do 14º Entepola, Encontro de Teatro Popular Latinoamericano, com a nova versão de A Exceção e a Regra. O seminário Teatro Aqui e Agora inaugura oficialmente a sede – com os painéis Teatro de Rua, Teatro Antropológico, Teatro Brasileiro, Artaud e o Teatro da Crueldade – aberta ao público em 31 de julho de 2000 com os espetáculos em repertório e a Escola de Teatro Popular. Em setembro de 2000 estréia A Saga de Canudos, que circula por diversas cidades, estados e países, sendo o espetáculo com que o grupo realiza o maior número de apresentações, permanecendo em repertório até 2007. Em 2001, estréia Kassandra in Progress: A Gênese, inspirado no livro de Christa Wolf. Em 2002, o grupo realiza, na sede, o seminário Presença do Ator, que leva a Porto Alegre José Celso Martinez Correa, Carlos Simioni e Luis Carlos Vasconcelos. Canudos se apresenta no Festival de Curitiba, na 10ª Mostra de Teatro de Rua de Porto Alegre, e em 16 cidades de Santa Catarina pelo Projeto Palco Giratório, do Sesc, totalizando cerca de 50 apresentações. No debate que se segue à apresentação do espetáculo na cidade de Tubarão, Tânia Farias responde a um jornalista que pergunta se a mudança política do país muda a linguagem cênica e a proposta política do grupo.
... o Ói Nóis optou por mostrar Canudos por essa ótica. A ótica dos vencidos. Que a gente não aprende no colégio. A gente aprende os feitos dos
grandes senhores, dos heróis, que são esses carniceiros, esses assassinos. Mas a gente não aprende a história desses líderes populares tão importantes como foi Antônio Conselheiro. A gente passa no colégio e sabe que houve um louco no sertão. Mentira! Houve uma sociedade alternativa, as crianças tinham escola, tinha comida, porque havia o uso coletivo da terra, havia solidariedade. Esses valores eram mais importantes que o dinheiro, eles mostraram que é possível mudar, coletivamente.(Diário de Bordo, p. 36/37)
Com estes dois espetáculos, o grupo permanece em circulação durante cinco anos, enquanto prepara uma nova encenação. Em 2006, estréia A Missão (lembrança de uma revolução), a partir do texto de Heiner Muller, e lança o primeiro número da revista Cavalo Louco. Começa a gestação de um espetáculo sobre Marighela. Entre 2005 e 2007, realizo junto ao grupo a pesquisa de campo para uma tese de doutorado sobre autoria coletiva. Neste período, ocorre ali uma mudança estrutural: o grupo que nunca conhecera nenhum tipo de subsídio ou parceria de continuidade, obtém o patrocínio da Petrobrás. Inicialmente, ele se limita às atividades e estrutura da Escola de Teatro Popular. Depois, se estende, sempre em caráter periódico, a todo o funcionamento e estrutura de produção do grupo e seus projetos. O patrocínio levou o grupo a uma situação estável, permitiu definir um núcleo de atuadores e vinculá-los ao projeto, fornecendo pela primeira vez a garantia de um salário pelo período de um ano. Este respiro, que dinamizou o trabalho em seus diversos níveis e áreas de atuação, não mudou sobre opinião a respeito das leis de incentivo: o grupo é contra a política cultural que obriga o artista a se vincular ao nome de uma empresa para realizar seu trabalho. Em diversas ocasiões vem manifestando sua posição, inclusive nas ações organizadas dos grupos de teatro a nível nacional. Questiona também o uso do dinheiro público, cujo benefício deveria, em sua opinião, reverter em democratização do acesso à cultura. É desta forma que eles entendem seu papel em uma política da qual divergem: a verba, fornecida à empresa pelo governo na forma de isenção fiscal, é revertida em oficinas e apresentações gratuitas. O que, sublinhe-se, já era feito muito antes da invenção das leis de incentivo. O ano de 2007 repete a nuvem negra de dez anos antes. São três notícias acachapantes que se seguem em curto intervalo de tempo. O autor do texto que dera origem a A Saga de Canudos – e que, como em montagens anteriores do grupo, autorizara informalmente seu uso – exige o pagamento retroativo dos direitos autorais. O galpão que a Prefeitura de Porto Alegre havia prometido verbalmente conceder ao uso do grupo se mostra indisponível. O proprietário da sede comunica que vendeu o
imóvel e que o grupo deve desocupá-lo. Quase que a um só tempo, todos os projetos se vêem ameaçados: sem espaço e sem produto para a rua, sobrariam apenas as oficinas dos bairros. Em 2007, grupos de teatro reunidos na sede do Ói Nóis, por ocasião do encontro anual do Redemoinho (Rede
Brasileira de Espaços de Criação,
Compartilhamento e Pesquisa Teatral), elaboram um documento chamando o poder público gaúcho à responsabilidade de ceder ao grupo um espaço. Como já havia acontecido em outros momentos de sua trajetória balzaquiana, o grupo enfrenta a escuridão com trabalho. Fecha-se em uma maratona criativa e faz a gestação de novos textos para o espetáculo sobre Antônio Conselheiro, descartando inteiramente todos os resquícios da peça protegida pela lei da propriedade. Dá continuidade às oficinas e conclui o longo processo de criação de um novo espetáculo de rua, em homenagem ao líder revolucionário Carlos Mariguella. Assim, no ano de 2008, leva dois novos espetáculos ao espaço público: Antônio Brasileiro e Amargo Santo da Purificação, ambos de autoria coletiva. No mesmo ano, assina com a Prefeitura a cessão de um imóvel na Cidade Baixa. Nos anos seguintes – e até hoje – o grupo se debate com o problema de ocupar ativamente um terreno sem muros nem cerca, sem teto nem alicerces, sem canos nem fiação. Apenas uma área, enfim. Ali se realiza, ainda em 2008, o evento de comemoração de seu trigésimo aniversário, que inclui um seminário de três dias e o novo espetáculo sobre Canudos. Deslocando verbas de seus projetos, cerca com tapumes, improvisa instalações de luz e compra uma lona grande o suficiente para ser dividida em área cênica, platéia e camarim. A solução, que envolve mais de 50 mil reais, é provisória: os tapumes apodrecem, a lona está fadada ao desgaste e, nos tempos de frio, a umidade sobe pela areia que cobre o chão. Além disso, o espaço não pode abrigar a maioria das atividades – e o grupo não escapa de um novo aluguel. No final de 2008, um outro galpão passa a sediar a nova Terreira – localizado no mesmo bairro, porém mais amplo, mais próximo do centro da cidade e mais caro. No ano seguinte, a empresa que patrocinara o grupo por dois anos não renova o contrato. Graças aos projetos de circulação, que o mantém, no primeiro semestre, em viagens pelo país, o grupo consegue manter suas atividades e seus dois espaços: a Terreira e o Território Cultural.
PEDAGOGIA DO COLETIVO
O projeto do Ói Nóis Aqui Traveiz não se localiza apenas na cena, mas na construção de uma sociedade ideal que, no século XXI, parece ainda mais utópica do que há trinta anos atrás, o que faz com que o “Ói Nóis” coloque a formação do indivíduo lado a lado com a formação do ator. A casa que serve como sede representa um teto livre tanto dos limites das salas de espetáculos, sua arquitetura, seus critérios de pauta, sua base de relação com o público, quanto dos limites de outros tetos sociais que abafam o indivíduo. A sede, deste ponto de vista, funciona como um imenso tubo de ensaio, onde qualquer indivíduo pode entrar e se defrontar consigo mesmo, escolher seu espaço, cultivar suas relações de trabalho e afeto, optar sobre sua dedicação, aprender o que deseja. Antes mesmo da fundação da Escola de Teatro Popular, a vertente pedagógica do grupo vinha se consolidando em diversas linhas, que se distinguem entre si pelo material que oferecem à manipulação e ao conhecimento do aluno, ao mesmo tempo em que se caracterizam pelos mesmos princípios éticos e metodológicos. Se existe uma linha de interpretação do grupo, ela nasce deste processo de criação que propõe a vivência integral e visceral do papel. Ela nasce também da disposição do ator em ultrapassar limites físicos, sociais, morais, em desnudar-se, cobrir-se de tinta, arrastar-se na lama, montar o cenário, costurar o figurino, conectar fios de luz. Neste processo, a transmissão de conhecimento não se dá de forma unidirecional, mas como experiência compartilhada no objetivo de construir junto. A Escola de Teatro Popular da Terreira da Tribo funciona na sede do grupo e oferece oficinas de iniciação teatral, pesquisa de linguagem, formação e treinamento de atores. A Oficina para Formação de Atores, composta por aulas diárias, teóricas e práticas, com duração de 18 meses, busca através da construção do conhecimento favorecer a emergência do artista competente não apenas no desempenho de seu ofício, mas também no seu desenvolvimento como cidadão.
O programa começa com o
autoconhecimento do ator, passa para a etapa do reconhecimento (ênfase na construção de personagem), para o jogo teatral (ênfase na situação dramática), chegando, por fim, à encenação. Totaliza 1.300 horas/aula. A Oficina de Teatro de Rua aborda os princípios básicos do teatro político e popular com a perspectiva que a rua seja palco de um teatro que se assuma como um
constante repensar da sociedade, motivando uma releitura da vida cotidiana. Investiga o movimento, o gesto e a voz para a ampliação do corpo do ator e a ocupação do espaço urbano. Experimenta diferentes linguagens para o desenvolvimento de personagens, situações, fábulas. Utiliza recursos plásticos e musicais que auxiliam a criação poética da cena na rua: máscaras e bonecos de grandes proporções, pernas de pau e música, canto, dança, figurinos e adereços criativos e coloridos. Em três encontros semanais, com total de 432 horas, os objetivos do programa são:
1. Promover condições favoráveis ao desenvolvimento da criatividade espontânea e expressiva, crítica e ressignificante do corpo, a partir da organização de uma vivência teatral de grupo. 2. Investir nos elementos e recursos plásticos e musicais que auxiliam a criação poética da cena, utilizando os princípios básicos do teatro popular e de rua a partir de jogos dramáticos, expressão corporal e improvisação. 3. Investigar o movimento, o gesto, a atividade mimética do ato físico no jogo dramático, proporcionando experimentação de linguagens para o desenvolvimento de personagens, situações, fábulas. 4. Intensificar a dinâmica teatral do corpo, através de exercícios de desinibição, sensibilização, musicalidade, expressividade e coordenação rítmica, aliados a jogos de inter-relacionamento dramático 5. Ativar padrões não-cotidianos de comunicação a partir de signos teatrais específicos, com ênfase na pesquisa de sons e movimentos expressivos, próprios para a estilização de ações, gestos, cantos e danças. 6. Reforçar a visão crítica das questões pertinentes à contracenação dramática, desde a valorização conseqüente do material cênico, da disposição do espaço e do tempo, da disponibilidade do corpo, da intencionalidade do gesto, etc. A Oficina de Teatro Livre, com um encontro semanal, utiliza-se de jogos dramáticos, expressão corporal e improvisações para estimular o interesse pelo teatro e a busca da descolonização corporal do artista/cidadão. Não é necessário fazer inscrição: basta comparecer. Por não ser seqüencial, admite-se a entrada do interessado a qualquer momento, o que proporciona um fluxo constante de pessoas anônimas e sem nenhum pré-requisito de formação. Suas atividades portanto não são cumulativas. A aula começa com um círculo, de onde partem os exercícios de aquecimento que variam do lúdico ao físico, do técnico ao exaustivo, do individual ao interativo. Anulando a comunicação verbal, o aquecimento convida os participantes a serem corpos que agem em um
“anonimato-cúmplice”, como define a pesquisadora e ex-aluna da Escola de Teatro Popular, Magdalena Sophia Ribeiro de Toledo:
Os exercícios de aquecimento propostos, em muitos momentos, acabam gerando situações de intensa cumplicidade entre os participantes das oficinas. Não se trata apenas de interações corporais diretas, mas de busca e interação de olhares (...), de respirações (...), etc. Os movimentos de cada participante devem manter uma interação profunda com os movimentos dos outros (...). Um exemplo é um exercício em que caminha-se exaustivamente pela sala, cada qual na direção que deseja, mas tomando cuidado para não esbarrar em ninguém, ou seja, percebendo o outro. (...) Após muito tempo de caminhada, que deve ocorrer num ritmo comum, o professor solicita que cada dois corpos juntem-se aleatoriamente no espaço, e esta dupla, muitas vezes de pessoas que nem se conhecem, realizará um exercício de forte interação corporal e, após, trabalhará junta na montagem do esquete. (Toledo, 2004: 28/29) Depois de duas horas de exercício, a turma se divide em pequenos grupos para as improvisações. A aula termina com novo círculo, onde se discutem e avaliam as experiências do dia. Ali se discute a ética no exercício do trabalho do ator e sua função junto à sociedade. E, na prática do oficineiro, evidencia-se também uma ética pedagógica baseada, entre outros aspectos, na eliminação de toda atitude autoritária e de toda avaliação baseada na adjetivação depreciativa do desempenho do aluno. O que se discute a partir das cenas é antes a sua concepção, sua faculdade de aguçar o olhar crítico ou de reforçar preconceitos. Toledo sublinha que a formação do atuador nega a idéia do artista como atributo pessoal inato e afirma a construção diária e perene do aprendizado. Ela associa a pedagogia da escola à direção coletiva, que rejeita a fragmentação do trabalho e a hierarquia de tarefas. Pressupõe-se que o trabalho coletivo dissolva a noção de artista enquanto gênio, uma vez que ninguém está, a princípio, apto a impor uma concepção de cena, por exemplo, a outra pessoa. Ela deverá ser construída em conjunto, visto que todos os integrantes do grupo devem se apropriar da mesma e são considerados igualmente aptos a julgá-la, tendo o dever de ajudar a construí-la. Assim, o caráter coletivo, em detrimento do individual, é sempre ressaltado. (p.7) Na Oficina de Formação de Atores, as aulas se constituem como processos criativos cujo principal objetivo é desenvolver o espírito de trabalho coletivo em um
ambiente de contínuas descobertas, renovar as percepções e valorizar o espaço, o outro, a linguagem, o gestual e suas depurações. Na linha pedagógica adotada pelo grupo, o ato de representar deve ser o resultado de um processo e não uma imposição de formas. No projeto da Escola de Teatro Popular, a Tribo declara:
Pensamos que a tarefa de subsidiar essa formação deve ser empreendida em seu sentido mais amplo, não só da perspectiva de um embasamento técnico-prático-teórico, mas também das possibilidades de desenvolvimento global artístico e humano dos alunos/oficinandos (...) para estar a serviço da construção de uma sociedade justa e solidária (...). Num mundo onde as imagens prevalecem sobre as palavras, onde cada vez é mais difícil a formação crítica e consciente das pessoas, já que a educação pública formal vem se deteriorando de forma assustadora, é necessário garantir a existência da palavra e do pensamento.
OFICINA PARA FORMAÇÃO DE ATORES Disciplina Interpretação
Carga semanal 9 horas
Improvisação
4 horas
Expressão Corporal
3 horas
Expressão vocal
2 horas
História do Teatro Brasileiro
2 horas
Teoria e História do Teatro Ocidental História do Pensamento Político
3 horas
2 horas
Programa O Ator e suas possibilidades. Aproximação ao personagem. Movimentos da cena. Ação física, ação da emoção e ação da sensação. Motivação, subtexto, inter-relação. Objetivo. O personagem pelo interior, o personagem pelo exterior. Estilo pessoal. Exposição versus revelação. Movimento, gesto, atividade mimética do ato físico do jogo. Linguagens e conceitos estéticos. Situações e fábulas. O imprevisto da ação humana. O espaço do inconsciente e o desenvolvimento da intuição. Conexão entre imaginário e realidade. Liberação do gesto, da fala e das sonoridades. Expressão individual e grupal. Interação do grupo. Práticas lúdicas, jogos e dramaturgização. O inconsciente no corpo. Consciência corporal (avaliação de facilidades e bloqueios) Regras anatômicas universais. Observação do outro e relacionamento. Vocabulário expressivo, criatividade e busca de superação das dificuldades conscientizadas. Análise de adequação do corpo do ator às necessidades expressivas dos personagens, arquétipos ou símbolos teatrais. A revelação do inconsciente humano através de um processo consciente. Descoberta do potencial vocal e sua utilização consciente. Respiração, dicção e colocação vocal. Pontos de ressonância corporal. Canto e fala. Texto, estilo de criação e interpretação. Estudo das relações teatro-sociedade ao longo da história e da realidade brasileiras. Discussão sobre o Teatro Brasileiro contemporâneo. Subsídios para a compreensão e interpretação do fenômeno cênico. O teatro no contexto das condições sócio-políticas e na inter-relação com outras áreas do conhecimento humano. Estudo da História das Sociedades. Correntes do pensamento político e os processos históricos de sua construção. A História como instrumento de uma consciência crítica e de transformação do presente.
Coordenador Paulo Flores (módulo A) Tânia Farias (módulo B)
Clélio Cardoso
Tânia Farias
Leonor Melo
Paulo Flores
Paulina Nólibos
Clarice Falcão
Em bairros da periferia de Porto Alegre, a Escola de Teatro Popular desenvolve o projeto Teatro Como Instrumento de Discussão Social, com oficinas que fomentam a criação de grupos culturais nas comunidades. Em 2008, sete bairros são contemplados:
Humaitá, Bom Jesus, Restinga, Glória, Partenon, Parque dos Maias e Ermo (município de Guaíba). Anualmente, todas as oficinas se reúnem para uma troca de trabalhos denominada Oficinão, com exercícios e jogos cênicos, apresentação de cenas e debate sobre as experiências de cada bairro. O pesquisador Rafael Vecchio entrevista os alunos sobre a função do teatro. Na resposta, há os que falam do aprendizado pessoal: brincar; perder a vergonha de se expor; expressar melhor as idéias e defendê-las; aprender com as opiniões contrárias. Há os que ressaltam a formação do pensamento político, com respostas sobre a possibilidade de: tirar o indivíduo do senso comum; refletir sobre a realidade e representá-la de forma diferente; questionar as idéias que costumam ser aceitas como verdade, descobrir as origens das idéias a que os indivíduos são subordinados;
fazer do corpo e
do pensamento meios de
expressão do
descontentamento, da vida e da discussão social; transformar o indivíduo e o grupo. E há ainda os que tratam da relação com o público: divertir e conscientizar; mostrar o que está errado; levar idéias diferentes que o façam pensar e discutir a atualidade.
PROCESSO DE CRIAÇÃO
Na Terreira se empreendem encenações experimentais em todos os aspectos. Na linha de encenação nomeada como Teatro de Vivência, os atuadores utilizam toda a sede, criando ambientes cenográficos de 360 graus. Não se estabelece lugar para o espectador, posicionando-o dentro da ação, deslocando-o por espaços de tal maneira transmutados que ele perde a noção do local por onde entrou depois de subir escadas, atravessar pontes, entrar em grutas. Cada espetáculo tem, na leitura dos atuadores, um ponto-de-vista temático, colocando em cena uma questão controvertida e, normalmente, incômoda, basta ver seus autores preferidos: Arrabal, Genet, Beckett, Brecht, Goethe, Heiner Muller. A versão sobre o Fausto, por exemplo, substitui a aposta entre Deus e o Diabo por uma cena feita com bonecos: sobre uma carroça, em uma praça medieval, apresentase a versão oficial e católica como uma deturpação da história verdadeira, que se inicia na cena seguinte, quando o público é convidado a entrar no gabinete de Fausto. Segundo o crítico alemão Friedrich Dieckmann, que escreveu cerca de 14 páginas sobre a montagem, comentando-a cena a cena,
... o grupo recapitula o olhar do próprio Goethe sobre a matéria, garantindo-lhe assim um acesso novo e independente: ele encena Goethe para contradizer a interpretação ideológica da história. Isso esclarece de forma 2 incomum o caráter oposicionista da própria peça canonizada.
A escolha do texto de Goethe se deve à sua vocação para tematizar o desejo libertário contra a rigidez do pensamento hegemônico. A encenação, mais do que recapitular o olhar do autor, reafirma a ideologia do próprio grupo e sua oposição a toda espécie de hegemonia, esteja ela metaforizada na rebeldia de Antígona, de Fausto ou de Cassandra. O trabalho de rua tem linguagem bastante diversa. O grupo adapta textos brasileiros da década de 60, ligados ao teatro ideológico de esquerda, como Deus Ajuda os Bão, de Arnaldo Jabor, 1991, Os Três Caminhos Percorridos por Honório dos Anjos e dos Diabos, de João Siqueira, 1993, e A Heroína da Pindaíba, de Augusto Boal, 1996. Nestes espetáculos, substitui a estranheza e a distorção formal dos espetáculos da sede pela clareza e pela comunicabilidade das formas populares: máscaras, pernas de pau, bonecos gigantes, músicas tocadas e cantadas pelos atores. Na rua, há também espetáculos de dramaturgia própria: Dança da Conquista, 1990, Se Não Tem Pão Comam Bolo, 1993, e Independência ou Morte, 1995, tratam dos excluídos da História: os índios, tipo-símbolo favorito do grupo, os pobres, os revolucionários malogrados pela repressão e pelo conservadorismo. Na abordagem dos atuadores, os representantes do poder transitam entre malvados terríveis e ridículos extravagantes. Em Dança da Conquista, os atores levam para a rua a recriação de um ritual indígena pelos remanescentes de um massacre, que vêm para contar, com sua língua própria, suas danças e representações, a história do índio brasileiro. Tendo partido de um texto (Morte aos Brancos, de César Vieira), o grupo preferiu usá-lo como inspiração para uma outra história. Com poucas palavras, construindo uma linguagem de rua ímpar em seu quase simbolismo, o espetáculo confronta o coletivo-protagonista e as instituições. Em outros dois trabalhos o grupo parte exclusivamente de um tema: em Se Não Tem Pão Comam Bolo dois casais provenientes do circo chegam às ruas da cidade para contar a história de Maria Antonieta; em Independência ou Morte os atores representam a história da independência brasileira, que parte do ritual de uma
2
Dieckmann, A Casa de Fausto Sob o Signo do Cruzeiro do Sul. 1994. Tradução do Instituto Goethe de Porto Alegre, 1995.
índia e termina com um Tiradentes cômico, que segura a própria cabeça nas mãos e reclama da usurpação do ideal de liberdade. No exercício destes espetáculos, os atuadores alternam a ritualidade poética e a exaltação dos excluídos com a sátira política e a abordagem crítica do poder. A provocação ao espectador, a descontinuidade narrativa, a desconstrução do corpo e da voz se reservam aos espetáculos da sede. Se na rua via de regra os atuadores revisitam tradições populares, na Terreira eles preparam concepções cênicas à luz das teorias da encenação moderna. O exercício da direção coletiva começa a ser praticado desde as oficinas. O processo se distribui ao longo dos meses. A turma, em seus encontros diários, parte de técnicas físicas, textos teóricos e exercícios de improvisação até entrar em contato com o texto. Escolhido o texto que servirá de base para a montagem, todas as disciplinas convergem para este material. Antes da prática, a turma lê, discute, recebe textos de apoio, conversa, começa a cortar e selecionar cenas. Paralelamente, estuda gêneros, que passam pelo naturalismo e pela tipificação. Cria cenas a partir da construção física de um personagem. Depois começa a experimentar estes percursos com o texto. Este processo é acompanhado por coordenadores cujo papel se diferencia nitidamente daquele de um diretor de espetáculo, uma vez que não cabe a eles orientar as cenas, apenas organizar o trabalho. No momento da discussão, quando os alunos dão suas impressões sobre as cenas dos colegas, eles também opinam. Independente da especificidade do conteúdo, todas as disciplinas trabalham com o mesmo princípio metodológico: o que o colega tem a dizer é tão importante quanto o que diz o professor. O aluno deve ser responsável pelo aprendizado do outro, observando e contribuindo com o que vê. De outro lado, deve aprender a ouvir e a dar importância ao que o outro tem a acrescentar. Estas duas vias se completam no exercício que gera a criação coletiva e a direção coletiva como método formador. Na parte final da montagem, entram a construção do espaço cenográfico, os figurinos e demais elementos de cena. E, na preparação para a apresentação, questões ligadas à ética da relação com o público: limpar e arrumar a casa para receber amigos. A criação dos espetáculos segue um método semelhante. Em linhas gerais, podemos identificar que os seguintes procedimentos permanecem: - o texto é discutido coletivamente, cena a cena, fala a fala - buscam-se textos de apoio em todas as áreas - o grupo se detém nos pontos polêmicos e poucos claros para aprofundar sua visão
- elaboram-se cenas temáticas, voltadas para as questões debatidas, em que se busca a relação entre a realidade do grupo e a visão que se pretende imprimir ao texto - selecionam-se outros materiais literários, musicais, imagéticos para a nova narrativa - fazem-se experiências práticas com cenas e personagens - inicia-se paralelamente o processo de concepção cenográfica e a roteirização do espetáculo - os atores fazem exercícios práticos livres e cenas do texto - o grupo escolhe o ator de cada personagem - iniciam-se os ensaios que envolvem simultaneamente pesquisa formal, pesquisa temática, improvisação e concepção cênica. Mesmo quando a montagem não parte de um texto mas de um tema, há sempre uma referência literária central de apoio, como no caso do espetáculo sobre Marighela, que se baseou inicialmente na biografia publicada do líder revolucionário. Da mesma maneira que os alunos da oficina devem entrar em entendimentos constantes sobre a concepção e a encenação do exercício, os atuadores elaboram cada decisão a partir das discussões que travam ao longo do processo. Em dado momento do processo de A Missão, por exemplo, criou-se um “dever de casa” que consistia em elaborar um roteiro para o espetáculo. Cada um deveria propor os cenários, os deslocamentos, a situação e a ação central de cada cena. O trabalho serve para levantar propostas e identificar as idéias que melhor sintetizam a visão do grupo. Enquanto uma cena está em processo, os atuadores improvisam ou propõem ações ao colega para serem experimentadas. Desenvolvem assim um modo de trabalho em que o ator se observa e observa o outro no ato mesmo de fazer. A entrega vivencial à improvisação – aquela que levanta materiais brutos – tem momento certo para acontecer, em laboratórios destinados a esta finalidade, no início do processo. Nas cenas que reúnem todo o elenco, todos os atuadores são simultaneamente atores e diretores de si mesmos e dos outros. Por isso a proposta de não interromper o fluxo e a necessidade de conversar ao final. O processo para A Missão começou em junho de 2005. Em seguida, houve uma pausa durante a qual o grupo reapresentou Kassandra, organizou um seminário, cuidou de outros projetos. Só em outubro se realizou finalmente uma reunião para decidir quem ia participar e planejar o calendário da montagem. No entanto, mesmo durante a interrupção, os atuadores continuam pensando e discutindo a concepção entre si, uma vez que se encontram diariamente.
O método de criação visa antes de tudo abrir o leque das possibilidades de leitura para escolher um ponto de vista, criar um pensamento em torno do texto ou do tema que será objeto de sua investida criativa. “É extremamente importante pra gente construir uma unidade de pensamento, mesmo que essa unidade seja na diversidade”, diz Carla Moura, quando a entrevisto durante o processo. Esta “unidade de pensamento” seria antes uma questão em comum, um mesmo arcabouço que revestirá a diversidade de pontos de vista. Na segunda fase, que consiste em buscar as divergências, verbal e corporalmente, o processo chama a subjetividade de todos os atores, para encontrar a relação do grupo e de cada participante com a idéia. Eles procuram o seu lugar dentro do texto e ao mesmo tempo trazem o texto para a realidade atual. Em A Missão, os personagens de Heiner Muller sugerem que não fazer parte da revolução significa estar conivente com a escravidão, com a injustiça social, com a miséria... No processo de criação, os atuadores se entendem como revolucionários ou, pelo menos, como artistas e cidadãos responsáveis por recriar a idéia de revolução, proposta em novas bases. Pergunto a Carla Moura se estas diferenças que deflagram e alimentam a criação são levadas até a cena, quer dizer, se permanecem como conflito na forma do espetáculo ou se em algum momento se trabalha para o consenso. Ela responde que os atuadores buscam convergir mas que o consenso lhe soa como uma abstração: “não sei nem imaginar o que é isso de consenso total”. A idéia parece verdadeira para toda situação em que existem diferenças: o consenso geralmente significa um acordo para finalizar o conflito e seguir adiante sem que as divergências tenham sido eliminadas. No Ói Nóis Aqui Traveiz confrontar e, no processo, encenar as diferenças parece mais interessante do que ocultá-las sob um aparente ou circunstancial consenso. Se a finalização da forma para a apresentação do espetáculo não estanca o conflito, o responsável por este trabalho de suspensão do embate e da escolha final sobre qualquer elemento do espetáculo continua sendo o coletivo. “Transformador é o processo”, diz Tânia Farias. O mesmo sistema de criação é utilizado nas oficinas. A cada ano, as oficinas se dedicam à encenação de um texto. O processo de criação se inicia com a criação de cenas que são submetidas à apreciação do grupo. A discussão política é acionada pelo oficineiro que, em certo momento do debate sobre algum trecho submetido à improvisação, pergunta: “qual é a mensagem que o autor está querendo passar?” A pergunta propicia a reflexão e o debate sobre as questões apresentadas pelo autor. O oficineiro instiga os mais quietos a participar, pedindo sua opinião.
O atuador Renan Leandro explica que isso acontece porque as pessoas não são habitualmente instigadas a pensar, criar e propor: “as coisas são assim e assim serão, é o que nos dizem. E isso se reflete na garotada, que tem dificuldade para falar” (p.100). No processo de discussão, criação e montagem, todos devem formar e manifestar sua opinião a respeito do trabalho que se desenvolve. O objetivo das ações do Ói Nóis nas oficinas consiste em desalienar o indivíduo, fazendo com que ele se afirme, se expresse livremente, desenvolva sua energia física e espiritual, trabalhe a partir de sua vontade.
À medida que as questões lançadas vão sendo respondidas e as intenções do autor partilhadas, a discussão é centrada na importância em manter o foco na mensagem política, o que significa: a introdução de novos elementos na cena não pode atrapalhar o entendimento da proposta do texto; a dramatização deve buscar auxiliar no entendimento dos objetivos da peça. (Vecchio, p.84) Cada vez que um trecho do texto é novamente encenado e recriado, novas idéias surgem, são colocadas à prova, e acrescentadas ou não à matriz anterior. Vecchio descreve o processo de encenação como “idéias em cascata”. A título de exemplo, o autor descreve um momento do processo: ... um dos oficinandos sugere compor um dos trechos musicalmente. Em seguida, trompetes, violinos, violoncelos, vários tipos de percussão são imaginados e colocados a teste. Backing vocals, gritos, coral, soluços, ritmos repentistas e do regionalismo também são tentados. E se experimenta. E se descarta. E se propõe outra coisa. E se ensaia de novo. E se repete mais uma vez. Nenhuma encenação é igual à outra, há sempre algo a acrescentar, a alterar, a rever, até que se entenda que foi alcançada uma dramatização adequada aos objetivos do texto. (p.91) Vecchio ressalta que as decisões acerca do que vai ou não ser mantido na encenação são tomadas em conjunto. A diversidade de opiniões e atitudes, o exercício de falar e também de ouvir, e de eventualmente aceitar a escolha de uma idéia alheia e o descarte da sua própria tornam a pedagogia da criação coletiva um processo conflituoso. “A orientação coletiva das atividades nem sempre contempla demandas individuais” (p.83). O pesquisador observa que toda a atividade da oficina é seguida ou antecedida por uma discussão. A construção coletiva dos improvisos é um dos procedimentos que caracterizam, para Vecchio, o intuito autogestionário da pedagogia do grupo.
Outro procedimento fundamental é a divisão de papéis, também realizada coletivamente, e que só acontece quando o processo de criação anteriormente descrito permite que todo o grupo tenha clareza da função dos personagens. O oficineiro marca um dia para que cada um prepare sua proposta em uma lista que distribua todos os papéis. O grupo senta em círculo e o oficineiro enfatiza a necessidade de comprometimento das pessoas para iniciar a nova etapa, de ensaios e montagem. Ele chama a atenção para a heterogeneidade do grupo e dos compromissos que cada um tem fora da oficina, dizendo que, mesmo não sendo possível homogeneizar o grupo pela máxima disponibilidade, todos devem estar conscientes da importância do espírito coletivo. Começa perguntando sobre a disponibilidade de horários e dedicação. Os alunos apresentam seus problemas individuais. Depois, segue-se a apresentação das listas. Há geralmente um silêncio neste ponto, pela falta de quem se disponha ao pontapé inicial. O ambiente fica tenso. O oficineiro volta a tomar a palavra para tratar do sentido do processo de montagem, da função do espetáculo e do contato com o público. Rafael Vecchio cita Paulo Flores: “estamos aqui porque queremos; ninguém nos obrigou a isso; aqui se fala o que se quiser, não há patrulhamento”. Volta-se ao silêncio. Eventualmente, neste momento, o grupo tenta escapar da leitura e do confronto das listas, sugerindo outro modo de distribuir os papéis. O grupo discute. Até que alguém finalmente se dispõe a apresentar a sua lista. Mas, nem bem começa, surgem as discordâncias, todos falam ao mesmo tempo. Rafael Vecchio faz um relato sobre o que presenciou. O fato é que se instala um ambiente curioso: Uns ficam pressionando os outros a lerem sua lista, ninguém o faz e, quando um dos colegas então se encoraja e tenta, mal inicia e é interrompido pelas reações do grupo, seja por alguém desapontado por ter ouvido seu nome em determinado papel inesperado, ou por vários terem idéias divergentes sobre a divisão. (...) finalmente uma lista chega ao seu final, em meio a algumas caretas e sorrisos. As afinidades começam a aparecer. (...) O pessoal cansou ou enfim o grupo está se entendendo?. (p.95) Vecchio conclui que o principal elemento do trabalho coletivo é a diferença, entendida não como antagonismo mas como multiplicidade, “pluralidade de vivências, experiências e expectativas que se encontram, se relacionam, às vezes se chocam, mas, invariavelmente, se complementam”. Haveria neste ponto uma proximidade entre o método do grupo e a teoria pedagógica de Paulo Freire, para quem a fala daquele que efetivamente escuta o outro nunca é autoritária, mas afirmativa de sua posição: “... a
verdadeira escuta não diminui em mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor, de me posicionar (...), é escutando bem que me preparo para melhor me colocar”. O grupo fomenta a organização coletiva e a auto-gestão, por acreditar que esta prática forma eticamente o indivíduo: “abrir-se para o outro, olhar para o outro e ver que ele tem algo a oferecer, forma o cidadão”, diz Tânia Farias. Por isso, todos os dias, em todas as oficinas, há um momento para os participantes comentarem o que foi feito, falar do trabalho do outro e receber a crítica dos colegas. Para Paulo Flores, a formação de grupos é importante porque reúne pessoas com afinidade ideológica, ao passo que a idéia de elenco, que se forma para um único espetáculo, configura o teatro como mercadoria e o destitui de sua função social. “O teatro é um espaço de reflexão, é um espaço de expressão da sensibilidade, da visão crítica das pessoas, uma comunicação entre ator e espectador que vai além de qualquer parâmetro comercial”, diz ele. Tânia Farias considera fundamental para o grupo se manter em formação, “permanecer indo à frente, permanecer instigado, permanecer descontente, permanecer buscando algo mais, não se contentando com aquilo que conquistou”. O grupo seria o lugar onde o ator, nesta sociedade, pode cumprir seu papel de se manter como testemunha do mundo, “ainda que não haja mais ninguém que solicite o meu testemunho”, “não deixar de dizer, não calar frente à desumanização”. Em todas as instâncias de trabalho do grupo – criação, produção, organização – o funcionamento é coletivo. Há igualdade no acesso à informação e ao aprendizado, assim como na possibilidade de proposição, de ação e de realização. Mas a noção de coletivo diverge inteiramente daquela que se baseia na idéia de que todos são iguais. Não há distribuição igualitária de tarefas, porque não se espera que todos sejam capazes de fazer tudo, não há a pretensão de unificar as individualidades. Ao mesmo tempo, o grupo não evita – pelo contrário, fomenta – o exercício da liderança que emerge de uma vocação pessoal. O que acontece é que, na diversidade de áreas de trabalho abarcadas pela atuação do grupo, cada atividade proporciona a evidência de líderes diferentes. A criação, a improvisação, o debate, a composição musical, a composição dos figurinos e da caracterização, a organização de um evento... cada uma destas vertentes necessita de uma habilidade específica, que favorece diferentes especificidades individuais.
Esta alternância de posições aponta para uma descentralização de poder que evita que alguém seja de antemão impedido de se inserir dentro do processo por algum desmando autoritário. Ter diferentes líderes em diferentes ocasiões faz com que sejam constituídas relações em que ora se propõe, ora se acata, ninguém manda ou obedece, não há liderança de um sobre os outros, há liderança de um (ou uns) com os outros, quando um ou mais participantes dispõem da capacidade que os destacou não para impor-se, mas para contribuir com sua técnica ou conhecimento para o andamento coletivo. (Vecchio, p.112) O Ói Nóis tem características que só nele se encontram. Entre elas, a permanente e irrestrita abertura a novos integrantes que dependem apenas da própria iniciativa para estar, ficar e passar a ser, encarna a mentalidade libertária que se pretende cultivar. O trabalho intensivo e o necessário engajamento funcionam por si só como identificadores de afinidade. Tornar-se um integrante do Ói Nóis parece simples, na medida em que independe de haver personagens disponíveis no espetáculo, de se passar pelo crivo de um diretor, de ser conhecido ou de se encaixar em um perfil de linguagem. Há no entanto um filtro que, para um ator no sentido estrito do termo, funciona como seta de retorno: depois da oficina, o que se segue são trabalhos na área de apoio técnico, logístico e de produção das apresentações. Para o Ói Nóis, não cabe ao grupo aceitar o indivíduo, cabe ao individuo optar pelo grupo, na sua própria medida. O grupo procura facilitar a aproximação e a permanência. Aqueles que têm emprego ou estudo durante o dia, podem trabalhar apenas à noite, horário reservado aos ensaios, reuniões, seminários e apresentações de sala. Sendo as oficinas abertas e gratuitas, o acesso ao grupo não tem restrição. A participação em um espetáculo e o espaço que advém deste trabalho dependem de um convite cujo critério, segundo os atuadores, é o envolvimento do aluno. Tais regras conferem ao sujeito uma liberdade com que ele não está acostumado a lidar – e este exercício também faz parte do aprendizado diário dos atuadores. A pedagogia de transformação do ser humano pressupõe um indivíduo interessando em atuar na sociedade, em interagir com o outro e ampliar sua visão de mundo, um indivíduo insatisfeito e com desejo de ação. Este processo implica necessariamente em conflitos – e o grupo os incentiva e fomenta, porque vê no conflito a manifestação da diversidade, que para os atuadores não consiste apenas no direito à diferença mas no culto à diferença como fonte de crescimento. Se a liberdade gera conflito, “conflitemonos, pois”, parece ser o princípio central deste coletivo.
O grupo de atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz se desenvolve em uma área de irremediável instabilidade: sendo parte da sociedade, ele a recusa, e pauta seu trabalho e suas relações em valores alimentados internamente. Há portanto uma relação de confronto entre a subjetividade deste coletivo e a subjetividade da comunidade em que estão inseridos, gerando elementos que permanecem em suspensão, sem repouso, em seu imaginário. Tateando uma tentativa de análise do imaginário coletivo, pode-se pensar no sentido do termo “tribo”. O grupo de teatro, diferentemente da tribo, é um coletivo de produção e não de existência – as pessoas têm suas casas fora daquele território e estão inseridas em uma sociedade com suas próprias e determinantes leis de funcionamento. No entanto, porque sua utopia almeja transformar o homem, “tribalizar” a sociedade que o cerca, particularizada em seus alunos e em seus espectadores, o Ói Nóis deseja transcender os limites de seu território. E para esta luta incessante todo o tempo disponível é posto a serviço da produção, que neste caso adquire caráter existencial. A expressão “construir a tua história”, usada pelos atuadores para se referir ao espaço de conquista e de autonomia aberto aos integrantes, traduz o anseio de que cada um assuma uma função de concepção, produção e realização, em uma configuração ideal em que todos os indivíduos sejam ao mesmo tempo índios e caciques, operários e engenheiros da construção coletiva, um chamamento para que a produção se substancie em existência. Basta olhar para a produtividade deste grupo para ver que, neste aspecto, a utopia se realiza: dez oficinas em funcionamento simultâneo, edição de seis livros, seminário e revista anuais, além dos espetáculos. Em entrevista para o programa O Refletor, Tânia Farias trata especificamente do momento da representação dizendo: “A comunhão, essa idéia de que eu estou com essas pessoas aqui, agora – e apenas aqui e agora, porque amanhã eu serei outra pessoa e estarei com outras pessoas – isso é para mim o mais instigante. Me sentir viva. (...) E a certeza de que eu continuarei fazendo teatro, nesta tribo.”
BIBLIOGRAFIA
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