Cartas a um amor irreal (Lettere alla fidanzata) Texto original de RENATO GABRIELLI. Rubricas e movimentos anotados para a direção de Maurício Paroni de Castro Nota importante: Até antes do “debate”, Ophelia vê somente Fernando Pessoa. Ouve os outros poetas, que representam a seu lado, sem um “corpo”. Após, vê-os de frente, mas deslocados em uma linha paralela. A atmosfera deve ser surreal, dissociada do realismo, porém o estilo de representação será híper-realista. Na mise-en-scène italiana, foram cortadas as primeiras três cenas do texto original de Gabrielli, bem como as rubricas do autor não foram seguidas, senão pelas intenções dos atores, razão pela qual não estão presentes neste copião.
OPHELIA: Quando conheci Fernando, tinha vinte anos e era a caçula de uma família que estava bem de vida. Eu mesma estava bem, mas queria trabalhar. Como estudava línguas e sabia datilografar, fui por aí a procurar emprego em várias firmas. A Felix & Valladas comercializava furadeiras. Não era um trabalho ruim, mas a firma era fraca; deixei-a dois meses depois. Fernando lá dentro tinha uma posição subalterna mas digna, ideal para um poeta. Naturalmente, no começo, eu não sabia que Fernando fosse um poeta. Mas assim que o vi achei-o tão engraçado... É comum que os homens ponham as calças embaixo das polainas, mas ele fazia isso de um jeito fantástico. Mais o bigode, aqueles óculos, e seu comportamento esquisito...não se poderia dizer que fosse o tipo de namorado que agradasse a meus pais. Para não falar da idade: era doze anos mais velho que eu. De resto, eu o entendia, e ele me entendia... ou, se não me entendia, pelo menos me amava... eu acho. Não há nada de mau em certas bizarrias; aliás, com o tempo, se olharmos para trás, o que fica são as pequenas coisas que fogem da normalidade; quanto ao sofrimento, para que se lembrar? – além disso, há sempre o perdão dos cristãos. Fernando era muito bom comigo, principalmente nos primeiros tempos. Gostava de fazer pequenos presentes de surpresa, ou me surpreendia com improvisas explosões de paixão; às vezes dizia frases desconexas, sem dúvida por amor... eu acho. Também era ciumento e se considerava mais velho e doente do que realmente era, mesmo sabendo que eu não o teria trocado por qualquer outro. Acho que o amor autêntico é exclusivo e duro. Por isso, eu tolerei aquilo que