ARTIGO LIVING THEATRE- TRAJETÓRIA DE UMA IMPOSSIBILIDADE1 angela l lopes

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LIVING THEATRE: TRAJETÓRIA DE UMA IMPOSSIBILIDADE1 Ângela Leite Lopes I – CENA E DESCONTINUIDADE Se retomo esse texto escrito em 1982 para fins acadêmicos, é porque constato que muitas das questões aqui levantadas permanecem atuais. A principal dentre elas é a da cena. Rever a trajetória do Living permite perceber que o gesto de colocar a cena no centro do pensamento teatral equivale a conquistar, para o teatro, o espaço autônomo da produção de sentido. Com tudo o que isso vem acarretar. O que eu gostaria de propor, num desejo que não esconde seu caráter didático, é que o leitor enxergue a complexidade do gesto investigativo de Julian Beck e Judith Malina, tão diferente da iconização e do fetichismo de muitos de seus seguidores.

Num artigo de 1969, Sartre conta uma anedota que se passou na aula de teatro de uma universidade parisiense. - Vocês querem que a gente fale sobre Brecht?, perguntou o professor. - Brecht, essa múmia? Por que não Racine? - Bom, então que tal o Living Theatre? - Pode ser! Mas o Living Theatre, a gente não comenta: a gente faz. E eles começaram a se despir.2

O teatro, arte efêmera, tem uma relação problemática com a reflexão. O interesse da análise do trabalho de um grupo como o Living Theatre reside, entretanto, no fato de que, ao se voltar para quatro de seus espetáculos mais significativos – The Brig, Mysteries and Smaller Pieces, Frankenstein e Paradise Now – , o que se encontra é o cerne do problema da arte contemporânea: a questão de sua possibilidade. A obra do Living foi muitas vezes reduzida a uma espécie de discurso sobre o mundo. A revolução era, realmente, o seu objetivo final. Mas, como veremos a seguir, esse gesto revolucionário acabou voltando-se para a cena. (Nos anos 50), nossa principal preocupação estava na questão da forma. Queríamos libertar as formas teatrais das limitações acadêmicas. Fazíamos aquilo que se chama “avant-garde”. Pensávamos que, criando um teatro para o qual os poetas poderiam escrever, aplicando no teatro as descobertas das artes plásticas, da música e da dança, encontraríamos a essência da revolução teatral.3

Começaram montando obras de T.S. Eliot, Picasso, Brecht, Paul Goodman, entre outros autores que propunham inovações do ponto de vista dramatúrgico, para logo em seguida se deterem numa investigação mais propriamente cênica. 35


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