Plínio Marcos – O mago do desassossego APROPUC-SP 31.03.09 Sergio Ferrara Em 1999, assumi o Teatro de Arena de São Paulo, juntamente com o diretor Marco Antônio Braz, com um projeto chamado: "Quem tem medo de Plínio Marcos e Nelson Rodrigues". Braz cuidava de Nelson Rodrigues, e eu, de Plínio Marcos. O nome, Plínio Marcos, causava em todos nós, diretores, uma mistura de magia e desassossego. Admirávamos seu talento e ficávamos receosos de sua personalidade forte. Foi assim que me preparei para ser apresentado a ele por sua última companheira, Vera Artaxo. Afinal, iria dirigir o projeto para a Funarte, no Arena, sobre a obra desse grande dramaturgo, com a montagem de "Barrela". Encontrei-o na Rua Maranhão, em São Paulo, todo de branco. Para minha surpresa e alegria, era um homem extremamente acessível e apaixonado pelo teatro. Colocou-se imediatamente à disposição para ajudar no desenvolvimento do projeto. O que mais me chamou a atenção naquele homem que nos revelou com minúcias o universo dos e xcluídos foi o humor. Nunca perdia a graça; era como a ginga de uma escola de samba, sempre no ritmo. O dele, é claro. "Barrela" foi a primeira peça de Plínio Marcos, e também a mais censurada, condição em que permaneceu durante trinta anos, a partir de 1959. Barrela significa curra, na linguagem carcerária. O texto foi baseado numa história verídica que aconteceu em Santos com um rapaz que, por uma briga qualquer, foi atirado na cadeia, onde acabou sendo estuprado pelos outros presos da cela. Jurou vingança e, quando saiu de lá, matou, um por um, todos os que o desonraram. Plínio Marcos, na peça, colocou o foco na briga de poder existente entre os presos da cela. Nesse contexto de enfrentamentos e concessões, vemos a grandiosidade do autor, o arauto dos excluídos. Vivemos numa sociedade injusta com relação à distribuição de rendas, que favorece alguns e escraviza outros. Os escravizados pelo sistema corrupto, destituídos da condição de di gnidade humana, são excluídos. Para alguns, eles simbolizam o caminho da desesperança. Para mim, são a reconstrução de uma justiça social mais equilibrada. Comove-me a tragicidade desses excluídos, personagens de Plínio Marcos, diante da vergonhosa injustiça social a que são submetidos. Conscientes de suas desgraças, sabem que não têm volta, e não aspiram à redenção, pois já passaram do limite, onde a própria dignidade, que já foi aviltada, está perdida. O instinto de sobrevivência dessas personagens fala mais alto do que os códigos de moral e conduta das sociedades em que vivem. Esse é um mundo que se reorganiza, rapidamente, de acordo com interesses vitais de sobrevivência. Para a maioria, só resta o abismo, ao qual se jogam em busca da luz, que será encontrada ao fim de uma desgraça ainda maior. Diante desse panorama de existência, surge uma visceralidade, que passa a ser um desafio para o ator que interpreta esse universo. É uma drama turgia que não permite ornamentos, porque é objetiva e direta, é olho no olho. A cada momento, o jogo vira, as regras se transformam, e tudo recomeça do nada. Só há uma pessoa com quem você pode contar, e essa pessoa é você mesmo. A intensidade exigida do intérprete de Plínio é profunda; muitas vezes, os atores acabam a peça cansados, conscientes do mar que atravessam a braçadas. O realismo grita e sangra nas peças de Plínio Marcos. Para um diretor, o realismo não é fácil, é um grande desafio. É um trabalho feito de detalhes e sutilezas. No realismo, o jogo se estabelece no frágil e no sutil, no fugaz, no detalhe. É na respiração e no silêncio