ARTIGO A PRÁTICA DO DRAMATURG fatima

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A PRÁTICA DO DRAMATURG Fátima Saadi De tudo o que se tem dito e escrito sobre a figura do dramaturg – e não é muito – o que mais me chama a atenção é a ênfase no que se convencionou designar como o caráter transitório da função: afirma-se que um dramaturg acaba sempre por encontrar seu próprio destino, vindo a realizar-se como diretor, autor dramático ou crítico teatral. A dificuldade de perceber a especificidade do trabalho do dramaturg deriva, por um lado, do aspecto multidisciplinar de sua atividade e, por outro, do caráter puramente abstrato que se costuma atribuir ao pensamento teórico. De inicio, é importante ressaltar que o trabalho do dramaturg é um trabalho de longo prazo que alcança seus melhores resultados quando inserido na trajetória de um grupo permanente. Só um trabalho contínuo pode estruturar e pôr à prova grandes linhas de interesse estético e estratégias de inserção no panorama da produção teatral. Ao integrar uma equipe de criação de espetáculos, o dramaturg estabelece um contato estreito com todos os demais profissionais envolvidos – diretor, cenógrafo, atores, figurinista, músico, iluminador, preparador corporal, divulgador, produtor, técnicos. Ao lado do diretor, ele acompanha a estruturação das relações entre os elementos cênicos segundo os parâmetros idealizados para aquela montagem. Como o diretor, o dramaturg circula pelas diversas áreas de criação e é capaz de ter uma noção de conjunto ao longo de todo o processo de trabalho. Evidentemente, à medida que o percurso de um grupo se desdobra, à afinidade inicial entre o dramaturg e a equipe, junta-se a afinação que vai sendo construída no dia-a-dia do trabalho. Acho importante enfatizar a presença do dramaturg aos ensaios e reuniões de produção para que fique claro que sua atividade não consiste na aplicação ou na aferição de pressupostos cuja existência precederia o processo de criação. Pelo contrário, o interesse do seu trabalho, como, aliás, o de todos os outros profissionais envolvidos, está justamente na sintonia que ele é capaz de estabelecer entre, por um lado, sua curiosidade, sua reflexão, sua sensibilidade e, por outro, os objetivos gerais da companhia e os objetivos de um espetáculo em particular. Talvez esta função seja menos passível de definição que de descrição. Historicamente, Lessing é apontado como o primeiro dramaturg. Contratado pelo Teatro Nacional de Hamburgo, que congregava atores e empresários numa iniciativa que pretendia renovar a forma de se fazer teatro na Alemanha, Lessing deveria participar da elaboração das diretrizes de trabalho da companhia, da escolha do repertório e estava encarregado de produzir uma espécie de diário de bordo dos espetáculos apresentados, comentando aspectos relativos ao texto, à atuação e a tudo o que julgasse relevante. Parece que, de início, a direção do Teatro Nacional pretendia que Lessing – já naquele momento um crítico conhecido por suas idéias no campo da estética teatral e por sua concepção do papel social do teatro – funcionasse como "poeta da casa", fornecendo à companhia textos para montagem. Lessing colocou suas peças à disposição, mas não aceitou a tarefa de escrever sob pressão e correndo contra o tempo. Para enfatizar o pertencimento de sua atividade ao âmbito do espetáculo, foi-lhe atribuída a designação de dramaturg que se demarcava tanto da função do conselheiro literário, quanto da do dramatiker, aquele que se dedica ao exercício da escrita dramatúrgica. O fracasso de sua empreitada não foi ocasionado apenas pela insensibilidade da crítica, pela incapacidade do público alemão da segunda metade do século XVIII de compreender a importância de um teatro nacional nem pela extrema vaidade dos atores da companhia, que não admitiam que se escrevesse sobre eles nada além de elogios; deveu-se, sobre9


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