ARTIGO StanislavskiporBrecht Iná revisado

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O TRABALHO DA DIREÇÃO Quando inaugurou o seu Teatro Livre, Antoine sabia de antemão que seus trabalhos teriam inúmeros aspectos rejeitados por simples incompreensão da parte do público e da crítica. Sintonizado com os experimentos literários de Zola, ele queria fazer alguma coisa equivalente na cena. Sua opção por estrear com a adaptação da novela Jacques Damour foi simbólica em muitos sentidos: demarcava o terreno da liberdade para tratar de assunto censurado (Comuna de Paris), explicitava o vínculo com o mestre e introduzia a ideia de experimento cênico, ou busca de uma linguagem para a cena e para o trabalho do ator que fosse capaz de dar conta da nova matéria social presente no trabalho literário de Zola. Esta linguagem teria que ser inventada, pois as convenções dramáticas então reinantes não tinham mais préstimo. Por simples sensibilidade social de trabalhador, Antoine intuía que uma linguagem cênica especializada em expor aspectos desfrutáveis da vida burguesa não servia para uma peça como Jacques Damour, que tratava das misérias impostas ao proletariado pela derrota política de 1871. Diante deste desafio, Antoine assumiu a condição de diretor no sentido que ainda hoje está em vigor: o profissional que assume a responsabilidade pelo discurso da cena por saber que ela não é mais evidente por si mesma (como o drama pretende ser). Ele deveria, por este feito intuitivo, ser considerado o primeiro diretor teatral da história do teatro moderno, mas, como esta história tem sido escrita pelo inimigo, são raras as ocasiões em que seu feito é reconhecido. Por outro lado, como a ninguém interessou registrar suas façanhas, para todos os efeitos foi Stanislavski quem assumiu esta condição, uma vez que desempenhou na Rússia o mesmo papel que Antoine, até porque o empreendimento do qual participou foi expressamente inspirado no Teatro Livre francês. E como Brecht pode ser considerado o mais consequente discípulo destes dois mestres, o texto que segue pretende expor os feitos de Stanislavski pelo prisma brechtiano. História Embora a grande contribuição de Stanislavski para o trabalho do ator tenha ocorrido nos últimos anos do século XIX e início do século XX, só após a revolução de Outubro de 1917 seu trabalho começou a ser sistematizado. A obra por ele publicada em vida e única não sistemática, Minha Vida na Arte, é de 1923-19251. Muito tempo depois de sua morte (1938) é que se publica, na URSS, O Trabalho do Ator Sobre si Mesmo (1955), em dois volumes, que no Ocidente ficaram conhecidos como A Preparação do Ator e A Criação de um Papel. Finalmente, em 1957, é publicada A Construção da Personagem. Estas três obras sistemáticas, que propriamente constituem o “método stanislavski”, por sua vez, foram publicadas no Brasil entre os anos de 1960 e 1970, sempre em tradução das edições americanas, que começaram a sair nos Estados Unidos em 1936 graças ao empenho de Elizabeth Reynolds Hapgood2. Destas primeiras informações, já se pode 1

Devo esta e as demais informações sobre edições soviéticas da obra de Stanislavski a Arlete Cavalieri, a quem faço questão de agradecer. A obra completa em russo, Sobranie sochinenii, foi publicada em oito volumes entre os anos de 1954 e 1961; cf. RUDNITSKY, Konstantin. Russian and Soviet Theatre. London: Thames & Hudson, 2000 (1ª ed. 1988). Como veremos adiante, esta informação é relativa à URSS, pois nos Estados Unidos o caso é diferente. 2 Cf. prefácios e/ou notas editoriais das edições brasileiras, todas da Editora Civilização Brasileira.


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