FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO FACULDADE DE ARTES PLÁSTICAS CURSO DE BACHARELADO EM ARTES VISUAIS
Territórios imponderáveis: fabulações do vazio
Trabalho de Conclusão de Curso Vinculado a Disciplina de Desenvolvimento de Projeto Integrado II, apresentado como exigência parcial para obtenção de certificado de conclusão do curso de Artes Visuais. Aluno: Thalyssa Araújo Orientador: Profª. Drª. Galciani Neves
São Paulo 2017
ARAÚJO, Thalyssa TERRITÓRIOS IMPONDERÁVEIS: fabulações do vazio. Thalyssa Araújo. Trabalho de Conclusão de Curso. São Paulo: FAP/FAAP, 2017. 1. vazio 2. fabulação 3. arte conceitual 4. curadoria 5. desmaterialização 6. linguagem 7. experiência
agradecimentos
Aos meus pais, por tudo. Ao Lucas, pelo amor e contato humano, por ser e estar comigo. Ao Thalles, pela confluência cósmica, por nossas conversas de irmãos, pelas suas sempre sábias palavras. À Gal, pelo seu total envolvimento e paciência, crítica e incentivo: a minha profunda gratidão pelas oportunidades vividas. À Julia, pela luz e escuta atenta. À Fernanda e Divina, pelo excepcional trabalho de diagramação e revisão. Aos meus amigos e amigas, pelas trocas e convivência. Aos meus professores, pelo conhecimento que foi compartilhado, pelas críticas e desafios.
lista de ilustrações
“Saut dans le vide”, 1960, Yves Klein. Fonte: https://www.artsy. net/artwork/yves-klein-saut-dans-le-vide. (p. 27) “White Light White Heat”, 1975, Chris Burden. Fonte: http:// www.marthagarzon.com/contemporary_art/2013/10/chris -burden-at-the-new-museum/. (p. 30) Vista da exposição “Tomorrow is Another Fine Day”, 2004, Rirkrit Tiravanija. Fonte: http://dfl-dfl.blogspot.com. br/2010/12/rirkrit-tiravanija-vue-de-lexposition.html. (p. 30) “Pense Bête”, 1964, Marcel Broodthaers. Fonte: http://broodthaers.us/index.php?id=2,48,128. (p. 32) “The mere nomering of void makes it an it & it takes up space”, s. d., Lawrence Weiner. Fonte: Copeland et al., 2009. (p. 58) “Quatro Frases, fotos de pinturas sobre painéis de exposição, SESC Vila Nova.”, 1971, Lydia Okumura. Fonte: arquivo pessoal da autora. (p. 59) “All the things I know but of which I am not at the moment thinking 1:36 PM — June 15, 1969.”, 1974, Robert Barry. Fonte: http://brooklynrail.org/2015/03/artseen/robert-barry -all-the-things-i-know-1962-to-present. (p. 60) Registro de “Inert Gas Series”, 1969, Robert Barry. Fonte: https://www.artsy.net/artwork/robert-barry-inert-gas-helium-mojave-desert (p. 61) Pôster de “Inert Gas Series”, 1969, Robert Barry. Fonte: https:// www.moma.org/collection/works/109710 (p. 61) “Pausa longa”, 2012, Ana Mazzei. Fonte: http://www.anamazzei.net/portfolio/pausa-longa/ (p. 62) “Espaços virtuais: cantos”, 2008, Cildo Meireles. Fonte: http:// www.museoreinasofia.es/en/collection/artwork/espacos-virtuais-cantos-ii-virtual-spaces-corners-ii (p. 63)
Detalhe de “Espaços virtuais: cantos”, 2008, Cildo Meireles. Fonte: https://www.flickr.com/photos/sglobus/3079174568/ in/photostream/. (p. 63) “Esfera invisível”, 1996, Cildo Meireles. Fonte: http://www.galerialuisastrina.com.br/artistas/cildo-meireles/. (p. 64) “Thoughts unsaid, then forgotten”, 1973, Bas Jan Ader. Fonte: https://www.artsy.net/artwork/bas-jan-ader-thoughts-unsaid-then-forgotten-1. (p. 65) Encarte de “In search of the miraculous” para a Bulletin 89, 1975, Bas Jan Ader. Fonte: https://hyperallergic.com/336146/ in-search-of-bas-jan-ader-the-artist-who-disappeared-atsea/. (p. 66) “In search of the miraculous (one night in Los Angeles)” I, 1973, Bas Jan Ader. Fonte: https://hyperallergic.com/336146/insearch-of-bas-jan-ader-the-artist-who-disappeared-at-sea/. (p. 67) “In search of the miraculous (one night in Los Angeles)” II, 1973, Bas Jan Ader. Fonte: https://aburningboat.wordpress. com/2014/08/05/yeh-ive-been-searchin-bas-jan-ader/. (p. 67) “IKB 42”, 1960, Yves Klein. Fonte: Brougher; Vergne, 2010. (p. 68) “Uma linha contém infinitos pontos”, 2011, Marcius Galan. Fonte: http://www.galerialuisastrina.com.br/artistas/marcius-galan/. (p. 69) “(Sem título) Prefiro não fazer”, 2011, Graziela Kunsch. Fonte: https://naocaber.org/sem-titulo-prefiro-nao-fazer/. (p. 70) “Selected/Deleted Landscape”, 2005, Detanico Lain. Fonte: http://www.galeriavermelho.com.br/artista/71/detanico -lain. (p. 71)
sumário 9 Introdução 11 capítulo 1
Instâncias de um conceito em fluxo 13 1.1 a energia do vazio 16 1.2 território de suspensão e questionamento 19 1.3 desmaterialização e multiplicidade 26 1.4 invenção e linguagem 37 capítulo 2
Dispositivos e procedimentos para um exercício curatorial 39 2.1 a potência do falso 42 2.2 a experiência do ensaio 44 2.3 a curadoria como plataforma 51 capítulo 3
Anotações de pensamento projetual em curadoria 53 3.1 mapa conceitual 54 3.2 territórios imponderáveis 54
3.2.1 texto de curadoria
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3.2.2 eixos da exposição
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3.2.3 lista de obras
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3.2.4 planta expográfica
74 Considerações Finais 76 Referências bibliográficas
introdução
A presente pesquisa busca selecionar e reunir, a partir de uma configuração ensaística, possíveis aproximações e narrativas de vazio em produções artísticas, filosóficas e provenientes do campo da física. Relaciono tais referências para constituir uma proposta curatorial. Trata-se de um estudo para uma experiência curatorial, que compreende a investigação do vazio enquanto fabulação e potência criadora, organizado em três capítulos: Instâncias de um conceito em fluxo; Dispositivos e procedimentos para um exercício curatorial; Anotações de pensamento projetual em curadoria. O primeiro capítulo, Instâncias de um conceito em fluxo, divide-se em quatro subcapítulos: A energia do vazio, no qual abordo a questão em diversas áreas de compreensão e em uma perspectiva da astrofísica quanto ao fenômeno do vazio; Território de suspensão e questionamento, em que são trazidas noções de vazio em produções artísticas; em Desmaterialização e multiplicidade, reflito acerca da circunstância de vazio diante da desmaterialização do objeto artístico; por fim, em Invenção e linguagem, reflito brevemente acerca de alguns trabalhos de artistas, cujos processos adentram possíveis instâncias de vazio. O segundo capítulo, Dispositivos e procedimentos para um exercício curatorial, é subdivido em três partes, sendo elas: A potência do falso, na qual se constrói uma percepção de vazio como fabulação, conceito de Gilles Deleuze; A experiência do ensaio, na qual traço uma abordagem de vazio proposta nesta pesquisa como um ensaio, segundo Adorno (O ensaio como forma, 1954); A curadoria como plataforma, em que são apresentados um entendimento de curadoria e as intenções ao propor um projeto curatorial que reúne noções de vazio. 9
O terceiro e último capítulo, Anotações de pensamento projetual em curadoria, integra o projeto de exposição construído a partir desta pesquisa, dividindo-se em duas partes: um mapa conceitual, que busca produzir uma visualidade do processo de curadoria, e o projeto de exposição Territórios imponderáveis, que conta com texto curatorial, lista de obras e planta expográfica.
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capítulo 1
INSTÂNCIAS DE UM CONCEITO EM FLUXO
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1.1 a energia do vazio O que se pensa quando se pensa no vazio? Como narrar o vazio? Como construir o vazio? Como dar a ver o vazio? Eis as perguntas que me faço ao iniciar este primeiro capítulo, perguntas que têm como intenção uma aproximação a esta instância de tempo, espaço, percepção. A partir da construção de palavras que tentam definir o vazio e que soam como coerentes, inicio uma investigação, parto de algumas poucas reflexões em texto acerca da multidimensionalidade da linguagem, cuja função vai ser constatar e aproximar daquilo que é impalpável e tão difícil de “materializar”. Tendo em mãos uma série de noções do que é o vazio, ou o que ele pode ser, de onde ele vem, por onde é acessado, o que o evoca, entendo-o como uma circunstância do imponderável. O termo se refere a algo que deveria estar ali, mas não está: “vazio”. É um lugar inocupado que implica a capacidade de ser preenchido. Ele é retrocedente, inalcançável. Ele pode ser entendido a partir do tudo e do nada. O vazio pode ser o 1=0, o tudo equivalente a nada, assim como, matematicamente, 1=0 seja impossível, seja nulo, seja vazio. O vazio é aquilo que é inconcebível ou impossível. Ainda que a totalidade circunstancial do vazio não possa ser digerida, pelo fato de existir em múltiplas dimensões, instâncias, entendimentos, pelo fato de poder ser o tudo e o nada ao mesmo tempo, como, por exemplo, abrigar algo tão grande dentro do espaço deste texto: o espaço das palavras definidoras. No espaço tridimensional e na sua concepção absoluta de vacuidade, o vazio não pode existir. Um espaço popularmente 13
dito inocupado ainda está cheio de ar. Quando um objeto é movido de um lugar para outro, seu espaço é imediatamente preenchido com ar, de forma que um vácuo nunca se forma (horror vacui1). Teorias contemporâneas fundamentais na física apontam para o fato de que não há (no nosso universo, pelo menos) algo como o vazio (que, por definição, é absoluto). Entretanto, a noção da existência do vazio na realidade, tanto na física quanto na filosofia, mudou muito com o passar dos séculos. Em 1659, Robert Boyle produziu bombas de vácuo e acreditou comprovar, então, que o vazio/vácuo poderia ser gerado mecanicamente, a partir do uso de instrumentos. A conclusão se deu com o experimento em que um sino, inserido dentro da redoma de vidro, não produzia barulho algum uma vez que o ar havia sido evacuado (RICKLES, 2009, p. 217). Outro dado da física que diz respeito ao vazio é a existência de matéria e energia escura, também chamada de “energia do espaço vazio”. Quando astrofísicos e astrônomos começam a inferir as energias do universo, as atrações gravitacionais, a relatividade etc., suas contas chegam no resultado de que existe muito mais massa e energia do que aquilo que conseguimos detectar. Mas como não emitem luz, são chamadas de matéria escura. Ainda que invisíveis aos olhos, geram um efeito sobre nós. Segundo Rickles (2009, p. 222), o universo é atualmente, em sua maioria, regido pela energia do vazio (energia escura), que contabiliza 70% de sua massa total. E 25% corresponde à matéria escura (que interage gravitacionalmente com objetos visíveis), enquanto somente 5% corresponde à matéria visível e palpável: a humanidade, a natureza, os objetos. Segundo o autor: 1
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Do latim, o horror ao vazio. A frase explica o fenômeno natural de que o vácuo é preenchido imediatamente pelo material mais denso em seu entorno, uma vez que não se encontra no espaço profundo, e sim no planeta Terra.
Uma vez que massa e energia determinam a configuração do espaço, isso é, a forma definida do universo como um todo, o vácuo é em grande parte responsável pela estrutura e evolução do universo. (RICKLES, 2009, p. 222, tradução nossa)2.
A importância do vazio para a astrofísica é evidente. O vazio possui grandeza inimaginável, impalpável e, principalmente, quase inconcebível. Ele transcende o que podemos compreender, aferir ou mensurar. Com o emaranhamento da física com a metafísica, toma dimensão filosófica a consciência da inacessibilidade do vazio em sua presença extraordinária. Ao trazer essas informações, busco enriquecer uma noção que, sustentada pela pesquisa científica, se torna um elemento decisivo na busca de um entendimento maior do que pode ser o vazio e da sua qualidade imponderável. Ainda que seja de grande interesse trazer a perspectiva científica para um tema que pode ser estudado em muitas perspectivas – filosófica, literária, artística, política –, a construção de uma ideia de vazio, no presente trabalho, se dá a partir do encadeamento de todas essas noções, de forma a evidenciar um terreno múltiplo de convivência entre muitas acepções de vazio. Tendo isso em mente, esclareço que esta investigação tem como acesso preponderante a conjugação do tema no campo da arte.
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Since mass and energy determine the shape of space, that is, the shape of the universe as a whole, the vacuum is in very large part responsible for the structure and evolution of the universe.
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1.2 território de suspensão e questionamento O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein definiu o silêncio como “aquilo sobre o que não se pode falar” (WITTGENSTEIN apud SONTAG, 1987, p. 27). Podemos pensar que quanto ao vazio, uma perspectiva semelhante é aplicável. Uma vez que não conhecemos o vazio, nunca o vimos e não podemos tocá-lo, a possibilidade de colocá-lo em palavras é uma tarefa árdua, ou seja, ainda citando o filósofo: “os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”. Por isso, falamos de vazio a partir de evidências de vazio. Por ser uma circunstância do imponderável, é algo que não conseguimos determinar/enxergar, no entanto, sempre existe uma presença, porque sempre ousamos nomear. Em lugar do silêncio puro ou alcançado encontram-se vários movimentos no sentido de um sempre retrocedente horizonte de silêncio – movimentos, que, por definição, jamais podem ser plenamente consumados. (SONTAG, 1987, p. 17).
No cotidiano, o espaço vazio escapa à consciência. Diante de uma imensidade de objetos dispostos pelo mundo, raramente nos damos conta do vazio. Contudo, é justamente a existência de um corpo finito e limitado que, ao se contrapor à sua natureza indefinida, vai determinar a presença incorporal do vazio: ele é o meio, é o respiro/suspiro entre as coisas. Com a relação de interdependência entre vazio e não-vazio, não poderíamos pensá-lo senão a partir do corpo do mundo (CAUQUELIN, 2006, p. 40). Com isso, Anne Cauquelin aponta a seguinte perspectiva de vazio: 16
O vazio evoca […] uma concepção global do mundo: limitado e ilimitado, finito e infinito, contínuo e descontínuo, em outros termos, uma visão do universo, o que é e o que não pode ser, levadas em consideração as opções tomadas quanto à existência, ao pensamento e à natureza dos corpos. (2006, p. 29).
Segundo a autora, em torno do vazio, “movem-se ideias de existência e de não existência, de ser e de não ser, de existência do nada, ou do vazio.” O vazio, em sua natureza multifuncional, estabelece ligação direta com suas outras instâncias e/ ou ramificações, de forma que engloba reflexões acerca do invisível, do impensado (ou impensável), do incalculado (ou incalculável), do ausente, do oculto, enquanto fundamenta sua essência num jogo de palavras que lida constantemente com o ser e o não ser. O vazio é entendido a partir do devaneio, das incansáveis tentativas de alcançá-lo enquanto objeto, enquanto instância do espaço ou do pensamento. Em A estética do silêncio (1966), Susan Sontag analisa a apropriação do silêncio (e do vazio) na arte moderna e reconhece na atividade do artista “a sagacidade de levantar mais indagações que as outras pessoas” (1966, pp. 13-14) ao propor o silêncio (ou o vazio) como parte fundamental de uma obra de arte. Sontag, em dado momento, encara o uso do silêncio como um projeto de espiritualidade: um território de suspensão e questionamento que, ao propor o nulo e o nada, produz um efeito dialético no espectador que se perde em meio à contemplação: Um vazio genuíno, um puro silêncio não é exequível — seja conceitualmente ou de fato. 17
Quando nada, porque a obra de arte existe em um mundo preenchido com muitas outras coisas, o artista que cria o silêncio ou o vazio deve produzir algo dialético: um vácuo pleno, um vazio enriquecedor, um silêncio ressoante ou eloquente. O silêncio continua a ser, de modo inelutável, uma forma de discurso (em muitos exemplos, de protesto e acusação) e um elemento em um diálogo. (SONTAG, 1966, p. 18).
Inevitavelmente, ao mesmo tempo que propõe indagações, as noções de silêncio e vazio, segundo Sontag, delineiam novas perspectivas para os atos de olhar, ouvir etc. – as quais promovem “uma experiência de arte mais imediata e sensível” e/ou fazem o enfrentamento da obra de arte mais consciente e conceitual: A extensão em que a arte está envolvida com o inefável é mais específica, bem como contemporânea: a arte, na concepção moderna, sempre se vincula a transgressões sistemáticas de convenções formais mais antigas, praticada pelos artistas, o que confere às obras uma certa aura de indizibilidade – por exemplo, quando o público sente desconforto na presença negativa de alguma coisa que podia ser, mas não está sendo dita. (SONTAG, 1966, p. 17).
Na arte contemporânea (desde os projetos conceituais dos anos 1960 até os atuais), a discussão, usufruto e estratégias que tocam noções de vazio em uma obra se dão de muitas formas e já foram discutidas sob muitas perspectivas: a 18
desmaterialização do objeto artístico, a constituição de espaços vazios, a ausência como materialidade, o vazio como objeto, enigmas de espaço/enigmas virtuais, entre outras. Mesmo diante desta breve explanação, é possível perceber que, conceitualmente, o vazio pode ser evocado em muitas circunstâncias – material, imaterial, filosófica, física –, uma vez que configura em si o elemento inefável. Nesta pesquisa, pretendo apresentar o vazio em três perspectivas, no campo da arte contemporânea: circunstância do imponderável; território de suspensão e questionamento; e um sempre retrocedente horizonte (inalcançável), expressão presente em Sontag (A vontade radical, 1966).
1.3: desmaterialização e multiplicidade “[…] Outrora, a tarefa do artista parecia ser a simples inauguração de novas áreas e objetos de atenção.” – Susan Sontag
Em fevereiro de 1968, Lucy Lippard e John Chandler publicaram na Art International seu texto The Dematerialization of Art. Pela primeira vez, colocando em prática o termo que inventaram em conjunto – a desmaterialização da arte –, tinham o objetivo de pôr em palavras a trajetória que resultou, no auge da arte conceitual, no interesse pela desmaterialização. Uma produção de cunho conceitual, segundo os autores, incomodava o público por não ser suficientemente visual ou, como dizem, “não há o suficiente para olhar”. Em seu texto, considerando a premissa modernista da época ao pensar a arte, o primeiro ponto é o de que algo 19
esteticamente simples demanda maior participação do espectador: a experiência de observar um trabalho sem detalhes e encontrar nele singularidades que contribuam com a absorção da imagem. O segundo é de que a impressão que temos do tempo passa muito mais devagar quando observamos algo “vazio” ou com poucos elementos. A distorção do fator tempo, nesse sentido, pode ser uma construção psicológica, mas há algo além disso quando somos forçados a lidar com noções como vazio, “grau zero”. Os artistas, então, passaram a se interessar pelo processo que integra as consequências da desordem e do acaso, negando uma noção de construção da obra como uma organização que lida com um todo estético (LIPPARD; CHANDLER, 1967, p. 3, tradução nossa)3. Lippard e Chandler identificaram tal interesse como uma “obsessão internacional pela entropia”. No texto, incluem a seguinte citação de um livro de Wylie Sypher: O futuro é aquele em que o tempo se torna efetivo, e a marca do tempo é a crescente desordem para a qual o nosso sistema se inclina… Ao longo do tempo, a entropia aumenta. O tempo pode ser medido pela perda de estrutura em nosso sistema, sua tendência a retornar ao caos original do qual tudo surgiu… Um propósito do tempo é a deriva em direção à inércia.4 (SYPHER apud LIPPARD; CHANDLER, 1967, grifo nosso, tradução nossa). 3 4
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Today many artists are interested in an order that incorporates implications of disorder and chance, in a negation of actively ordering parts in favor of the presentation of a whole. “The future is that in which time becomes effective, and the mark of time is the increasing disorder toward which our system tends. . . During the course of time, entropy increases. Time can be measured by the loss of structure in our system, its tendency to sink back into that original chaos from which it may have emerged. . . One meaning of time is a drift toward inertia”.
Entendo a inércia que Sypher menciona justamente como o ponto de intersecção da arte com a vida. A inclinação entrópica se dá, igualmente, com a introdução de mídias não convencionais na arte: o uso expandido de materiais como objetos eletrônicos, luz, som, provenientes da indústria e da incorporação tecnológica, assim como materiais escassos, efêmeros e inferiores, achados nas ruas ou na natureza. Em outras palavras, os artistas pretendiam estreitar as relações entre arte e vida, natureza e cultura, passado e presente, enquanto omitiam a artificialidade dos suportes (bronze, tinta, tela) e linguagens tradicionais da arte, por exemplo, a pintura e a escultura. Segundo Joseph Schillinger – que dividiu a história da arte evolutivamente em cinco fases – o quinto e “último momento” da arte é quando ela passa a ter um caráter científico, pós-estético, quando ocorre a fusão de materiais e mídias, a interdisciplinaridade entre temas e, finalmente, a “desintegração da arte”, “a abstração e liberação da ideia” (SCHILLINGER, 1943 apud LIPPARD; CHANDLER, 1967, p. 2.). Levando em conta que a divisão da arte por Schillinger foi pensada há 74 anos (a primeira edição do livro foi lançada em 1943) e, ainda atualmente, a arte se mantém neste “último momento”, é possível intuir, de certa forma, que a arte retornou ao real, não como atividade de representação; que a arte tendia a se aproximar mais de uma ideia, de um conceito, que de um objeto estético. A arte “normal”, para citar Kosuth (1969), é insuperável, uma vez que seus processos estão fortemente entrelaçados com a vida. Estou começando a acreditar que uma das últimas fronteiras restantes para atitudes radicais é a imaginação. (WOJNAROWICZ apud LIPPARD, 1973, p. xxi, tradução nossa). 21
Partindo da frase de Wojnarowicz, a desmaterialização da arte se consolida uma vez que dá abertura para a ideia tomar o espaço do objeto artístico palpável. O artista australiano Ian Burn (Art & Language), numa discussão sobre estilo, forma e conteúdo afirmou que “sempre optou pelo formato mais neutro possível, um que não interfira ou distorça a informação” (1973 apud BURN, 1968, p. xx). Desse modo, a desmaterialização do objeto artístico o enquadra numa posição de tábula rasa. Falar sobre o vazio, nesse sentido, é reafirmar seu lugar de questionamento. Segundo Lippard, em Six Years (1973, pp. xv-xvi), essa posição foi tomada por artistas conceituais que buscavam reestruturar a percepção e a relação entre processo e produto. Afirma: […] informação e sistemas substituíram preocupações formais quanto à composição, cor, técnica e presença física. Sistemas foram sobrepostos à vida da mesma forma que o formato retangular é sobreposto ao que é visto em pinturas, a fim de obter foco. Listas, diagramas, medidas, descrições neutras e muitas enumerações foram os mais comuns veículos de preocupação com a repetição, a introdução da vida cotidiana e a rotina de trabalho, o positivismo filosófico e o pragmatismo.5 (LIPPARD, 1973, pp. xv-xvi, tradução nossa). 5
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“[…] information and systems replaced traditional formal concerns of composition, color, technique, and physical presence. Systems were laid over life the way a rectangular format is laid over the seen in paintings, for focus. Lists, diagrams, measurements, neutral descriptions, and much counting were the most common vehicles for the preoccupation with repetition, the introduction of daily life and work routines, philosophical positivism, and pragmatism.”
A noção de vazio manifesta-se aqui com a aproximação da experiência artística aos processos da vida, e vice-versa. A crítica Amy Goldin (1969), sobre a arte conceitual, diz: “No seu momento mais inventivo, possui o mistério e o encanto da própria vida. É a rigidez da arte que lhe falta.”6 (GOLDIN apud LIPPARD, 1973, p. xix, tradução nossa). Segundo Lippard, ainda em Escape Attempts (1973), o processo de extensão dos limites não cessou com a arte conceitual. Em sua fala, ela conclui que as energias ainda estão por aí, esperando que os artistas se conectem a elas, na iminência de servir como combustível potencial na expansão do que a “arte” pode significar. O galerista, curador independente, colecionador, editor e pesquisador Seth Siegelaub é reconhecido pelo seu papel na consolidação e disseminação da arte conceitual e desmaterializada no final dos anos 1960. Em conjunto com os artistas, Siegelaub lançou diversas publicações muito experimentais – como o Xerox Book, January 5-31, 1969, March, 1969, entre outras –, que redefiniram a forma e o espaço de reproduzir e expor arte, principalmente quanto às práticas conceituais. Nos muitos projetos de Siegelaub, parte das obras (ou todas) que integravam o catálogo eram apresentadas por descrições verbais, mapas e outros tipos de documentação, de forma que a existência de um trabalho configura-se fundamentalmente na própria ideia deste ou em seu projeto ou relato. A intenção ao trazer os catálogos de Siegelaub para esta pesquisa é a de discutir como, muitas vezes, o vazio pode existir como uma oposição à existência ou presença física do objeto artístico. Contemporaneamente, uma aproximação à noção de vazio pode se dar no debate sobre o sistema expositivo e os moldes tradicionais de exposição de obras de arte e, com isso, a 6
“At its most inventive, it has the mystery and charm of life itself. It is the toughness of art that is lacking”.
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perplexidade de um público que lida com ambientes vazios como obra. A exposição VOIDS, A Retrospective, que ocorreu em 2009 na Kunsthalle de Berna, na Suíça, e no Centre Georges Pompidou, em Paris, consistia numa retrospectiva em que as obras de nove artistas – Yves Klein, Art & Language, Robert Barry, Robert Irwin, Stanley Brouwn, Bethan Huws, Maria Eichhorn e Roman Ondák – foram montadas em nove salas vazias. Cada sala vazia apresentava uma ficha técnica que definia qual trabalho estaria ali montado. No texto curatorial disponível no website da Kunsthalle de Berna, os curadores apontam: […] a renovação da percepção, através de declarações políticas ou ideológicas, a desconstrução do princípio de exibir, enquanto coloca questões quanto ao papel da instituição e um ordenamento sem precedentes do vazio eloquente […]7.
Do mesmo modo, como Sontag relaciona certa “aura de indizibilidade” do vazio/silêncio a transgressões sistemáticas, essa potência foi também explorada na 28ª Bienal de São Paulo (2008) – “Em vivo contato” –, que contou com a curadoria de Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen. O objetivo da proposta curatorial, ao deixar o segundo andar do pavilhão vazio, foi lançar questões e promover um debate diante da crise financeira e política da Fundação Bienal de São Paulo. Segundo Mesquita, a decisão foi tomada a partir de uma necessidade de rever o modelo de exposição da Bienal. Deste modo, os curadores 7
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[…] a renewal of perception, through political or ideological statement, to the deconstruction of the very principle of exhibition, these exhibitions pose a range of crucial questions about the role of the institution, and this unprecedented marshalling of eloquent emptiness […]. Disponível em: <http://www. kunsthalle-bern.li/data/exhibitions/87/ENG_Press_release_with_images. pdf>. Acesso em: 26 de março de 2017.
provocaram um estado de suspensão em favor da busca por novos conteúdos e configurações: A 28ª Bienal propõe uma forma diferente de realizar a Bienal de São Paulo, com o objetivo de proporcionar uma pausa para análise e meditação sobre as possibilidades desse modelo de exposição e evento cultural, considerando as novas demandas das práticas artísticas, do ambiente cultural brasileiro e do contexto internacional em que ele se inscreve. Mais do que isso, apresenta um novo formato de exposição, propõe outra relação do público visitante com os trabalhos expostos, lançando desafios, provocações, levantando inquietações. (MESQUITA; COHEN, 2008, p. 5).
O jornal 28b, um periódico lançado semanalmente ao longo do evento, trazia uma diversidade de textos e relatos a respeito dos assuntos abordados na Bienal. Dentre eles, uma espécie de abecedário de palavras-chaves na primeira edição, no qual a palavra vazio foi definida de forma a justificar seu lugar de debate: VAZIO Como gesto simbólico, o lugar onde as coisas são em potência, plenas e ativas, ao contrário de uma manifestação niilista, na qual as coisas deixam de ser e perdem o sentido. Ele é fonte geradora, o território do devir, com múltiplas possibilidades e caminhos.8 8
BARTA, Isabela A.; REZENDE, Marcelo. Chegar, estar, fazer alguma coisa. JORNAL 28b, São Paulo, n. 1, p. 12, out. 2008.
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1.4: invenção e linguagem Lawrence Weiner (2014), em um vídeo-entrevista concedido ao Museu de Arte Moderna de Louisiana9, faz colocações com relação à arte que eu gostaria de trazer para esta discussão: É um espaço de lançar questões; É sobre realidades simultâneas; É sobre algo que ninguém notou; Pode existir através da linguagem.
Ao falar sobre arte, consequentemente, Weiner fala dos próprios meios de fazer arte. Segundo Rachel Haidu (2010, p. 87), o artista usa a linguagem para configurar uma base de produtividade e reprodutibilidade do trabalho e, por extensão, a linguagem como elemento de substituição do artista como fabricante da obra de arte. Haidu, que por sua vez cita Benjamin Buchloh, afirma que Weiner insiste na universalidade da linguagem como o meio verdadeiramente contemporâneo de receptividade coletiva (HAIDU, 2010, p. 87). É justamente o que reforça seu Statement of Intent (1969)10: a obra que pode ser fabricada, mas não necessariamente construída, garante que não exista uma hierarquização entre o objeto palpável e a ideia em si. A ideia, sustentada pela linguagem, é emancipada. Para Joseph Kosuth (1969, p. 220), “as proposições de arte não são factuais, mas linguísticas em 9
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=AscU8wKzbbE&t>. Acesso em: 12 de julho de 2017. 10 Lawrence Weiner, Statement of Intent, 1969. The artist may construct the piece The piece may be fabricated The piece need not be built Each being equal and consistent with the intent of the artist the decision as to condition rests with the receiver upon the condition of receivership.
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Saut dans le vide (1960), Yves Klein.
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seu caráter.” Segundo ele, o artista preocupa-se somente com o desenvolvimento conceitual de uma obra e como suas proposições são capazes de desenvolver-se logicamente. A obra de Weiner, The mere nomering of void makes it an it and it takes up space (ano desconhecido), fala da condição de um vazio cuja existência depende de construções linguísticas: “o simples nomear do vazio faz dele ‘algo’, e ‘algo’ toma forma/ espaço.” Em outras palavras, o vazio depende da imaginação de sua existência; depende da possibilidade de torná-lo palavra e, portanto, um objeto com propósito e significado. Outra experiência para conceituar a construção do vazio é o Saut dans le vide (1960), de Yves Klein. De forma tautológica, Klein inventou seu salto no vazio do mesmo modo que é uma invenção de espaço. O pulo foi forjado, uma vez que havia pessoas prontas para segurá-lo na queda. A fotografia – clicada por Harry Shunk e John Kender, ambos contratados por Klein – foi manipulada posteriormente no intuito de substituir os colegas do artista por um espaço vazio. A partir da construção de sentido e diante da intenção de tornar “visível” aquilo que é invisível (ou impossível), o vazio é posto em evidência como estado de experiência do impalpável e do imensurável. Em Inert Gas Series (1969), Robert Barry lançou cinco volumes de gases inertes11 – inodoros, incolores e já existentes no ar – à atmosfera. Ao testar os limites da materialidade, Barry não modificou nada no meio e ainda assim vivenciou um processo poético: devolver à atmosfera aquilo que a constitui, que já existe nela de maneira dispersa. No deserto de Mojave, na Califórnia, registrou o momento em que a ação foi realizada, em que nada aconteceu. Para falar do que existe, mas não está, no momento, ao 11 Um gás inerte é um gás não-reativo em circunstâncias normais.
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nosso alcance, da circunstância negativa daquilo que fora esquecido ou impensado, Robert Barry, às 13h36 do dia 15 de junho de 1969, escreveu: All the things I know but of which I am not at the moment thinking (Todas as coisas que sei mas não estou pensando no momento). Neste trabalho, a ideia do que é oculto à percepção imediata se coloca, de certa forma, no mesmo plano do vazio fictício, de uma ausência evocada: o desconhecido que se torna conhecido a partir do instante que é nomeado. Mais uma vez, mediada pela palavra, a invenção de um vazio vem a existir como percepção no trabalho Phrases (1971), de Lydia Okumura, em que se pode ler as seguintes inscrições: Dentro, o que existe fora Tudo, exceto nada Nada, exceto tudo Tudo, o nada incluso O que inclui tudo que se exclui
O trabalho de Cildo Meireles, Espaços virtuais: Cantos (1967-1968), traz ao quadro de referências desta pesquisa uma noção de impossível que reside no vazio. Ao propor a variação imaginativa de um canto de cômodo doméstico, Cildo distorce a percepção de espaço enquanto explora princípios euclidianos na zona tridimensional. Assim, dá margem à imaginação do vazio enquanto circunstância do imponderável e propõe reinterpretações de um espaço ao revelar configurações inexistentes que só se viabilizam na imaginação. Rirkrit Tiravanija, em Tomorrow is Another Fine Day (2004), uma exposição retrospectiva impossível de se realizar, segundo o próprio artista, por se tratar de ações e performances que não seriam reexecutadas, optou por evocar os trabalhos que compõem a exposição na fala dos educadores 29
White Light White Heat (1975), Chris Burden.
Tomorrow is Another Fine Day (2004), Rirkrit Tiravanija.
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e em audioguias, enquanto o espaço expográfico em que as obras estariam montadas seria deixado vazio, evocando apenas a memória do espaço em que ações aconteceram. Dessa forma, o visitante poderia percorrer as salas designadas para cada trabalho enquanto ouvia de alto falantes dispersos pelos ambientes uma conversa sobre as obras, filtrada pela memória e experiência, entre Tiravanija, Philippe Parreno e o autor de ficção científica Bruce Sterling. Assim como Susan Sontag (1967, p. 20) afirma que as noções de vazio e redução delinearam novas operações para os atos de olhar, ouvir etc., os espaços vazios da retrospectiva, junto da palavra, cedem sua imaterialidade a fim de promover a imaginação do que ali haveria. A experiência das salas vazias era como uma espécie de grau zero em que a conquista do vazio é vista como oportunidade de exposição que acontece na singularidade do pensamento de cada um. Na performance de Chris Burden, White Light White Heat (1975), o artista permaneceu praticamente inerte por três semanas, suspendendo pelo período o consumo de alimentos e a atividade social. Deitado sob uma plataforma aberta instalada a uma altura de três metros no canto da galeria, Burden ficava fora do campo de visão do espectador. Impedidos de acreditar no ato performático pelo olhar, a única forma de compreender sua presença era através do relato que explica a proposta artística. Robert Horvitz, numa publicação na Artforum de maio de 1976, afirma: “A suposição de que ele está ali altera tudo – mas eu não sei se ele realmente está ali.”12 Segundo Horvitz, em seu relato, sua atenção passa a buscar algum “sinal de vida” dentro 12 “The assumption that he is there alters everything - but I don’t know for a fact that he really is there.” (tradução nossa) Disponível em: <http://www.kim-cohen.com/Assets/CourseAssets/Texts/Rock%26Roll/Horvitz_Burden.pdf>. Acesso em: 19 de julho de 2017.
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Pense-BĂŞte (1964), Marcel Broodthaers.
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da galeria – o som da respiração de Burden, possíveis barulhos do corpo – e, assim, o som do silêncio se magnifica. Existe uma presença na sala, mas não há nada que a confirme. Na dimensão do que se encontra inacessível, a presença escultural de Pense-Bête (1964), de Marcel Broodthaers, não necessariamente garante acesso a seu conteúdo. Embaladas em gesso e eternamente ilegíveis, as 50 últimas cópias de seu poema de mesmo nome – provenientes de uma experiência frustrante como poeta – aproximam-se da noção de vazio uma vez que a sua leitura foi obstruída. A tentativa de imaginação do que há naquelas páginas nos traz a consciência de uma realidade onde letras e palavras cuja ordem e significado nunca serão descobertas, a não ser que o trabalho seja desconstruído. Rachel Haidu conclui: Ao invés de propor o compartilhamento colaborativo de espaço, linguagem e materiais, Broodthaers apresenta uma cena de desleixo que atesta a ruína de um homem e sua fatal “falha ao comunicar”. (HAIDU, 2010, p. 49, tradução nossa)13.
O fracasso de Broodthaers o levou à supressão de sua própria obra literária em favor de uma obra de arte, deixando, de certa forma, o miolo em suspensão, disposto a tomar a forma que o espectador deseja. Lucy Lippard, ao comentar a arte conceitual em um dos cards que formava o catálogo da exposição 955,000 (1970), acaba por explicar acidentalmente o cenário de Pense-Bête: 13 In lieu of opening a collaborative sharing of space, language, and materials, Broodthaers presents a sloppy scene testifying to one man’s ruin, his fatal “failure to communicate.”
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A arte deliberadamente “discreta” muitas vezes se assemelha a ruínas, como monumentos neolíticos em vez de clássicos, amálgamas do passado e do futuro, remanescentes de algo “mais”, vestígios de uma iniciativa desconhecida. O fantasma do conteúdo continua pairando sobre a arte mais obstinadamente abstrata. Quanto mais aberta ou ambígua a experiência proposta, mais o espectador é forçado a depender de suas próprias percepções. (LIPPARD, 1973, p. xi, tradução nossa)14.
Em seu conto fantástico O Aleph (1949), Jorge Luis Borges narra a condição de compreender absolutamente todas as instâncias de tempo e espaço já presenciadas desde o início da existência: o Aleph é um ponto no espaço que contém todos os pontos do universo. O mundo visto de todos os ângulos possibilita uma interpretação de vazio como revelador de uma existência oculta não constatada, mas totalmente imaginável e factível na mente; como o veículo que permite a visão e concepção de mundo partindo de outros ângulos: É possível que os deuses não me negassem o achado de uma imagem equivalente, mas este informe ficaria contaminado de literatura, de falsidade. Mesmo porque o problema central é insolúvel: a enumeração, sequer parcial, de um conjunto infinito. Nesse instante gigantesco, vi milhões de atos agradáveis ou 14 Deliberately low-keyed art often resembles ruins, like neolithic rather than classical monuments, amalgams of past and future, remains of something “more,” vestiges of some unknown venture. The ghost of content continues to hover over the most obdurately abstract art. The more open, or ambiguous, the experience offered, the more the viewer is forced to depend upon his [sic] own perceptions.
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atrozes; nenhum me assombrou mais que o fato de todos ocuparem o mesmo ponto, sem superposição e sem transparência. (BORGES, 1972, pp. 132-133).
A impossibilidade de dar conta da existência de um vazio nos exige que ele seja imaginado, narrado ou inventado por nós mesmos, com ferramentas que a experiência nos dá. As obras supracitadas neste capítulo tentam enfatizar uma invenção de vazio que parte da linguagem e da imaginação de um elemento oculto que é evocado pela proposta artística. Seja toda a informação que sabemos, mas não estamos pensando no momento, como na obra de Barry; ou nas configurações de espaço impossíveis de Cildo; no objeto imaterializado que é obra de arte; na inviabilidade física de ver o artista por conta da altura elevada da plataforma na performance de Burden; ou a inacessibilidade de ler o que está escrito nos poemas de Broodthaers. A palavra “imagem” não precisa ser usada apenas para significar representação (no sentido de uma coisa se referir a algo diferente de si próprio). O verbo representar pode ser definido como a mudança nos quadros referenciais do espectador do espaço dos eventos para o espaço das declarações ou vice-versa. Imaginar (em oposição à imagem) não é uma preocupação pictórica. A imaginação é uma projeção, a exteriorização de ideias sobre a natureza das coisas vistas. Ela reproduz o que é inicialmente sem produto. (BOCHNER, 1970 apud LIPPARD, 1973, p. xv, grifo nosso, tradução nossa).
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Para o artista Mel Bochner (1970), a imaginação dá conta daquilo que, inicialmente, não tem forma. O exercício de invenção do vazio torna-se uma via de acesso a essa ideia/conceito, uma vez que o vazio, em hipótese alguma, pode existir no mundo. O vazio é um termo criado para algo “aparentemente” inocupado, inabitado, sem nada, de matéria ausente, em que a invisibilidade acontece. Sua existência, para nós, ocorre na linguagem e quando nomeamos objetos e suas propriedades a fim de impor uma ordem ou qualidades e aspectos a uma dada situação. Como, então, se referir ao vazio, estando ciente da ficcionalização de espaço, percepção, situação que o termo evoca? A linguagem sempre irá se sobrepor a nós. Noções comuns e inventadas de vazio sempre existirão, porque não possuímos habilidades sequer para genuinamente falar de algo que não existe. Nesse sentido, vale retomar o que propõe Agamben (1990, p. 48): a linguagem é tanto falha como possibilidade. Em toda a lamentação, o que se lamenta é a linguagem, assim como todo o louvor é, antes de mais, louvor do nome. Estes são os extremos que definem o âmbito e a vigência da língua humana, o seu modo de se referir às coisas. Aí, onde a natureza se sente atraiçoada pela significação, começa a lamentação; onde o nome diz perfeitamente a coisa, a linguagem culmina no canto de louvor, na santificação do nome. (AGAMBEN, 1990, p. 48). Ainda que não consigamos mensurar com exatidão o vazio, a polifonia da linguagem nos dá instrumentos para que um entendimento de vazio seja ampliado, inventado, exercitado. Um jogo de linguagem, construído de tal forma, pode fazer com que distintas acepções passem a coexistir em encontros e embates. A lógica do vazio é especialmente fundamentada na linguagem: “a possibilidade de pensar e falar sobre o mundo deve-se ao fato de haver algo em comum entre linguagem e mundo.” (WITTGENSTEIN apud CONDÉ, 1998, p. 52) 36
capítulo 2
DISPOSITIVOS E PROCEDIMENTOS PARA UM EXERCÍCIO CURATORIAL
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Na presente pesquisa há uma insistência acerca do “vazio” como questão. Este capítulo conta com a apropriação de duas noções que, como perspectivas de ação, servirão de base para pensar o vazio e para a elaboração de um projeto de curadoria. A primeira noção fundamental é o conceito de fabulação, de Gilles Deleuze, no livro A imagem-tempo (1990). A segunda é a noção de ensaio como forma, de Theodor Adorno, discutida em Notas de literatura I (publicado no Brasil em 2003). Assim, proponho neste capítulo uma breve discussão, a fim de identificar dispositivos e procedimentos que contribuam para o debate acerca de noções de vazio e que possibilitem atribuir sua percepção a uma pluralidade criadora, entendida como possíveis instâncias de um conceito em fluxo, em transformação e nada rígido.
2.1 a potência do falso Proponho, nesta pesquisa, uma percepção acerca do vazio como uma ficção, uma fabulação. Segundo Deleuze, a ficção eleva-se em conjunto com a criação e traz a potência do falso. Para o autor, a descrição e a narrativa cinematográfica distinguem o regime orgânico de um cristalino. No regime cristalino – o qual convém às várias condições do vazio –, o objeto deve sua realidade à descrição que se faz dele. Enquanto se mostra como narração cristalina e fictícia, “a potência do falso não é separável de uma irredutível multiplicidade” (DELEUZE, 1990, p. 163). Assim, proponho pensar o vazio como um ambiente que se inventa e se instala no devir, no vir a ser movimentado 39
pelo pensamento na sua potência de ampliação de sentidos. E o fabular é uma proposta de envolvimento no falso, de modo que suspenda o limite entre o verdadeiro e o não-verdadeiro, desprendendo-se da imagem representacional e conferindo espaço à variação imaginativa. Desse modo, pensar o vazio é viver a perplexidade no âmago do ser, é a tentativa de alcançar o impossível, o ilocalizável espacial e temporalmente; é buscar sentido a partir de orientações que miram o nada, uma experiência de deslocamento para o território do imponderável. Penso que uma forma de entender as estruturas em que o vazio é fabulado e inventado pode se dar no entendimento do que é uma narração cristalina, como propõe Deleuze. Em As potências do falso15, o autor contrapõe dois tipos de narração: a verídica e a cristalina. Na primeira, se denomina “verídica” por ser o corpo o centro da ação e, portanto, a narrativa consiste no desenvolvimento dos esquemas sensório-motores, na nossa experiência real de como corpos se comportam no espaço tridimensional. Na segunda, a imagem-movimento não exige uma memória de atuação corporal no espaço, pois se constitui de situações puramente óticas e sonoras, ativando somente o funcionamento de um aparelho sensorial e imaginativo. Assim, “se já não há um real a ser desvendado, a forma do verdadeiro que constitui a narração verídica cede lugar às potências do falso dando ensejo a uma narração falsificante” (PIMENTEL, 2010). A não-existência de um vazio no mundo real exige de nós mesmos a criação e invenção de vazios a todo momento, na tentativa de entender algo que não possui forma prévia, como um ambiente que se reinventa no momento em que ocorre no pensamento e na ação constitutiva de cada 15 As potências do falso é um capítulo do livro de Gilles Deleuze, A imagem-tempo (1990).
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sujeito. Com isso, há aí a possibilidade de nos instalarmos no devir criador desprendido de fixações, deslocados de um tempo cronológico. A mesma potência criadora do vazio é uma potência criadora de mundos. A fabulação desponta como o gesto que me permite perscrutar potências de vazio nos instantes em que a arte, por exemplo, exige/evoca a imaginação ou a tentativa de acesso a algo que se encontra no plano do impossível, do invisível, do não dado: a diligência de sequer pensar numa estrutura subjetiva que corresponda à forma do que não tem resposta. Ao que não tem resposta, portanto, a forma do vazio surge como invenção de possibilidades. As noções de vazio são, assim, narradas por meio do processo de fabulação, que traz a criação de novas percepções ao instaurar uma realidade “falsificante” de novas memórias. Segundo Pimentel (2010, p. 135), a função fabuladora falsifica a memória justamente por não desejar a fixação do objeto no tempo, por não almejar uma verdade definitiva e estável, mas por se instalar no presente constante que se volta para o futuro: “a fabulação é a memória do futuro”. O que se opõe à ficção não é o real, não é a verdade que é sempre a dos dominantes ou dos colonizadores, é a função fabuladora dos pobres, na medida em que dá ao falso a potência que faz deste uma memória, uma lenda, um monstro. (DELEUZE, 1990, p. 183). A fabulação suspende conceitos definitivos de verdadeiro e falso, mas legitima a invenção constante de novas formas e percepções, à medida que afeta o indivíduo enquanto se desdobra como possibilidade de memória e de experiência, tão vívida e real que é capaz de produzir interferência em nossas ações sobre o mundo. Nesta pesquisa, tento narrar o vazio que, enquanto circunstância do imponderável, se vale da função fabuladora no tempo/espaço, entendendo que o mais próximo 41
que chegamos de sua manifestação é por meio de uma experiência de imaginação, invenção, criação.
2.2 a experiência do ensaio O ensaio reflete o que é amado e odiado, em vez de conceber o espírito como uma criação a partir do nada, segundo o modelo de uma irrestrita moral do trabalho. Felicidade e jogo lhe são essenciais. Ele não começa com Adão e Eva, mas com aquilo sobre o que deseja falar; diz o que a respeito lhe ocorre e termina onde sente ter chegado ao fim, não onde nada mais resta a dizer: ocupa, desse modo, um lugar entre os despropósitos. Seus conceitos não são construídos a partir de um princípio primeiro, nem convergem para um fim último. Suas interpretações não são filologicamente rígidas e ponderadas, são por princípio superinterpretações, segundo o veredicto já automatizado daquele intelecto vigilante que se põe a serviço da estupidez como cão-de-guarda contra o espírito. (ADORNO, 1954, p. 17).
O ensaio, segundo as acepções de Adorno, permite dissertar sobre um vazio que é concebido a partir da experiência. Em seu modo de operar, o ensaio distancia-se do procedimento definidor, no qual o objetivo da investigação é findar num campo de certeza absoluta. Nesta pesquisa, a fabulação de vazio vale-se da forma do ensaio. Ainda que composta de incertezas que não constituem uma verdade totalizante, viabiliza 42
a percepção de um determinado assunto a partir da própria singularidade: “o ensaio, porém, não quer procurar o eterno no transitório, nem destilá-lo a partir deste, mas sim eternizar o transitório” (ADORNO, 1954, p. 27). A relação com a experiência – e o ensaio confere à experiência tanta substância quanto a teoria tradicional às meras categorias – é uma relação com toda a história; a experiência meramente individual, que a consciência toma como ponto de partida por sua proximidade, é ela mesma já mediada pela experiência mais abrangente da humanidade histórica […]. (ADORNO, 1954, p. 26).
O ensaio toma a experiência como substância, da mesma forma que os dados obtidos em um experimento científico se tornam elementos fundamentais na formulação de uma teoria. O vazio em um gesto ensaístico, e diante das perspectivas levantadas no presente trabalho, mantém uma unidade contingente de fragmentos que lhe são atribuídos à medida que o imponderável ocorre na experiência individual, e seus vários momentos “se entrelaçam como num tapete” (ADORNO, 1954, p. 30). O ensaio como gesto para fabular o vazio forma um campo de forças criadoras. No ensaio, as satisfações que a retórica quer proporcionar ao ouvinte são sublimadas na ideia de uma felicidade da liberdade face ao objeto, liberdade que dá ao objeto a chance de ser mais ele mesmo do que se fosse inserido impiedosamente na ordem das ideias. (ADORNO, 1954, p. 41). 43
O ensaio permite invenções e percepções de vazio conforme interpretações acerca deste vão sendo criadas frente ao campo múltiplo e diverso de possibilidades que o objeto artístico pode engendrar. Esta pesquisa adere à proposição de Adorno como tentativa para experimentar o vazio: “o ensaio deve permitir que a totalidade resplandeça em um traço parcial, escolhido ou encontrado, sem que a presença dessa totalidade tenha de ser afirmada” (1954, p. 35). Assim, seu caráter “audacioso e antecipatório” traz a inverdade que, como elemento fundamental em sua configuração, “conscientemente se deixa enredar” (ADORNO, 1954, p. 30). O ensaio tem a ver, todavia, com os pontos cegos de seus objetos. Ele quer desencavar, com os conceitos, aquilo que não cabe em conceitos, ou aquilo que, através das condições em que os conceitos se enredam, acaba revelando que a rede de objetividade desses conceitos é meramente um arranjo subjetivo. Ele quer polarizar o opaco, liberar as forças aí latentes. Ele se esforça em chegar à concreção do teor determinado no espaço e no tempo; quer construir uma conjunção de conceitos análoga ao modo como estes se acham conjugados no próprio objeto. (ADORNO, 1954, p. 44).
2.3 a curadoria como plataforma A curadoria é entendida nesta pesquisa como uma proposta ensaística e de natureza experimental. Ao me interessar por noções de vazio, suas formas de experiência e pensar em 44
modos de propô-las, busco por dispositivos e procedimentos curatoriais que fazem da pluralidade um ruído uníssono – não no intuito de nivelar, massificar ou desfazer a diversidade, mas como possibilidade de proporcionar experiências diversas e gerar conhecimento a partir de proposições artísticas inseridas num mesmo lugar: o espaço expositivo. Desse modo, no encontro/confronto com múltiplas obras e linguagens, a configuração ensaística da mostra pode desencadear um processo de contaminação entre artistas, obras e público e afetar outras áreas do conhecimento, estimulando o pensamento crítico e a criação de narrativas e fabulações. Como estudante de artes visuais, a partir do exercício de observação das minhas estratégias de ação, pude constatar processos que se alinham aos processos curatoriais, como um interesse pela prática investigativa, pela catalogação, pelo pensamento projetual, pela constituição de relações entre trabalhos e possíveis organizações destes em arquivos, assim como a constante pesquisa sobre práticas artísticas. Tento me aproximar do papel do curador como uma propositora de experiências. Pretendo, nesta pesquisa, experimentar me valer da exposição como situação para lançar questões que proponham reflexão sobre um estado de mundo. Como diz Jens Hoffmann em seu texto A exposição como trabalho de arte (2003), “a ideia é criar formas que sejam ‘instáveis’, no sentido de não se remeter à construção representacional de uma ideia ou condição, mas sim a um conjunto de proposições vividas”16 . O texto de Hoffmann põe em palavras minhas ideias diante de uma proposta curatorial que busca reunir diferentes noções de vazio. Oposto ao que seria trazer uma representação de vazio, almejo propor experiências: fazer sentir no 16 HOFFMANN, Jens. A exposição como trabalho de arte. In: Concinnitas: Revista do Instituto de Artes da UERJ. Rio de Janeiro, Ano 5, número 6, julho 2004.
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corpo o nó do vazio como vivência particular e subjetiva. As “formas instáveis” dizem respeito a um sentido que está por vir, vir a ser vivido e experienciado pelo público, em cada experiência individual. O exercício curatorial, para mim, funciona fundamentalmente nas instâncias do “outro” com as quais lida, desde as negociações feitas ao longo do processo, mas principalmente quanto às figuras do público e do artista. Assim, percebo nas minhas intenções algo que se aproxima do que Ricardo Basbaum reconhece como as intenções de um artista-etc. Ao passo que a prática do curador consiste em relações de alteridade e busca na reunião de poéticas alheias uma hipótese curatorial, Basbaum afirma: Esta movimentação para fora de si não deixa de ser uma condição do próprio exercício do gesto poético, que foge do loop narcísico e busca hospedagem no corpo do outro – espectador, audiência, público… – mas que também pode ser encontrada no elenco de práticas daqueles artistas que se inscrevem na tradição de hibridização junto a poéticas alheias, em que buscam as singularidades da alteridade conforme se manifestam através de seu próprio jogo de corpo: o exercício de atividades – institucionalizadas em maior ou menor grau – de interlocução informal e produção crítica, por exemplo, ou de agenciamento de trabalho e curadoria. Tais artistas de algum modo colocam-se como atravessadores a partir de quem múltiplas alteridades vêm a se constituir discursiva ou espacialmente – mas o decisivo acaba sendo mesmo a (feliz) impossibilidade 46
de anulamento da própria poética, cuja presença produz o tempero característico desta expressividade híbrida e múltipla: falar do outro sempre através de si mesmo é falar de si através do outro. (BASBAUM, 2013, p. 69-70).
Em seu texto, o autor discute também o fato de que muitos dos principais críticos de arte são poetas – “escritores inventores de linguagem” (2013, p. 70) – uma vez que o anulamento da própria poética é impossível, segundo Basbaum. Diante disso, coloca: “se o lugar de agenciamento crítico tem sido explicitado como região de invenção de linguagem […] o que se passa no caso do possível ‘jogo curatorial’, quando a ação de agenciamento é voltada especificamente para a construção de exposições?” (BASBAUM, 2013, p. 70). A perspectiva desenvolvida no texto propõe como resposta a ideia de que o “artista como curador” reafirma seu próprio fazer diante da realização de um evento/exposição. “Falar do outro através de si mesmo” passa a ser “falar do outro para o outro através de si mesmo” à medida que a discussão é colocada em esfera pública. Mais uma vez, retorno às palavras de Jens Hoffmann e me aproprio destas para refletir sobre uma possível ação curatorial: […] o momento em que a construção de uma exposição se encontra com a sociedade, em que cria uma relação em direção aos espectadores que lhes permite se tornarem sujeitos de suas próprias experiências. Estou buscando uma equação entre representações de arquivo e expressões performáticas, modos diferentes de se dirigir ao espectador para 47
obter uma consciência das situações sociopolíticas nas quais as exposições ganham forma. (HOFFMANN, 2003, p. 21).
A intenção de levar adiante esta pesquisa, ao torná-la um projeto de exposição, é a de que uma proposição curatorial ou artística pode ganhar muitos outros sentidos quando as questões exploradas são discutidas e se efetivam em estados de reflexão. Segundo Hannah Arendt, em A condição humana (1958): Tudo que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que pode ser discutido. Haverá talvez verdades que ficam além da linguagem e que podem ser de grande relevância para o homem no singular, isto é, para o homem que, seja o que for, não é um ser político. Mas os homens no plural, isto é, os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmos. (ARENDT, 1958, p. 4-5).
Na minha vivência, a arte acontece essencialmente na experiência, durante os processos de percepção, durante o encontro, o diálogo, no embate com a linguagem. Assim como Hannah Arendt afirma que tudo que os homens fazem só tem sentido na medida em que pode ser discutido, o potencial de mobilização da arte eleva-se ao passo que são compartilhadas e debatidas experiências e percepções sobre arte, sobre afetos, sobre as coisas do mundo. Nesse lugar de troca, fala e escuta – no espaço expositivo, na presença da obra, no calor do 48
debate ou no que nos escapa depois da experiência –, as obras de arte estão atuando em sua potência como provocadoras de construção de sentido e de discussão. Logo, a escolha da curadoria como plataforma se sustenta por uma crença de que a arte pode alavancar ações de disseminação, proposição e investigação de questões políticas, culturais, sociais, afetivas e a partir dessa experiência transformadora de encontro com a arte no espaço da exposição, a partir da experiência diante e junto com a obra, é possível compartilhar e formular com o público versões e visões de mundo.
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capítulo 3
ANOTAÇÕES DE PENSAMENTO PROJETUAL EM CURADORIA
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3.1 mapa conceitual Diante da complexidade das múltiplas noções, fabulações, narrativas, percepções de vazio, a elaboração de um mapa conceitual para articular os eixos que entrecruzam essas noções pode auxiliar na elaboração de um projeto para uma exposição, como um procedimento de curadoria: pensar nos trabalhos, revisitar meus arquivos de pesquisa, articular eixos conceituais da exposição, como os artistas e suas poéticas se relacionam e como todos esses componentes atuam na construção de uma mostra coletiva. No intuito de produzir uma visualidade desse processo de curadoria, busquei na própria pesquisa e no texto palavras norteadoras que foram utilizadas na construct das acepções de vazio como, por exemplo, indizível, transitório ou invenção. Assim, foram criados grupos de ideias/conceitos que reúnem substantivos, adjetivos, verbos e frases que correspondem a cada uma das cinco características/campos conceituais fundamentais que compõem a noção de vazio como fabulação/ficção. A intenção dessa edição da pesquisa-ensaio diz respeito às obras escolhidas para o projeto de exposição. São estes os grupos: imponderável; multiplicidade/infinito; ficção; desmaterialização/ausência/negação e materialização do vazio.
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3.2 territórios imponderáveis 3.2.1. texto de curadoria Territórios imponderáveis O título deste projeto de exposição traz em si uma tentativa de discutir o lugar ao qual somos levados diante da tentativa de pensar o vazio que, como circunstância do inconcebível, solicita sua própria invenção à medida que ocorre na experiência individual. Fundamentado na ficção, é fonte infinita de interpretações e perspectivas, justamente porque não há distinção entre verdadeiro e falso, absorvendo tudo como uma possibilidade. Ao reunir produções recentes e dos anos 1960, este projeto curatorial busca construir um ensaio visual com fabulações, ficções e experimentações em que noções de vazio são experiências propostas nos trabalhos artísticos ou integram processos de criação. A existência de um vazio absoluto é impossível, como já discutido ao longo dessa pesquisa. Desse modo, essa imponderabilidade nos desafia a uma constante invenção de instâncias de vazio. Entrelaçado com o conceito de fabulação de Gilles Deleuze, traz a potência do falso como vertente criadora e propõe o encontro com a obra na configuração do espaço expositivo também como um ato criativo de fabulação do vazio. Criar percepções e ficções sobre o vazio nos coloca diante de hiatos como aquilo que pode ser e não ser, estar e não estar, pela possibilidade de abrigar o mundo e ainda assim ser “vazio”. Como instância múltipla, ambígua, fluida e propositiva de tantos “possíveis”, as possibilidades de pensar e inventar noções e percepções de vazio são muitas e se dão a ver nas 54
tramas e enredos de cada sujeito em suas vivências particulares e /ou coletivas. O lugar, portanto, corresponde a um território de certezas, bem como de incertezas, de consistência maleável, que possibilita a existência a partir do pensamento. Como terreiro de constante fabulação do impossível, do invisível e do impalpável, o vazio impõe uma presença mas não é possível apontá-la, por efeito da qual investimos pensamento em tentar dar nome ao que não existe. A exposição organiza-se de modo a propor experiências de percepção do vazio, em algumas possíveis instâncias, a saber: como processo de vivência de espaço, como manifestação do inexistente ou sentimento de mundo, como qualidade de objetos, como visualidades, como narrativas a serem criadas por meio das mais distintas perspectivas e subjetividades. No contexto dessa mostra, uma concepção de vazio é proposta como: - Ficção e fabulação, dado que não existe no mundo, pois há de ser imaginado, criado e inventado para existir; - Circunstância do imponderável, por tomar formas múltiplas e lidar com ambiguidades existenciais, por ser do mesmo material do qual se tece o impossível, que não existe no mundo, e, portanto, torna difícil sua compreensão; - Território de suspensão e questionamento, nos colocando em estado de percepção e invenção do imaterial, do invisível e do impalpável; - Um “sempre retrocedente horizonte”, expressão presente em Susan Sontag (A vontade radical, 1966). Como algo inalcançável, que se esvai à medida que nos aproximamos, que possui configurações que sempre o manterão em um plano inatingível; - Como qualidade, circunstância ou materialidade fundamentada na linguagem. 55
Diante de um conceito em fluxo, que não se estabiliza, que se reinventa a cada momento e pode suscitar muitas formas e percepções, foram criados eixos de sustentação/campos conceituais na exposição que refletem sobre as obras. Após as definições dos eixos, elenco os artistas que compõem cada um. Ocorrem algumas repetições de artistas quando estes são considerados como elementos de transição ou ambivalência entre eixos.
3.2.2 Eixos da exposição Imponderável: sobre o inconcebível, inimaginável, inefável. Sobre aquilo que escapa à consciência por não ser conhecido ou por não existir, algo inalcançável e retrocedente. Artistas: Cildo Meireles (Espaços virtuais: cantos, 1967-1968); Ana Mazzei (Pausa longa, 2012); Lydia Okumura (Quatro frases, 1971); Robert Barry (All the things I know but of which I am not at the moment thinking, 1974); Bas Jan Ader (Thoughts unsaid, then forgotten, 1973 e In search of the miraculous, 1975). Multiplicidade/Infinito: o território do devir e da variação imaginativa. A potência criadora de mundos. Artistas: Marcius Galan (Uma linha contém infinitos pontos, 2011); Yves Klein (IKB 42, 1960); Lydia Okumura (Quatro frases, 1971). Ficção: quando a ficcionalização ou fabulação são gestos da imaginação ou da memória. Artistas: Cildo Meireles (Espaços virtuais: cantos, 1967-1968); Ana Mazzei (Pausa longa, 2012); Lawrence Weiner (The mere nomering of void makes it an it an it takes up space, s.d.).
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Desmaterialização/Ausência/Negação: sobre o objeto imaterial, a negação, ou ausência de uma forma. Onde o “nada” acontece, onde o silêncio se mantém. Artistas: Lydia Okumura (Quatro frases, 1971); Graziela Kunsch (Prefiro não fazer, 2011); Robert Barry (Gases inertes, 1969). Materialização do vazio: quando há uma presença nomeável, um “invisível” que se torna materializado pela linguagem, quando o vazio é entendido como matéria ou manifesto no objeto. Artistas: Cildo Meireles (Esfera invisível, 1996); Lawrence Weiner (The mere nomering of void makes it an it an it takes up space, s.d.); Detanico Lain (Selected/Deleted Landscape, 2005); Yves Klein (IKB 42, 1960). Dessa maneira, as obras, aqui selecionadas, são elucidações desses pensamentos, se realizam no campo da experiência, no confronto com o objeto artístico, mas não se estabilizam apenas e obviamente nesses eixos conceituais. Os eixos supracitados foram constituídos como metodologia expográfica, numa instância processual do projeto de curadoria, de modo que estabelecem conexões entre si a fim de formar uma possível manifestação do vazio, construída em forma de ensaio a partir da investigação de práticas artísticas que datam desde os dias da arte conceitual até a atualidade. No intuito de propor uma configuração expográfica hipotética, que por enquanto se mantém na esfera projetual ou entende-se como um exercício, a expografia desta mostra foi pensada a partir do espaço da sala de exposição da Oficina Cultural Oswald de Andrade. Dessa forma, este projeto e sua expografia serão revistos diante de uma oportunidade futura em que possivelmente teriam de ser readaptados para outro local. 57
3.2.3 Lista de obras Lawrence Weiner, s.d. The mere nomering of void makes it an it & an it takes up space. Técnica e dimensões desconhecidas.
A obra de Lawrence Weiner discute a condição de um vazio cuja existência conecta-se a construções linguísticas. O vazio é materializado pela palavra a partir da constatação de sua presença, viabilizada na imaginação.
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Lydia Okumura, 1971. Quatro Frases, fotos de pinturas sobre painéis de exposição, SESC Vila Nova. Xerox e caneta sobre papel. Dimensões: 24 x 24 cm cada.
A partir de um jogo de palavras, vazio e não-vazio movem-se por entre ideias de existência e de não existência, de tudo e de nada.
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Robert Barry, 1974. All the things I know but of which I am not at the moment thinking 1:36 PM — June 15, 1969. Lápis sobre parede. Dimensões variáveis.
Na obra de Robert Barry o vazio é evocado na circunstância negativa daquilo que fora esquecido ou impensado. A ideia do que é oculto à percepção imediata se coloca junto a um vazio inacessível: o desconhecido que se torna conhecido a partir do instante em que é nomeado.
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Robert Barry, 1969. Gases Inertes ou Inert Gas Series/Helium, Neon, Argon, Krypton, Xenon/From a Measured Volume to Indefinite Expansion. Ação no Deserto de Mojave, Califórnia. Dimensões do pôster: 89,3 x 58,8 cm.
Robert Barry produziu um pôster para uma exposição que não possuía nem local, nem data. O endereço da galeria é de uma caixa de correio, e o número de telefone reproduz uma mensagem de voz pré-gravada que descreve a ação. A proposta da exposição seria para apresentar uma ação de Barry lançando cinco volumes de gases inertes – inodoros, incolores e já existentes no ar – à atmosfera. Inscrição no pôster: Robert Barry/ Inert Gas Series/Helium, Neon, Argon, Krypton, Xenon/From a Measured Volume to Indefinite Expansion/April 1969/Seth Siegelaub 6000 Sunset Boulevard, Hollywood, California 90028/213 HO 4-8383.
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Ana Mazzei, 2012. Pausa Longa. Bloco de concreto com a frase “move a cabeça para trás e examina o zênite (pausa longa)”. Dimensões: 38 x 45 x 6 cm.
A obra de Ana Mazzei nos convida para um ato imaginativo de examinação do zênite. O zênite é um ponto fictício posicionado diretamente acima de um local específico na esfera celestial imaginária. A obra se alinha com o vazio à medida que exige a imaginação do inexistente para acontecer.
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Cildo Meireles, 1967-1968/2008. Espaços Virtuais: Cantos. Madeira, tela, pintura, chão de parquet. Dimensões: 305 x 100 x 100 cm.
O artista produziu uma série de desenhos e esculturas em que estuda a materialização do impossível ao propor a variação imaginativa de um canto de cômodo doméstico. Ao distorcer princípios euclidianos, Cildo se vale da ideia de espaço virtual para aproximar o público de uma realidade inconcebível, suscitando a mesma perspectiva de existência do vazio.
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Cildo Meireles, 1996. Esfera Invisível. Alumínio. Dimensões: 50 x 50 x 50 cm.
O trabalho de Cildo Meireles lida com questões de visibilidade e invisibilidade enquanto propõe a materialização daquilo que pode ser somente imaginado. A esfera é invisível, e um vazio a preenche. Segundo o próprio artista, quando o cubo é aberto, a esfera se torna “duplamente invisível”, pois existe somente na imaginação e nunca poderá ser vista. Na tampa da caixa de alumínio, lê-se: Esfera invisível. Diâmetro: 25 cm. Peso: “irrelevante”.
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Bas Jan Ader, 1973. Thoughts unsaid, then forgotten. Bastão de tinta a óleo, tripé de iluminação, flores, vaso. Dimensões variáveis.
A instalação de Bas Jan Ader consiste em uma parede pintada de branco, um vaso de flores no chão e um foco de luz apontando para a inscrição na parede, que diz: thoughts unsaid, then forgotten (pensamentos não ditos, então esquecidos). No decorrer da mostra, as flores murchariam, e a frase, como o resto da parede, seria pintada novamente em sua cor original. O apagamento do que havia ali escrito, assim como o que estava sendo dito, implica uma noção de vazio que se origina no esquecimento, na dimensão do que é inacessível.
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Bas Jan Ader, 1975. In Search of the Miraculous. Dezoito fotografias preto-e-branco com inscrições gravadas em tinta branca. Dimensões: 20 x 25 cm.
In Search of the Miraculous foi um projeto inacabado que consistia em três partes, cada parte correspondendo a uma ação: uma caminhada noturna partindo das colinas de Los Angeles até o mar; cruzar o oceano Atlântico em um barco a vela; outra caminhada noturna, em Amsterdam, espelhando as fotografias tiradas em Los Angeles. No decorrer do que seria a segunda etapa, seis meses após sua partida da costa leste americana com destino a Chatham, Inglaterra, seu barco foi encontrado semi-submerso próximo à costa da Irlanda, mas o artista havia sumido. A tragédia de seu desaparecimento reitera a instância de milagre da qual o artista estava em busca. Seu fim incerto traz o vazio àqueles que procuram uma resposta para o ocorrido. A causa da morte de Bas Jan Ander vai estar pra sempre em um plano inacessível.
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Yves Klein, 1960. IKB 42. Pigmento e resina sintética em gaze sobre painel. Dimensões: 199 x 153 x 2,5 cm.
Num projeto artístico identificado pelo artista mais como um projeto de vida, Klein produz um discurso no qual sustenta as noções imateriais de que o infinito reside no vazio e azul é a cor que este representa. A materialização do vazio, enquanto configurada na monocromia, apresenta capacidade de promover experiência estética que se mostra como um convite ao devaneio.
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Marcius Galan, 2011. Uma linha contém infinitos pontos. Madeira pintada e alfinetes de mapa. Dimensões: 200 x 300 cm.
Diante do princípio euclidiano de que uma linha abriga infinitos pontos, o artista materializa a aparente transgressão de espaço que o fundamento matemático sustenta. Com isso, se vale de noções como finito e infinito, contínuo e descontínuo, noções que o vazio evoca dentro de sua configuração de espaço imaterial.
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Graziela Kunsch, 2011. Sem título (prefiro não fazer). Folha de papel branco, inscrição a lápis, moldura. Dimensões: 23 x 31 cm.
Ao recorrer à sentença presente em Herman Melville, a artista apresenta uma negação afirmativa diante da insatisfação de estar presente. Com isso, a ausência da ação aponta para o fazer artístico enquanto, contraditoriamente, o nega como produtor de um objeto. O trabalho de Graziela reitera a condição de vazio a partir da negação, que suscita algo por meio de sua ausência.
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Detanico Lain, 2005. Selected/Deleted Landscape. Animação em preto-e-branco. Loop. Dimensões variáveis.
No trabalho de Angela Detanico e Rafael Lain, uma imagem em baixa resolução é apresentada em dois tempos: animada pela ferramenta de seleção do Photoshop e deletada, deixando o rastro de sua seleção e formando, assim, uma nova imagem. A obra discute noções de percepção, presença e ausência, bem como traz – junto do ato de recusar – uma presença.
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3.2.4 planta expogrรกfica: estudo preliminar.
considerações finais
A dificuldade de falar do vazio é uma constante. A busca por palavras que espelhem o indizível é cansativa e por vezes repetitiva. Propor uma pesquisa sobre o vazio foi uma tarefa árdua e complexa. Para discutir a partir desse estado/noção/situação de imponderabilidade, verbos como entender, definir, demarcar, determinar, concluir, interpretar não se aplicam. Não se discute o vazio assim como se discute objetos palpáveis presentes no mundo. Logo, procurei apresentar questões que pela natureza de seu “objeto” não poderiam conduzir a conclusões, mas que estruturalmente se mostram igualmente transitórias e fluidas, assim como o vazio se apresenta em distintos contextos. Todas as noções são passíveis de uma certa efemeridade, e por isso a forma do ensaio se demonstra eficiente como exploração e investigação. Ao refletir sobre as percepções colhidas ao longo desta pesquisa, possíveis discussões acerca das manifestações do vazio como apresentadas nos capítulos revelaram uma substancial proximidade com a ideia de experiência (subjetiva e particular), como filtro que processa e formula sentidos no mundo. Os processos de leitura contribuíram com a construção de eixos norteadores e os autores e artistas investigados foram imprescindíveis para a consciência de um vazio multifacetado. É possível dizer que a investigação de instâncias de vazio em trabalhos artísticos, literários, teóricos e/ou científicos poderia muito bem ser infindável, mas limitei-me a alguns nomes, a princípio, no intuito de reunir trabalhos que reiteravam as propostas de cada eixo. Diante de um interesse pela curadoria, pela prática investigativa e pela ideia de proporcionar experiências a partir de 74
trabalhos e proposições artísticas, desenvolvi nessa pesquisa um projeto de exposição no intuito de exercitar e experimentar o processo curatorial. A experiência de elaboração do projeto se mostrou como um exercício de organização e contextualização de ideias no espaço expositivo, dispostas a fim de propor experiências que suscitassem, tecessem e transparecessem o que, para citar Ricardo Basbaum, “fala de si mesmo através do outro”. É importante salientar que o projeto apresentado nesta pesquisa é um primeiro esboço de algo que ainda pode tomar outras dimensões conforme ampliam-se os horizontes do que está por vir. Sobre tais horizontes, e a partir do meu atual lugar de fala, a pesquisa em arte e a prática curatorial despontam como possibilidades do vir a ser, como atividades que correspondem ao ponto onde confluem todos os meus possíveis interesses: o encontro entrópico – de deriva, pesquisa e experimentação – de processos que conectam arte com a vida e as tantas disciplinas e pensamentos que complexificam essas instâncias.
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referências bibliográficas
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Errata 1. Na página 35, foi omitida a nota de rodapé referente a versão original da citação de Mel Bochner. Segue abaixo: 14a. The root word “image” need not be used only to mean representation (in the sense of one thing referring to something other than itself). To represent can be defined as the shift in referential frames of the viewer from the space of events to the space of statements or vice versa. Imagining (as opposed to imaging) is not a pictorial preoccupation. Imagination is a projection, the exteriorizing of ideas about the nature of things seen. It reproduces that which is initially without product.
2. Na página 36, no terceiro parágrafo (linhas 17 a 23), onde se lê citação direta com letra tamanho 12 e sem recuo, leia citação direta com letra tamanho 10, com recuo de 4 cm a partir da margem esquerda. 3. Na página 41, no terceiro parágrafo (linhas 20 a 24), onde se lê citação direta com letra tamanho 12 e sem recuo, leia citação direta com letra tamanho 10, com recuo de 4 cm a partir da margem esquerda. 4. No capítulo 2, subcapítulo 2.2 (A experiência do ensaio), no ano das citações de Theodor Adorno, onde se lê “1954”, leia “2012”. 5. Na página 53, linha 12, onde se lê “construct”, leia-se “construção”. 6. Na página 53, foi omitida a nota de rodapé referente ao mapa em anexo no interior da contracapa. Segue abaixo: 17. O mapa conceitual se encontra no final do livro, no interior da contracapa, dentro de um envelope preto.