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Plural

Lirismo alla prima

universal”, decretou o crítico Otto Maria Carpeaux. Sete séculos depois de sua criação, o manuscrito Rerum Vulgarium Fragmenta, cuja primeira edição impressa remonta a 1470, posteriormente intitulado Rime e mais tarde Canzoniere, chega ao leitor brasileiro em nova tradução. Além do dedicado trabalho do poeta, ensaísta e ficcionista gaúcho José Clemente Pozenato, a bonita edição bilíngue de Cancioneiro distingue-se por desenhos feitos alla prima por Enio Squeff. O artista se impôs o desafio de criar diretamente sobre as provas, “algo em torno de 700 aguadas, sem quaisquer esboços, o que me pareceu no mínimo uma façanha”. Ele buscou se colocar na pele dos artistas do tempo de Petrarca: “Era assim com os afrescos, técnica dominante no século XIV”.

LIVRO Cancioneiro,

de Francesco Petrarca, ganha 700 desenhos de Enio Squeff

POR ANA FERRAZ

A

vignon, frança, 6 de abril de 1327. Na Igreja de Santa Clara, um poeta extasia-se diante da beleza de uma jovem de 18 anos. A visão nunca mais vai abandoná-lo e servirá de inspiração para uma jornada lírica consubstanciada em 317 sonetos, 29 canções, 9 sextinas, 7 baladas e 4 madrigais. A mulher de cabelos dourados chama-se Laura, é filha de um rico burguês, Audiberto de Noves, e tem por marido Hugo de Sade. O poeta é Francesco Petrarca, homem de grande erudição e sensibilidade extremada, cujo fado é um amor impossível. Se a sina melancólica causou momentos de sofrimento e êxtase amoroso que não raro exauriram forças e drenaram o ânimo do italiano de Arezzo, por outro lado permitiu à humanidade usufruir um legado superlativo. “Petrarca é o mais original de todos os poetas líricos da literatura

Petrarca e a intangível Laura, cujo semblante tristonho remete à angústia do poeta

“700 aguadas sem esboços me pareceu uma façanha”

Ao longo de dois meses, Squeff dedicou-se de modo integral a Cancioneiro. “Passava o dia lendo e desenhando. Era ler o poema e jogar no papel o que me parecia mais consentâneo com a sua mensagem.” Imbuído do espírito petrarquiano cujo estilo serviu de modelo a tantos quantos vieram depois dele, o artista gaúcho mergulhou nas árvores, rios e montanhas que “falam pelo poeta”. Pincel de cerdas amarfanhadas mergulhado em nanquim, Squeff improvisou as cenas como forma de homenagem “à franqueza e à espontaneidade de Petrarca”. “Sempre me vali muito da música e nela o improviso é fundamental. Acredito piamente que Petrarca compôs a maior parte dos poemas como afrescos, em que a correção é muito difícil, quase impossível. No mais, quando falo do ‘improviso’ me reporto ao repertório que todo artista tem. Petrarca hauriu muito dos latinos. No que me toca, não podia deixar de evocar os grandes C A R T A C A P I T A L ­— 2 7 D E M A I O D E 2 0 1 5

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