Eu começo por onde, então? Meu nome é Cícero Rodrigues, 41 anos, né, mas eu conheço a cidade há 21.
Vim de Petrolina, Pernambuco. E sempre tive um sonho de conhecer São Paulo. Acho que por ser uma cidade grande, né? E tem muita influição, né, de cultura, e tinha vontade de arrumar um emprego, ter uma vida melhor, pra minha família, né... Só que a vida... Aconteceu muitas coisa na minha vida, entendeu? Devido esses 20 anos, me envolvi com drogas, com crack, passei longe da minha família muitas coisas que aconteceu e fiquei perdido nas ruas, entendeu? Perdido, meio perdido, meio achado, meio atropelado, meio embaraçado, né? E um certo dia me conhecero, né, o Zezão, me influenciou a pintar o que eu não sabia, imagina se eu soubesse, né, se eu soubesse o que eu não faria. Eu não fui o primeiro não, primeiro foi meu irmão mais velho, depois o segundo, eu cheguei aqui depois, cheguei aqui em 96. Eu vim de pé, 75 dia aqui. Era a vontade que tinha mesmo de vim pra essa cidade, né? Essa foi uma trajetória que eu vou te dizer, não foi fácil, entendeu? Mas se você tem vontade e você quer; muitas pessoas quando eu encontrava na estrada que perguntava me dizia que nunca que eu ia
chegar nessa cidade, mas eu dizia: “eu tenho fé e um dia eu chego lá a pé” as pessoas não acreditava. O pior de tudo não é isso, eu vim foi seis vezes a São Paulo a pé, já teve vez de eu voltar a pé, mas agora não volto mais a pé não, eu cismei, agora já fui a pé não volto mais a pé não, mas teve vez de eu voltar. Tenho 3 filhos, já tenho neto. Passei dez anos aqui nessa cidade, deixei... Minha filha nasceu aqui em São Paulo, né? Deixei ela com 6 anos, voltei pra lá ela tava com dezessete, então passei onze anos sem dar notícia pra eles. Quando chego lá, minha filha já me deu um neto. Eu vim saber por causa dos contato, que eu nunca gostei de ligar pra eles, nem mandar carta, eu gosto de mais aquele negócio de cara a cara. Esse negócio de mandar cartinha e “ah, fulano diga aí como vai, não sei o que” não, eu já não sou desse tipo. Eu não sou muito de telefone. A minha vida lá... Eu sempre trabalhei com recicragem, né, lá eu trabalhei com recicragem e aqui também. E aí, quando eu comecei a pintar, com o meu trabalho eu recicrava as tintas do lixo, riscava as tela, ninguém pensava que minhas tela não era comprada, eu vendia as tela, mas era tudo do lixo, eu sou tipo recicrador. Reciclo as tela que eles jogam no lixo, reciclo as tinta e faço minhas tela, entendeu?
Ah, eu pensava que chegava isso aqui e ia ser tudo bem, né? Mas não foi tudo bem. Eu passei, a primeira vez que vim pra São Paulo, que ai eu me envolvi com as droga, eu passei um ano sem dormir. Já pensou passar um ano sem dormir? Um ano fumando crack de noite e dia, é horrível, você fica contornado de muitas coisas que vem. Aí um dia eu resolvi, eu disse: “não, eu vou voltar pra casa porque aqui não tá dando certo não.” Isso foi em 2001,muita coisa aconteceu. Às vezes eu não gosto nem de olhar meu passado, sabia? Eu gosto de olha pra frente, pego uma estrada e sigo em frente, não olho pra trás porque se eu olho não tenho coragem de seguir pra frente. Eu prefiro é seguir em frente. A vida lá, eu vou dizer, tá de braços abertos, pra mim foi uma palhaçada, uma ilusão, um tremendo engano. Você viu que quando eles deram o hotel pra todos eles usuário de crack, que hoje não tem direito a mais nada, aquilo foi só... Acabou a copa não tinha mais. Quando o príncipe veio aí, deixou um dinheiro pros usuário de crack, verdade, quando acabou a copa eles limparam tudo e ó, deram um pé na bunda dos usuário de crack. Queimaram os hotel.
Tinha que varrer a rua, duas hora de trabalho, depois você ia tomar banho, almoçar e hoje os usuário de crack não tem mais nada disso. Cheguei a passar um mês e pouco no hotel, aí eu vi que não dava certo pra mim e digo: “vou voltar pra minha maloca”, que ali chove não molha, passei dez ano ali naquela calçada, meu primeiro trabalho eu pintei naquela calçada, entendeu? Ali, quando não tô as pessoa sente falta. Quando abandono a casa, não tô ali começa a virar bagunça, nego vai lá, zoa tudo, é uma bagunça danada quando eu não tô. Mas agora vai virar bagunça, né, porque eu vou pra casa, vou voltar, não tô me sentindo bem aqui, não. São Paulo é uma cidade de muita oportunidade, pra mim é, mas ultimamente é muitas coisa só tem ilusão, entendeu? É muita ilusão de verdade. No sentido de as pessoas acreditar nas pessoas, dar confiança e dar valor às pessoas é muito pouco. Hoje em dia e principalmente quem mora na rua é mais discriminado, é um motivo pra eles discrimina as pessoa. É muitas pessoa, passa pela rua e vê você, já passa pra outra calçada, entendeu?
Lhe trata você como um marginal, várias pessoa faz isso, é a maioria. Esse nome, Badaróss, sabe o que foi? Eu conheci uma moça na Cracolândia assim que eu cheguei e devido tudo as coisa que eu achava no lixo ela veio e disse assim “seu nome é Badaross” porque eu gosto de tudo as coisas que tão no lixo. Até aquelas mulhezinha feia, eu pegava tudo elas, dava um banho nelas, dava uma roupa bonitinha elas ficava uma badaróssinha, entendeu? Daqui a pouco deixo ela dormindo aí quando volto já tinham passado a mão nela e levado. Era, engraçado que era. Eu me sinto em casa de verdade e principalmente na rua. O cara diz que o lugar mais perigoso é a Cracolândia, eu não acho. Você não pode é ficar passando com o celular lá, você quer tirar foto de uma cidade como aquela, nego vai lá e toma seu celular na hora, não pode ficar tirando foto. O João Wagner? Eu gravei um longa com ele, né. Eu pedi a permissão que onde nós comecemo a grava “Família Cracolândia” era dentro do meu barraco que eu tinha na Cracolândia, onde ele passou um cado de dia gravando com permissão. Aí eu tive que pedir autorização ao comando, ai eles autorizou. Senão, não tinha gravado. Pro cara grava, igual ele gravou teve autorização. Que você tem que conhecer as pessoas de dentro pra poder ter autorização. Se eu quiser botar meu filme pra passar na Cracolândia hoje, eu chego onde tá os irmão e peço pra colocar o telão lá e sossegado pode ir quem quiser de fora, que aí ninguém mexe com ninguém. Se eu chegar e pedir, o comando libera pra mim. É umas coisa que tem que, as pessoa não pode chegar e invadi, é ingual quando você invade uma casa dos outro, umas terra. Que eu já fui sem terra, né? Passei três anos debaixo da lona preta, nasceu até um filho meu. Isso foi na Bahia, ai depois a mulher desistiu, faltava uns três mês pra conquistar a terra, nossa, tomei uma raiva da mulher, até separei dela. Era pra nós ter se acertado lá com sete ectares de cacau, mas ela não quis.
Ai de lá pra cá eu disse: “Então, agora eu vou separa de você, vou pra São Paulo.” Aí vim pra cá, mais onze ano aqui. Eu vou pra lá agora mas te digo, eu não fico lá. Não é que eu sinto falta, mas vou pra lá e passo raiva lá, volto pra cá, passo raiva aqui e volto pra lá, eu sou assim. Nem fico lá, nem fico cá. Ò, as vez a pintura até me dá uma coisa boa, mas será que as pessoas acredita que posso ser, na minha pintura, acredita em mim? Eu não queria nem ter conhecido as tintas. Aí perguntaram pra mim “poxa, índio, você vivia pintado agora não quer pintar mais?” ai eu digo: “que eu tô perdendo a vontade de pintar, que quando eu pintava vocês dizia que eu era palhaço, cansei de fazer graça, cansei de fazer vocês rir e vocês só faz eu chorar”, eu disse pra eles. Não tem como fugir, eu digo que vou parar de pintar, mas é mentira. A minha inspiração é amor, coração, eu tenho um coração muito bom. Eu tenho muita bondade dentro de mim, eu só não tenho é maldade, se eu tivesse maldade eu era um cara mais bom. Eu só sei fazer de bom pros outros, pra mim eu não sei fazer nada de bom, acredita? É o último lugar que eu me sinto em paz, é o último lugar que eu deito e durmo de verdade.