BLUMENAU ESPETACULAR: ensaios de resistência
BLUMENAU ESPETACULAR: ensaios de resistência
Trabalho de Conclusão de Curso | Arquitetura & Urbanismo Universidade Federal de Santa Catarina Autor: Stefan Maier Orientador: Rodrigo Gonçalves dos Santos Florianópolis, Julho, 2018.
Sumário Prólogo 3 Apresentação 4 Parte 1. A cidade imagem 8 Parte 2. Comunidade, identidade e lugar 30 Parte 3. Possíveis alternativas de resistência 46 Parte 4. Ensaios 68 Referências 184
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Prólogo Lembro de caminhar pelas ruas do centro de Blumenau aos finais de semana ainda criança. Minha mãe me acompanhava. A Rua XV era longa. As lojas estavam sempre cheias e a calçada era disputada pelos que passavam. Minha mãe segurava a minha mão. Havia flores nos postes e nos canteiros. As edificações que chamavam atenção tinham madeiras nas fachadas e telhados altos. Estilo enxaimel, me contaram. Em uma das extremidades da rua ficava a prefeitura. Era um prédio muito diferente das outras prefeituras que eu conhecia. Diziam que era a cara de Blumenau. Uma banda cantava músicas alemãs em frente a um castelinho e a gente parava para ouvi-la. O chafariz na frente do teatro me fazia parar também, era um lugar calmo com jardins bem cuidados. A água refrescava. De longe já era possível avistar a torre da catedral feita de pedras avermelhadas. Junto a ela um pipoqueiro que trabalhava sob o sol. A praça no fim da rua ficava próxima ao rio e era preenchida por turistas. Chamavam de Biergarten. Blumenau era uma cidade germânica. Tinha que ser. Crescer em Blumenau foi perceber a relação que eu tinha com a cidade se transformar junto comigo. O mal-estar que a cidade imagem causava não demorou para dar sinais. A imposição germânica causava desconforto. Aos poucos fui percebendo várias cidades por trás dos cenários oficiais. A complexidade da cidade é a antítese da homogeneidade que é apresentada. Compreender a cidade contemporânea exige esforço.
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Apresentação Como muitos jovens que deixam sua cidade natal para ingressar na universidade, eu deixei Blumenau para morar em Florianópolis e cursar a faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Santa Catarina. O distanciamento e amadurecimento durante este período, permitiram-me enxergar Blumenau de uma forma mais crítica. Voltar a me debruçar e estudar um local em que vivi por tanto tempo, redescobrindo minha cidade natal, foi uma prazerosa experiência acadêmica que realizei no período de desenvolvimento deste Trabalho de Conclusão de Curso. O título deste trabalho faz referência à obra “A Sociedade do Espetáculo” do escritor francês Guy Debord, onde é feita uma crítica às relações sociais na contemporaneidade que, segundo o autor, passaram a ser mediadas por imagens e representações em forma de espetáculos. “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. P. 13.
Sob esta ótica, explora-se o sentido de espetáculo debordiano ao encarar a imagem germânica atribuída à cidade de Blumenau nas últimas décadas como uma forma de espetacularização urbana. O trabalho estabelece um recorte espacial de estudo que envolve o centro da cidade, com enfoque na Rua XV de Novembro, por ter ali a fundação da cidade e, consequentemente, seus espaços mais significativos simbolicamente. Como resultado das tentativas de (re)compreender esta cidade, aqui apresento a investigação que realizei neste processo, cujo objetivo geral é:
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Discutir o processo de espetacularização urbana na cidade de Blumenau, sua espacialização no centro fundacional e possíveis resistências a este processo. Buscando sistematizar o conteúdo deste trabalho, ele foi dividido em 4 partes que buscam alcançar alguns objetivos específicos: Parte 1 – A cidade imagem Objetivo específico: Compreender como o processo de espetacularização urbana opera e como chegou à cidade de Blumenau. Parte 2 – Comunidade, identidade e lugar Objetivo específico: Perceber as consequências materiais e imateriais deste processo. Parte 3 – Possíveis alternativas de resistência Objetivo específico: Explorar o que poderia vir a ser formas de resistência a este processo. Parte 4 - Ensaios Objetivo específico: Através de ensaios propositivos, demonstrar como estas resistências poderiam ser potencializadas e fortalecidas na cidade.
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Parte 1. A cidade imagem “Consideramos que a invenção de tradições é essencialmente um processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que apenas pela imposição da repetição.” HOBSBAWM, E. J.; RANGER, T. O. (Terence O.). A Invenção das tradições. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. P. 12.
A cidade imagem
Achar uma vocação para as cidades e inseri-las em um cenário de competição global parece ter sido algo inerente às cidades contemporâneas. Esse processo está ligado às novas estratégias de marketing urbano e construção de marca1. Esta perspectiva publicitária guia os projetos urbanos que buscam construir espacialmente a imagem da cidade. Os processos de planejamento urbano deram privilégio ao paradigma visual. “A cidade contemporânea é cada vez mais a cidade dos olhos, desvinculada do corpo pelo movimento motorizado rápido ou pela efêmera imagem que temos da visão”2. A higiene do óptico promove processos de planejamento que favorecem a idealização e descorporificação. A cidade passa a ser planejada para ser vista.
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Na nossa cultura da fotografia, o olhar intenso é reduzido a uma imagem bidimensional, perdendo sua plasticidade. “Em vez de experimentar nossa existência no mundo, a contemplamos do lado de fora, como expectadores de imagens projetadas na superfície da retina”3. A abundância e bombardeio de imagens leva a um esvaziamento gradual do conteúdo emocional das imagens. As imagens, a arquitetura e os seres humanos são convertidos em mercadorias neste processo. “Somos feitos para viver em um mundo de sonhos fabricados”4. A sociedade onde as relações sociais entre pessoas são mediadas por imagens, insere-se no conceito de espetáculo debordiano.5 Na cidade-espetáculo é notável a alienação do cidadão-espectador: quanto mais contempla o espetáculo, menos vive. Quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominante, menos compreende sua própria existência urbana, individual e coletiva.6 O espetáculo apresenta-se como uma enorme positividade indiscutível e inacessível. Não diz nada além de “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. Exige uma aceitação passiva que obtém através do seu monopólio da aparência.7
Imagens instantâneas fotografadas e publicadas através de redes sociais durante desfile da Oktoberfest na Rua XV de Novembro. “A cidade turística tornou-se portanto um modelo. Feita para o turista como cultura espetáculo para fruição e admiração, ela deve ser limpa, estetizada, harmoniza, ecológica. Feita para ser contemplada, sua imagem é enquadrada num espelho. Presa na moldura, deve eliminar suas rugas, suas manchas, seus desalinhos. O feio não se mira no espelho. Somente o belo contempla a sua imagem e se deixa fotografar para a sua reprodução. A cultura turística é a cultura fotogênica.” FLORES, Maria Bernardete Ramos. Oktoberfest: turismo, festa e cultura na estação do chopp. Florianópolis: Letras Contemporaneas, 1997. P. 96.
A aceleração da pós-modernidade arrasou o tempo contra a tela plana do pre1 2 3 4 5 6 7
JACQUES, 2007. P. 94. PALLASMAA, 2011. P. 28. PALLASMAA, 2011. P. 29-33. PALLASMAA, 2011. P. 33. DEBORD, 1997. P. 14. SÁNCHEZ, 2003. P. 496. DEBORD, 1997. P. 16-17.
sente.8 A medida que o tempo histórico perde seu significado, o homem perde seu senso de individualidade como ser histórico. Desestabiliza-se elos subjetivos com o passado, com a comunidade local e com o território, para recria-los em forma de fluxos superficiais e mutáveis. Na contemporaneidade, a cultura passou a ser concebida como uma simples imagem de entretenimento a ser consumida rapidamente. O mesmo acontece com as cidades. A competição por turistas e investimentos, motiva o poder público a construir e vender uma imagem da cidade, o que pode ser chamado de cenografia urbana.9
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PALLASMAA, 2011. P. 49. JACQUES, 2007. P. 94.
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Cenários urbanos: Prefeitu
A cidade imagem
ura Municipal de Blumenau.
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Cenários urbanos: Lojas Havan, antigo caste
A cidade imagem
elinho da Moellmann na Rua VX de Novembro.
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Cenários urbanos: Biergar
A cidade imagem
rten na Praça Hercílio Luz.
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A cidade imagem
O capitalismo contemporâneo que impessoaliza e massifica, também gera a necessidade de familiarizar-se, mesmo que superficialmente, com certos espaços.10 Busca-se na história e na cultura fundamentos que legitimem de alguma forma a escolha de elementos identitários. Neste processo, busca-se justificar a imagem criada através de um simulacro histórico e identitário, o que Debord aponta como a recomposição artificial da história em forma de espetáculo para fins mercantis, uma representação ilusória do não vivido.11 A história do local é espetacularizada de forma que suas particularidades viram exotismos, enfatizando as características que estarão nos catálogos turísticos.12
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Em termos urbanos, a cidade tem seus espaços e seus processos intensamente culturalizados. A referência à cultura passa a reger e legitimar um conjunto de intervenções que podem ser completamente divergentes em termos de produção de sentido ou de perspectivas sociais. Essa culturalização permite o afloramento de novas realidades ao mesmo tempo que desenvolve o empobrecimento de perspectivas, na medida em que a mercantilização generalizada da cultura a hegemonizou, instrumentalizou e banalizou.13 A tradição inventada, então, utiliza a história e a cultura como legitimadora das ações e como forma de coesão social.14 No caso de Blumenau, buscou-se na origem germânica a justificativa para a construção de uma imagem identitária cenográfica para a cidade. A partir de 1970 iniciou-se um investimento deliberado para construção da imagem Blumenau germânica.15 Até a década de 1970, a ligação germânica trazida com os colonizadores já havia se diluído na cidade. As imigrações já não provinham somente da Alemanha, mas também de outras etnias e nacionalidades como noruegueses, italianos e eslavos, além das comunidades açorianas, luso-brasileiras e indígenas que já habitavam a região. Além disso, a Campanha de Nacionalização, promovida pelo presidente Getúlio Vargas na época da Segunda Guerra Mundial, reprimiu a cultura da região ao proibir os imigrantes e seus descendentes de manifestar suas tradições e se comunicar publicamente em alemão. Ademais, a partir da década de 1950, houve um fluxo migratório interno em massa para a cidade. Muitas pessoas de diversas partes do país foram atraídas para Blumenau devido ao desenvolvimento da indústria e oferta de emprego, trazendo novas etnias, culturas e identidades para a cidade. Assim, percebe-se que a cidade já apresentava grande diversidade e miscigenação cultural.16 Em 1994 a “Análise Sócio-Econômica da População Urbana”, realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais da FURB concluiu que os descendentes dos imigrantes alemães já não eram mais maioria.17 A colonização germânica de Blumenau é utilizada para legitimar a imagem que foi criada. Neste cenário, as fronteiras do que é real e ilusão se confundem. O visitante, ao ser inserido nessa atmosfera, percebe a cidade espelhada em um passado, sem a possibilidade de distinção do que é original e o que falsificação da história. A hiper-realidade instaurada propaga os próprios signos para encantar os turistas, ocultando as reais contradições da cidade.18 Para a implantação do projeto de imagem de cidade pela prefeitura, recorre-se ao conceito do planejamento estratégico e o city marketing, que se consolidou como a nova forma de ação do poder público sobre as cidades no final do século XX. A premissa do planejamento estratégico é que as cidades estariam submetidas às mesmas condições e desafios que as empresas. Inseridas num cenário global, o planejamento estratégico fomenta a competição entre cidades. As cidades passam a competir globalmente pelo investimento de capital, atração de novas indústrias e negócios, melhores preços e qualidade de serviços e atração de força
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SOUZA, 2015. P. 124. DEBORD, 1997. P. 121. AUGE, 2010. P. 101. FERNANDES, Ana in JEUDY; JACQUES, 2006. P. 52. HOBSBAWM; RANGER, 2008. P. 21. FLORES, 1997. P. 73. VEIGA, 2013. P. 41. FLORES, 1997. P.97. FLORES, 1997. P. 22.
de trabalho qualificada.19 “Talvez esta seja, hoje, uma das ideias mais populares entre os neoplanejadores urbanos: a cidade é uma mercadoria a ser vendida, num mercado extremamente competitivo, em que outras cidades também estão à venda.” VAINER, 2000 in ARANTES, Otilia Beatriz Fiori; VAINER, Carlos B.; MARICATO, Erminia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 3.ed. Petropolis: Vozes, 2000. P. 78.
Com a legitimação das políticas que qualificam a cidade como mercadoria, o city marketing vem se impondo como instrumento central de planejamento urbano orientado para o mercado. Esse posicionamento vem se impondo em algumas cidades do mundo, particularmente nas cidades latino-americanas onde os governos pró-crescimento econômico constroem seus projetos de cidade em função de interesses globais de empresas e mercadorias.20 Neste contexto, a cidade passa a seguir as regras do mercado, tendo nele o modelo de planejamento e execução de suas ações.21 O que conta é a produtividade e a competitividade e o que vale são os resultados. Para possibilitar a divulgação da cidade como uma mercadoria, encolhendo o espaço público e subordinando o poder público às exigências do capital, é fundamental a busca por um consenso na cidade. Através de elementos simbólicos, busca-se construir o patriotismo de cidade. Para legitimar as ações do poder público, buscou-se a promoção interna de sentido de pertencimento, vontade coletiva. Esta investida apoia-se em obras e serviços visíveis, tanto os que têm um caráter monumental e simbólico como os que visam melhorar a qualidade dos espaços públicos e o bem-estar da população.22 “O que faz com que convirjam: participação ativa das cidades nas redes globais via competitividade econômica, obedecendo portanto a todos os requisitos de uma empresa gerida de acordo com os princípios da eficiência máxima, e prestação de serviços capazes de devolver aos seus moradores algo como uma sensação de cidadania, sabiamente induzida através de atividades culturais que lhes estimulem a auto-estima, ou os capacitem do ponto de visto técnico e científico. Tais iniciativas, sejam elas grandes investimentos em equipamentos culturais ou preservação e restauração de algo que é alçado ao status de patrimônio, constituem pois uma dimensão associada à primeira, na condição de isca ou imagem publicitária.” ARANTES, 2000 in ARANTES, Otilia Beatriz Fiori; VAINER, Carlos B.; MARICATO, Erminia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 3.ed. Petropolis: Vozes, 2000. P. 47.
Em Blumenau, a investida do poder público via planejamento estratégico para a consolidação da identidade germânica teve início em 1967 quando o então prefeito, Carlos Curt Zadrozny, criou a Comissão Municipal de Turismo de Blumenau. Sua gestão foi marcada pelo fomento do turismo como atividade mercantil através do apelativo germânico.23 “A Comissão Municipal do Turismo planejou ampla divulgação da cidade. Organizou e publicou um encarte na Revista Seleções, de circulação nacional, intitulado Adivinhe que país é este?, tornando Blumenau conhecida do resto do país, como uma “Alemanha brasileira”. (...) O folder, com referências às paisagens arquitetônicas da Alemanha, da Áustria, da Escócia, Suíça, Luxemburgo, garantia: “Sim, é Brasil. Blumenau é um pedaço diferente do Brasil que você conhece: ... casas saídas dos contos de fadas, cercadas de flores, cortinas nas janelas e (às vezes você poderia jurar) paredes de confeitos e chocolate... Faça sua viagem ao exterior sem sair do Brasil.” FLORES, Maria Bernardete Ramos. Oktoberfest: turismo, festa e cultura na estação do chopp. Florianópolis: Letras Contemporaneas, 1997. P. 73.
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VAINER, 2000. P. 76. SÁNCHEZ, 2003. P. 54. VAINER, 2000. P. 86. CASTELLS; BORJA, 1996. In VAINER, 2000. P. 94. SANTIAGO, 2001. P. 142.
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A cidade imagem Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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Capa e páginas 2 e 3 do encarte promocional “Adivinhe que país é este” Fonte: Revista Seleções, 1968.
Páginas 4 e 5 do encarte promocional “Adivinhe que país é este” Fonte: Revista Seleções, 1968.
Contudo, a paisagem referida no folder não predominava no centro fundador da cidade na época. Eram traços dispersos do que restava da arquitetura enxaimel. A Comissão de Turismo da época buscou experiências nas prefeituras de Campos do Jordão e Gramado e iniciou-se a discussão do que poderia caracterizar uma casa típica.24 Para a propagação da imagem desejada, apela-se para a manipulação de linguagens simbólicas de exclusão e habilitação: o visual da cidade. Isso envolve decisões sobre o que e quem pode estar visível ou não na cidade. Assim, percebe-se um fenômeno de estetização do poder, do qual o desenho arquitetônico é um dos instrumentos mais aparatosos.25 A cidade passa a ser vista como um repertório de símbolos que são manipulados e apresentados em forma de patrimônio e monumentos. Essa submissão do valor da história e da memória ao valor de atração leva à reinvenção mercantil do patrimônio.26 Harvey argumenta que a pós-modernidade abandona o sentido de continuidade e memória histórica, absorvendo fragmentos do passado que classifica como aspectos do presente. A arquitetura pós-moderna, por exemplo, absorve pedaços do passado e os combina ecleticamente.27 Jameson usa a expressão “falta de profundidade planejada” para se referir a arquitetura pós-moderna. Critica a condição cultural contemporânea e “sua fixação nas aparências, nas superfícies e nos impactos imediatos que, com o tempo, não têm poder de sustentação”.28 Como consequência do apelativo visual na construção de uma identidade germânica para a cidade, remeteu-se ao simbolismo através da arquitetura para a caracterização da “casa típica”. Em termos de simbolismos através da edificação, é possível estabelecer um paralelo entre a arquitetura incentivada pelo poder público e os signos que ela evoca. “Enfatizando a imagem – a imagem a cima do processo ou da forma – ao sustentar que a arquitetura depende, para sua percepção e criação, de experiências passadas e associações emocionais, e que esses elementos simbólicos e representacionais podem, com frequência, contradizer-se à forma, à estrutura e ao programa com os quais estão associados no mesmo edifício.” VENTURI; BROWN; IZENOUR, 2003. P. 117-118.
O simbolismo na arquitetura pode ser sistematizado de duas formas: o pato e o galpão decorado. Pelo pato, entende-se as situações onde os sistemas arquite24 25 26 27 28
FLORES, 1997. P. 76. ARANTES, 2000. P. 33. FERNANDES, Ana in JEUDY; JACQUES, 2006. P. 57. HARVEY, 2008. P. 58. JAMESON (1984a, 1984b) apud HARVEY, 2008. P. 59.
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tônicos de espaço, estrutura e programa são suprimidos por uma forma simbólica global, convertendo o edifício em uma escultura literal. Por outro lado, o galpão decorado diz a respeito aos edifícios onde o espaço, o sistema construtivo estão à serviço do programa e o ornamento se aplica sobre o edifício com independência. Enquanto o pato é uma edificação especial que é um símbolo, o galpão decorado é uma edificação convencional onde se aplicam símbolos sobre.29
O pato e o galpão decorado. VENTURI; BROWN; IZENOUR, 2003. P. 118.
O simbolismo via “galpão decorado” foi utilizado de forma exaustiva e banal no centro fundador de Blumenau ao longo dos anos 70 e 80 para transmitir a identidade germânica. As políticas públicas levaram a uma alteração radical na paisagem urbana do centro fundador da cidade.
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Na Rua XV de Novembro, até o início da década de 1950, predominavam edifícios de até dois pavimentos, com dominância da arquitetura eclética e art déco. A partir deste período, a dinamização da industrialização e demanda por espaços de comércio e habitação levou a uma verticalização nesta rua, adensando o centro fundacional. Edificações modernistas também começam a fazer parte do visual urbano, como a nova Igreja Matriz (atual catedral) inaugurada em 1958, e o Grande Hotel, concluído em 1962.30
Rua XV de Novembro. Na esquerda, década de 1940. Na direita, início da década de 1960. Fonte: Arquivo Histórioco de Blumenau.
Na esquerda, imagem do projeto da nova Igreja Matriz pelo arquiteto alemão Gottfried Böhm. À direita, Grande Hotel Blumenau, projetado pelo arquiteto Hans Broos.
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VENTURI; BROWN; IZENOUR, 2003. P. 118. MATTEDI, 2009. P. 57-58.
Rompendo com a modernidade que se espacializava na cidade, no final da década de 70, foi aprovada a lei 2.262/77. Esta lei concedia incentivo fiscais à construção e reforma de edificações em estilo “germânico: enxaimel ou casa dos alpes”. A partir de então pulverizou-se as construções chamadas de neo-enxaimel pelo centro da cidade.31 Apesar do discurso apresentar a medida como um resgate das tradições, a fragilidade histórica é facilmente percebida. Não havia critérios definidos para estabelecer o que seria considerada uma construção “enxaimel ou casa dos alpes”. Além disso, o estilo casa dos Alpes se relaciona exclusivamente com a imagem desejada pelo poder púbico, uma vez que a imigração de colonos vindos da região dos Alpes foi irrelevante.32 Como resultado, esta lei impulsionou uma série de edificações com ripas e sarrafos colocados nas fachadas para imitar a antiga técnica enxaimel.
21 Casa Flamingo, Castelinho Havan, Prefeitura Municipal de Blumenau, Bremen Zenter na Rua XV de Novembro. Exemplos que de arquitetura neo-enxaimel.
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SIEBERT, 1999. P. 84. VEIGA, 2013. P. 121.
A cidade imagem Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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À cima Rua XV de Novembro na década de 70. À baixo, mesmo ponto da Rua XV de Novembro atualmente.
A nova sede das lojas Moellmann, apelidada de castelinho, foi construída em 1978 pelo empresário Udo Schadrack. A construção teve como objetivo o aumento das vendas através dos apelativos visuais da edificação, atraindo clientes e turistas. Apesar dos fins exclusivamente privados da edificação, ela foi apadrinhada pelo poder público através da isenção de impostos e ovacionada pela mídia local, chegando a ser chamada da mais importante construção em estilo enxaimel de Blumenau.33 “A mais importante construção em estilo enxaimel de Blumenau não foi construída por nenhum imigrante alemão. Poucos são os de origem germânica que ajudaram a construí-la. Além disso, não tem a idade que muito turista pensa ter, apesar de suas características. Ao contrário, ela vai ser inaugurada na terça-feira, e uma das razões para que o prédio fosse construído nesse estilo foi o de vender mais.” Moellmann inaugura sua nova loja estilo enxaimel. Jornal de Santa Catarina, Blumenau, s/p., 30 out. 1978. In VEIGA, Mauricio Biscaia. Arquitetura neo-enxaimel em Santa Catarina: a invenção de uma tradição estética. 2013. Dissertação (Mestrado em Estética e História da Arte) - Estética e História da Arte, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. P. 130-131.
O projeto foi realizado pelo arquiteto Heinrich Herwig, inspirado na prefeitura da cidade alemã de Michelstadt, uma construção enxaimel medieval do final do século 33
VEIGA, 2013. P.130.
XV. A região da cidade de Michelstadt, no estado alemão de Hessen, pouco contribuiu para a leva de imigrantes que colonizaram Blumenau, não tendo vínculos históricos relevantes com a cidade.34
À esquerda, prefeitura medieval de Michelstadt (1484), Alemanha. À direita Castelinho Moellmann (1978) em Blumenau
A nova sede da prefeitura Municipal é outra obra icônica que demonstra a exaustão do uso do simbolismo banal na tentativa de formação de uma identidade germânica para a cidade por parte do poder público. Inaugurada em 1982, o edifício se situa no mesmo local onde ficava a antiga Estação Ferroviária. Foi projetada pelo mesmo arquiteto do castelinho Moellmann, Heinrich Herwig, chamado de o “pai do enxaimel blumenauense” em matéria do jornal A Notícia de 1982.35 No mesmo ano, em entrevista ao Jornal A Notícia, o então prefeito Vianna justificou a escolha arquitetônica como “uma demonstração de que os blumenauenses procuram preservar as lições do passado e uma reverência aos que aqui vieram para fecundar ao nobre chão de Santa Catarina as sementes de uma civilização altiva e trabalhadora.”36 Fica evidente o discurso ideológico por parte do poder público que enaltece o mito fundacional da cidade e romantiza a colonização germânica. Além disso, percebe-se que ao mesmo tempo em que se move recursos para a construção da imagem germânica, se apaga elos com o passado e a história. O lugar que antes pertencia à antiga ferroviária e sua carga simbólica como ponto de chegadas e partidas é ressignificado pelo espetáculo.
Nova sede da Prefeitura Municipal de Blumenau inaugurada em 1982.
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VEIGA, 2013. P.132. VEIGA, 2013. P.133. MOSER, 2016. P.87.
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A cidade imagem
Antiga estação ferroviária construída em 1908, desativada em 1954 e demolida na década de 1960.
O chamado neo-enxaimel remete ao enxaimel somente na aparência e ainda sim, de forma muito superficial. A técnica de enfeite das fachadas não se relaciona com a antiga técnica em termos técnicos e estruturais. As madeiras pregadas nas fachadas para imitar o enxaimel manifestam a banalização do que seria a releitura de uma antiga técnica. Evidencia o caráter de espetáculo que chega à arquitetura para a construção de imagem germânica da cidade. Não se preocupa com as subjetividades do presente, tampouco tem compromisso com a história do passado. As construções lembram mais parques temáticos do que possíveis fragmentos germânicos existentes na cidade. “De tanto buscar efeitos históricos, termina-se falhando no objetivo: o patrimônio tirado do esquecimento, restituído como um valor dominante, parece exagerado”. JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. P. 102.
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Não se trata simplesmente de apontar a falta de autenticidade nas construções neo-enxaimel, mas sim, mostrar a sua performatividade. A arquitetura passou a ser o palco da produção de imagens identificadoras, trazendo o resgate do mito da identidade local como uma forma de fugir das homogeneidades da globalização. Na invenção da cidade étnica, coube ao neo-enxaimel a propagação destas imagens pela cidade.37 A maquiagem a que a cidade foi submetida faz com que enxergar a cidade real exija esforço. O cenário urbano montado cumpre a função restrita de impressionar turistas pouco exigentes. A atividade dos turistas raramente colide com a cidade real que está fora dos catálogos turísticos. Turistas procuram na cidade o exotismo a que foram apresentados: a cidade germânica que nunca existiu, senão nas páginas de revistas. Têm pouco interesse pela cidade real. A verdadeira história não impressiona tanto quanto a adornada. Os problemas sociais são invisibilizados. Os habitantes que não se encaixam no estereótipo criado não são sedutores.
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FLORES, 1997. P. 75.
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Colagem do autor: a cidade espetáculo trata as pessoas como corpos extraterritoriais.
Os cenários espetacularizados pousam na cidade ignorando e ressignificando a história, a cultura e as identidades presente anteriormente. Tratam os corpos que habitam a cidade como extraterritoriais, uma vez que só admite ações relacionadas ao consumo e ao próprio espetáculo. Práticas fora dos roteiros pré-estabelecidos são desencorajadas e invisibilizadas. A arquitetura fica à disposição da composição de cenários que se tornam emblemáticos nos programas de revitalização urbana. “Essas operações estratégicas são transformadas em iscas, grandes vitrines publicitárias da cidade-espetáculo, que buscam consagrar os projetos de cidade e despertar o espírito cívico, o orgulho, a sensação de pertinência, ao mesmo tempo que se orientam à neutralização dos conflitos, das diferenças.” SÁNCHEZ GARCIA, Fernanda Ester. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003. P. 495.
A cidade imagem Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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Letreiro em alemão em frente à Prefeitura Municipal.
Na cidade-espetáculo, o espaço é transformado em cenário onde tudo é objeto de consumo estético e contemplativo. No plano das imagens, o espetáculo, em determinadas circunstâncias, transforma os próprios cidadãos em meros figurantes, atores secundários de seu roteiro. 38 No cenário do espetáculo urbano onde a cultura vira mercadoria, atores e espectadores se confundem com consumidores e vendedores. A história, a memória e a cidade transformam-se em supermercado de produtos e eventos produzidos para serem consumidos de maneira contínua e voraz.39 Nos períodos onde o espetáculo se faz mais intensamente, como na Oktoberfest, o consumidor já passa a adotar um comportamento ativo, se postando não apenas como expectador, mas também como ator. Veste o personagem fabricado e o seu corpo no espaço passa a emular a imagem do espetáculo40. A persona do alemão caricato é evocada, fazendo com que o espetáculo extrapole a dimensão material e aconteça também através da música, da dança e de ações. Na cidade imagem, tudo é feito para comunicar a germanidade. Não só na semiologia topográfica ou iconográfica, mas na leitura dos próprios corpos, da música, da dança. Os moradores são performatizados nos serviços, nos desfiles, na apresentação dos grupos folclóricos e das bandinhas “típicas” que infestam os bares e casas noturnas.41 “A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é resultado da própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em nenhum lado, porque o espetáculo está em toda parte.” DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. P. 24.
38 39 40 41
SÁNCHEZ, 2003. P. 537-538. FERNANDES, Ana in JEUDY; JACQUES, 2006. P. 58. FLORES, 1997. P. 23. FLORES, 1997. P. 104.
Desfile da Oktoberfest na Rua XV de Novembro.
27
Loja na Rua XV de Novembro vendendo trajes “típicos” para a Oktoberfest.
A Oktoberfest, festa que acontece todos os anos baseada na tradicional festa de Munique, passou a ser o apogeu do espetáculo ao qual a cidade foi submetida. A festa é apresentada como tradição quando na verdade tem pouco a ver com as origens da cidade. Essa falsa celebração do passado articula milhares de turistas todo ano e é responsável por propagar e difundir a imagem da cidade. “A festa acabou fazendo de Blumenau o principal destino turístico de Santa Catarina no mês de outubro. Mas a Oktoberfest não é só cerveja. É folclore, memória e tradição. Durante 19 dias de festa os blumenauenses mostram para todo o Brasil a sua riqueza cultural, revelada pelo amor à música, à dança e à gastronomia típica, que preservam os costumes dos antepassados vindos da Alemanha.” Site oficial da Oktoberfest. Disponível em http://www.oktoberfestblumenau.com.br/oktoberfest/historia/>. Acessado em 07/11/2017.
Mesmo que alguns descendentes dos colonizadores viessem a se identificar com a Oktoberfest, esta não foi criada através deles. É importante lembrar que os primeiros imigrantes alemães que chegaram na cidade não eram propriamente alemães. O processo de unificação da Alemanha só foi concluído em 1871, enquanto os imigrantes começaram a chegar no Brasil a partir de 1824 e mais intensamente a partir de 1850. Assim, os imigrantes tinham origens e dialetos distintos de diversas regiões que hoje compões a Alemanha.42
42
FLORES, 1997. P. 48.
A cidade imagem
A referência da Oktoberfest de Munique foi escolhida arbitrariamente por ser uma festa já popular e consolidada no cenário global. Diferente de outras festas populares realizadas na cidade, a Oktoberfest foi implantada pelo poder público de cima para baixo, sem a participação popular. Já nasceu como uma festa comercial para atrair turismo e renda, a pesar dos mitos que giram em torno da festa. É amplamente divulgada que a versão blumenauense da Oktoberfest foi criada em 1984 com o intuito de levantar a autoestima da população blumenauense devido às enchentes daquele ano e do anterior. No entanto, FLORES (1997) mostra que a comissão de turismo da cidade já vinha discutindo a criação da festa anos antes. As enchentes tiveram a atribuição de fazer a festa sair do papel naquele ano para reerguer a economia da cidade afetada pela destruição e voltar a atrair turistas.43 Assim como acontece na arquitetura, o pastiche vendido como tradição pode ser facilmente notado na festa através dos “trajes típicos” e das músicas. E assim como a apaziguação que os cenários geram no espaço urbano, a Oktoberfest é responsável pela homogeneização e apaziguação cultural e histórica da cidade. Apaga e silencia conflitos e contradições históricas, deturpa os diversos períodos vividos pela cidade. Em contrapartida, apresenta uma histórica única, mitificada e seletiva44.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
28
43 44
VEIGA, 2013. P. 36. FLORES, 1997. P. 46.
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Comunidade, identidade e lugar
Parte 2. Comunidade, identidade e lugar
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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O processo de espetacularização de Blumenau através de uma imagem germânica tem gerado uma série de consequências sociais na cidade. O paradigma do planejamento estratégico se insere nas políticas públicas de modo a provocar transformações tanto materiais como imateriais. Para justificar as ações do poder público na propagação da imagem germânica, invoca-se o conceito de comunidade, utilizando tal imagem como forma de unificação. No Plano Municipal de turismo de 2015, estabeleceu-se a seguinte missão e visão: “MISSÃO: promover o destino Blumenau com ações de fortalecimento e cooperação, com estruturação de produtos e serviços de forma sustentável, para atrair o turista, desenvolver a economia e valorizar a comunidade. VISÃO: ser reconhecido internacionalmente como um destino de excelência com produtos diversificados e experiência cultural de base germânica.” Trecho do Plano Municipal de turismo de 2015. Disponível em <http://www.blumenau. sc.gov.br/downloads/sectur/pmt.pdf>. Acessado em 07/11/2017>
Percebe-se o uso do termo comunidade como uma entidade difusa e genérica. A contradição é explicitada quando se enfatiza a prioridade pela “cultura de base germânica”. Ao contrário do que é defendido pelo poder público, a priorização de uma vertente étnica é um mecanismo de segregação e exclusão. Bauman argumenta que “comunidade” é um bom argumento de venda. Enfatiza que a utopia de harmonia comunitária reduziu-se ao tamanho de uma vizinhança de semelhantes, onde os não pertencentes não são bem-vindos45. O sentido de comunidade limitou-se a um grupo em que as diferenças foram amansadas e higienizadas, excluindo o risco de possíveis acontecimentos não previstos. Enfatiza-se a ausência de diferenças e elimina-se a perspectiva de dissensos e da negociação. Assim, o espetáculo apresenta-se também como instrumento de unificação social.46 “O espetáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade, como uma parte da sociedade, e como instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, ele é expressamente o setor que concentra todo o olhar e toda a consciência. Pelo próprio fato de este setor ser separado, ele é o lugar de olhar iludido e da falsa consciência; e a unificação que realiza não é outra coisa senão uma linguagem oficial da separação generalizada.” DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. P. 14.
Os projetos urbanos que refletem este paradigma na cidade se basearam na criação de imagens e constituição de um consenso urbano. A pluralidade e diversidade passaram a ser mascaradas por uma imagem única. Se construiu referências identitárias e “históricas” consensuais e impositivas em detrimento da diversidade presente na cidade. Nestes projetos urbanos, é comum perceber o uso de palavras como alteridade, proximidade e coesão social. Esta prática pressupõe que é possível manipular e construir as relações de alteridade, ignorando que estas já existem e se manifesta na cidade. Assim, essas palavras não passam de signos petrificados de uma alteridade fabricada47. Hoje presentes em várias cidades do mundo, estes tipos de projetos urbanos são realizados segundo uma mesma estratégia: homogeneizadora, espetacular e consensual. Buscam transformar o espaço público em cenários - espaços desencarnados aparentemente isento dos conflitos inerentes ao espaço urbano. A pacificação urbana passa a ser então, uma forma de despolitização. A analogia cidade-empresa propõe a transformando da cidade em um lugar da gestão e não mais do pensamento político e do exercício da democracia local.48 A produção de imagens atua como instrumento de legitimação dessa “renovação” urbana. Busca difundir valores e modos de vida próprios das camadas sociais médias, contribuindo para a consolidação da representação 45 46 47 48
BAUMAN, 2001. P. 108. DEBORD, 1997. P. 14. JEUDY, 2005. P. 96. VAINER, 2000. P. 90.
da vida urbana construída com base na imagem de uma ordem urbana harmoniosa e sem conflito. A forte veiculação das imagens-síntese da cidade intensifica a ideia do socialmente pleno uso dos novos espaços e sugere a existência de uma vida de classe média para todos os habitantes.49 Como consequência da imposição identitária sobre a comunidade, tem-se a sociedade da identidade única. O fato de uma identidade sócio-espacial ser forte, não a beatifica. Por trás da identidade sócio-espacial escondem-se preconceitos, xenofobia, exclusões e segregações.50 O notável grau de identificação do cidadão com sua cidade, um dos objetivos explícitos dos gestores de imagens, tem como consequência a imposição de barreiras ao exercício da participação crítica, distanciando os cidadãos da tarefa de elaboração do futuro coletivo.51 A homogeneização identitária da cidade impulsiona a incapacidade de enfrentar pluralidades. Esse mecanismo se autoperpetua e reforça: quanto mais eficaz a tendência à homogeneidade e o esforço para eliminar a diferença, tanto mais difícil se sentir à vontade na presença de estranhos.52 “Como a arte de negociar interesses comuns e um destino compartilhado vem caindo em desuso, raramente é praticada, está meio esquecida ou ameaçada, nebulosa ou confusa – a busca da segurança numa identidade comum e não em função de interesses compartilhados emerge como o modo mais sensato, eficaz e lucrativo de proceder; e as preocupações com a identidade e a defesa contra manchas nela tornam a ideia de interesses comuns, e mais ainda interesses comuns negociados, tanto mais incrível e fantasiosa, tornando ao mesmo tempo improvável o surgimento da capacidade e da vontade de sair em busca desses interesses comuns. Como resume Sharon Zukin: “Ninguém mais sabe falar com ninguém” BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. P. 124.
Também é importante compreender que a parte espetacularizada da cidade atravessa uma higienização social. A miséria é vista como problema paisagístico pelo planejamento estratégico. A cidade-mercadoria se apresenta como um produto de luxo, tendo um público consumidor específico e qualificado: potenciais compradores.53 Formam-se bolhas que parecem feitas de harmonia onde os desvios e anomalias devem ser controlados e os grandes problemas presentes na cidade ficam momentaneamente obscurecidos.54 Além das partes espetacularizadas da cidade, existe uma outra cidade que é ocultada e invisibilizada pelas estratégias de marketing urbano. Longe dos cartões postais, esta outra cidade existe e resiste de forma intensa, se infiltrando nas brechas e margens da cidade espetacularizada.
Rua Alameda Rio Branco no centro histórico de Blumenau em 2017.
49 50 51 52 53 54
SÁNCHEZ, 2003. P.443-444. SOUZA, 2015. P. 120. SÁNCHEZ, 2003. P. 450. BAUMAN, 2001. P. 123. VAINER, 2000. P. 82. FLORES, 1997. P. 96.
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Comunidade, identidade e lugar
Mesma localização, alguns meses depois.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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Acima, uma peça publicitária veiculada pela Prefeitura Municipal de Blumenau em outdoors pela cidade em 2014. Abaixo, foto da participação do grupo RAP dos excluídos no desfile de 7 de setembro na Rua XV de Novembro em 2015.
O histórico higienista com a pobreza em Blumenau é antigo. O caso mais emblemático na região central é o da Favela Farroupilha, comunidade removida da área central pelo poder público em 1950. A Favela Farroupilha, como ficou conhecida, é o primeiro aglomerado urbano que surgiu em condições “ilegais” do ponto de vista fundiário e chegou a abrigar 102 famílias. Situava-se bem no centro da cidade, ao lado da ponte de ferro (Ponte Aldo Pereira de Andrade), na margem do rio. A ocupação tinha relação com a obra da ponte, abrigando vários operários que trabalharam na sua construção. Mesmo ainda não tendo sido formado o enfoque turístico da cidade, o projeto de “modernização” com enfoque higienista importado da Europa teve grande repercussão no Brasil, servindo de modelo para a reorganização espacial das cidades. O motivo da remoção na época foi a proximidade das comemorações do centenário da cidade (1950). As famílias foram transferidas para locais que já na época eram discriminados como locais de moradias dos pobres, fomentando a discriminação sócio-espacial na cidade.
Favela Farroupilha ao lado da ponte de ferro. Fonte: Arquivo Histórico de Blumenau.
Favela Farroupilha
Rua Pedro Krauss Sênior
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Rua Araranguá Expulsão da comunidade residente da Favela Farroupilha para os morros de Blumenau.
Segundo o IBGE (2010), atualmente Blumenau possui 17 aglomerados subnormais (favelas). Para comparação, Florianópolis possui 13 e Joinville 10. Nas favelas blumenauenses vivem 23.131 pessoas, representando 7,5% da população segundo os dados de 2010. Em Florianópolis, a população residente em aglomerados subnormais é de 17.573 habitantes, 3,6% da população.
Comunidade, identidade e lugar Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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Inforgráfico: Retrato da Pobreza. Fonte: Notícias do Dia 07/11/2013. Disponível em https://ndonline. com.br/florianopolis/noticias/cerca-de-4-da-populacao-da-de-florianopolis-vive-em-submoradias
O descaso e investidas contra a população mais vulnerável que ocupa os espaços centrais da cidade é cíclica e permanece até os dias atuais. Recentemente, em julho de 2018, a Prefeitura Municipal anunciou a decisão de fechar o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP), que se localiza na Rua São Paulo, na área central da cidade. A justificativa dada pelo poder público foi, além da contenção de despesas, de que a continuidade do serviço atrairia moradores de ruas de outras localidades para a cidade.55 As consequências da espetacularização e homogeneização urbano atravessam não apenas o espaço geográfico, mas também o que se pode definir como lugar antropológico. Como lugar, entende-se não apenas as dimensões físicas do espaço, mas também as dimensões culturais-simbólicas envolvendo identidade, intersubjetividade e trocas simbólicas. Lugar é onde há a construção de imagens e sentido enquanto espacialidades vividas e percebidas, dotadas de significado.56 A leitura da cidade motivada pela indústria do turismo e seus interesses cria uma seleção programada de aspectos e lugares retirados da dinâmica cotidiana dos seus espaços e relações sociais. A imagem construída é de uma cidade mítica, onde as situações criadas pelo turismo subvertem tempo e espaço. Essa reinvenção dos conteúdos urbanos e históricos acaba refletida em formas de apropriação urbana, usos e costumes que são mais anedóticos ou folclóricos do que espontâneos, naturais ou propriamente históricos.57 Essa situação culmina na ressignificação localidades na cidade, esvaziando-as de conteúdo. Augé afirma que o dispositivo espacial é responsável por exprimir a identidade do grupo que nele habita. Mesmo que a origem do grupo seja diversa, é a identidade do lugar que o congrega e o une.58 Estes lugares são conceituados no sentido 55 RICMAIS, Balanço Geral Blumenau dia 10/07/2018. Disponível em https://ricmais.com.br/sc/ programas/balanco-geral-blumenau/prefeitura-de-blumenau-anuncia-fechamento-do-centro-pop 56 SOUZA, 2015. P. 115. 57 SÁNCHEZ, 2003. P. 404. 58 AUGE, 2010. P. 45.
antropológico e tem três características comum: são identitários, relacionais e históricos. A ideia de lugar antropológico, contudo, é parcialmente materializada. Ela varia com o lugar e o ponto de vista de quem o ocupa. Sua existência está relacionada com os habitantes e suas relações entre si e com o território.59 A partir desta definição de lugar, Augé aponta que a supermodernidade é produtora de não lugares. Os locais que não podem ser definidos como identitários, relacionais, nem como históricos são chamados de não lugares, sendo o oposto da definição de lugar antropológico.60 O autor propõe que o lugar e o não lugar são polaridades nunca completamente alcançadas, entidades que se reinscrevem constantemente. O não lugar na cidade, então, pode definir os espaços onde a presença de pessoas passa a ser exclusivamente física e socialmente indiferente, anulando possíveis subjetividades. Faz com que as possíveis diferenças de quem os frequenta se tornem irrelevantes durante a sua estadia. Estes locais disparam pistas do padrão uniforme de conduta que deve ser adotado, evitando ações fora do script.61 No centro fundador de Blumenau, é possível observar uma aproximação dos antigos locais históricos com a definição de não lugar conforme os projetos de “revitalização” urbana foram sendo executados. Esta aproximação pode ser notada a medida que os antigos locais identitários são reduzidos a imagens desencarnadas. A aproximação dos locais identitários do centro fundador com a definição de não lugar rompe laços subjetivos com o território.
35
59 60 61
AUGE, 2010. P. 52-54. AUGE, 2010. P. 73. BAUMAN, 2001. P. 119.
Comunidade, identidade e lugar
Caso da Praça Hercílio Luz A importância dos espaços públicos para a cidade é a possibilidade da prática da civilidade.62 O espaço público seria aquele onde as pessoas compartilham e se apresentam como pessoas públicas. Estes espaços na cidade se tornaram cada vez mais turvos a medida em que suas características indentitárias vão sendo desestabilizadas e resignificadas, dando lugar a identidades impostas e ao consumo de bens e serviços. Os espaços de civilidade da cidade ficam borrados pela espetacularização urbana. Apesar de se apresentarem como públicos, praças e ruas higienizados no centro de Blumenau inibem manifestações desconectadas do comércio e do turismo, tratando o habitante da cidade como consumidor. A cidade espetáculo também causa um empobrecimento da experiência urbana quanto prática cotidiana estética ou artística. A cidade que passou a ser concebida como uma simples imagem parece impor um roteiro rígido aos usuários, levando uma restrição das possibilidades perceptivas do corpo. Além disso, a privatização dos espaços públicos e a consequente não-apropriação pelos habitantes, leva a uma desencarnação dos espaços. O caso mais emblemático em Blumenau de espaço púbico identitário que foi ressignificado através das “revitalizações urbanas” é a atual praça Hercílio Luz. A antiga sede administrativa da colônia Blumenau foi fixada na margem direita da foz do ribeirão, configurando o centro administrativo da colônia em 1850.63 Esta região, onde futuramente viria a se estabelecer a Praça Hercílio Luz, consistia no centro da colônia. Denominado Stadtplatz, a região era limitada pelo ribeirão Garcia, pelo rio Itajaí-Açú e pelo morro do Aipim.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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O porto fluvial constituía a porta de entrada e saída. O transporte de pessoas e mercadorias era feito entre Blumenau e o porto de Itajaí em canoas e pequenos barcos. Somente em 1865 foi aberto o primeiro caminho por terra entre Blumenau e Itajaí64. Em 1878 ocorreu a fundação da Companhia de Navegação Fluvial a Vapor Itajhay-Blumenau, marcando a chegada do barco à vapor. O porto era um ponto de encontros e de pequenos comércios locais. Era o local onde aportavam e partiam os imigrantes rumo a Itajaí e de lá para outras partes do Brasil e do exterior.
62 63 64
BAUMAN, 2001. P. 112-114. MATTEDI, 2009. PORATH, 2004.
Porto e a cidade. Fonte: http://angelinawittmann.blogspot.com.br/2015/03/centro-historico-de-blumenau-stadtplatz.html
Porto e a cidade. Fonte: http://angelinawittmann.blogspot.com.br/2013/10/blumenau-do-stadtplatz-ao-enxaimel.html
Em 1900, para comemorar o cinquentenário da fundação de Blumenau, foi lançada a pedra fundamental da obra que transformaria o largo entre o porto e a Casa do Conselho, antiga prefeitura, em praça. Três anos mais tarde a praça foi inaugurada com presença de autoridades da região e uma grande festa. No centro da praça foi disposto um monumento em homenagem a fundação da colônia com uma placa com os dizeres em alemão “Ao fundador da colônia, erguido pelos agradecidos moradores de Blumenaue admiradores do Brasil e da Alemanha”. Anos mais tarde, durante a ditadura do período Vargas, a placa foi substituída por outra com os dizeres em português: “Gratidão do povo de Blumenau à memória do fundados do município”65. No período entre guerras ocorre grande expansão das atividades econômicas da cidade, principalmente da produção têxtil. Para melhorar o escoamento da produção, iniciou-se em 1929 a construção da Ponte de Ferro para fazer a ligação ferroviária entre Blumenau e Itajaí66. A consolidação da estrada de ferro como principal fonte de escoamento da produção fez com que o porto fluvial entrasse em declínio. As atividades portuárias se mantiveram até 1949, quando o porto foi então desativado, deixando uma lacuna na memória coletiva da cidade. A desativação do porto trouxe forte impacto à Praça Hercílio Luz. Se trata do percursor de uma série de equipamentos que mantinham viva a área da praça e que ao serem desativados causaram o esvaziamento da região. A desativação do porto, contudo, representa também um abandono do rio. Após quase um século, o rio itajaí-Açú deixa de ser a porta de entrada e saída de mercadorias e passageiros em Blumenau.
65 Publicado em PRAÇA Hercílio Luz expõe a trajetória blumenauense. Jornal de Santa Catarina, Blumenau, 07/08 dez. 1997. Caderno B, p. 2. Disponível em: <http://www.bc.furb.br/docs/ JO/98/05/144056_1_1.pdf>. Acesso em 02/11/2017. 66 MATTEDI, 2009.
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Comunidade, identidade e lugar
Centro histórico após 1950. Fonte: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva. Modificada pelo autor.
Na década de 70 algumas construções marcantes no entorno da Praça Hercílio Luz chamam atenção. Em 1974 foi inaugurado o mausoléu Dr. Blumenau ao lado da antiga prefeitura que abriga os restos mortais do Dr. Blumenau e sua família. Em 1977 foi iniciada a construção do edifício América, que seria embargado anos mais tarde. Hoje a carcaça do edifício é o mais imponente marco na região histórica, explicitando a inabilidade com que se lidou com o patrimônio.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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Carcaça do edifício América ao lado da Praça Hercílio Luz.
A transferência da prefeitura da foz do ribeirão Garcia para a nova sede na Avenida Beira Rio repetiu sobre a Praça Hercílio Luz o mesmo efeito gerado pela desativação do porto - a praça passou por um novo esvaziamento ao perder um grande equipamento público do seu entorno. A década de 80, então, foi marcada por tentativas de reavivar a Praça Hercílio Luz através das ditas “revitalizações”, rompendo com laços identitários e históricos. A partir de um processo de dessignificação da praça, evidencia-se a aproximação do local com o conceito de não lugar. A prática de ressignificação de um lugar pode ser entendida como uma clara dessignificação opressora. Um lugar deixa de ser popular para ser visto como “degradado” e “deteriorado” que precisa ser “revitalizado”. Estes termos são utilizados pelo discurso tecnicista que dessignifica, abrindo caminho para intervenções na paisagem que proporcionarão uma revalorização capitalista do espaço.67 Norteado pelo paradigma da construção de uma imagem germânica para a ci67
SOUZA, 2015. P. 126.
dade, em 1986 inicia-se o processo de “revitalização” urbana que mais uma vez veio contribuir com a dessignificação da Praça Hercílio Luz. A prefeitura municipal lançou a proposta de implantação de uma mini cervejaria na praça Hercílio Luz, formando um “jardim da cerveja”, o Biergarten, para contribuir com o cenário turístico e dar nova vitalidade à praça. O diretor do departamento de cultura do município, em entrevista afirmou que: “o prefeito quer é que comunidade e os turistas frequentem o local com mais assiduidade. Esta praça nunca foi frequentada. Corria-se até o risco de ser assaltado a noite ali, pois os delinquentes destruíam as lâmpadas dos postes com pedradas.”68 A sociedade civil, por outro lado, se mobilizou contra a construção sobre a praça. Houve criação de grupos contra o empreendimento, panfletagens e protestos. As críticas abrangiam a falta de manutenção que praça enfrentava, o caráter arquitetônico da mini-cervejaria que imita o estilo enxaimel, o cercamento da praça e a descaracterização de um marco histórico. Houve inclusive uma tentativa frustrada de tombamento da praça junto a Fundação Catarinense de Cultura para evitar as intervenções.69 Passando por diversas polêmicas, a obra da mini-cervejaria é inaugurada em 1996 junto com o museu da cerveja. Estes equipamentos marcam a privatização e descaracterização do espaço da Praça Hercílio Luz, realizados sob a justificativa de reavivamento da praça, impulsionando o turismo e geração de emprego e renda.
39 Praça Hercílio Luz atualmente.
68 69
Citado em FONSECA, 2011. FONSECA, 2011.
Comunidade, identidade e lugar
Praça Hercílio Luz atualmente reduzida à função de fomento ao turismo.
A implementação de projetos como o Biergarten, sob a máscara de fomento da cultura, aprofunda a problemática sobre a cultura urbana. O uso da cultura como um produto utilizado pelo marketing urbano resulta em uma culturalização espetacularizada da cidade. Essa culturalização que tem o turismo e o comércio como objetivos, resulta em um processo de gentrificação urbana. Essa cultura urbana promovida pelo planejamento estratégico visa um público cada vez menos identificado com a população moradores, o que faz com que a cultura que é espacializada fora destes roteiros seja invisibilizada. A cultura urbana que se instala nas áreas qualificadas, normalmente apresenta-se sem substância devido à sua distância dos habitantes locais.70 “A funcionalização da cultura como um meio para atingir metas econômicas esvazia a própria cultura da cidade duplamente: primeiro, porque se origina do “exterior”, ou seja, não emerge daquele meio, segundo, porque objetiva o “exterior”, ou seja, o usuário não é a população local, mas o turista e o investidor estrangeiro.”
40 Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
VAZ, Lilian Fessler; JACQUES, Paola Berenstein in JEUDY, Henri-Pierre; JACQUES, Paola Berenstein (orgs.). Corpos e Cenários Urbanos: Territórios urbanos e políticas culturais. Salvador: EDUFBA, 2006. P.85.
Restaurante atualmente sobre a praça.
Museu da cerveja atualmente sobre a praça.
70
VAZ; JACQUES in JEUDY; JACQUES, 2006. P. 85.
Placa na Praça Hercílio Luz atualmente.
41
Trapiche: a última ligação da Praça com o Rio.
A praça Hercílio Luz já não é palco das manifestações populares, das cenas de chegadas e partidas no antigo porto ou o centro cívico em frente à antiga prefeitura. O atual restaurante e museu da cerveja localizados na praça explicitam suas novas funções: promover o comércio e o turismo. O local encoraja a ação, mas nunca a interação. Os objetivos dos que frequentam o centro de Blumenau ficaram homogêneos e os poucos corpos de resistência são invisibilizados e marginalizados. Qualquer ação desconectada do comércio e turismo é vista como estranha. O atual espaço dificulta a arte da civilidade. O comportamento do visitante é reduzido a preceitos simples e fáceis de aprender. O risco do centro exclusivamente voltado ao consumo e ao turismo é um temor latente. A tarefa do consumo é puramente individual, não sendo compatível com as noções coletivas de civilidade. As multidões aos finais de semana podem ser lidas como aglomerações de indivíduos isolados, focados nas atividades de consumo. Elas dificilmente vão ao centro para conversar ou socializar. Os encontros são curtos e superficiais. As pessoas deixam o local tão rápido quanto chegaram, levando consigo mais sacolas do que laços duradouros. Os espaços espetacularizados clamam desesperadamente pela construção de uma identidade homogênea. Negam o conflito e impõem respostas prontas. O mecanismo de apaziguação insiste em afirmar que somos todos semelhantes,
Comunidade, identidade e lugar
forçando um simulacro de comunidade que exclui quem nela não se encaixa. Comunidade fabricada aos moldes do consumo que mascara a cidade do encontro, da civilidade e da tolerância. Uma revitalização efetiva só se realizaria havendo apropriação popular e participativa do espaço público urbano. O que não pode ser completamente planejado ou predeterminado; mas pode ser estimulado e incentivado. A questão principal não está na concepção ou nos traçados dos projetos urbanos, mas nas diretrizes das políticas urbanas e culturais, que deveriam estar mais próximas dos processos já existentes nos espaços do que buscar no espetáculo, no turismo e no comércio um objetivo final.71
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
42
71
JEUDY, 2005. P. 102.
43
Comunidade, identidade e lugar
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
OK
CIDADE-EMPRESA
MARKETING URBANO
IDENTIDADE GERMÂNICA
IMAGEM
ESPETAC U
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
44
PRIVATIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
REVITALIZA URBANA
HIGIENIZAÇÃO SEGREGAÇÃO
Mapa ment
KTOBERFEST
CENOGRAFIA URBANA TURISMO
SIMBOLISMO NA ARQUITETURA
CULARIZAÇÃO URBANA
45 RESSIGNIFICAÇÃO
AÇÕES AS NÃO LUGARES APAZIGUAÇÃO DE CONFLITOS
tal do autor.
ELIMINAÇÃO DE DISSENSOS
Possíveis alternativas de resistência
Parte 3. Possíveis alternativas de resistência Deixar-se cativar pela cenografia é ignorar a cidade por trás das máscaras e sua verdadeira beleza. O apelo visual que apazigua a cena urbana mascara os verdadeiros encantos. A beleza na cidade não é absoluta ou impactante à primeira vista. É dinâmica e crescente. Se apresenta aos poucos para quem a procura. Acontece em um conjunto de momentos sobrepostos onde cidade e usuários interagem para além dos roteiros estipulados. “Então, inesperadamente, surge o encantamento. Você se descobre em um ambiente cuja paisagem é dinâmica, ela se faz e se refaz continuamente pela soma de imagens que não param de explodir. É uma beleza crescente.” BUCCI, Angelo. Duas formas de beleza, duas cidades. In GUERRA, Abilio; FIALHO, Roberto Novelli (orgs.). O arquiteto e a cidade contemporânea. São Paulo: Romano Guerra, 2009.
A experiência estética da cidade consiste em enxergar as várias imagens e signos simultaneamente, jamais através do totalitarismo da representação. A relação sentimental com a cidade é construída de forma incerta com origem na experiência cotidiana da cidade que nos ensina a viver a simultaneidade temporal e espacial.72 A heterogeneidade da cidade não é sinal de falta de coesão. A coerência espacial relacionada a história da conformação territorial impõe-se por ela mesma. A cidade sem unidade ainda sim produz uma paisagem que se olhada mais de perto, percebe-se laços unindo os fragmentos73.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
46
A beleza da cidade pode ser percebida quando cidade e usuários interagem fora dos roteiros estipulados pelo espetáculo.
72 73
JEUDY, 2005. P. 84. JEUDY, 2005. P. 102.
47
Possíveis alternativas de resistência Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
48
Colagem do autor: a cidad
Como a cidade seria vista se fosse possível apagar os cenários que criam o espetáculo urbano? O protag
de por trás do espetáculo.
gonismo poderia ser devolvido às pessoas? O que fariam e como agiriam? Qual a cidade que construiriam?
49
Possíveis alternativas de resistência
Os pensadores situacionistas, na Europa na década de 1960, viam como uma forma de combater o espetáculo, a participação ativa dos indivíduos em todos os campos da vida social, principalmente no cultural. Esta participação atuaria como antídoto ao espetáculo, à alienação e a passividade da sociedade.74 Como consequência, o pensamento situacionista também se posiciona contra o monopólio dos urbanistas e planejadores sobre o espaço urbano. Para eles, qualquer construção dependeria da participação ativa dos cidadãos, por meio de uma revolução da vida cotidiana.75 Na mesma linha, as pesquisadoras brasileiras Fabiana Britto e Paola Jacques sugerem que uma alternativa possível ao espetáculo urbano seria a experiência efetiva ou prática dos espaços urbanos, pela própria experiência corporal e sensorial da cidade. Para elas, a cidade deixa de ser uma cenografia no momento em que é vivida. Os praticantes ordinários da cidade dão corpo aos espaços quando se fazem presentes nesses. Da mesma forma, a cidade quando experimentada se inscreve e resiste no corpo de quem a pratica. Assim, as relações perceptivas da cidade provindas da experiência formariam um contraponto à imagem rasa da cenografia urbana e da cidade espetacularizada.76 As micronarrativas dos praticantes ordinários da cidade enfatizam as questões da experiência e do corpo na cidade. Reafirmam a enorme potencia da vida coletiva, uma complexidade e multiplicidade de sentidos que confronta qualquer pensamento único.77 Em contrapartida a imagem homogênea da cidade, a explicitação dos dissensos, que torna os conflitos visíveis, passa a ser uma forma ativa de resistência. Devese compreender resistência e espetáculo como entidades não dualistas. Elas coexistem na cidade interdependentemente, gerando “zonas de tensão” . “Seria importante entender que a crítica ao espetáculo pacificador também faz parte deste processo de espetacularização e que a resistência a este processo lhe é inerente, intrínseca, e mais, que esta crítica só pode ser de fato tensionadora ou problematizadora de dentro do próprio processo, mas em outra escala ou registro, em forma de infiltração, de pequenos desvios, ações moleculares (GUATTARI, F. E ROLNIK, S., 1968), ou seja, enquanto micro-resistências.”
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
50
BRITTO, Fabiana Dultra; JACQUES, Paola Berenstein. Corpocidade: debates, ações e articulações. Salvador: EDUFBA, 2010. P.109.
Neste processo, a cultura e a arte teriam um papel fundamental de resistência. A oposição da espetacularização da cultura urbana pode se apresentar através do conceito de urbanidade. Urbanidade concebida como modo de vida democrático, participativo, que compreende a cidade como o local do encontro, da diversidade e da tolerância, fazendo com que a cultura local e a participação da população tenham que estar intimamente ligadas a espacialização da arte e da cultura na cidade.78 Neste sentido, é possível mapear ações de resistência em Blumenau. A resistência pode ser percebida através de sua materialização tanto de forma coletiva quanto isolada. Como formas de resistência coletiva, pode-se destacar alguns eventos espacializados pelo centro fundador. A sociedade organizada, seja através de coletivos ou da pressão popular sobre o poder público, conseguem materializar ações de resistência. Foram mapeados alguns destes eventos, destacando a ocupação do espaço público não edificado. Vale ressaltar, que além dos eventos efêmeros, há também no centro fundador o Teatro Carlos Gomes, a Fundação Cultural Blumenauense, a Biblioteca Municipal, museus e bares privados que também realizam atividades culturais que podem apresentar elementos de resistência ao espetáculo.
74 75 76 77 78
JACQUES, 2012. P. 207. JACQUES, 2012. P. 210. BRITTO; JACQUES, 2008. P. 83-84. JACQUES, 2012. P. 20. VAZ; JACQUES in JEUDY; JACQUES, 2006. P. 85.
51
o
mbr
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Teatro Carlos Gomes
d XV
Praça Victor Konder
Rua
Possíveis alternativas de resistência
Rota de Laz
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
52
COLMEIA
Ru
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Feirinha da servidão
Mapeamento de espaços e aç
zer
vamo siuní?! Museu de Hábitos e Costumes Prainha Praça Hercílio Luz Fundação Cultural no P
eixo t
o
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Rua F
loria
Biblioteca Municipal Museu da Família Praça Colonial Dr. Blumenau
ções coletivas de resistência.
53
Possíveis alternativas de resistência
Rota de Lazer - Rua XV de Novembro Das ações levantadas neste trabalho, esta é a única que partiu do poder público. A Rota de Lazer consiste na possibilidade da apropriação da Rua XV de Novembro por pedestres e ciclistas. A partir de 2012, a prefeitura passou a vetar a circulação de veículos automotivos na Rua XV de Novembro aos domingos. Inicialmente, o programa acontecia das 8 horas ao meio dia. Em 2016, através de pressão popular, o horário foi estendido até as 17 horas. A rua aberta para pessoas aos domingos, quando a maioria do comércio está fechado, possibilita uma nova forma de ocupação e apropriação da rua, evidenciando uma série de ações para além do comércio.
ciclismo
brincadeiras
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
54
famílias
caminhada/corrida encontro
Vamo Siuní?! - Prainha O Vamo Siuní?! É um coletivo que promove eventos artísticos e culturais em espaços públicos da cidade desde 2011. Os eventos mais marcantes foram os que aconteceram na Prainha em alguns domingos durante 2011 e 2012. Nestes eventos, havia a apresentação de bandas em formato palco aberto, realização de oficinas, debates, apresentação de artes visuais e varais artísticos coletivos. Em 2012, o espaço da Prainha foi fechado ao público pela prefeitura, pois foi transformado em canteiro de obras para a restruturação de contenção de deslizamentos na margem esquerda do rio. A partir daí, o Vamo Siuní?! realizou eventos em outras localizações, porém sem a mesma expressividade de público. A Prainha foi reaberta à população em 2016, quando diversos grupos e coletivos voltaram a promover ocupações artísticas e culturais no espaço.
música
arte urbana
ocupação
bandas
varal de arte
55 exposições
Possíveis alternativas de resistência
COLMEIA - Teatro Carlos Gomes O COLMEIA - Coletivo Laboral Multicultural de Experimentações e Intervenções Artísticas – é composto pessoas de variados segmentos artísticos e culturais de Blumenau e região. Tem por objetivo fomentar a arte e o contato entre artistas, público, equipamentos e instituições culturais, promovendo o protagonismo e a autonomia na classe cultural. Desde 2012, o COLMEIA organiza anualmente no Teatro Carlos Gomes um evento de dois dias com intervenções e exposições artísticas. Criou-se um evento plural, compilando a produção local em diversas expressões: teatro, música, dança, visuais, hip hop, cultura digital, cinema, artesanato, moda, literatura, culinária, entre outros. As obras, performances e oficinas ocupam todos os espaços do teatro, estimulando o público – e os artistas – a se movimentar e interagir. O evento é colaborativo, organizado pela classe cultural em conjunto com o teatro. A parceria estabelecida indica que o Teatro Carlos Gomes cede as dependências e a estrutura sem custos e os artistas cedem a sua produção. Desta forma, a comunidade tem acesso ao movimento cultural sem cobrança de ingressos.79 confraternizações
oficinas de arte
bandas
artistas
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
56
79 Carta COLMEIA. COLMEIA. Disponível em <http://coletivocolmeia.com.br/cartacolmeia/>. Acesso em 3 de abr. 2018.
Feirinha da Servidão - Ruas Curt Hering e Floriano Peixoto A Feirinha da Servidão é uma feira de produtos independentes dos mais diversos tipos: roupas, artesanatos, obras de arte, artigos musicais... Surgiu em 2013 e acontece uma vez por mês, sempre aos domingos. Inicialmente acontecia na servidão e no espaço de um estacionamento aos fundos do antigo bar Butiquin Wollstein. Com o aumento da procura de feirantes e público, começou a ocupar as ruas Floriano Peixoto e Curt Hering. A Ferinha transformou estas ruas em locais de circulação de pessoas, produtos artesanais e artistas, passando a ser importante ferramenta de fortalecimento da cultura e dos pequenos comerciantes locais, gerando renda e acesso aos bens culturais produzidos na própria região. Além dos feirantes, shows com bandas e músicos da região, exposições, espaço literário, oficinas e intervenções artísticas fazem parte da programação, atraindo uma média de 3.000 pessoas por mês.80 Apesar de estar atrelada ao comércio, a Feirinha promove acesso à arte e a cultura, seja através da possibilidade de exposição de produtos, ou através de apresentações artísticas e realizações de oficinas. Além disso, trás uma nova dinâmica para as ruas em que se instala, catalisando novas formas de ocupação das ruas. convite a ocupação
oficina de forró
57 comércio independente
banda de reggae
80 Feirinha da Servidão – A História. Feirinha da Servidão. Disponível em: < https://www.facebook. com/pg/feirinhadaservidao/about/>. Acesso em 4 de abr. de 2018.
Possíveis alternativas de resistência
Além da resistência através da arte e da cultura, também é possível mapear uma resistência de forma isolada, ligada ao corpo e ao tempo lento na cidade. A experiência corporal na cidade está relacionada a lentidão como uma virtude dos praticantes urbanos. Milton Santos propõe a lentidão como contraponto à pressa hegemônica e tentadora onde o tempo lento é visto como uma possibilidade de resistência. São os homens lentos que podem melhor ver, apreender e perceber a cidade. Para exemplificar os homens lentos na cidade, Santos refere-se principalmente aos mais pobres, aqueles que não tem acesso à velocidade ficando à margem da aceleração do mundo contemporâneo.81 Como resistência de forma isolada, pode-se destacar as pessoas que são excluídas sistematicamente do espetáculo por não terem acesso ao mercado de consumo. Essas pessoas, ocupam as áreas centrais da maneira que conseguem, sob forma de moradores de rua, catadores de lixo e pedintes, deixando vestígios da sua permanência no espaço construído. Os artistas urbanos, também chamados de grafiteiros e pichadores, através da subversão à higienização da cidade, também deixam suas impressões, contribuindo para uma heterogenia de resistência. Por fim, as práticas dos homens lentos se aproximam daquelas dos praticantes ordinários da cidade82, as pessoas nas atividades cotidianas que extrapolam os limites e usos impostos pelo planejamento urbano, criam escapes para fora do espetáculo, mudando a perspectiva de seus corpos e suas ações, de personagens para protagonistas. Apesar do discurso oficial da cidade de forma totalizadora e quase mítica para as estratégias sócio-econômicas e políticas, a vida urbana acaba sempre apresentando aquilo que o projeto urbanístico dela exclui. Na cidade, proliferam-se movimentos contraditórios que se compensam e se combinam fora do poder panóptico, não sendo um campo de operações programadas e controladas.83
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
58
81 82 83
JACQUES, 2012. P. 280. JACQUES, 2012. P. 285. CERTEAU, 2008. P. 174.
59
Possíveis alternativas de resistência
pixações
artistas de rua
60 Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
pixações
catad
pessoas em situação de rua
pessoas em situação de rua
Mapeamento de corpos e marcas de vivências na cidade que escapam dos rote
grafiti
61
grafiti
dores de lixo
eitos do espetáculo registrados durante um percurso pela Rua XV de Novembro.
grafiti
pesca
Possíveis alternativas de resistência
Como forma de ler a cidade de maneira sensível a este tipo de ocupação, a pesquisadora Paola Jacques utiliza o conceito de errância como método de compreensão e ação na cidade através da prática não planejada do espaço urbano.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
62
“A experiência de errar pela cidade pode ser pensada como ferramenta de apreensão da cidade, mas também como ação urbana, ao possibilitar a criação de microrresistências que podem atuar na desestabilização de partilhas hegemônicas e homogêneas do sensível, nas palavras de Jacques Rancière (2000). As errâncias são um tipo de experiência não planejada, desviatória dos espaços urbanos, são usos conflituosos e dissensuais que contrariam ou profanam, como diz o próprio Agamben, os usos que foram planejados. A experiência errática, assim pensada como ferramenta, é um exercício de afastamento voluntário do lugar mais familiar e cotidiano, em busca de uma condição de estranhamento, em busca de uma alteridade radical.” JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2012. P. 22-23.
Voltando aos situacionistas, o processo de errância desenvolvido por eles é chamado de deriva. A deriva situacionista se apresenta como uma técnica de passagem rápida por ambiências variadas através de um comportamento lúdico-construtivo. É um tipo específico de errância urbana, uma apropriação do espaço urbano através do andar sem rumo. Como produto de um processo de deriva, existe a psicogeografia. A psicogeografia seria o estudo do ambiente urbano, principalmente dos espaços públicos, através das derivas. Busca mapear os diversos comportamentos afetivos diante da ação de errar pela cidade.84 “A psicogeografia seria então uma geografia afetiva, subjetiva, que buscava narrar, através do uso de cartografias e mapas, as diferentes ambiências psíquicas provocadas pelas errâncias urbanas que eram as derivas situacionistas.” JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2012. P. 215.
A partir da primeira aproximação da cidade através do processo de errância, desenvolveu-se a cartografia a seguir como registro. Utilizando a técnica de deriva para explorar a área do centro fundacional de Blumenau, buscou-se percepções subjetivas da cidade. O exercício permitiu uma desaceleração enquanto se explorava afetivamente a cidade, registrando através de fotografias e palavras a experiência. A cartografia apresentada foi produzida em um domingo em setembro, durante a Rota de Lazer, quando a Rua XV estava fechada peara veículos. Como registro desta experiência pessoal, enfativa-se os tensionamentos entra o uso ordinário da cidade e os cenários espetaculares. Ao colocar-se como errante na cidade, é possível apreender a cidade de forma oposta ao planejamento urbano tradicional, e assim, perceber pistas no uso cotidiano da cidade de como potencializar processos de resistência ao espetáculo. Ao escapar das totalizações, percebe-se um cotidiano que não vem à superfície. Neste conjunto de práticas urbanas, nota-se uma outra espacialidade: uma experiência antropológica e poética do espaço.85 “As práticas cotidianas dos praticantes ordinários, como as dos errantes, são do tipo tática – estão diretamente relacionadas com a experiência urbana do ‘embaixo’, com o ‘corpo a corpo amoroso’ –, enquanto as estratégias “escondem sob cálculos objetivos a sua relação com o poder” que sustenta os espaços. São duas lógicas de apreensão da cidade, da experiência urbana, que coexistem: a estratégica, do urbanismo e planejamento hegemônico – hoje também chamado, não por acaso, de planejamento estratégico –, daqueles que produzem os espaços a partir da vista aérea, dos cálculos objetivos e do poder que os sustenta; e a tática, astúcia daqueles que cotidianamente praticam o espaço, usando-o, desviando-se, profanando-o, subvertendo-o: jogam com o espaço dado.” JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos errantes. Salvador: EDUFBA, 2012. P 268.
84 85
JACQUES, 2012. P. 213. CERTEAU, 2008. P. 172.
63
havia poucos comércios abertos. os poucos pontos que vendiam comidas e bebidas serviam como apoio à permanência
a presença de padestres e bicicletas como contraponto ao automóvel dá um novo ritmo à cidade, contrastando com a alta velocidade do cotidiano
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
64
Possíveis alternativas de resistência
Na praça Victor Konder havia uma banda que cativava quem passava. A presença de bandas e pessoas na praça enfraquece o espetáculo: as pessoas passam a ser
bandas
cenários
suvenir
esvaziamento ciclismo
caminha
trabalhadores
café
Cartografia em imagens fotografadas d
passeio
durante o processo de errância. Parte 1.
quando não havia uma atividade polarizadora, os cenários pareciam repelir as pessoas, se afirmando como o espaço dos turistas e não dos moradores
65
ada
cenários
protagonistas e não os cenários
Parece existir um ponto de tensão entra o que é a dança ligada a grupos folclóricos e a ligada ao espetáculo
A presença de crianças permite um perceber a cidade etravés de um outro rítmo
A venda de roupas e acessórios para a Oktobefest gera a sensação de ser possível obter um “kit” para fazer parte da cidade-cenário
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
66 fantasias à venda
fachadas falsas
lúdico O art déco, o ecletismo e o modernismo foram os últimos estilos a aparecer no
Possíveis alternativas de resistência
cenário
brincadeiras
vigilância contrastes
apropriação
art déco
patrimônio
danças “típicas”
uso ordinário
Cartografia em imagens fotografadas d
centro antes da investida dos falsos enxaimel
durante o processo de errância. Parte 2.
A Praça Hercílio Luz é o local mais emblemático para mim. A carga do que ela já foi tensiona com o atual abandono de significado. A praça serve aos turistas. À população, resta a Fundação Cultural do outro lado da rua
No percurso feito, esta praça é o primeiro ponto onde é possível ver o rio. Uma paisagem que desacortina atrás dos edifícios
o
visão do rio
modernismo
fundação cultural subutilizada
67
abandono
ligação com o rio
turismo
arte urbana
Parte 4. Ensaios
Ensaios
Partindo desta leitura da cidade de Blumenau, este trabalho ruma para ações propositivas em forma de ensaios. Estes ensaios são propostas de intervenções que exploram o campo da possibilidade, objetivando catalisar movimentos de resistência ao espetáculo no centro fundacional, possibilitando e potencializando usos efêmeros, ligados à arte, à cultura e a vida cotidiana dos moradores da cidade. Assim, busca-se tensionar o uso cotidiano da cidade, ligado aos moradores locais e suas complexidades, com a cidade imagem homogênea.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
68
Entende-se que propor intervenções urbanas para a cidade deve atravessar um processo participativo e ativo, envolvendo os diferentes agentes e populações atuantes no espaço urbano. Contudo, este trabalho limita-se a apresentar uma exploração do autor sobre o tema. Assim, reforça-se que estas proposições não são deterministas quanto ao uso dos espaços, tampouco pretendem esgotar as possibilidades e discussões sobre o tema. Almeja-se dar visibilidade para a vida cotidiana da cidade como forma de resistência ao espetáculo, fomentando o debate sobre o conteúdo. Os ensaios apresentados neste trabalho consistem em intervenções no centro fundacional de Blumenau em diferentes pontos e escalas. Juntas, formam um circuito de espaços públicos contra-hegemônicos que buscam ampliar e qualificar locais que possam receber movimentos e ações de resistência na cidade. Este sistema de espaços foi traçado a partir dos movimentos e ações que escapam do planejamento urbano, dando pistas de como intervir no ambiente urbano. Buscouse potencializar usos percebidos, combinando-os com possíveis novas formas de apropriação do espaço público. Explora-se a alternativa de qualificar a cidade com infraestrutura para que os habitantes possam ocupar e permanecer no espaço público com maior frequência e de forma mais variada que atualmente. Também pretende-se provocar uma desaceleração do tempo na cidade, buscando despertar um estado de errância no passante. A cidade deve dar visibilidade a sua complexidade social de modo a gerar encantos e surpresas não planejadas ao admitir a pluralidade que a constitui. As intervenções inserem-se no centro fundacional da cidade, ao longo do trajeto guiado pelo rio Itajaí-Açu e a Rua XV de Novembro. Esta rua, por ser a mais emblemática da cidade, faz-se o principal foco das intervenções. A resistência ao processo de espetacularização urbana atravessa a necessidade da ocupação e permanência não hegemônica nos espaços de maior visibilidade e carga simbólica da cidade. Buscando encorajar a apropriação pelas pessoas nos espaços públicos ao longo da Rua XV de Novembro, surge a necessidade de desestimular o tráfego automotivo que ocupa grande espaço nesse local através de faixas de rolamento e estacionamentos. Para isso, interrompe-se a continuidade do tráfego automotivo na Rua XV de Novembro em 2 pontos: próximo ao Teatro Carlos Gomes e na Praça Dr. Blumenau. Com a descontinuidade da rua, busca-se desviar o fluxo arterial para as ruas paralelas. Além disso, propõe-se que uma das atuais duas faixas de rolamento seja convertida em ciclofaixa. O transporte cicloviário se encaixa na proposta por possibilitar uma desaceleração como meio de transporte alternativo na cidade.
69
Ensaios
Tráfego Rua XV de Novembro
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
70
Tráfego automotivo ao longo da rua XV de Novebro em uma faixa Ciclofaixa de 3 m ao longo da rua XV de Novebro
71
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Colagem Rua XV de Novembro
72
73
Ensaios
As propostas de intervenções podem ser sistematizadas em 6 unidades ao longo do recorte. Elas funcionam como âncoras para a ocupação, potencializando usos já existentes e catalisando novas possibilidades de ocupação. Reforça-se que apesar das proposições, o processo de resistência só aconteceria de fato com a ocupação destes espaços. As intervenções então, são um ponto de partido para um processo que não pode ser premeditado. De forma a dar suporte a ocupação ativa destes espaços, inclui-se na proposta uma marcenaria comunitária junto à intervenção no Edifício América. Através desta marcenaria, busca-se possibilitar uma ocupação tática dos espaços urbanos através de mobiliários e equipamentos efêmeros, construídos coletivamente.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
74
Espaço urbano qualificado
Exemplo de ocupações táticas que podem ser catalisadas pela marcenaria comunitária presenta na proposta
Estas intervenções podem ser categorizadas conforme a escala da proposta: nas intervenções de tipo 1 propõe-se apenas a ampliação do espaço público; nas de tipo 2, além da ampliação do espaço público, sugere-se equipamentos urbanos; e na de tipo 3, além das ações anteriores, propõe-se uma intervenção de escala arquitetônica em edifício existente.
Tipo 1
_Ampliação do espaço público
Tipo 2
_Ampliação do espaço público _Inserção de equipamento urbano
75
Tipo 3
_Ampliação do espaço público _Inserção de equipamento urbano _Intervenção em edificação
Ensaios
Mapa de intervenções
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
76
0
100
250
500 m
Conexão fluvial Rua XV de Novembro - conexão com ciclofaixa Áreas de intervenção Intervenção tipo 1 Intervenção tipo 2 Intervenção tipo 3
77
Ensaios
1. Intervenção Praça Victor Konder
Na praça Victor Konder localiza-se a Prefeitura Municipal de Blumenau. Apesar da sua linguagem pastiche, a prefeitura é um elemento importante para a cidade devido ao seu significado político. Atualmente a praça Victor Konder é rodeada de estacionamentos dos órgãos administrativos e na fachada sul da prefeitura, há jardins com fontes e exposição da locomotiva Macuca. Entendendo esta praça como um local cívico importante para a cidade, busca-se ampliar o seu espaço, reduzindo estacionamentos e convertendo a Rua Padre Roberto Landel de Moura em uma passagem exclusiva de pedestres e veículos não automotivos. Assim, amplia-se o espaço para reuniões e manifestações políticas junto à sede do executivo municipal, buscando fomentar maior visibilidade e participação política dos habitantes. Além disso, aos finais de semana, quando não há expediente na prefeitura, esta praça pode receber diferentes tipos de eventos e usos, a exemplo do que já acontece hoje em espaço reduzido.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
78 Prefeitura Municipal de Blumenau vista a partir da Rua Padre Roberto Landel de Moura.
Banda se apresentando no espaço da Praça Victor Konder. Prefeitura aos fundos.
Proposta Prefeitura
Rua Padre Roberto Landel de Moura
N 0
79 50
100
250 m
Passagem de automóveis convertida exclusivamente para pedestres e veículos não motorizados Estacionamento existente incorporado na proposta Ciclofaixa ao longo da Rua XV de Novembro Continuidade de espaço público aberto
Proposta Praça Victor Konder - Isométrica
Ensaios
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
80
Possíveis usos Manifestações políticas Ciclismo Apresentações musicais
81
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Praça Victor Konder atualmente
82
83
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Colagem - proposta Praça Victor Konder
84
85
Ensaios
Colagem - Proposta Praça Victor Konder - Possíveis ocupaç
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
86
ções táticas
87
Ensaios
2. Intervenção Teatro Carlos Gomes
O Teatro Carlos Gomes é um importante marco na paisagem e na dinâmica da Rua XV de Novembro devido a sua função e escala. A inauguração do teatro data 1939 com sua edificação em Art Déco, hoje tombada pela Fundação Catarinense de Cultura. Atualmente, é o maior equipamento cultural presente no centro fundacional. Apesar do seu enorme potencial como vetor cultural e artístico, a maior parte das atividades ficam restritas ao espaço interno da instituição. A exemplo da ocupação realizada pelo Coletivo COLMEIA anualmente no teatro e no seu espaço externo, busca-se possibilitar que as atividades do teatro extrapolem seus limites físicos, catalisando uma ocupação voltada a leva-las para o espaço aberto da rua. Para compor com o espaço público dos jardins do teatro, propõe-se uma nova praça onde hoje funciona um estacionamento privado na Rua Professor José Ferreira da Silva. Complementarmente aos jardins que exercem função contemplativa, a nova praça busca proporcionar um espaço ativo possibilitando manifestações culturais e artísticas, utilizando o teatro como ponto de apoio. A alternativa de apresentações acontecerem no espaço urbano, desvinculadas da burocracia institucional do teatro, também possibilita a democratização dos eventos artísticos. Muitos artistas da cidade não têm visibilidade nos espaços centrais, ficando restritos às comunidades na periferia, como grupos ligados à cultura do rap e hip-hop. Essa premissa se especializa através estares em patamares voltados para um pátio central. Esta conformação possibilita que uma eventual plateia se posicione nos níveis mais elevados para assistir uma performance que acontece no pátio. Além disso, a estrutura conta com sanitários, auxiliando na permanência do público. Também se espera que com a intervenção, as edificações adjacentes e o próprio teatro passem a fornecer serviços que deem apoio a ocupação.
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
88
Fachada frontal do Teatro Carlos Gomes, vista da Rua XV de Novembro.
Proposta Teatro Carlos Gomes
Rua XV de Novemrbo
Rua Professor José Ferreira da Silva
89
N 0
25
50
100 m
Passagem de automóveis convertida exclusivamente para pedestres e veículos não motorizados Estacionamento existente incorporado na proposta Ciclofaixa ao longo da Rua XV de Novembro Intervenção Continuidade de espaço público aberto
Ensaios
Proposta entorno Teatro Carlos Gomes - Isométrica
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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Possíveis usos Mesas e serviços na calçada Ciclismo Apresentações teatrais Apresentações de dança
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Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Área de intervenção atualmente
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Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Colagem - Proposta entorno Teatro Carlos Gomes
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95
Ensaios
Colagem - Proposta entorno Teatro Carlos Gomes - Possívei
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
96
is ocupações táticas
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Ensaios
3. Intervenção Rua Curt Hering
A Rua Curt Hering é uma via na região central de Blumenau que vem ganhando visibilidade nos últimos anos como um ponto de comércio, lazer e entretenimento urbano. A rua passou a abrigar a Feirinha da Servidão, que acontece mensalmente. A feira, apesar de uma ocupação recente, cresceu nos últimos anos, sendo hoje um evento importante na cidade. Por acontecer na rua e estar sujeito a intempéries, a feira tem o seu calendário frequentemente alterado em condições de chuvas e mal tempo. Além da feira, nos últimos anos houve um aumento de estabelecimentos gastronômicos nesta rua, dando vida para a região em períodos noturnos e aos fins de semana. O potencial desta rua teve tal visibilidade que este ano foi apresentada uma proposta do poder público para uma readequação: “O projeto engloba um novo conceito de “cidades para pessoas” que privilegia o trânsito de pedestres, com a ampliação das áreas destinadas para calçadas, acessibilidade, mobiliário urbano e paisagismo. “A via será nivelada com os passeios para criar uma superfície contínua, facilitando assim o deslocamento não motorizado”, avalia o secretário de Desenvolvimento Urbano, Ivo Bachmann Jr. De acordo com ele, esta mudança de paradigma e o compartilhamento do espaço por motoristas e pedestres são os maiores desafios.” Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Blumenau, 2018. Disponível em https:// www.blumenau.sc.gov.br/secretarias/secretaria-de-desenvolvimento-urbano/seplan/ sedur-apresenta-projeto-para-requalificaacaao-urbanaistica-da-rua-curt-hering10
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
98
Imagem da proposta da Prefeitura para a readequação da Rua Curt Hering.
Entende-se que apesar de pertinente, a proposta apresentada pela prefeitura ainda representa um foco majoritário nos estabelecimentos privados que viriam a ser beneficiados com o projeto, podendo provocar inclusive um processo de gentrificação. Como contraproposta, busca-se além de permitir uma atuação maior dos estabelecimentos privados, também assegurar o comércio independente de rua, possibilitando sua permanência. Almeja-se catalisar um comércio não-hegemônico na região central, ligado a produtores locais e a economia solidária. Para possibilitar uma ocupação segura, propõe-se que o trecho da Rua Curt Hering, entre as ruas Caetano Deeke e Mal. Floriano Peixoto, seja exclusivo para o tráfego de pessoas e veículos não automotivos. Para assegurar atividades de comércio independente como a feira, propõe-se que a rua receba coberturas removíveis, que serviriam para amenizar intempéries como chuvas e sol intenso. Essas coberturas consistem em tecidos tensionados, presos em postes ao longo do trecho. Essas estruturas seriam removíveis, ficando a sua utilização a critério do evento ou da ocupação realizada.
Proposta Rua Caetano Deeke
Rua Curt Hering
Rua Mal. Floriano Peixoto
99
N 0
25
50
100 m
Passagem de automóveis convertida exclusivamente para pedestres e veículos não motorizados Ciclofaixa ao longo da Rua XV de Novembro Intervenção Continuidade de espaço público aberto
Ensaios
Proposta Rua Curt Hering - Isométrica
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
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Possíveis usos Comércio Ciclismo
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Ensaios
Rua Curt Hering atualmente
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Colagem - Proposta Rua Curt Hering
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4. Intervenção Prainha
Ensaios
A chamada prainha sempre foi um espaço de lazer na região central da cidade. Devido aos verões muito quentes, por muito tempo o local foi utilizado como opção de balneabilidade na sua faixa de areia junto ao Rio Itajaí-Açu. A área se conectava com a outra margem do rio através de balsa que fazia o trajeto, a integrando ao centro fundacional da cidade. Entre as décadas de 1970 e 1980, o local foi urbanizado, passando por diversas transformações. Uma das maiores, talvez seja imaterial: o local deixou de ser o balneário dos blumenauenses.86
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
106
Vista da Prainha anterior a sua urbanização
Prainha na década de 1980
Atualmente, o local se constitui como um parque urbano com áreas verdes e alguns equipamentos, como concha acústica, playground e exposição da embarcação Vapor Blumenau. A área também é um local de disputa territorial na cidade. Durante 2012 e 2016 o espaço foi fechado ao público por abrigar o canteiro das obras na margem esquerda do Rio Itajaí-Açu. Antes do seu fechamento e após a sua reabertura, diversos grupos e coletivos chamavam a ocupação do local atra86 Diário Catarinense - Rio Itajaí-Açu era o balneário dos moradores de Blumenau há 70 anos, 2014. Disponível em http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2014/01/rio-itajai-acu-era-o-balneario-dos-moradores-de-blumenau-ha-70-anos-4399695.html
vés de eventos, buscando garantir o seu caráter público voltado aos habitantes da cidade. Essas ocupações foram uma resposta ao sistemático abandono do espaço pela administração municipal e seu gradual esvaziamento de público ao longo dos anos. O local também é palco de debates sobre mobilidade urbana na cidade. Em 2011 a Prefeitura Municipal realizou um concurso de arquitetura para construção de uma nova ponte e uma passarela sobre o rio. A passarela ligaria a prainha à outra margem do rio através de uma estrutura estaiada, com arcos de cerca de 25 metros de altura. Após conflitos políticos, o projeto vencedor do concurso foi abandonado, descartando a construção da passarela e optando por uma ponte em outro local.
Imagem do projeto vencedor do concurso para ponte e passarela realizado em 2011
Buscando resgatar o contato com o rio, em 2016 a prefeitura realizou a primeira edição do Festival Náutico Blumenau a Bordo, que chama a ocupação náutica do rio a partir da Prainha e da Praça Hercílio Luz. O festival busca concentrar as embarcações no rio e também promover atividades esportivas e de lazer como passeios de caiaque, stand up paddle, oficinas de pesca e voos de flyboard.
Foto do Festival Náutico Blumenau a Bordo
107
Em julho de 2018, a prefeitura anunciou um projeto de revitalização para a Prainha em fase de licitação. “O projeto básico da nova Prainha prevê uma concha acústica renovada, com assentos para o público acompanhar espetáculos. O Vapor Blumenau ganhará maior destaque, com um espelho d’água no entorno. O plano é fazer parece que ele está navegando em terra firme. O barco terá uma rampa de acesso e deve se tornar um museu. O playground será refeito, assim como o gramado e espaços de contemplação do rio Itajaí-Açu. Um deque será instalado de frente para as águas, onde será possível tomar sol e observar a natureza ou os eventos náuticos que ocorrem no local, como o Blumenau a Bordo.”
Ensaios
ASSIS, Evandro de, 2018. O Município Blumenau - Reforma da Prainha: com dinheiro garantido, prefeitura de Blumenau prepara licitação. Disponível em: https://omunicipioblumenau.com.br/prefeitura-de-blumenau-prepara-reforma-da-prainha/
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
108
Imagem do projeto da Prefeitura para a revitalização da Prainha
Sobre o projeto, destaca-se a importância na manutenção dos equipamentos na Prainha, porém receia-se a transformação radical do espaço sem a participação da população interessada. Como possível intervenção no local, é importante resgatar o contato com o rio como vetor de lazer, esporte e transporte. Propõe-se uma estrutura flutuante sobre o rio que permita a população se banhar com segurança em suas águas. A estrutura também serviria como píer para embarcações pequenas e para uma possível ligação fluvial entre a Prainha e a Praça Hercílio Luz realizada continuamente por uma embarcação, estabelecendo uma contraproposta à passarela estaiada. A ligação fluvial entre as margens do rio através de uma embarcação, além de apresentar um impacto visual mais modesto em comparação com a passarela, resgata um importante marco simbólico para a cidade ao mesmo tempo que incentiva o movimento lento sobre as águas, possibilitando uma redescoberta do rio e suas margens. A ligação entre os espaços públicos nas margens opostas também busca facilitar o acesso a Prainha, uma vez que a margem em que esta localizada apresenta uma acessibilidade menor no contexto urbano através de transporte coletivo. Ligando a plataforma flutuante a terra, propõe-se uma arquibancada que permita a contemplação do rio e do equipamento proposto. Sob a arquibancada, propõe-se sanitários e vestiários para dar suporte à proposta.
Proposta
109
N 0
50
100
250 m
Equipamento de intervenção Conexão fluvial Continuidade de espaço público aberto
Ensaios
Proposta Prainha - Isométrica
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
110
Possíveis usos Prática de esportes Descanso / lazer shows / performances
111
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Prainha atualmente
112
113
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Colagem - Proposta Prainha
114
115
5. Intervenção Praça Dr. Blumenau
Ensaios
A praça Dr. Blumenau já é um espaço democrático no centro da cidade. Fundada em 1949 e reestruturada em 2001, atualmente esta praça conta com espaço central livre e alguns equipamentos nas bordas, como sanitários, palco, bancos, mesas e playground infantil.
Praça Dr. Blumenau em 1949
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
116
Por ser um dos únicos espaços livres no centro da cidade, a praça recebe diversos tipos de ocupações efêmeras: feiras, apresentações musicais, prática de capoeira, campanhas de saúde, manifestações políticas... Assim, por entender que esta praça já apresenta um papel importante no contexto urbano da cidade, a proposta limita-se em expandir o seu espaço, uma vez que atualmente a praça encontra-se margeada por vias e por uma fachada cega. A proposta busca ampliar a praça, a integrando à Rua XV de Novembro e às edificações existentes. Para isso, propõe-se que o trecho da desta rua, entre as ruas Nereu Ramos e Alameda Rio Branco, seja de tráfego exclusivo para pessoas e veículos não motorizados, bem como o trecho da Rua Nereu Ramos que margeia a praça. Espera-se que mais atividades possam acontecer ali, atraindo um público ainda maior e acontecendo com maior frequência. Também se almeja que o comércio e os serviços passem a interagir com a praça, dando suporte à permanência de usuários.
Diferentes usos que atualmente ocorrem na Praça Dr. Blumenau
Proposta
Rua Nereu Ramos
Rua XV de Novemrbo
117
N 0
25
50
100 m
Passagem de automóveis convertida exclusivamente para pedestres e veículos não motorizados Ciclofaixa ao longo da Rua XV de Novembro Continuidade de espaço público aberto
Ensaios
Proposta Praça Dr. Blumenau - Isométrica
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
118
Possíveis usos Mesas e serviços na calçada Ciclismo shows / performances Apresentações de dança Prática de skate
119
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Praça Dr. Blumenau atualmente
120
121
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Colagem - Proposta Praça Dr. Blumenau
122
123
Ensaios
Colagem - Proposta Praça Dr. Blumenau - Possíveis ocupaçõ
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
124
ões táticas
125
Ensaios
6. Intervenção Praça Hercílio Luz
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
126
A Praça Hercílio Luz, como já discutido anteriormente, representa um importante local simbólico para a cidade. A praça, juntamente com o antigo porto e a antiga prefeitura, se caracterizavam como núcleo da cidade, sendo este um dos locais mais importantes por muitas décadas. A praça atravessou uma série de modificações recentes no seu espaço como a desativação do porto, a transferência da prefeitura e a implantação de equipamentos voltados ao turismo. Tais medidas levaram a um esvaziamento e privatização do local, bem como uma total ressignificação daquele espaço. Hoje, a praça é praticamente um local destinado exclusivamente à turistas.
Imagem da atual Praça Hercílio Luz
Além do turismo, a praça também convive hoje com o esqueleto do Edifício América, construção de 10 andares em concreto que iniciou em 1977 e hoje encontra-se embargada. O prédio, além de sede do Clube Náutico América, também teria uso residencial no seu projeto original. A obra foi interrompida logo nos primeiros anos, sendo retomada em 1986 com a alteração do plano diretor, tendo o projeto modificado para um hotel. Por faltas de verbas da construtora, a obra passou por diversas paralizações, avançando muito lentamente até ser embargada em 2008. Naquele ano, o Ministério Público Federal pediu o cumprimento do Código Florestal, determinando a demolição do prédio por estar em Área de Preservação Permanente (APP). A decisão foi questionada judicialmente onde foi alegado que a conclusão do edifício traria menores danos ambientais que a sua demolição. Atualmente, laudos sobre uma possível conclusão ou demolição estão sendo realizados para o encaminhamento ao judiciário.
Vista do Edifício América à esquerda e da Praça Hercílio Luz à direita.
Apesar do enorme impacto negativo que a estrutura abandonada do prédio estabelece com o seu entorno, a construção também provoca curiosidade na população. Por ser um espaço às margens da regulamentação do poder público, a estrutura do prédio é utilizada tanto por moradores de rua e usuários de drogas, como também por transeuntes que sobem no edifício para apreciar a vista e terem momentos de lazer. É importante ressaltar o enorme perigo que essas ações representam, pois trata-se de um prédio com cerca de 30 metros de altura sem qualquer aparato de segurança. Esse tipo de apropriação, evidencia a carência por espaços de lazer voltados a população na região central.
Pessoas sentadas na laje do último andar do Ed. América.
127
Pesoas praticando rapel no esqueleto do Ed. América
Entende-se que para que a praça volte a adquirir importância para os habitantes locais, é necessário resgatar seu significado como espaço público. Como proposta de intervenção no conjunto, utiliza-se o atual esqueleto do Edifício América para reestabelecer o local como público, tensionando com o uso atual da praça. Acredita-se que tanto pela escala como pelo tempo em que o esqueleto faz parte da paisagem urbana, sua incorporação como espaço público poderia vir a ser uma alternativa à demolição. A demolição do prédio também representaria a renúncia dos investimentos empregados até então e também as consequências ambientais envolvendo o descarte da estrutura. Propõe-se que o Edifício América seja convertido em um espaço público, funcionando como uma praça vertical, possibilitando a apropriação pela população. No seu espaço externo, busca-se proporcionar espaços de estar através um diálogo com a atual Praça Hercílio Luz, reconectando a praça com o rio. Sugere-se reativar o espaço do antigo porto, estabelecendo uma ligação fluvial entre as suas margens, conectando a praça à Prainha. Um trapiche mais qualificado e visível também busca potencializar os esportes náuticos, como o remo cujo a sede do clube blumenauense fica no Edifício América.
Proposta
Al. Duque de Caxias
Ensaios
Rua XV de Novemrbo
128 Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
N 0
50
100
250 m
Ciclofaixa ao longo da Rua XV de Novembro Conexão fluvial Intervenção Intervenção no esqueleto do Ed. América Continuidade de espaço público aberto
129
Ensaios
Proposta Praça Hercílio Luz - Isométrica
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
130
Possíveis usos Prática de esportes náuticos Ciclismo Descanso / lazer Pesca
131
Proposta Praça Hercílio Luz - Implantação - Esc. 1:500
2 1 25 24 232 2
1 145 13 12 11 109
8 7 6 5 4 3
21 20 19 18 17 16
5 4 3 2 1
5 4 3 2 1
5 4 3 2 1
-10,15 -6,50
-5,50 -5,50
Ed.
-4,50 -4,50
E
10 9 8 7 6 5
4
Terminal fluvial
3 2 1
-7,50 -7,50 5 4 3 2 1
-3,50 -3,50
-4,50
-1,50 -1,50 1
-12,70 -12,70
10
9
5 4 3 2
2
1
- 5,5-7,00 0
8
1
10 3
7
9
5
2 4
Ensaios
18 17
1 156 14 13 12 11
6
8
6
4 3 5
7
7
3 4
6
2
-4,50
5
-6,26
-2,50 -2,50
10
1
-6,50 -6,50
Rio Itajaí-açu
-8,50
10 9 8 7 6 5 4 3 2 1
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
132
R
N 0
5
10
25
50 m
WC
WC
A: 12,64 m2
A: 12,64 m2
Depósito A: 26,21 m2
. América
Espaço Clube Náutico América
-4,50
22 21 20 19 18 17 16 15 14
A: 940,39 m2
13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1
±0,00
-1,13
Museu de Hábitos e Costumes ciclofaixa
Museu da cerveja
Thapyoka Restaurante
133
Rua XV de Novembro
Praça Hercílio Luz
Fundação Cultural
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Praça Hercílio Luz e Ed. América atualmente
134
135
Ensaios
Colagem - Proposta Praça Hercílio Luz e Ed. América
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
136
137
Intervenção Edifício América
Ensaios
No interior do Edifício América, propõe-se que as lajes sejam convertidas em um amplo espaço de apropriação livre. Assim, evita-se nomear os espaços com atividades programáticas, possibilitando que a ocupação determine as ações a serem desenvolvidas. Este tipo de programa livre busca atender os diversos grupos que carecem de espaços centrais para realizar reuniões e atividades, como grupos artísticos, performáticos, esportivos, políticos etc. Uma complexidade que não se encaixa em um programa predefino, necessitando de espaços flexíveis e versáteis. Além desse público, a proposta pretende contemplar pessoas que de forma isolada buscam espaços de lazer e de estar no centro fundacional, propiciando ambientes para passear e se reunir. Para converter a atual carcaça do edifício nessves espaços, propõe-se que o prédio passe por uma reforma, mantendo a maior parte da estrutura atual. Buscando apoiar e incitar a ocupação, a proposta apresenta alguns equipamentos âncoras distribuídos pelos pavimentos. Estes espaços são materializados através das áreas fechadas do prédio, marcadas em cor amarela. Este programa mais específico se dilui nos pavimentos buscando equilibrar áreas livres com os equipamentos âncoras. Equipamentos âncoras:
Auditório
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
138
Marcenaria Salas de aula/ oficina Cozinha comunitária Lanchonete Administração
Circulação vertical Clube Náutico América Equipamentos Lajes de uso livre Rua XV de Novembro Rio Itajaí-Açu
Térreo e 2º pavimento: Lanchonete e cozinha comunitária: estes equipamentos voltados à alimentação buscam dar suporte à permanência dos usuários. A cozinha comunitária, além do preparo de refeições pelo público, possibilita uma interação social, incentivando trocas entre os usuários. O local também permite usos relacionados ao ensino e aprendizagem na área de alimentação como oficinas culinárias, por exemplo. A cozinha também sugere atividades para as partes externas do pavimento, como feiras de produtos orgânicos e alimentícios.
Administração: área destinada a administração do edifício, responsável pelo gerenciamento dos equipamentos âncoras. 4º, 5º e 6º pavimentos Marcenaria: a marcenaria surge como uma proposta de dar suporte a ações de urbanismo tático na cidade. Urbanismo tático se refere a intervenções efêmeras, de baixo custo e pequena escala que catalisam mudanças na vida urbana.87 Assim, o suporte da marcenaria possibilitaria que os cidadãos tivessem papel ativo na ocupação dos espaços públicos, podendo utiliza-la para confeccionar mobiliários tanto para locais distintos da cidade quanto para o próprio edifício, por exemplo. A marcenaria desenvolve-se em 3 pavimentos, onde o primeiro, abriga a parte de produção e os 2 pavimentos superiores comportam depósitos de materiais. O gerenciamento da marcenaria poderia ser feito coletivamente, onde os recursos poderiam partir de parcerias com o setor público, doações, editais etc. Salas de aula / oficinas: buscando estabelecer um diálogo com a marcenaria, as salas dão possibilidade para usos de ensino e aprendizagem coexistirem com a parte prática. O espaço pode ser utilizado para exposição de conteúdos teóricos em eventuais atividades de ensino, como workshops, cursos etc. Na parte externa das salas, propõe-se espaços de estudo com mesas envolvidas por paredes a maia altura, dando privacidade para a atividade. 8º e 9º pavimentos Auditório: como forma de suporte às atividades artísticas e performáticas, o auditório pode abrigar eventuais apresentações e eventos. O posicionamento do auditório nestes pavimentos elevados busca incentivar a circulação e curiosidade do público pelo prédio. O gerenciamento do auditório poderia ser feito pela Fundação Cultural de Blumenau, cuja sede localiza-se no outro lado da Rua XV de Novembro. O espaço externo ao auditório é convidativo para receber exposições ocasionais, catalisando os usos relacionados a arte e cultura. Além destes equipamentos âncoras, as lajes dos pavimentos apresentam espaços de jardins e um espelho d’água na cobertura. Estes espaços buscam contrastar com o concreto da estrutura, tencionando momentos lúdicos e dando caráter de praça elevada para o prédio. O gerenciamento do edifício poderia ser realizado tanto pelo poder público, como coletivamente através de uma cooperativa ou coletivo. Como espaço público, pensou-se o acesso ao prédio de forma livre à toda população, havendo controle de acesso apenas no subsolo e nos equipamentos âncoras. No período noturno, há a possibilidade de fechamento dos acessos aos andares superiores ao térreo.
87
THE STREET PLANS COLLABORATIVE, 2016. P. 11.
139
Ensaios
Proposta Ed. América - Isométrica Subsolo e térreo
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
140
0
5
10
25
circulação vertical e serviços terraço jardim áreas fechadas - Equipamentos âncoras
50 m
141
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Proposta Ed. América - colagem térreo
142
143
Ensaios
Proposta Ed. América - Isométrica 2º e 3º pavimento
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
144
0
5
10
25
circulação vertical e serviços terraço jardim áreas fechadas - Equipamentos âncoras
50 m
145
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Proposta Ed. América - colagem 3º pavimento
146
147
Ensaios
Proposta Ed. América - Isométrica 4º e 5º pavimento
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
148
0
5
10
25
circulação vertical e serviços áreas fechadas - Equipamentos âncoras
50 m
149
Ensaios
Proposta Ed. América - Isométrica 6º e 7º pavimento
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
150
0
5
10
25
circulação vertical e serviços terraço jardim áreas fechadas - Equipamentos âncoras
50 m
151
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Proposta Ed. América - colagem 7º pavimento
152
153
Ensaios
Proposta Ed. América - Isométrica 8º e 9º pavimento
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
154
0
5
10
25
circulação vertical e serviços terraço jardim áreas fechadas - Equipamentos âncoras
50 m
155
Ensaios
Proposta Ed. América - Isométrica cobertura
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
156
0
5
10
25
circulação vertical e serviços terraço jardim áreas fechadas - Equipamentos âncoras espelho d’água
50 m
157
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
Ensaios
Proposta Ed. América - colagem cobertura
158
159
Ensaios
2 1 25 24 232 2
2 201 19 18 176 1
1 145 13 12 11 109
8 7 6 5 4 3
A
ACESSO
Espaço Clube Náutico América A: 940,39 m2
10 9 8 7 6 5
4
1 156 14 13 12 11
13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1
3 2 1
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
22 21 20 19 18 17 16 15 14
160
18 17
lVersion
Proposta Ed. América Planta baixa subsolo - Esc. 1:200
N 0
5
10
25 m
WC
WC
A: 12,64 m2
DEF
A: 12,64 m2
Depósito
Shaft
A: 26,21 m2
a
-4,50
A’
161
Proposta Ed. América Planta baixa térreo - Esc. 1:200
A: 41,02 m2
A
Cozinha
Lanchonete
A: 15,69 m2
Ensaios
±0,00
18 17
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
10 9 8 7 6 5
4
GSEducationalVersion
3 2 1
1 156 14 13 12 11
N 0
5
10
25 m
9 8 7 6 5 4 3 2 1
controle de acesso
controle de acesso
18 17 16 15 14 13 12 11 10
162
±
WC
A: 5,32 m2
Depósito
17 16 15 14 13 12
7 6 5 4 3 2 1
Jardim
A: 25,24 m2
controle de acesso
A’
+1,00
Laje 1
A: 839,45 m2
Jardim
163
A: 17,69 m2
±0,00
7 6 5 4 3 2 1
ACESSO
6 5 4 3 2 1
±0,00
15 14 13 12 11 10 9 8
DEF
Shaft
11 10 9 8 7
6 5 4 3 2 1
±0,00
A: 12,64 m2
15 14 13 12 11 10 9 8
WC
A: 12,64 m2
-1,00
Proposta Ed. América Planta baixa 2º pavimento - Esc. 1:
Ensaios
Cozinha comunitária A: 57,32 m2
+3,00
A
164 4
10 9 8 7 6 5
3 2 1
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
18 17
GSEducationalVersion
1 156 14 13 12 11
Administração A: 57,05 m2
N 0
5
10
25 m
:200
WC
WC
A: 12,64 m2
A: 5,32 m2
11 10 9 8 7
Depósito
17 16 15 14 13 12
DEF
A: 12,64 m2
A: 809,03 m2
7 6 5 4 3 2 1
Shaft
6 5 4 3 2 1
+3,00
Laje 1
15 14 13 12 11 10 9 8
A’
165
Proposta Ed. América Planta baixa 3º pavimento - Esc. 1:
Ensaios
+7,00
Jardim
A: 88,53 m2 6 5 4 3 2 1
6 5 4 3 2 1
A
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
166
GSEducationalVersion
+6,00
N 0
5
10
25 m
:200
+7,00
23 22 21 20 19 18 17
DEF Shaft
A: 27,70 m2
16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1
+6,00
Jardim
WC
A: 12,64 m2
Laje 3
A: 825,92 m2
9 8 7 6 5 4 3 2 1
18 17 16 15 14 13 12 11 10
WC
A: 12,64 m2
6 5 4 3 2 1
A’
167
Proposta Ed. América Planta baixa 4º pavimento - Esc. 1:
Ensaios
WC
17 16 15 14
4 3 2 1
Shaft
DEF
A: 12,64 m2
A
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
168
GSEducationalVersion
+10,00
Marcenaria A: 258,25 m2
N 0
5
10
25 m
Laje
A: 375,0
:200
WC
13 12
A: 12,64 m2
11 10 9 8 7
6 5
06 m2
7 6 5 4 3 2 1
e4
15 14 13 12 11 10 9 8
Sala
A: 56,52 m2
Sala
A: 73,53 m2
A’
169
Proposta Ed. América Planta baixa 5º pavimento - Esc. 1:
Ensaios
WC
A +13,00
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
170
GSEducationalVersion
Depósito
A: 136,46 m2
N 0
5
10
25 m
17 16 15 14
4 3 2 1
Shaft
DEF
A: 12,64 m2
Laj
A: 386
:200
WC
A: 5,32 m2
11 10 9 8 7
Depósito
13 12
A: 12,64 m2
6 5
6,01 m2
7 6 5 4 3 2 1
je 5
15 14 13 12 11 10 9 8
Sala
A: 56,52 m2
Sala
A: 73,53 m2
A’
171
Proposta Ed. América Planta baixa 6º pavimento - Esc. 1:
Ensaios
WC
17 16 15
4 3 2 1
Shaft
DEF
A: 12,64 m2
A +16,00
172 Depósito
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
A: 195,72 m2
GSEducationalVersion
N 0
5
10
25 m
Laje
A: 521,6
:200
WC
A: 5,32 m2
11 10 9 8 7
Depósito
14 13 12
A: 12,64 m2
6 5
64 m2
7 6 5 4 3 2 1
e6
15 14 13 12 11 10 9 8
A’
173
Proposta Ed. América Planta baixa 7º pavimento - Esc. 1:
Ensaios
WC
Jardim
DEF
A: 30,58 m2
+20,00
4 3 2 1
Shaft
6 5 4 3 2 1
17 16 15 14
A: 12,64 m2
A 9 8 7 6 5 4 3 2 1
18 17 16 15 14 13 12 11 10
+20,00
6 5 4 3 2 1
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
18 17 16 15 14 13 12 11 10
Jardim
A: 41,64 m2
6 5 4 3 2 1
GSEducationalVersion
9 8 7 6 5 4 3 2 1
174
+19,00
N 0
5
10
25 m
Laje
A: 789,
:200
WC
A: 12,64 m2
Jardim
13 12
A: 27,70 m2 6 5 4 3 2 1
A: 5,32 m2
Depósito
11 10 9 8 7
6 5
,51 m2
7 6 5 4 3 2 1
e7
15 14 13 12 11 10 9 8
A’
175
Proposta Ed. América Planta baixa 8º pavimento - Esc. 1:
Ensaios
WC
Shaft
Jardim
A: 65,75 m2
17 16 15 14
4 3 2 1
6 5 4 3 2 1
DEF
A: 12,64 m2
A +22,00
GSEducationalVersion
+23,00 6 5 4 3 2 1
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
176
N 0
5
10
25 m
Laje
A: 452,6
:200
WC
A: 5,32 m2
11 10 9 8 7
Depósito
13 12
A: 12,64 m2
6 5 15 14 13 12 11 10 9 8
7 6 5 4 3 2 1
e8
A’
177 1
2
3
5
+23,00
4
62 m2
Auditório A: 224,25 m2
+22,20
Proposta Ed. América Planta baixa 9º pavimento - Esc. 1:
6 5 4 3 2 1
Ensaios
WC
DEF
Jardim
A: 38,52 m2
6 5 4 3 2 1
Shaft
+26,00
A
17 16 15 14 13 12
A: 12,64 m2
A +25,00
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
178
GSEducationalVersion
Laje 9
A: 383,30
N 0
5
10
25 m
:200
WC
A: 12,64 m2
Jardim
A: 31,14 m2 6 5 4 3 2 1
A: 5,32 m2
Depósito
11 10 9 8 7
7 6 5 4 3 2 1
9
15 14 13 12 11 10 9 8
A’
179
m2
A: 28,20 m2
Área técnica
1
2
Auditório 3
+25,60
A: 58,05 m2
Proposta Ed. América Planta baixa cobertura - Esc. 1:200
Ensaios
WC
WC
A: 12,64 m2
Shaft
A: 5,32 m2
Depósito
DEF
A: 12,64 m2
A
180
+28,00
Laje 19
A: 255,76 m2
Espelho d'água
GSEducationalVersion
6 5 4 3 2 1
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
A: 67,35 m2
+29,00
N 0
5
10
25 m
0
6 5 4 3 2 1
A’
181 Jardim
A: 247,91 m2
Ensaios
Proposta Ed. América Corte AA’ - Esc. 1:250
28,00 25,00 22,00 19,00 16,00
182
13,00
Blumenau espetacular: Ensaios de resistência
10,00 6,00 3,00 0
-4,50
-4,50
0
5
10
25 m
183
Referências ARANTES, Otilia Beatriz Fiori; VAINER, Carlos B.; MARICATO, Erminia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. 3.ed. Petropolis: Vozes, 2000. AUGÉ, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 8. ed. Campinas: Papirus, 2010. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BRITTO, Fabiana Dultra; JACQUES, Paola Berenstein. Corpocidade: debates, ações e articulações. Salvador: EDUFBA, 2010. BRITTO, Fabiana Dultra; JACQUES, Paola Berenstein. Cenografias e corpografias urbanas: um diálogo sobre as relações entre corpo e cidade. In: Cadernos PPGAU/ UFBA. Ano 6, número especial, 2008, p. 79-86. Salvador: PPGAU/UFBA, 2008. CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano: artes de fazer. 15. ed. Petropolis: Vozes, 2008. DEBORD, Guy. A Sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. FONSECA, Karla Franciele da. Praça Pública ou Jardim da Cerveja? - O processo de preservação da Praça Hercílio Luz (Blumenau 1986-1996). Seminário Internacional História do Tempo Presente. Florianópolis, 2011. FLORES, Maria Bernardete Ramos. Oktoberfest: turismo, festa e cultura na estação do chopp. Florianópolis: Letras Contemporaneas, 1997.
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