Revista Artefacto B&C Beach & Country 15ª

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MOSTRA B&C ARTES BRASILEIRAS

PERFIL

ANDRÉ STURM

ESPECIAL

AS MAIS PRESTIGIADAS GALERIAS
















editorial Artes visuais Esta edição da B&C surge para enaltecer a força e a criação das artes visuais brasileiras, cada vez mais em destaque dentro e fora do Brasil. Com páginas inteiramente dedicadas a tratar desse mercado e dos temas que passam hoje por sua produção, reunimos imagens e depoimentos que dão um panorama da criação artística em nosso país e seus expoentes. Pessoas como a artista nipo-brasileira Tomie Ohtake, que recentemente celebrou seu centenário e a quem nos curvamos sempre por sua obra e legado. É dela também um dos institutos culturais que mais somam à circulação da arte no Brasil. Vivemos um momento excelente para projetar nossa produção artística. Propomos, então, celebrar esses bons ventos com um passeio por alguns dos nomes brasileiros mais importantes entre artistas modernos e contemporâneos, curadores, feiras, museus, institutos e, claro, as galerias que incentivam e fazem girar a economia da arte. Quem acontece está por aqui. Gente como André Sturm, que conseguiu colocar o Museu da Imagem e do Som, de São Paulo, no centro da agenda cultural do País. Tudo isso se alinha à ideia maior da Mostra que apresentamos este ano. Com a premissa de que a cultura brasileira é ligada à arquitetura e ao design contemporâneo nacional, iniciamos o projeto para a Mostra Artefacto B&C – Arte e Arquitetura. Ao lado dela, 11 importantes galerias de arte da cidade de São Paulo reuniram dezenas de obras dos mais consagrados nomes das artes plásticas do País, entre eles a própria Tomie Ohtake, Cildo Meireles, Portinari, Burle Marx, Nelson Leirner, Vik Muniz e Tunga. A mostra reforça o DNA cultural da Artefacto, que desde a sua criação investe em projetos que tornem a arte mais acessível ao seu público. Caminhem conosco nesse tour pelo que há de mais atual nas obras e nos debates da arte brasileira.

Boa leitura, Paulo Bacchi





expediente Paulo Bacchi Artefacto Internacional Bráulio Bacchi Carlos Frade José Luis Fabrício Pedro Torres Conselho Gestão Projeto Editorial LEMON DESIGN E COMUNICAÇÃO Rua Harmonia, 293 CEP.05435-000 São Paulo - SP Tel.: 55 11 2193–0199 www.studiolemon.com.br Cesar Rodrigues Diretor de Criação cesar@studiolemon.com.br Chico Volponi Diretor Executivo cvolponi@studiolemon.com.br Eduardo Barletta Arte Ana Luiza Vaccarin Arte Final Ana Luisa Novato Claudio Eduardo Nogueira Ramos Revisão Jornalistas Carol Almeida Deborah Klabin Fotos Edison Garcia Paulo Brenta Coordenadora de Publicidade Meire Silva Produção Gráfica Edison Garcia Executivas de Conta Cindy Vega Clarice Mattiello Elisangela Lara Colaboradores Ailton Alves, Anderson Oliveira, Cesar Rodrigues, Daniel Regis, Karina Dale, Luis Claudio Rodrigues, Mariana Amaral, Mônica Carmos, Renata Caetano e Tânia Rodrigues

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ÍNDICE 34

MOSTRA ARTEFACTO B&C ARTE E ARQUITETURA

Grandes nomes da arte nacional são homenageados por escritórios de arquitetura, decoração e paisagismo

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UNIVERSO B&C

Especialistas no mercado de arte debatem o aquecimento do setor no Brasil

86 ESPECIAL

Importantes galerias indicam alguns de seus maiores artistas

98 PERFIL

Uma conversa com André Sturm, diretor que revigorou o MIS-SP

104 FOTOGRAFIA

Dois mineiros trilham novos caminhos na foto contemporânea

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MOSTRA ARTEFACTO B&C

ARTE E ARQUITETURA


112 BÚSSOLA

Inhotim e uma filosofia de vida fincada na arte e na natureza

118 POP

A proposta disruptiva da galeria Choque Cultural, em SP

124 À MESA

As referências estéticas por trás do trabalho de quatro chefs

136 150 MUSEUS

Como as instituições culturais estão se remodelando e se tornando populares

DNA

A importância do trabalho curatorial no Brasil na opinião de quatros referências na área

142 154 LEITURA

O cuidadoso trabalho da editora Cobogó, especializada em livros de arte

REFÚGIO

A paisagem idílica do Kenoa Resort, no litoral de Alagoas

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MOSTRA ARTEFACTO B&C

ARTE E ARQUITETURA AV. BRASIL, 1.823 - JD. AMÉRICA

FOTOS EDISON GARCIA E RENATO ELKIS Realização

APOIO:

ASSESSORIA DE IMPRENSA


1 - Gilberto Elkis

11 - Roberta Banqueri

2 - Prado, Zogbi e Tobar

12 - Cilene Lupi

3 - Gilberto Elkis

13 - Marco do Carmo e Alberto Lahós

4 - Selma Tammaro

14 - Andrea Teixeira e Fernanda Negrelli

5 - Marco Aurélio Viterbo

15 - Sergio Paulo Rabello

6 - Gilberto Cioni e Olegário de Sá

16 - Roberto Cimino e Nelson Amorim

7 - Tota Penteado

17 - Wesley Lemos

8 - Carol Farah

18 - Marilia Veiga

9 - Debora Aguiar

19 - Marcelo Rosset

10 - Ivã Guimarães

20 - Silvia Bitelli 21 - Roberto Riscala



CAJU FF MOTORCYCLES POR GILBERTO ELKIS


TOMIE OHTAKE POR SELMA TAMMARO




ANGELA DETANICO E RAFAEL LAIN POR PRADO, ZOGBI E TOBAR



MANOEL NOVELO POR MARCO VITERBO



JAMES KUDO POR GILBERTO CIONI E OLEGARIO DE SÁ



LUISA EDITORE POR TOTA PENTEADO



GABRIELA ALBERGARIA POR MARCO DO CARMO E ALBERTO LAHÓS



GERALDO MARCOLINO POR DEBORA AGUIAR


ADIR SODRÉ POR IVÃ GUIMARAES



KOBRA POR ROBERTA BANQUERI




VIK MUNIZ POR CILENE LUPI



GILVAN NUNES POR CAROL FARAH



TUCA REINES POR ANDREA TEIXEIRA E FERNANDA NEGRELLI



ANA PAULA CASTRO POR SERGIO PAULO RABELLO



CHRISTINA CARVALHO POR ROBERTO CIMINO E NELSON AMORIM



ALEX FLEMMING POR WESLEY LEMOS



CARLOS ARAUJO POR MARILIA VEIGA



LUIZ HERMANO POR MARCELO ROSSET


LEONARDO RAMADINHO E ANDERY NETO POR SILVIA BITELLI




ANA MAGALHテウS POR ROBERTO RISCALA


UNIVERSO B&C

A ECONOMIA DO

SUBJETIVO POR CAROL ALMEIDA FOTOS DIVULGAÇÃO

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Q

uando, em 2008, a tela O Mágico, de Beatriz Milhazes, foi arrematada em um leilão da Sotheby’s por US$ 1,049 milhão, tornando-se assim a obra mais cara já vendida de um artista brasileiro vivo, não foram poucas as matérias que saíram na imprensa sobre o aquecimento do mercado de arte no Brasil. Artistas, galeristas, colecionadores, curadores, instituições culturais, todas as partes envolvidas na cadeia confirmavam que o momento era de crescimento e que isso, claro, tinha tudo a ver com a projeção do Brasil como um país emergente no cenário internacional. Passados mais de cinco anos, pode-se afirmar que hoje o mercado das artes visuais nacionais continua a se expandir e a ganhar prestígio dentro e fora de nossas fronteiras, mas o momento é de refletir sobre a produção e os desafios que essa dilatação do consumo das artes significa de fato. Quais são as provocações da arte no Brasil hoje? Como somos vistos lá fora? Para que artistas os galeristas miram? Qual o papel dos curadores e das instituições culturais que promovem as grandes exposições? Que lugar assume a fotografia e a street art nas artes visuais? Essas e outras questões são trazidas à baila ao longo de toda esta edição e discutidas por quem vive diariamente nessa rede de conexões que a produção artística cria.

A expansão e o aquecimento acelerado do mercado de artes visuais no Brasil toma uma dimensão tão forte que começam a surgir questões sobre como isso afeta a produção e as preocupações artísticas de quem faz e de quem promove a arte nacional.

Antes, porém, alguns dados importantes para que possamos dar um panorama dessa já tão proclamada vitalidade do mercado. Segundo resultados da pesquisa Latitude, publicada este ano e financiada pela Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT) e pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o mercado de arte contemporânea no Brasil se caracteriza por ser jovem, dinâmico e está em processo de expansão e internacionalização. >> AgostO 2014 | 77


UNIVERSO B&C

O que significa, por exemplo, que entre aproximadamente mil artistas pesquisados, cerca de 15% foram introduzidos no mercado pela primeira vez em 2013. As galerias concentram-se no eixo Rio – São Paulo (59% encontram-se em São Paulo e 29% no Rio) e 90% delas afirmaram ter tido aumento no volume de vendas neste último ano. As vendas das obras acontecem quase sempre nas próprias galerias, onde são feitas 58% das transações, mas as feiras de arte, sendo a SP Arte e ArtRio as maiores da América Latina, vêm logo depois, responsáveis pelas transações de 40% das obras. E apesar de a maior parte dos compradores serem brasileiros (e novos colecionadores vêm surgindo), em 2013 as galerias alcançaram recordes de participação em feiras internacionais e em vendas para fora do Brasil. Quanto ao exterior, importante também destacar que os grandes artistas brasileiros das déca78 | AgostO 2014

das de 60/70 finalmente começam a ter reconhecimento da crítica internacional, que os coloca agora como nomes seminais na história da arte. Somente este ano, em Nova York, o MoMA exibiu uma retrospectiva de Lygia Clark e o Bronx Museum fez a mostra monográfica de Paulo Bruscky. Também nesses últimos anos, o londrino Tate Modern promoveu exposições tanto sobre a obra de Hélio Oiticica quanto de Cildo Meireles. O cenário é, portanto, dos mais promissores. Mas é preciso sempre ponderar sobre essa pujança econômica quando o produto em questão é algo cuja subjetividade depende de um tempo de reflexão que o sistema em que vivemos não tem tanto tanta paciência para esperar. “Nos últimos 15 anos o mercado melhorou muito. O problema é a visão muito imediatista que ele tem em ficar tratando o artista, às vezes como se fosse produtor de uma mercadoria como outra coisa qualquer.

Na página anterior: 40 Nego Bom é 1 Real, de Jonathas de Andrade, obra de 2013 Acima: Bicho, de Lygia Clark, artista cuja obra foi revisitada este ano pelo MoMA, de Nova York


1. Exposição monográfica de Paulo Bruscky no Bronx Museum, este ano, em NY 2. C om um público de 22 mil pessoas, a SP Arte chamou atenção este ano pelo crescimento da presença estrangeira na feira 3. A quarta edição da ArtRio acontece de 10 a 14 de setembro deste ano

1. 2.

3.

Foto: Paulo Vitor

A SP Arte e a ArtRio têm um lado bom porque fazem esses trabalhos circularem, mas é preciso ter cuidado também para não diminuir a importância que as exposições têm na apresentação desses artistas. Porque tem sempre uma galeria pressionando para que eles apresentem algo logo para entrar na feira”, afirma Agnaldo Farias, um dos mais atuantes curadores no Brasil (Leia mais sobre o trabalho curatorial no Brasil na página 144). Eliana Finkelstein, sócia da Galeria Vermelho, uma das mais movimentadas e mais ativas em exposições de arte contemporânea em São Paulo, entende essa observação de Agnaldo. Do pátio de sua galeria, onde circulam de colecionadores a transeuntes da região da Avenida Paulista, ela afirma que “é importante que tudo que se veja aqui vire uma reflexão dentro do sistema da arte. Isso é essencial também para criar uma identidade mercadológica, ciente que nosso objeto é cultural. Claro que nosso negócio é vender as obras. Mas para a gente interessa muito que exista uma tradução possível para quem vem à galeria, que haja uma tentativa de se comunicar com o público”, diz. Um dos colecionadores mais prestigiados do País, Pedro Corrêa do Lago observa também dois elementos constantes no mercado. A começar pela especulação sempre muito forte em torno de novos artistas: “O jovem colecionador tem hoje um exército de galeristas para dizer a eles que descobriram o ultimo gênio, que se ele comprar agora daqui a 10 anos essa obra vai valer 10 vezes mais. Mas é preciso ter muita cautela. Se você pegar a lista de quem participou das Bienais de SP nos últimos 30 anos, vai ver que só uma minoria sobreviveu. Sobram alguns poucos. Há quase 40 anos que observo esse mercado e nesse tempo já vi muita gente quentíssima virar pó.” E acrescenta >>

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que os tributos cobrados em cima das obras ainda são um grande problema para a circulação dos trabalhos dos artistas: “O crescimento potencial do mercado de arte é entravado pelos impostos e regulações brasileiras”. Cristiana Tejo, curadora independente e ex-diretora do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, no Recife, aponta para outra questão que diz respeito a um espectro mais geográfico do processo: “Esse aquecimento é sadio, bem-vindo, mas há decréscimo também. Porque esse é justamente um momento em que começam a cair investimentos em instituições públicas, em nível federal. Isso para a região Nordeste e Norte é um desastre, porque o mercado está concentrado em São Paulo e no Rio”, opina.

A ARTE DEBATE O BRASIL O desenvolvimento econômico do País e todo o imaginário decorrente da “força dos BRIC”, criando um certo deslocamento de interesses do mercado internacional que já 80 | AgostO 2014

teve seu momento “China” e depois migrou olhares para o Brasil, também interferiu diretamente num debate sobre os próprios conflitos gerados nos ateliês dos artistas. Para Ana Maria Maia, mestre em História da Arte e professora da Escola São Paulo, há uma conexão clara entre esse contexto histórico e a produção recente de alguns artistas mais jovens. “Quando o Brasil começou a viver esse momento de emergência econômica, isso tinha começado a virar uma pauta e uma constatação que se notava em muitos artistas preocupados e envolvidos com essa tematização da condição socioeconômica brasileira. De se perguntar: ‘onde é que minha geração se conecta com esse projeto coletivo amplo e com esse tipo de desenvolvimento?’ Nomes como Jonathas de Andrade, Paulo Nazareth, Marcius Galan, Renata Lucas, uma geração que está em os 30 e 40 anos de idade, começaram a fazer um trabalho que se formaliza assim: eles escolhem eventos históricos e de alguma maneira se propõem a reencenar momentos de um passado


Nesta página: O artista Paulo Nazareth faz de seu próprio corpo seu maior trabalho e com a série Notícias da América, em que caminhou a pé de Minas até os EUA, se tornou uma referência Ao lado: Trabalho do artista Rodrigo Braga, que vem criando imagens fotográficas que costumam causar incômodo

de glória do Brasil e, nesse ato, tentam entender o que é que restou no presente. E aí, antes que aquelas passeatas de junho de 2013 acontecessem, os artistas já estavam colocando em laboratório questões postas nas ruas depois”. Para a jornalista Juliana Monachesi, editora de cultura da Harper’s Bazaar, “existe uma nova geração de artistas que vem ‘roubando a cena’ de nomes consagrados no exterior, o trio Vik Muniz, Beatriz Milhazes e Ernesto Neto – com um outro tipo de trabalho que é a cara do Brasil. Refiro-me a gente como Jonathas de Andrade, Rodrigo Braga e Paulo Nazareth, artistas que tematizam fortemente as questões políticas e culturais das regiões brasileiras fora do eixo Rio – São Paulo.” Sobre o uso desses jovens e promitentes artistas, os chamados “blue chips”, como ativos financeiros, a jornalista acredita que se há, por um lado, essa pressa do mercado influindo diretamente na produção de nomes que passam a queimar etapas e “começam a expor e vender antes de

terem alcançado alguma maturidade no trabalho”, por outro, as galerias também não podem e não devem ser colocadas na berlinda em função dessa demanda: “Percebo, de uns anos pra cá, por parte das galerias blue chips brasileiras, um cuidado em não sacrificar o talento dessa maneira. Há, inclusive, uma contratendência, por parte de várias galerias, de correr no sentido oposto: valorizando a obra de artistas do passado que ficaram esquecidos, 'redescobrindo' talentos, mais do que tentando descobrir novos. Há esse fascínio com o passado hoje em dia, no design, no cinema, na moda. Vamos ver o que permanece disso.” Entre temas do passado e do futuro, só uma coisa é certa no presente: o gráfico do mercado de artes visuais no Brasil ainda tem muita montanha para escalar, mas é preciso que exista em seu entorno uma estrutura de instituições culturais e financiamentos públicos que ajudem o País a criar um público cada vez maior, mais interessado e sensível às questões que nossos artistas nos trazem. >> AgostO 2014 | 81


UNIVERSO B&C

Série Voto!, de Ana Lira, confirmada na Bienal deste ano

O que esperar da 31ª Bienal de São Paulo

O ponto de partida não é exatamente um tema, mas um título: Coisas que não existem. É por ele que serão guiadas as obras em exposição na Bienal deste ano, numa provocação por potencializar a qualidade que a arte tem em se vincular ao místico e ao espiritual e aplicá-los ao contexto real (real?) que a cerca. E mais uma vez a exposição vai tentar descobrir laços entre passado e presente a partir do trabalho de artistas que reexaminam o contemporâneo a partir de rastros da história. Como elemento simbólico, esta será a primeira Bienal de São Paulo após a morte do homem que desenhou o seu pavilhão, o arquiteto Oscar Niemeyer. E este ano trará para a exposição um caráter de revisão dos espaços do famoso prédio no parque do Ibirapuera. A equipe curatorial formada por Charles Esche, Galit Eilat, Nuria Enguita Mayo, Pablo Lafuente e Oren Sagiv e os curadores associados Benjamin Seroussi e Luiza Proença dividiu o pavilhão em três núcleos que recebem obras de propostas distintas. O andar térreo será o “Parque”, ou seja, estará aberto à paisagem ao redor para se tornar um espaço de encontros e discussões, com trabalhos de ativação pública. A área “Rampa” adapta-se à verticalidade e à circulação em torno do acesso principal do pavilhão (a rampa circular) e, de acordo com o andar, as obras nela se adaptam a três conceitos: no primeiro, a ideia é trabalhar esse espaço urbano compartilhado do “Parque”, no segundo há trabalhos re-

lacionados ao conhecimento e novas possibilidades para contar histórias e, no terceiro, obras relacionadas a formas de espiritualidade. Por fim, o núcleo “Colunas”, no segundo piso, articula o maior espaço contínuo do pavilhão, dividindo-o em densidades de luz e sombra, e por isso, aqui, os trabalhos serão aqueles que lidam com as ideias do “trans-", da mudança como meio de expressão do desejo por uma sociedade diferente. Entre os artistas, grupos e instituições já confirmados para esta edição do evento estão Agnieszka Piksa, Ana Lira, Anna Boghiguian, Armando Queiroz, Arthur Scovino, Asger Jorn, Bik Van der Pol, Bruno Pacheco, Clara Ianni e Débora Maria de Silva, Contrafilé com Sandi Hilal e Alessandro Petti, Danica Dakić, Éder Oliveira, Edward Krasinski, El Hadji Sy, Graziela Kunsch e Lilian Kelian, Halil Altindere, Imogen Stidworthy, Ines Doujak e John Barker, Jo Baer, Johanna Calle, Juan Carlos Romero, Juan Downey, Juan Pérez Agirregoikoa, Leigh Orpaz, MAPA Teatro, Marta Neves, Mujeres Creando, Museo Travesti del Perú, Nilbar Güreş, Nurit Sharett, Pedro G. Romero, Prabhakar Pachpute, Romy Pocztaruk, Ruane Abou-Rahme e Basel Abbas, Sheela Gowda, Tamar Guimarães e Kasper Akhøj, Thiago Martins de Melo, Tony Chakar, Val del Omar, Vivian Suter, Virgínia de Medeiros, Voluspa Jarpa, Walid Raad, Wilhelm Sasnal, Yael Bartana, Yochai Avrahami e Yuri Firmeza.

31ª Bienal de São Paulo | De 6 de setembro a 7 de dezembro | Terças, quintas, sextas, domingos e feriados: 9h às 19h (entrada até as 18h) | Quartas e sábados: 9h às 22h (entrada até as 21h) Fechado às segundas | Entrada gratuita.

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UNIVERSO B&C

1.

Made by

Uma área gigante de 27 mil metros quadrados, há mais de 20 anos abandonada em meio à pulsação enérgica da região da Avenida Paulista. Seu processo de renascimento começa agora, em setembro, com a abertura de uma exposição de lendas e medalhões da arte contemporânea nacional e internacional. São obras de Lygia Clark, Tunga, Henrique Oliveira, Carlito Carvalhosa, Márcia e Beatriz Milhazes, Iran do Espírito Santo, Cildo Meirelles, Nuno Ramos e Vik Muniz que irão dar as boas-vindas à Casa Matarazzo, o mais novo – e gigante – complexo cultural de São Paulo, que ocupa e ressignifica o imóvel onde antes funcionava o Hospital Matarazzo. A megaexposição, batizada de Made by... Feita por Brasileiros, traz ainda nomes internacionais de peso como Adel Abdessemed, Moataz Nasr, Jean Michel Othoniel, Arne Quinze, Joana Vasconcelos, Hector Zamora, Francesca Woodman, Tony Oursler e Kenny Scharf. A mostra tem curadoria de Marc Pottier e projetos especiais com cura-

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doria de Simon Watson, Nadja Romain, Gabriela Maciel & Andres Sheik, Pascal Pique, Museu do Invisível (Le Musée de l’Invisible), Baixo Ribeiro e 3ª Bienal da Bahia. O evento tem o encargo simbólico de dar vida novamente ao espaço que, daqui a três anos, deve reabrir como um polo cultural e gastronômico e, em um futuro próximo, um hotel seis estrelas com torre do famoso arquiteto francês Jean Nouvel. O Centro de Criatividade que funcionará no local incluirá residências de artistas, cinemas, estúdios de produção para filmes, música e arte, espaços para exposições, áreas para desenvolver artesanato, moda e especialidades da culinária brasileira. O desenho desse centro tem a assinatura do empresário Alexandre Allard, nome à frente dos projetos mais arrojados hoje em complexos de hotelaria de luxo. Made by... Feita por Brasileiros De 9 de setembro a 12 de outubro | local: Cidade Matarazzo - Alameda Rio Claro, 190, Bela Vista ter a dom, das 10h às 17h | Fechado às segundas | Entrada gratuita


1. Arne Quinze 2. Cristiano Mascaro 3. H ector Zamora

2.

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ESPECIAL

COM A PALAVRA, AS GALERIAS Importantes e prestigiados galeristas do Brasil indicam artistas que representam o novo, o sólido e o já aclamado nas artes visuais brasileiras.

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ovens, veteranos e mitos. Pintura, escultura e fotografia. Clássico, pop, conceitual. De épocas, técnicas, mídias e propostas distintas, os dez artistas descritos nas próximas páginas dão um panorama da produção brasileira em artes visuais que, por vários motivos, chamam a atenção de galeristas importantes no Brasil. A ideia para se chegar a essa seleção partiu de uma premissa simples: convidamos dez galerias muito atuantes no mercado e pedimos que escolhessem um artista, por elas representados comercialmente, com a respectiva justificativa dessa eleição. O resultado é uma paleta de todas as cores e conceitos possíveis, que vai do clássico modernista de Alfredo Volpi ao contemporâneo metalinguístico da jovem Marilá Dardot, passando por um artista que terminou sendo descoberto nacionalmente graças à projeção de seus trabalhos em cenários de minisséries e novelas globais.

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Arte Aplicada indica Ana Magalhães O belo por ele mesmo. Em um contexto da arte contemporânea que transborda em significados para além do espaço físico da obra, o trabalho em escultura da artista Ana Magalhães consegue conter nos limites de seu corpo tátil tudo que ele tem a dizer. “A sensação de leveza e harmonia é o que a obra de Ana Magalhães tem como marca. Iluminadas, as esculturas têm uma transparência que faz com que elas pareçam mágicas, irreais. Suas obras atuais são consequência de um longo amadurecimento”, afirma a curadora Sabina de Libman, da galeria Arte Aplicada. Nascida em Luanda, capital de Angola, Ana Magalhães tem toda sua formação artística no Brasil. Seu trabalho mais recente, a série Noturnas que foi exibida no MuBE, em São Paulo, revela bem esse tom etéreo e fluido com esculturas flutuantes em aço carbono criando tramas plasticamente hipnotizantes. Articulações do sublime. >> AgostO 2014 | 87


ESPECIAL

Galeria Paralelo indica Rodrigo Petrella Muito cedo em sua carreira, o fotógrafo Rodrigo Petrella teve acesso ao suprassumo da técnica fotográfica de estúdio. Partiu jovem para Nova York e lá trabalhou na disputada indústria fashion, fazendo fotos para revistas como W Magazine, Vogue, Dutch e ID. Essa formação deu a ele os subsídios que mais tarde começaria a aplicar em projetos pessoais e conceituais. De volta ao Brasil em 2001, ele entendeu ser aquele o momento de partir para projetos solo. A maturação técnica e o desejo de buscar suas raízes simbólicas o levaram à Amazônia, onde, desde 2003, fotografa com sua Rolleiflex comunidades indígenas. “Ele mira em seu trabalho temas que evidenciam a deselegante desarmonia dos tempos atuais. As relações entre homens e cidades registradas em antigas e novas ruínas, estes fragmentos icônicos de um modelo de progresso insustentável, se contrapõem em sua obra às florestas remanescentes e povos prístinos, que se investem na função de guardiões da essência da natureza”, sintetiza Andrea Rehder, uma das sócias da Paralelo. 88 | AgostO 2014


Oscar Cruz indica Hildebrando de Castro A pintura tangenciando a fotografia, fronteiras entre figuração e abstração, senso de humor mordaz. A obra de Hildebrando de Castro já passou por vários momentos em sua prolífica carreira, que vem dos anos 80 para cá, mas há de se concordar que, em todos eles, eis um artista de uma técnica virtuosa pouco comum hoje em dia. “O escolhi pela excepcional qualidade de sua obra, além da sua absoluta coerência e capacidade de se reinventar a todo tempo. Nos últimos quatro anos, ele vem criando uma obra relacionada à arquitetura, mas sempre explorando os limites da figuração. Ele introduz um jogo de luz e sombra e a obra passa a ter uma leitura quase abstrata ou, até mesmo, em alguns casos, apresentar uma forte relação com a arte cinética”, explica Oscar Cruz. Olindense meio carioca e, desde 2004, meio paulistano, Hildebrando flerta em seu mais recente trabalho com a geometria modernista, agora sob a luz de um sol de Brasília. >> AgostO 2014 | 89


ESPECIAL

Almeida e Dale indica Alfredo Volpi Quando, este ano, a Almeida e Dale fez uma retrospectiva da obra de Alfredo Volpi, muitos que visitaram a exposição se surpreenderam com um pintor que passou por várias fases, sempre como um artista excepcional, antes do abstracionismo geométrico das bandeirinhas e dos casarios pelos quais sua obra ficou conhecida internacionalmente. Trazendo obras também de sua fase impressionista e da fase concreta, a mostra revelou, sobretudo, o talento e a evolução extraordinária desse ítalo-brasileiro como um grande colorista. “Nos últimos 25 anos de sua carreira, a maturidade artística o transforma em autor de uma linguagem individual, pós-matissiana, em que nas harmonias cromáticas predominam miríade de combinações de matizes verdes com azuis (cores tropicais) e outra coleção de harmonias de matizes rosas e azuis típicos da coloração dos casarios populares brasileiros. É, por excelência, um autor ímpar de uma linguagem pictórica especificamente nacional”, aponta Carlos Dale. 90 | AgostO 2014


Zipper indica Pedro Varela Com uma formação em gravura na Escola de Belas Artes da UFRJ, Pedro Varela é, em sua arte, um grande contador de histórias. Nosso percurso visual por sua obra, seja mais recentemente pelos jardins tropicais azuis que ele cria, seja nas cidades que ele “ergueu” na série Paisagens Flutuantes, nos leva a lugares imaginários que, sem saber sabendo, já visitamos em livros de literatura fantástica. Agora, em flores e florestas (terão sido as cidades engolidas por elas?), o artista cria suas próprias paisagens e nos leva pela mão nessa viagem. Gabriela Martini Borges, da Zipper, justifica a escolha do artista: “Pedro se destaca pela capacidade de aumentar e diminuir a voltagem de carga pictórica em suas pinturas sem, no entanto, abandonar a perspectiva do desenho. O artista transita entre uma mistura irreconhecível de gêneros e motivos onipresentes na história da arte e da cultura ocidental e mergulhos muito particulares como, por exemplo, a mestiçagem do imaginário dos artistas viajantes dos séculos 17 a 19 sobre o Brasil e a afirmação tropicalista de uma identidade antropofágica para o País”. >> AgostO 2014 | 91


Foto: Ding Musa

ESPECIAL

Filha de mãe artista plástica e de pai arquiteto, a mineira Marilá Dardot tem na força da palavra e na influência da literatura as forças motoras de boa parte de sua obra. “A Marilá está num momento bacana de sua carreira em que desenvolveu uma linguagem que é própria. E essa linguagem é uma intersecção que ela faz da literatura, jardinagem e as artes plásticas. Ela dá uma visualidade pra isso. Acho que o trabalho de arte mora aí, quando você consegue criar esses cruzamentos”. Ainda que praticamente predestinada por herança genética a se tornar uma artista, ela começou de fato a trabalhar com artes visuais somente depois que se formou em comunicação. De forma que seu trabalho já nasce com uma maturação de experiências vividas (e muitos livros lidos). Um dos grandes pontos divisores em sua carreira acontece quando passa dois anos como assistente da artista, também mineira, Rosangela Rennó, no Rio de Janeiro. Hoje, pode-se dizer que Marilá Dardot, cujo trabalho também está exposto em Inhotim, é a artista brasileira que melhor consegue debater e confrontar a materialidade da palavra. (Leia mais na página 108). 92 | AgostO 2014

Foto: Rafael Cañas

Galeria Vermelho indica Marilá Dardot


Gabinete D indica Leonardo Ramadinha A inconstância perene do mar. É para ela que o registro visual de Leonardo Ramadinha se volta em seu mais recente trabalho. O artista, que trabalha primordialmente com a fotografia e usa de todas as possibilidades de dípticos e trípticos em suas exposições, retoma nesse último ensaio uma poética da solidão muito presente em toda sua obra. “Questões como a impermanência e o vazio são muito importantes para mim. Nesse ponto, meu trabalho se torna quase minimalista”, diz ele. Já tendo participado de mais de 50 exposições entre individuais e coletivas, ele sempre dá um forte peso estético às suas imagens, mas todas elas se localizam sempre dentro de um escopo conceitual, com frequência atento ao lugar de ausência. Apesar de ter no fotojornalismo sua formação inicial, Ramadinha ampliou suas possibilidades de diálogos com a arte contemporânea após cursar Artes Visuais na universidade. “Isso me abriu um leque maior de opções e aí comecei a estudar desenho, pintura e escultura. Tudo me ajuda muito na foto”. Wair de Paula, da Gabinete D, lembra: “Descobrimos a obra de Ramadinha de forma casual, mas tivemos imediata admiração por seu trabalho, baseado numa poética sutil e cheia de nuances. Suas fotos não são apenas registros, elas contam uma história, conduzem à fruição e análise, e não apenas o olhar rápido, instantâneo. Exigem tempo, oferecendo ao espectador um contundente repertório de significados.” >> AgostO 2014 | 93


ESPECIAL

Escritório de Arte Hilda Araújo indica Carlos Araújo O pintor, desenhista e litógrafo Carlos Alberto de Araújo Filho vem-se dedicando nos últimos anos a fazer uma prolífica releitura do Antigo e do Novo Testamento em pinturas que trafegam entre o abstrato e o figurativo, em fortes tons de dramaticidade em todos eles. Sua produção nesse tema sacro é impressionante: ele já pintou mais de duas mil telas sobre 750 citações bíblicas. “Sua pintura é atemporal. Uma forma contemporânea que dialoga com o clássico e o renascentista. É um universo para ser contemplado através das linhas que aparecem entre manchas, formando figuras que provocam quase que uma meditação, um descanso num mundo tão conturbado. Existe um domínio técnico para que as figuras flutuem transparentes, quase que como uma aquarela em veladuras de sua paleta: azuis, sienas, ocres e amarelos aguçando uma curiosidade em apreender o místico e o espiritual”, opina Hilda Araújo. O artista, que tem no currículo três exposições individuais no Masp, chegou a ser premiado em 2007 pela Bienal Internacional de Arte de Florença por seu trabalho. 94 | AgostO 2014


Eduardo Fernandes indica Manoel Novello É na tessitura urbana que Manoel Novello encontra o seu lugar na arte. A arquitetura e os espaços geométricos que dela nascem são relidos pelo artista em um trabalho que não deixa de ser, ele próprio, uma construção, ainda que nesse caso ela seja completamente imaginada. “Há uma narrativa arquitetônica em seu trabalho. Ele parte de um raciocínio racional e a partir daí cria-se uma malha que acaba mapeando um universo urbano. É interessante porque ele consegue criar tanto a malha como planos e mesmo volumes dentro do seu trabalho”, explica o galerista Eduardo Fernandes. Sobre A Cidade em Projeto, seu mais recente trabalho, a curadora Luiza Interlenghi chegou a escrever que o “corpo, ausente, aparece apenas na pincelada irregular, na linha que oscila e no que resta incompleto nestas projeções. Na densidade do urbano, ressurgem espaços desertos que mantêm a cidade à espera, em projeto.” Novello participou recentemente da Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Curitiba e tem sido destaque em coletivas recentes que apontam para novos artistas no cenário nacional. >> AgostO 2014 | 95


ESPECIAL

Sergio Gonçalves Galeria indica Raimundo Rodriguez Do lixo surge o luxo. E não, essa não é uma poesia concreta de Augusto de Campos. Porque é partindo dessa sociedade do descarte que Raimundo Rodriguez consegue construir uma obra que reinventa a fábula da vida contemporânea a partir de resíduos. E com eles, o artista faz ressuscitar em objetos lúdicos e oníricos uma narrativa em que as cores são personagens. Sua obra já ganhou várias vezes projeção em rede nacional a partir do trabalho de direção de arte e cenografia que já fez para minisséries como A Pedra do Reino, Capitu e, mais recentemente, para a novela Meu Pedacinho de Chão, todos produtos da Rede Globo. “É um artista com uma carreira sólida, que sempre teve a preocupação do reaproveitamento, do uso do ready-made como matéria-prima em suas assemblages e colagem. Em sua trajetória, o artista flerta em diversos momentos com diversas mídias, indo da pintura à escultura, passando pelas colagens, desenhos, cenários, relicários, vídeos e instalações, extrapolando o limite das galerias e centros culturais para chegar até a televisão”, diz Sergio Gonçalves. Em setembro deste ano, Rodriguez expõe no MAC de Niterói. 96 | AgostO 2014



PERFIL

O HOMEM DA IMAGEM E DO

SOM Após três anos à frente do MIS, em São Paulo, André Sturm transforma um museu que estava subutilizado num dos pontos mais visitados e badalados da cidade. POR CAROL ALMEIDA FOTOS PAULO BRENTA

N

os últimos meses, houve momentos em que a fila para entrar em uma exposição do Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS) era tão gigantesca que algumas pessoas chegaram a fazer piquenique enquanto esperavam do lado de fora. Em 2011, quando o gaúcho André Sturm assumiu a direção do MIS, nem o mais otimista dos analistas poderia prever que esse cenário de multidões frequentando o museu seria uma realidade em tão pouco tempo. Estacionado em um projeto que o fechava a uma comunidade muito pequena de cinéfilos, o MIS havia perdido a relevância que um dia teve na cidade. Mas Sturm estava determinado a dar um ctrl + alt + del nessa imagem de instituição

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hermética e, de certa forma, mofada. Vindo da coordenadoria de Fomento e Difusão da Produção Cultural da Secretaria de Estado da Cultura, que hoje ele classifica como seu “período de serviço militar já cumprido”, Sturm via no MIS uma oportunidade de criar um novo paradigma curatorial para o espaço. Sua missão lá dentro era clara: “O foco era aumentar o público do museu e torná-lo mais atuante na cena cultural paulistana. O que eu fiz foi criar uma programação ampla, variada, lastreada em algumas exposições que chamam mais atenção, mas em paralelo abri também uma série de programas regulares, fixos, que vão construindo um público também fiel ao museu”, explica. >>


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PERFIL

Com as mostras “arrasa-quarteirão” de David Bowie, Stanley Kubrick e do Castelo Rá-Tim-Bum, todas responsáveis por filas imensas do lado de fora do museu, o MIS se tornou um ponto de visitação obrigatória em São Paulo. Fotos: Acervo MIS

Pouco mais de três anos depois de se sentar na cadeira da sala da direção no primeiro andar do museu, os números soam como música aos ouvidos de Sturm: durante os 71 dias da mostra David Bowie, 80.190 pessoas foram ao museu. Média de 1.129 pessoas por dia. Na exposição sobre o cineasta Stanley Kubrick, que durou 79 dias, 80.972 visitantes bateram ponto no MIS. Média de 1.024 pessoas por dia. Na atual mostra sobre o Castelo Rá Tim Bum, as filas adquiriram proporções ainda maiores que nas mostras anteriores. Isso sem falar dos eventos promovidos do lado de fora da instituição, onde já aconteceram festas, badaladas feiras de fanzines, performances, entre outros. Em uma perspectiva menos tabela de excel e mais qualitativa do fenômeno, é importante notar que agora há um público enorme frequentando o MIS e que, antes, nunca havia pisado no local. E essa formação de um novo visitante do museu abre inúmeras outras janelas para um trabalho de vanguarda, agora possível, como, por exemplo, a produção da próxima mostra, que acontecerá ainda no segundo semestre deste ano. O diretor do MIS antecipa: “Teremos uma exposição muito grande com parte do acervo da CIFO (Cisneros Fontanals Art Foundation), a principal coleção de arte contemporânea em novas mídias, com videoarte e instalações. O curador da coleção está fazendo um recorte para apresentar aqui no museu. Isso tudo é feito para que o MIS seja um espaço que vai do mais pop ao mais conceitual. Queremos transitar em todas as áreas do audiovisual”. 100 | AgostO 2014

Sturm começa assim a tatear outras possibilidades artísticas da imagem e do som com programas como o Dança no MIS, um investimento do museu em dança contemporânea, e a residência Lab-MIS, na qual o museu seleciona, através de um edital, quatro artistas que fazem trabalhos por três meses desenvolvendo novos projetos em audiovisual. Diz-se “outras possibilidades” porque a forma mais conhecida de sincronia entre imagem e som, o cinema, é de fato a força matriz na história de vida de André Sturm.


Responsável também pela programação Cine Belas Artes (agora Caixa Belas Artes), que este ano voltou a funcionar em um retorno heroico e histórico para a cidade de São Paulo, Sturm começou seu trabalho de gestão lá atrás, nos anos 80, como programador de um cineclube. Nessa mesma época, ele mesmo passou a fazer filmes e hoje tem no currículo três curtas e dois longas. Pensa um dia em voltar a trabalhar atrás das câmeras. Há um roteiro de uma comédia, quase pronta, que ele quer tirar do papel. “Sempre que as coisas estão ficando um pouco mais calmas eu volto a pensar em me dedicar a fazer cinema. Mas aí aparece o Belas Artes, o Castelo Rá Tim Bum e esses planos vão ficando para depois”, admite ele. Também em cinema, Sturm ainda assume algumas funções na Pandora Filmes, distribuidora dos chamados “filmes de arte” (leia-se: filmes sem proporções e orçamentos publicitários hollywoodianos) hoje administrada em tempo integral por sua filha, Bárbara Sturm, que também cuida do Belas Artes. >> AgostO 2014 | 101


PERFIL

Não bastasse acumular todos esses trabalhos, o diretor do MIS não abre mão de assistir seus três filmes semanais, entre clássicos de sempre e novos lançamentos. Vive no que ele chama de “sebo”, uma casa cheia de prateleiras e gavetas cheias de DVDs. É militante do cinema alternativo e, portanto, bastante crítico à falta de políticas públicas para distribuição e exibição dos mesmos no Brasil: “Há algumas semanas eu abri o guia de programação da sexta-feira e vi 12 estreias de cinema. E aí você fica: nossa, que diversidade! Mas aí tinha uma página inteira com as salas de um único filme. Como eu sou um cara chato, obsessivo, resolvi contar. Tinha 149 salas na cidade de São Paulo com estreias naquele dia. 35 salas passavam 11 estreias. 114 salas passavam uma única estreia. Como você pode competir com isso?”. Essa “chatice” e “obsessividade” por ele autoatribuídas são possivelmente virtudes em seu trabalho de gestão do MIS. Graças a elas, Sturm conseguiu não apenas trazer exposições inter102 | AgostO 2014

nacionalmente incensadas por público e crítica, como já marcou os próximos “blockbusters”. Em junho de 2015, o museu recebe a elogiada exposição sobre o cineasta François Truffaut vinda da Cinemateca Francesa (mostra que será “casada” com a exibição de 17 filmes do diretor no Belas Artes) e, em janeiro de 2016, a fila para entrar na instituição promete dar voltas no quarteirão: chega ao museu paulistano a mostra com os trabalhos do diretor Tim Burton, que virou atração turística no MoMA, em Nova York. Diante de uma agenda tão intensa que pressupõe pensar, desenhar, desenvolver, chamar equipe, estudar viabilidade, recursos financeiros, recursos humanos e logística de mostras que estão sempre acontecendo, André Sturm afirma ter assimilado o modus operandi de São Paulo. Ainda assim, confessa que, não muito tarde na vida, pretende um dia “morar numa cidade com menos de 2 mil habitantes”. Mais ou menos a população da fila de um dia numa exposição do museu onde ele trabalha hoje.



FOTOGRAFIA

1.

O DOCUMENTAL

IMAGINÁRIO Dois artistas mineiros provam que não há limites para a criação (e a ficção) contemporânea na fotografia e terminam se tornando vanguarda no cenário nacional.

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2.

POR CAROL ALMEIDA FOTOS JOÃO CASTILHO E PEDRO DAVID

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ra para ser apenas um registro memorial e documental de uma área que em breve seria inundada pelo lago criado na construção de uma usina hidrelétrica. Mas quando três fotógrafos mineiros, João Castilho, Pedro David e Pedro Motta, se viram diante daquele cenário de municípios já fadados ao esquecimento no leito do Rio Jequitinhonha, surgiu uma outra provocação. A de que eles podiam também se colocar naquele ambiente e criar, com algumas interferências físicas na imagem, uma espécie de ficção a partir do que viam e “eliminar de uma vez aquela ideia do sertão do século 19, parado no tempo”, explica Pedro David. Foram seis anos, entre 2002 e 2008, de trabalho em que cada um andou sozinho pela região. Surgia aí o projeto Paisagens Submersas e, com ele, um novo rumo

para a fotografia inserida nas questões da arte contemporânea no Brasil, que não mais estivesse presa ao discurso de que a foto é realidade. “A partir desse ponto, há um novo ar na fotografia brasileira”, afirma Alexandre Belém, fotógrafo e editor de dois dos principais blogs de fotografia do País, o premiado Olhavê e o Sobre Imagens, hospedado no site da revista Veja. “Alguns teóricos, jornalistas e curadores tentaram botar alguns rótulos para o que eles fizeram ali. Houve quem falasse de fotografia expandida e alguns chamaram, e esse é um título que prefiro, de documental imaginário. O fato é que essa exposição, assim como o livro que surgiu dela, foram um divisor de águas. Tanto é que tem uma geração de fotógrafos, depois disso, que segue à risca essa ideia da criação dentro da fotografia.” >>

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FOTOGRAFIA

3. 4.

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5.

Passada mais de uma década desde o começo do Paisagens Submersas e da passagem desse trabalho em nove exposições no Brasil, uma na Holanda e uma no México, conversamos com dois desses artistas para saber onde eles localizam seus trabalhos hoje e de que forma observam os avanços da fotografia nas questões da arte contemporânea e sua inserção no mercado de galerias. João Castilho, que em recente matéria do Estadão foi descrito como “um dos artistas mais originais da fotografia contemporânea brasileira”, fala desses universos particulares, ainda que não excludentes, da arte contemporânea e da fotografia. “Considero-me nessa interseção. Hoje, me insiro muito mais nas artes visuais que na fotografia. Ainda existem pontes que não se conectam e não vão se conectar. Mas acredito que transito bem entre esses dois mundos”.

João foi recentemente contemplado com a bolsa de fotografia Zum/IMS, do Instituto Moreira Salles, com o projeto Zoo, uma série de fotos de animais selvagens em ambientes domésticos e, assim como Pedro David, tem um papel essencial na criação de uma fotografia preocupada com essa grande questão contemporânea que é a nossa relação com o ambiente que nos cerca. Zoo, por exemplo, levanta muito essa questão dos espaços em que os homens se localizam enquanto animais. Ao forçar a entrada do selvagem no doméstico, ele cria atritos com o que entendemos como o espaço delimitado que temos no mundo. Um debate semelhante tem sua força marcada na obra de Pedro David: “Há uma questão que permeia todos os meus trabalhos e ela é essa discussão da relação do homem com seu ambiente. Cem por cento dos meus trabalhos discutem isso. >>

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FOTOGRAFIA 8.

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9. 10.

João Castilho 1. Arara* 2. Coruja* 3. Tamanduá bandeira* 4. Onça parda* * Zoo, série realizada com incentivo da Bolsa de Fotografia ZUM/Instituto Moreira Salles Pedro David 5. Da série O Jardim 6. Da série Coisas Caem do Céu 7. Da série Rota Raiz 8. Da série 360 Metros Quadrados 9. Da série Rota Raiz 10. Da série Aluga-se 11. Da série O Jardim

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FOTOGRAFIA

11.

Os primeiros ensaios estavam muito ligados a viagens pelo interior do País, e nesse momento eu pensava nesse desenvolvimento tardio chegando ao interior, com obras, estradas, mudanças dos ambientes. Na hora que acabaram essas viagens fiquei muito tempo na cidade e comecei a fazer trabalhos urbanos. E comecei a discutir minha própria condição como habitante desse lugar”, afirma o artista. Em alguns trabalhos recentes, Pedro deixa clara essa questão urbana da domesticação da natureza, que também é lida pelo colega João Castilho. Na série 360 Metros Quadrados, ele usa plantas para confrontar as relações de poder desses espaços que o homem ocupa: “As plantas que você coloca em casa são como uma tentativa de controle do homem sobre a natureza. A cidade já abdicou da natureza faz tempo, então, para inseri-la na sua vida, você mantém uns espécimes na sala, onde tem absoluto controle sobre eles”. Representantes de uma cena mineira em artes visuais fotográficas que se vem se consolidando com destaque no cenário nacional, João Castilho e Pedro David acreditam, ambos, que o processo de consolidação da fotografia no 110 | AG gO oS sT tO 2014

mercado da arte contemporânea ainda é recente, mas já deu passos importantes: “O mercado vem-se fortalecendo dos anos 2000 pra cá. Tanto que começaram a aparecer galerias especializadas em fotografias e colecionadores interessados nelas. Lá fora, a foto já é incorporada no meio das artes visuais desde os anos 60, mas aqui esse diálogo ainda é recente”, pontua João. Pedro é um pouco mais cauteloso na visão panorâmica que tem do mercado: “As galerias que conheço que mexem apenas com foto passam apertadas. Ao mesmo tempo, ela (a foto) é bem aceita pelo mercado de forma geral. Vendese, compra-se, fotógrafos estão em coletivas e bienais. Mas desde que essa foto esteja inserida no contexto de arte contemporânea. Apesar de ser uma ferramenta muito usada por artistas que também não têm uma formação técnica, a fotografia na arte contemporânea tem nuances que estão começando a tentar ser resolvidas”. A depender do trabalho precursor que esses e outros artistas mineiros estão fazendo, tudo indica que a maturidade desse cenário já se vê na linha do horizonte.



BÚSSOLA

ARTE NATURAL POR CAROL ALMEIDA FOTOS DIVULGAÇÃO

Vislumbrado por seu criador como um espaço de paisagens exuberantes cruzadas pela arte contemporânea, Inhotim é hoje o maior museu de arte a céu aberto do mundo. Mas pretende ser muito mais que isso.

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M

arço de 2014, Santa Monica, Califórnia. Em um evento chamado OASIS: The Montgomery Summit, Bernardo Paz começa a falar em inglês apenas para dizer que não vai falar em inglês. Segura um papel na mão e diz que vai ser obrigado a ler um texto que preparou para o momento. Mas as histórias começam a ser contadas no improviso e o papel impresso lá com o textinho bonitinho é jogado de lado. Sua plateia do outro lado é formada por altos executivos do mundo inteiro, pessoas que acordam e dormem pensando em como lucrar exponencialmente mais a cada dia. E esse senhor de longos cabelos brancos, que poderia muito bem ser um hippie, mas é na verdade um empresário bem-sucedido do ramo da siderurgia, diz em bom português pra gringo ouvir: “O mundo não foi feito pra você procurar dinheiro 24 horas por dia”. O mundo, tenta explicar Bernardo, pode ser Inhotim. E é para esse exemplo que as pessoas deveriam mirar de agora em diante. De fato, quando se tem um Inhotim, não é preciso ter modéstia. Pois nem os superlativos dão conta desse pro-

jeto de um “outro mundo possível” vislumbrado por Bernardo Paz, um ser inquieto que encontrou no cruzamento entre natureza e arte a resposta para o descompasso em que vivem as pessoas quando distantes desses dois elementos. É nesse lugar localizado em Brumadinho, a 60 quilômetros de Belo Horizonte, que um outro futuro (e presente) é viável. A história por trás da criação desse que é hoje (e tende a ser por muito tempo) o maior museu de arte a céu aberto do mundo, onde cabem nada menos que dez Central Parks, é já bastante conhecida: empresário apaixonado por grandes jardins e colecionador de arte contemporânea tem uma epifania após sofrer um AVC. Conversa com Burle Marx e decide usar uma propriedade sua, no interior de Minas Gerais, para criar um imenso Jardim Botânico. Ao lado dessa coleção de plantas, decide também usar o espaço para uma coleção de arte. E eis então que, num dia de sol, decide abrir a propriedade para visitação pública, criando com isso um dos pontos turísticos mais procurados hoje no Brasil e uma meca da arte contemporânea aqui, lá e acolá. >> AgostO 2014 | 113


BÚSSOLA

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Na página anterior, caminho pelo Jardim Botânico de Inhotim e o pavilhão da artista Adriana Varejão. Ao lado, em sentido horário, obra da brasileira Marilá Dardot, as esculturas cilíndricas de Yayoi Kusama flutuando na água, pavilhão do artista Tunga e o monolítico de Zhang Huan.

Inhotim se transforma assim num delírio concreto construído por um novo tipo de déspota esclarecido. E a ele se deve esse casamento já citado entre arte e natureza nunca antes experimentado numa escala tão gigantesca. Em Inhotim, ao contrário do que pressupunha a doutrina clássica, não é a arte que imita a natureza. Aqui a arte é, muitas vezes, a própria natureza, e vice-versa. Ambas se misturam, se entrelaçam, se refletem em múltiplos espelhos tal como na Viewing Machine do artista Olafur Eliasson, uma das obras mais interativas do espaço. Nela, o visitante pode criar ele próprio várias imagens caleidoscópicas a partir do ponto da natureza que ele mira com uma máquina. Inhotim é bem isso, o atravessamento de uma coisa sobre a outra, a ruptura crítica da arte contemporânea dentro de um jardim que é, ele mesmo, um alerta de que a cidade não é exatamente o nosso ambiente natural. Com um acervo de cerca de 800 obras, das quais 170 se encontram em exposição, o museu traz pinturas, esculturas, desenhos, fotografias, vídeos e instalações de mais de cem renomados artistas brasileiros e estrangeiros. Entre os nomes nacionais, Lygia Pape, Tunga, Amílcar de Castro, Cildo Meireles, Adriana Varejão, Hélio Oiticica e a jovem Marilá Dardot. Muito deles com pavilhões inteiros dedicados a algumas de suas obras mais famosas. A lembrar que todo esse acervo é visitado semanalmente por cerca de 1.500 alunos das redes particular e pública de ensino de Brumadinho e da Grande Belo Horizonte. De 2006 até hoje, mais de um milhão e meio de visitantes passaram pelo local. “O sucesso do Inhotim é propor, de forma única, a união entre arte e jardim botânico, que facilita e estimula a experiência com esses universos. É completamente diferente de um museu fechado, com obras apresentadas todas juntas”, afirma Antonio Grassi, diretor executivo do Instituto Inhotim. Ainda segundo ele, um dos aspectos mais importantes do espaço hoje são suas ações educativas a partir de uma arte que vem para questionar, e não para responder: >> AgostO 2014 | 115


BÚSSOLA

Foto: Rossana Magri

Nesta página: As redes do pernambucano Tunga e, abaixo, um dos vários espaços de convivência de Inhotim. Ao lado: Uma mostra do imenso jardim projetado pelo paisagista Luiz Carlos Orsini.

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“A arte contemporânea tem uma relação muito viva com as pessoas. Ela propõe uma interação com o público, que não fica passivo, como em outros contextos das artes plásticas. A forma como é apresentada no Inhotim torna esse vínculo ainda mais forte e especial. Além de vistas mediadas, que dão uma ideia do parque e de seus acervos, realizamos diversos projetos educativos, que são fundamentais na nossa atuação. Recebemos por ano 30 mil estudantes e realizamos programas de formação para professores e alunos.” E a ideia é ampliar, e muito, a penetração da arte contemporânea no local. Ainda em setembro deste ano, aproveitando a vinda de curadores, artistas e colecionadores para a ArteRio e Bienal de SP, o museu inaugura uma mostra do artista americano Carrol Dunham e reabre a galeria Lago, que estava em reforma. O pavilhão dedicado à artista suíço-brasileira Claudia Andujar e um prédio-instalação do dinamarquês Olafur Eliasson vão ser inaugurados em abril de 2015. Isso sem falar do projeto mais ambicioso de Inhotim para os próximos anos, algo que Bernardo Paz vem anunciando há tempos. A Grande Galeria, prevista para ser inaugurada em 2016, vai transformar o que já é gigantesco em algo colossal. Segundo Rodrigo Moura, um dos curadores do museu, o espaço terá 4 mil metros quadrados e servirá para mostras coletivas. Lá em Santa Monica, Califórnia, Bernardo Paz, com seu senso de humor corrosivo, comparava Inhotim à Disney. E dizia em tom irônico que enquanto o peso de um se sustentava na imagem de Mickey Mouse no outro era o ser humano o elemento substancial. Em Inhotim, o passeio que, acredite, pode e deve durar muito mais do que um dia, é de autodescobrimento.


o jardineiro fiel

POR DEBORAH KLABIN

Referência brasileira e mundial de paisagismo em grandes formatos, conheça o trabalho de Luiz Carlos Orsini, responsável pelo consagrado projeto botânico do museu de Inhotim. Os 30 anos de carreira bem-sucedida do paisagista Luiz Carlos Orsini foram comemorados em 2008 em grande estilo. Seu livro, Luiz Carlos Orsini – 30 anos de paisagismo (Editora Décor), agrupou seus projetos icônicos e se tornou uma das maiores obras de paisagismo individual já publicadas. Formado pela Escuela de Jardineria y Paisajismo Castillo de Batres, em Madri, o paisagista foi o responsável pela concepção criativa dos mais de 300 mil metros quadrados de paisagismo dentro do Inhotim Centro de Arte Contemporânea. Além da delicada transplantação de árvores raras já em idade adulta, o que requer mão de obra especializada e tecnologia de ponta – conhecimento no qual se especializou e se consagrou graças às baixíssimas taxas de perdas e

danos em seu histórico – e instalação de múltiplas espécies vegetais e mais de 120 espécies distintas de palmeiras, os quatro anos de dedicação ao projeto renderam a Orsini a notoriedade merecida, conquistada ao longo de uma trajetória sólida. “Antes de começar qualquer projeto, visito inúmeros viveiros locais para entender a flora vigente. Não há como seguir um projeto paisagístico ao pé da letra devido às nuances que cada região oferece”, declarou o paisagista. Fundidas às exuberantes obras de artes de diversos artistas plásticos de todo o mundo, o parque dispõe em seu jardim de 70% de espécies nativas e 30% de espécies exóticas, de origem tropical. Não seria mais trabalhoso tal projeto, em escala tão grandiosa? Ele garante que não: “Particularmente, me sinto mais à vontade trabalhando com escalas maiores. Gosto do improviso”. AgostO 2014 | 117


POP

Há pouco menos de dez anos, a Galeria Choque Cultural fazia tremer o cenário das artes visuais no Brasil, e hoje essa experiência ainda promete ensinar muito sobre como as novas gerações se comunicam com a arte.

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POR DEBORAH KLABIN E CAROL ALMEIDA FOTOS DIVULGAÇÃO

uando Mariana Martins, filha do famoso pintor Aldemir Martins, e seu marido, o arquiteto Baixo Ribeiro, criaram o que inicialmente era uma editora de gravuras, e esta mais tarde viria a amadurecer e se tornar uma galeria de arte, não poderiam ter escolhido nome mais assertivo: a Choque Cultural já nasceu, em 2003, quebrando paradigmas conceituais sobre os limites daquilo que se inscreve, ou não, no campo das artes visuais. A ideia era introduzir nesse mercado, à época ainda despontando, novas formas de comunicação com um público mais jovem, adicionando também a isso o elemento da arte urbana, ou street art, e apresentá-lo ao circuito de exposições e aos olhos dos colecionadores.

Articular aquilo que nascia organicamente nas “quebradas” dos grafiteiros, que também são bons pintores, ao nobre espaço entre quatro paredes de uma galeria de arte era uma tarefa, a princípio, inglória. Mas a Choque sonhava alto. Hoje, colhe os frutos do que projetou lá atrás. Uma das provas mais substanciais disso aconteceu há três anos, quando a instituição cultural mais cartão-postal de São Paulo inaugurou uma mostra em parceria com a Choque. O sucesso da exposição De dentro e de fora, que levou trabalhos de street art do mundo inteiro ao Masp em 2011, consolidou ainda mais o trabalho de Mariana e Baixo. E tudo começou de uma demanda familiar. >>

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POP

Na página anterior: Trabalho do gaúcho Jaca, um dos artistas representados pela Choque Cultural e hoje um dos mais respeitados ilustradores brasileiros. Nesta página: À esquerda, trabalho de Rafael Silveira, outro artista da Choque, que usa e abusa de todas as referências do cartum e das artes gráficas. Na página ao lado: O surrealismo, o pop e a inspiração nos quadrinhos de Jaca, em obra que foi doada ao VilaMundo (site sobre a Vila Madalena), em 2010.

ntes da Choque, Baixo e Mariana percebiam que seu filho, João Pedro, então com 17 anos, demonstrava não apenas interesse por artes visuais como também uma aptidão para criação. A questão surgiu então quando o casal começou a refletir sobre como essa nova geração se comunicava com a arte e quais as suas demandas. A “entidade” da arte era tratada como algo casto, sagrado, impositivo e distante. E isso, para João Pedro e seus amigos, não parecia uma forma coerente de criar a aproximação entre público e artistas. Eis então que surgia uma galeria que já em seus elementos mais elementares quebrava com a espacialização canônica desse tipo de negócio. As paredes não precisavam ser mais brancas (lambes, pixos e grafites são bem-vindos nelas), os preços de cada obra não precisavam mais ser aquele valor velado que se negociava somente entre o galerista e o comprador. A cifra está lá transparente, ao lado da obra. Com uma linguagem leve e descontraída, acolhedora e amistosa, a galeria se firmou ao longo de seus 10 anos de vida como a criadora de um novo modus operandi que arejou uma esfera que parecia pouco amistosa entre artistas e colecionadores. “Há um novo público jovem muito interessado em artes plásticas e em colecionismo que estava sendo menosprezado. A geração pós anos 80 tem demandas muito diferentes das anteriores, e a galeria surgiu disso: de conseguirmos identificar a melhor forma de dialogar com este novo público”, afirma Baixo. 120 | AgostO 2014


a opinião dele, o Brasil, e muito particularmente São Paulo, vive um momento rico e criativo entre os artistas, mas existem alguns desafios que o superaquecimento do mercado de artes visuais impôs: “O ambiente de negócios se deteriorou nos últimos anos e o mercado de arte sentiu o baque. Essa situação está fazendo minguar os investimentos diretos vindos do colecionismo, principalmente para as áreas mais experimentais e para os projetos mais vanguardistas.” Mas como toda moeda tem dois lados, Baixo também vê esse abalo como uma oportunidade: “Esse é o momento perfeito para que novos movimentos artísticos mais radicais apareçam e cresçam. Eu, pessoalmente, acho que a arte precisa sempre se renovar, limpar os vícios de mercado, as convenções de época e ir para a frente, descobrindo novos caminhos. Do contrário, para que serviria a arte? Hoje eu vejo a importância dos artistas pensarem mais coletivamente e atuarem de modo mais assertivo em relação ao ecossistema do qual fazem parte.” >> AgostO 2014 | 121


POP

Ao lado: o casal Mariana Martins e Baixo Ribeiro, que se inspirou no filho João Pedro para criar a Choque Cultural. Abaixo, obra do artista Daniel Melim, representado pela Choque, em mais um trabalho que busca inspiração nos clichês publicitários dos anos 50.

om frisar que essa reflexão coletiva sobre a proposição artística está no cerne do trabalho desenvolvido pela Choque Cultural e que, por isso, o elemento educativo, ou melhor, “Eduqativo”, é hoje a menina dos olhos da galeria. Eduqativo é o nome do instituto que a galeria lançou e que se autoproclama “uma organização social sem fins lucrativos com a missão de tornar a arte mais acessível às novas gerações.” Funcionando agora em um “hub” com vários outros grupos de artistas em um prédio no Vale do Anhangabaú, o instituto funciona como uma incubadora de no122 | AgostO 2014

vos artistas e projetos e é a concretização daquele sonho inicial de estabelecer esse diálogo claro entre a arte e pessoas que não precisam ter mais aquele distanciamento contemplativo dela. Na pauta do instituto, que nasce da experiência adquirida no espaço da galeria, uma série de questões que servem não apenas para a Choque como para todo o sistema do mercado: “Percebemos que o nosso laboratório nos permitiu estudar novos formatos de relacionamento entre artistas, entre público e obras, discutimos o colecionismo e novas formas de financiamento de projetos artísticos imateriais, novas formas de relacionamento do artista com marcas, governos, museus e escolas de arte. Discutimos a permeabilidade dessas instituições convencionais e criamos novos modelos possíveis de serem desenvolvidos em pequena ou grande escalas”, explica Baixo. E ele garante que essas intensas trocas sinalizaram, e continuam sinalizando, que o aprendizado é elemento nuclear do processo artístico de dentro e de fora: “Os dez anos de Choque Cultural foram uma escola para nós. Não só para mim e para a artista e curadora Mariana Martins, como para a educadora Raquel Ribeiro, a produtora cultural Susana Jeha e todos os muitos colaboradores e envolvidos que fizeram e fazem parte desse núcleo de experiências multidisciplinar. Todos aprendemos que o próprio processo educativo pelo qual passamos é, em si, a experiência de uma nova metodologia pedagógica voltada para a arte.”



À MESA

B E L E Z A

À M E S A A apresentação dos pratos servidos no Maní prima pela composição que valoriza a gastronomia molecular do restaurante

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Quatro chefs dos mais conceituados restaurantes paulistanos contam como suas ligações com arte, design e arquitetura influenciam seus trabalhos e a experiência de seus – felizardos – clientes. Bon apetit! POR DEBORA KLABIN

FOTOS PAULO BENTA

É

sabido que a alta gastronomia chegou ao Brasil pela primeira vez na mesma frota de navios da corte portuguesa, que fugia de Napoleão Bonaparte. Foi também nessa época que a apresentação dos pratos servidos à elite manifestou seus primeiros traços de refinamento. De lá pra cá, particularmente depois que a escola francesa de gastronomia tomou o País no século 20, a elaboração estética do que é servido à mesa adquiriu contornos de arte. Conversamos com quatro chefs que prezam por essas criações visuais emolduradas pelos contornos de seus pratos e que transferem suas próprias referências artísticas para todo o ambiente de seus restaurantes.

Daniel Redondo Nativo do continente mais vívido artística e culturalmente, o chef catalão Daniel Redondo comanda, ao lado de sua esposa, Helena Rizzo, a premiadíssima cozinha do restaurante Maní. De 2013 para 2014, o restaurante subiu dez posições no respeitado ranking da revista inglesa Restaurant Magazine, atingindo a 36a colocação e mantendo o posto de quinto melhor restaurante da América Latina.

Em uma saborosa sessão de fotos exclusiva, Daniel reafirma que é imprescindível o cuidado na montagem dos pratos, que vigia e elabora diariamente. Por sinal, essa é das características mais marcantes da casa: técnicas extremamente elaboradas que remetem à gastronomia molecular, com criações inventivas assinadas pelo casal, porém, sempre primando pelo paladar, pelas memórias afetivas dos chefs e extrema cautela com cada ingrediente disposto nos pratos da fiel clientela. “Cada ingrediente tem seu papel no prato. Todos os que compõem o mesmo prato devem ser percebidos ao mesmo tempo, em uma garfada deve-se encontrar todos os sabores. >> AgostO 2014 | 125


À MESA

A apresentação dos pratos é muito importante por ser a primeira percepção do cliente. Em seguida vem o aroma e, só então, o paladar, que é o mais importante. Mas a estética é consequência do sabor. E é isso que eu crio: o sabor”, explica Daniel. Além do visual impecável saído da cozinha, há por ali um ambiente como nenhum outro, repleto de detalhes inspiradores, como o extenso grafite disposto na entrada do restaurante, de autoria da própria Helena Rizzo. O projeto concebido pela arquiteta Mari Kraemer seguiu as diretrizes do casal: deveria ser aberto, claro e associado às memorias de infância de Daniel ao lado dos pais na cozinha. Tudo parece confirmar a teoria de que primeiro se come com os olhos e, em seguida, com a boca. 126 | AgostO 2014

O chef Daniel Redondo, que ao lado da mulher Heleza Rizzo comanda o Maní, garante que um bom prato deve seduzir primeiro pela apresentação, depois pelo aroma e, finalmente, pelo paladar


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Benny Novak Um bistrô com cara de achado imperdível no Marais parisiense. Uma tratoria italiana fiel às origens. Uma brasserie com todos os elementos que se pode esperar do clássico ambiente descontraído das casas francesas. Acredite se quiser: todos são de autoria das mesmas mãos. Ao lado de seu sócio Renato Ades, o chef Benny Novak é a descrição perfeita da coerência entre estética, ambience e sabor. As três casas da dupla, o Ici Bistro, o Tappo Tratoria e o Ici Brasserie desempenham com competência ímpar suas propostas e refletem, não apenas de forma visual, as intenções de ambientes e sabores ali criados, sem qualquer contaminação entre si. Cada uma das casas da dupla é única, irretocável e inconfundível. >> AgostO 2014 | 127


À MESA


Desde a trilha sonora, passando pelas louças, contemplando também a iluminação, arquitetura e decoração, chegando à apresentação de cada prato, o único ponto de intercessão entre elas é a harmonia absoluta de todos os elementos. “É intencional tanta sintonia e afinação?”. O chef garante que é mais intuitiva do que propriamente racional. “Um mesmo prato servido num ambiente diferente muda completamente seu impacto sobre quem o come. Se eu preparar um steak tartare na cozinha do restaurante, servir no prato do restaurante, mas para ser degustado fora da atmosfera do restaurante, ele perderá boa parte de suas características. A experiência de degustação é muito maior que apenas a comida servida. Um sem-número de outros elementos são cruciais”, deixando claro uma das chaves de tamanho sucesso nos últimos 14 anos como condutor de uma trajetória tão bem-sucedida. E saborosa. >>

1. O mapa francês reproduzido no Ici Brasserie, do Shopping JK, em São Paulo 2. O clima é parisiense, mas a casa é paulistana Acima e ao lado: O chef Benny Novak, do Ici, que trabalhou as distintas identidades visuais dos três restaurantes da rede: Ici Bistrô, Tappo Tratoria e o Ici Brasserie


Foto: Divulgação

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Rodrigo de Oliveira O Esquina Mocotó, inaugurado em 2013, fica ao lado do Mocotó original que fez fama na Zona Norte de SP Ao lado: O chef Rodrigo de Oliveira, responsável pela marca visual tipicamente nordestina das duas casas que comanda agora

Um chef que foi criado cercado por referências de arte e gastronomia tipicamente brasileiras. A cozinha clássica nordestina de Rodrigo, concebida por seu pai, José Almeida, desde 1973, fez do Mocotó o mais respeitado – e premiado – restaurante do gênero. Sem qualquer pretensão estilística, existe ali desde sua fundação um ambiente de valorização extrema da simplicidade, originalidade e cultura brasileira nas mais diversas esferas: desde os pratos, como o baião de dois, feijão de corda, escondidinho, carne-seca com abóbora e o indefectível bolinho de mandioca, passando

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pela vasta adega de aguardente e contemplando referências a nomes clássicos da arte naïf brasileira, como J. Borges e Gilvan Samico. Esses são os ingredientes que são os pilares de Rodrigo, que adicionou à mistura inúmeras viagens mundo afora, um genuíno interesse por novos artistas, como Basquiat, Keith Haring e a vivência diária ao lado de sua esposa Ligia, aluna do curso de artes do corpo, na PUC. O resultado, saído do forno em meados de 2013, é seu primeiro restaurante autoral, o Esquina Mocotó, localizado ao lado da casa precursora de sua família, onde segue participando ativamente. >>


Foto: Divulgação

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No Esquina, porém, Rodrigo conseguiu imprimir com mais força ainda seu gosto por arte e design: um mural de grafite criado pelo artista plástico Speto ornamenta a extensão do salão com ares de xilogravura e é o pano de fundo para um ambiente recheado de cores, telas de arte naïf e ilustrações contemporâneas de novos nomes da cena artística brasileira. Para executar um projeto tão particular, afetivo e delicado, os arquitetos do escritório LAB Arquitetos tiveram a sensibilidade de criar um interior de extremo respeito às raízes de Rodrigo: a madeira natural, ligeiramente bruta, se funde à claridade conquistada através das amplas janelas, que permitem a fusão do entorno simples na Vila Medeiros com a sofisticação despretensiosa e serenidade de uma casa de família, exatamente como o próprio chef o define. “Passo a maior parte do meu tempo aqui, portanto é a minha casa.” Uma boa explicação para tanto empenho e cautela com a estética que o cerca e que enaltece, a cada prato servido, seus laços familiares e essenciais.

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Acima: Referências da arte naïf brasileira inspiram murais e ambientação do Esquina Mocotó Ao lado: Cuidado na disposição dos pratos servidos por Rodrigo de Oliveira

Foto: Divulgação Foto: Divulgação

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Foto: Divulgação Foto: Divulgação

Nesta página Carla Pernambuco, autora dos tão bem elaborados pratos do Carlota

Carla Pernambuco “Uma casa de boneca em proporções humanas”. Esta é uma das primeiras impressões ao se deparar com a suavidade, feminilidade e harmonia estética do restaurante Carlota, da chef Carla Pernambuco, localizado numa charmosa casinha branca, em Higienópolis. A estética interna não deixa barato: quadros e objetos recheados de afeto criam ainda mais a atmosfera acolhedora de um achado imperdível no meio do caos paulistano. Para quem conhece o trabalho da chef, fica claro que “delicadeza” é palavra de ordem no visual e paladar de suas criações. Os pratos de sua autoria são daqueles que chegam a dar dó ter que desconstruí-los para poder saboreá-los, tamanho o cuidado que se nota em suas composições. >> AgostO 2014 | 133


À MESA

Foto: Divulgação

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Nesta página A cozinha afetuosa do Carlota se faz transparecer na composição do que é servido e na arquitetura "familiar" do restaurante

Sua trajetória multidisciplinar é vasta, e explica tanta sincronia nos sentidos despertados em suas receitas: Carla estudou comunicação e teatro na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e, antes de assumir seu amor à gastronomia, expressava todo seu apreço à harmonia estética e artística trabalhando como atriz, posteriormente como produtora cultural, tendo passado por redações de jornais e agências de publicidade. Outras características indissociáveis a Carla são sua notoriedade à frente da pesquisa de novos ingredientes e seu empenho desde os anos 90 na propagação da culinária brasileira pelo mundo. 134 | AgostO 2014



MUSEUS

EXPOSIÇÕES,

OS NOVOS BLOCKBUSTERS

Museus e instituições culturais vivem dias de público intenso com visitações recordes em mostras que dão valor ao compartilhamento de “experiências”.

Foto: Jefferson Pancieri

POR CAROL ALMEIDA

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Foto: Andres Otero Foto: André Nazareth

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uando lá atrás Cazuza cantava que via o futuro repetir o passado e, ironicamente, soltava o clássico “eu vejo um museu de grandes novidades”, muitos brasileiros tinham exatamente a mesma atitude cansada sobre a ideia de museu: lugares estacionados no tempo, templos distanciados do público, emoldurando reprises, renovando obsolescências. Vivo fosse, Cazuza possivelmente teria que rever seus conceitos. Mesmo porque os principais museus e instituições culturais que fazem e trazem grandes exposições para o Brasil são, de fato, a grande novidade no país e representam hoje alguns dos espaços mais sintonizados com a vanguarda, a reflexão e, muito particularmente, com o pop. Onde também se encaixa o próprio Cazuza, que recentemente virou peça de museu numa das exposições mais visitadas de 2013/2014, no Museu da Língua Portuguesa (MLP), em São Paulo. A escalada no gráfico de visitas a exposições nos últimos cinco anos é testemunha desse acontecimento. Em 2011, o Brasil teve a mostra mais visitada do planeta, quando O Mundo Mágico de Escher acumulou filas em sua passagem pelo Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro (onde a média era de impressionantes 9.700 visitantes por dia), São Paulo e Brasília. Este ano, novos recordes em duas exposições recentes

de arte contemporânea: Yayoi Kusama no Instituto Tomie Ohtake (mais de 500 mil pessoas) e Ron Mueck no MAM do Rio, que superou o número de visitantes que Picasso (Picasso!) teve em 1999. Também na capital fluminense, o Museu de Arte do Rio (MAR), inaugurado com um projeto arquitetônico arrojado em março de 2013, recebeu até agora mais de 423 mil visitantes. No mesmo mês e na mesma cidade, foi inaugurada também mais uma instituição de arte contemporânea: a Casa Daros, passagem obrigatória hoje no bairro de Botafogo. >>

Na página ao lado, a apresentação multimídia do Museu da Língua Portuguesa. Acima, a fachada do Museu de Arte do Rio (MAR) e o espaço interno da Casa Daros Rio, em Botafogo.

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Foto: Divulgação

MUSEUS

Em São Paulo, durante 2013, ano em que o MAC saiu da Cidade Universitária para chegar à mancha cultural do Ibirapuera, também foram superadas as melhores expectativas quando, somente entre os museus do estado, somou-se visitas de mais de 3,3 milhões de pessoas, número nunca antes registrado. Esse volume se deve, muito, à exposição sobre Cazuza e também à mostra de Stanley Kubrick no Museu da Imagem e do Som (MIS). Ao se falar neste último, é importante ter o depoimento de quem conseguiu virar a chave de leitura de um dos museus de São Paulo que estava, ainda há pouco, subutilizado. E para ele, esse não é um 138 | AgostO 2014

fenômeno sem muito planejamento por trás. André Sturm, diretor do MIS, sobre o boom de museus e instituições culturais no Brasil: “Acho que tem a ver com a qualidade das exposições que estão vindo pra cá. E outra, não são apenas exposições onde o tema é interessante, mas é como você mostra isso. Acho que esse é o mérito que alguns espaços estão conseguindo realizar e que estão tornando o ato de ir a museus e centros culturais um programa divertido, atraente. O que vence aquele preconceito de que coisa de museu hoje em dia é pejorativo no sentido de ser uma coisa chata e velha.” (Leia mais sobre o trabalho de Sturm na página 94)


Foto: Divulgação Foto: Sérgio Miranda

Ao lado, futuro Museu da Imagem e do Som na orla de Copacabana, no Rio. Acima, exposição permanente do Museu do Futebol, em SP. Abaixo, a nova sede do MAC paulista, no Ibirapuera.

Em linhas breves, o “quê” e “como” são, de fato, dois grandes motivos do sucesso de algumas exposições “blockbusters” (arrasa-quarteirão) desses últimos anos. Nomes importantes da História da Arte e da arte contemporânea têm chegado ao Brasil com uma frequência maior. Além disso, as curadorias valorizam cada vez mais uma aproximação afetiva do público com aquilo que é exibido, criando “ambientes” de imersão e interação com as obras. Mas, naturalmente, o “quê” e “como” não são respostas isoladas. Além do fato de o Brasil ter se tornado internacionalmente relevante no mercado de arte de modo geral, após o crescimento econômico dos últimos 10 anos, há também elementos como mostras que estimulam um intenso compartilhamento de fotos. Ou vai dizer que você conseguiu passar os últimos seis meses sem “instagramar” nenhuma exposição ou de mesmo não ter sido seduzido a visitar uma mostra graças às inúmeras fotos postadas pelos amigos? Soma-se a tudo isso a criação, recentemente, de museus que se têm tornado populares no mundo inteiro, aqueles cujo acervo é intangível, caso do Museu da Língua Portuguesa e do Museu do Futebol, ambos em São Paulo. “Nossa ideia é transformar esse intangível em algo que se concretize às vistas do visitante. >> AgostO 2014 | 139


Foto: Jefferson Pancieri

MUSEUS

À esquerda, fachada do Museu da Língua Portuguesa. Acima, entrada no MIS em São Paulo. À direita, vista aérea da Casa Daros Rio.

Há sempre um incentivo para que várias escritas tipográficas se misturem numa exposição. Usar recursos modernos e cênicos num trabalho sobre Machado de Assis, por exemplo, é importante para se comunicar com o público, e a grande tarefa do museu é comunicar bem pra qualquer visitante, desde crianças da escola ao crítico de literatura”, define Antonio Carlos Sartini, superintendente do MLP, cuja programação para 2015 já tem confirmada na agenda uma mostra sobre Eça de Queiroz. Daniela Alfonsi, diretora de conteúdo do Museu do Futebol, acredita que o desafio de um museu que abre mão de uma reserva técnica, coleções e acervo é imenso, mas que a ideia do “museu de experiências” tem dado certo. “O futebol, por exemplo, é uma janela para você pensar em vários elementos so140 | AgostO 2014

bre o Brasil. Temos educadores que elaboraram roteiros específicos para falar sobre futebol e a história da escravidão, da geopolítica, as possibilidades são muitas”. Mas nem tudo são flores nesse cenário. Museus e instituições que não têm apoio direto dos governos de estado ou de grandes empresas da iniciativa privada sofrem com a falta de verba para investir em exposições e curadorias de impacto. Caso, por exemplo, de um dos maiores cartões-postais da cidade de São Paulo, o Masp, que até o começo deste ano estava afundado em dívidas, devendo até salários a seus funcionários. O que prova que o tal “boom de museus” é um fenômeno que não nasce de uma inesperada afeição do público com essas instituições, mas de investimentos. E alguns ainda precisam ser feitos.


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Foto: Ismar Ingber

Foto: Divulgação


LEITURA

PÁGINAS DO CONTEMPORÂNEO Editora do Rio de Janeiro faz trabalho inspirador na documentação da arte contemporânea no Brasil e no mundo com livros que não se intimidam em serem, eles próprios, pequenas peças de arte. POR CAROL ALMEIDA FOTOS DIVULGAÇÃO

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ditar livros de arte em qualquer canto do mundo exige um tempo de pesquisa e reflexão com o qual o mercado editorial não está exatamente acostumado a lidar. No Brasil, onde o custo final desses livros sofre justamente porque neles não se pode abrir mão de sua manufatura quase artesanal e de uma tiragem bastante reduzida, essa equação entre tempo + gasto ÷ por poder aquisitivo do público potencial nunca fechou. Mas eis que então surge, em 2008, uma editora disposta a dedicar-se quase que exclusivamente a esses mesmos livros de arte, bem como títulos sobre teatro, com projetos financiados pela Lei Rouanet, o que deixa o produto final com um custo bem menor do que ele normalmente teria.

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Seu nome é inspirado naquele tijolo vazado que ficou famoso em construções modernistas brasileiras nos anos 50 e 60. Olhando de longe, esses tijolos parecem uma grande trama de articulações. E é precisamente isso que a editora Cobogó quer fazer com a produção da arte contemporânea: se articular a ela. De 2008 para cá foram lançados 34 livros de arte, incluindo aí o recém-publicado Pérola Imperfeita, a história e as histórias na obra de Adriana Varejão, da própria artista com Lilia Schwarcz (edição que teve parceria da Companhia das Letras para aumentar a tiragem em 2 mil exemplares), e o mais novo lançamento, Laura Lima: On/Off, livro de Lisette Lagnado e Daniela Castro sobre o trabalho da artista mineira que já teve sua obra exposta por duas vezes na Bienal da São Paulo. >>


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LEITURA

Com edições que não poupam no requinte e numa criação quase artesanal de cada projeto, a Cobogó vai se firmando como uma nova possibilidade editorial para os artistas contemporâneos.

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LEITURA

“Trabalhamos com pessoas especializadas em livros, mas claro que a formação delas vem necessariamente desse interesse em cultura e arte contemporânea.”, diz Isabel.

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Entre o livro de Laura Lima que acaba de chegar às livrarias e as primeiras edições em 2008 existem muitas histórias pra contar. Isabel Diegues, diretora editorial da Cobogó, tinha tudo para estar trabalhando hoje com produção, edição e direção de cinema. Filha do diretor Cacá Diegues com a cantora Nara Leão, ela chegou a produzir o premiado Madame Satã, de Karim Ainouz, além de dirigir dois curtas-metragens. “Minha formação começa em cinema e depois que meu filho nasceu resolvi estudar letras. Foi quando um tempo depois uma amiga de muitos anos me propôs fazer essa editora. E, desde o começo, a ideia sempre foi editar arte e cultura contemporânea”, afirma Isabel. A amiga em questão é ninguém menos que Márcia Fortes, da poderosa Galeria Fortes Vilaça, e com ela Isabel deu aquela curva imprevista em sua carreira. Hoje ela é responsável por um trabalho que, no Brasil, encontra paralelo somente nas edições, também muito trabalhadas, da Cosac Naify. Lá fora, os modelos são editoras de ponta como a Taschen e a Phaidon. A diferença da Cobogó, além da escala (a tiragem média é de modestos três mil exemplares), é que a editora carioca trabalha exclusivamente com a produção artística contemporânea e tem um laço estreito com novos artistas que estão se firmando no mercado.


“Temos interesse particular em trabalhos monográficos de artistas que proponham novas discussões”, diz Isabel. A média anual é de seis livros de arte publicados. Ou seja, para cada um, é preciso um tempo único de confecção que, no caso da edição de livros de artistas contemporâneos brasileiros, sempre se dá com o contato direto e o diálogo intenso com esses próprios artistas. “Trabalhamos com pessoas especializadas em livros, mas claro que a formação delas vem necessariamente desse interesse em cultura e arte contemporânea. Ainda assim, para cada projeto, contamos com uma equipe que também pode vir de fora”, explica a diretora editorial. A confecção de cada trabalho é feita sempre muito próxima ao artista cuja obra é revista no livro. Isabel assegura: “Fazemos juntos. Há artistas que gostam de desenhar cada página, mas tem uns que preferem deixar o trabalho de edição criar sua própria leitura. Cada um tem uma relação diferente com o livro, mas a decisão final é sempre deles”. Entre os próximos lançamentos da Cobogó estão documentos bibliográficos de extrema importância para a produção da arte nacional: haverá um livro sobre o trabalho do fotógrafo paraense Luiz Braga, outro sobre o pintor Rodrigo Andrade e mais sobre a exposição Histórias Mestiças, atualmente em cartaz no Tomie Ohtake, tudo ainda nesse segundo semestre de 2014. Do escritório de apenas três ambientes no bairro do Jardim Botânico, no Rio, Isabel Diegues vai, de livro em livro, fazendo história e, melhor, documentando toda ela. AgostO 2014 | 147


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O LUGAR DA

CURADORIA NO BRASIL

Foto: Everton Ballardin

POR CAROL ALMEIDA

Quatro dos mais importantes curadores brasileiros conversam sobre a essência de seus trabalhos, além de debaterem os desafios e as realidades do mercado nacional de artes visuais.

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ntre os anos 60 e 70, concomitantemente ao período mais tenso da recente história brasileira, artistas plásticos muito afetados também pelas tensões do sistema começaram a quebrar uma série de paradigmas que daria uma nova curva à arte produzida no País. Surgiram assim nomes como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Cildo Meireles, Rubens Gerchman, Paulo Bruscky, Artur Barrio, Antonio Dias, Maria do Carmo Secco, Wanda Pimentel, entre outros. No esteio dessas pessoas predispostas a descartar cânones e provocar atritos, nascia também uma “linhagem” de críticos, historiadores e – palavra ainda estranha na época – curadores como Walter Zanini, Aracy Amaral, Frederico Morais, Mário Schenberg e Márcio Sampaio. É importante conectar esse momento de inquietação crítica à formação dos primeiros curadores a atuar no Brasil para que se entenda o quão indissociável é a arte contemporânea, não somente aqui, mas no mundo inteiro, a essa figura que, no meio de um furacão de informações, referências e discursos consegue articular tantas ideias e apresentá-las ao público em uma narrativa sólida e necessária. Essa é a herança de importantes curadores hoje no Brasil como Agnaldo Farias, Tadeu Chiarelli, Lisette Lagnado, Moacir dos Anjos, Paulo Herkenhoff e Eder Chiodetto. Fizemos questões semelhantes a alguns deles para buscar suas opiniões sobre tópicos importantes no trabalho curatorial dentro do contexto brasileiro. Pessoas de formações completamente distintas, mas de uma preocupação totalmente convergente com as questões da arte. E o que eles responderam ajuda a traçar entendimentos e desafios para o mercado das artes visuais no Brasil.

Foto: Agência Estado

Antes, um quem é quem entre eles: Agnaldo Farias: Professor Doutor da Facul-

dade de Arquitetura e Urbanismo da USP, tem no currículo curadorias em instituições como Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde foi curador geral entre 1998 e 2000, Instituto Tomie Ohtake, Centro Cultural Banco do Brasil, Centro Cultural Dragão do Mar, Museu Oscar Niemeyer e Fundação Iberê Camargo. Moacir dos Anjos: Com graduação e pós-

Acima: Moacir dos Anjos, formado em Economia, e Agnaldo Farias, professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na USP, são provas de que a curadoria exige pensamento crítico, não uma formação definida. Na página ao lado: Obras da mostra Estudos, Esboços e Ensaios Poéticos sobre Arquitetura e Territórios Afins, na Carbono Galeria, que teve curadoria de Agnaldo

-graduação em Economia pela UFPE, foi diretor geral do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM) no Recife, entre 2001 e 2006, e curador da 29ª Bienal de São Paulo em 2010. Atualmente, faz curadorias para instituições como o Museu de Arte Moderna de São Paulo, a Estação Pinacoteca e o Instituto Tomie Ohtake. >> AgostO 2014 | 149


Foto: Cia de Foto

DNA

Acima: Eder Chiodetto é hoje o nome-referência quando se fala em curadoria de fotografias na arte contemporânea brasileira. Ao lado, Tadeu Chiarelli, que esteve recentemente à frente do MAC, em São Paulo

Eder Chiodetto: Principal nome brasileiro em

curadoria de fotografias, é atualmente curador do Clube de Colecionadores de Fotografia do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e vem desenvolvendo trabalhos para Caixa Cultural, Instituto Tomie Ohtake, Centro Cultural São Paulo, DOC Galeria, entre outros. Tadeu Chiarelli: Com formação em Artes Plásticas pela USP, onde é hoje professor-doutor, sendo responsável pelas disciplinas de História da Arte no Brasil e de História da Arte Internacional. Também foi curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) entre 1996 e 2000 e, recentemente, passou pela função de diretor do Museu de Arte Contemporânea (MAC).

LEGITIMAÇÃO DO PAPEL DO CURADOR NO BRASIL Tadeu Chiarelli: “O bom curador é aquele

profissional que dá prosseguimento às suas pes-

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quisas e reflexões sobre arte concebendo uma exposição que deverá alimentar esse processo iniciado anteriormente, mostrando-lhe novos dados e jogando suas reflexões para frente. Penso que hoje em dia existe uma grande confusão no campo da curadoria. Ou melhor, com os termos “curador” e “curadoria”. Atualmente, se você escolhe algumas obras, dá palpites na montagem, você é um curador e fez uma curadoria! Se, ainda por cima, escreve um texto, ele já se torna um “texto curatorial” e esses serviços que você prestou ao dono da galeria e/ou ao artista já lhe conferem o status de curador profissional! Creio que existe aí um engano: de maneira muito conveniente para o circuito, confundem habilidade técnica, um certo bom gosto e a capacidade de juntar duas ou mais palavras num texto mais ou menos compreensível para lhe conferir um estatuto profissional que não é da ordem da habilidade apenas técnica, e sim da sua habilidade intelectual.”


Foto: Felipe Gabriel/Folhapress

VELOCIDADE DO MERCADO x VELOCIDADE DE CURADORIA Agnaldo Farias: “Ainda temos muito a

Moacir dos Anjos: “De fato, há uma tendência

avançar. No Brasil, existem várias instituições importantes que nem sequer têm curadores, como a Fundação Iberê Camargo e o Museu Oscar Niemeyer. O mercado funciona muito através dos marchands, não acredito que se paute muito a partir dos curadores. No exterior, me parece que há uma relação mais orgânica com esse papel crítico do curador.” Eder Chiodetto: “Acredito que a ideia do curador já é bem entendida no Brasil. Passamos a viver nessas duas últimas décadas um excesso de circulação de informação e os curadores passaram a ser editores dessa massa de mensagens. O que fazemos é filtrar as informações de acordo com as pesquisas de cada um. No meu caso, fotógrafos do Brasil inteiro que produzem séries novas acabam me enviando seus trabalhos. Tenho acesso a tudo isso e vou tentando classificar o lugar da obra de cada um”.

à ligeireza, para atender uma certa aceleração do mercado. Isso é um tanto incompatível com o trabalho de curadoria, que envolve reflexão, pesquisa, pensamento e cuidado. O trabalho de arte existe a partir de sua apresentação. É numa exposição que ele ganha forma pública e vira experiência compartilhada. Mas há meios de resistência curatorial para tentar desacelerar esse processo.” Agnaldo Farias: “Hoje em dia existe uma demanda muito grande pelo trabalho de curadoria. O que acontece é que muitas instituições terceirizam projetos para curadores e determinam um prazo não muito longo. Há casos em que o curador termina trabalhando muito pressionado pelo tempo e movido por elementos que são exteriores ao seu campo de pesquisa. É muito comum o sujeito receber uma demanda para fazer uma exposição em três meses, quatro meses aqui no Brasil, enquanto lá fora você pode passar até dois anos em um projeto.” >> AgostO 2014 | 151


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Foto: Everton Ballardin

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AUTONOMIA DO CURADOR DIANTE DA INSTITUIÇÃO Chiarelli: “Normalmente, quando

você é curador de um acervo de uma instituição, sua proposta de curadoria vem respaldada por uma pesquisa anterior sobre determinado assunto ou sobre determinado aspecto da obra de um artista, que facilita muito que ela seja aceita. Por outro lado, quando você é convidado por uma instituição para desenvolver uma curadoria com o acervo dela, normalmente esse convite surge a partir de um reconhecimento profissional pelo seu trabalho anterior como estudioso de determinada questão. Aí a carta é sempre branca.” Moacir dos Anjos: “Quanto maior for a instituição, maiores os conflitos que possam eventualmente surgir porque existem mais recursos financeiros envolvidos, mais interesses. Membros do conselho, patrocinadores, tudo isso pode ser uma fonte de conflito. Mas o papel do curador é também tencionar essa relação.”

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Foto: Mario Cravo Neto

Tadeu


Foto: Elaine Mazieiro

CRÍTICA DE ARTE NO BRASIL Eder Chiodetto: “Não existe crítica de arte

no Brasil hoje em dia. É uma das pontas mais frágeis que a gente tem nesse sistema. Temos um corpo de artistas muito atuante e interessante. Mas crítica, de fato, não há.” Agnaldo Farias: “Praticamente não existe crítica de arte no Brasil. Antigamente havia uma leitura sobre os fundamentos da arte, se julgava, se analisava. O que existe hoje é opinião, não crítica.” Tadeu Chiarelli: “Penso que o jornalismo cultural no Brasil, especialmente no campo das artes visuais, salvo as exceções de praxe (cuja maioria não trabalha mais na área, ou colabora muito pouco), é de um nível muito baixo.”

Foto: Flavio Lamenha

4. 1. Trabalho de Henrique Oliveira, no MAC este ano, que teve curadoria de Tadeu Chiarelli 2. Obra de Márcia Xavier, em exposição na Carbono Galeria que teve curadoria de Agnaldo Farias 3. O Deus da Cabeça, de Mario Cravo Neto, em mostra que chega neste segundo semestre a Buenos Aires, com curadoria de Eder Chiodetto 4. As fotopinturas de Virgínia de Medeiros, na mostra Cães sem Plumas, com curadoria de Moacir dos Anjos

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REFÚGIO

A um passo da

Tranquilidade Em meio à deslumbrante paisagem de Barra de São Miguel, o Kenoa Resort surge com um conceito de eco-chic-design.

POR CAROL ALMEIDA FOTOS ROGÉRIO MARANHÃO

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Nesta página: De todos os pontos do hotel é possível ter uma vista panorâmica do mar. Na página ao lado: Projeto arquitetônico de Osvaldo Tenório prevê uma contemplação da natureza.

oi num daqueles dias que a natureza acordou bem-humorada, com contas quitadas, cartas de amor em cima da mesa, cheiro de café quentinho vindo da cozinha. De bem com a vida, ela decidiu então fazer nascer Barra de São Miguel, bem ali no meio do litoral de Alagoas, nordeste brasileiro. Não pode haver outra explicação “científica” senão essa para uma praia de areias brancas, mar de águas transparentes e mornas (naquela temperatura que fica difícil sair de lá), arrecifes criando piscinas naturais de cor azul-turquesa e, de brinde, manguezais ao lado que lhe abençoam e protegem. Tudo isso a apenas 30 quilômetros de Maceió. É nesse caribe brasileiro que se encontra o Kenoa Resort, um hotel-spa que surgiu há pouco menos de cinco anos com uma proposta rimada e sintonizada com a paisagem cinematográfica ao seu redor. Construído para deixar a natureza ser a tela maior de todos os pontos do hotel – e absolutamente todos os quartos têm uma vista incrível da praia –, o Kenoa é pioneiro no conceito eco-chic-design resort, algo que se reflete em seu desenho e muito particularmente nos materiais que ele utiliza para criar essa aproximação ainda maior com o exterior, que, por si só, já é um luxo. >> AgostO 2014 | 155


REFÚGIO

Passear pelo resort traz experiências táteis (quase tudo tem textura, das paredes às pias em pedra), olfativas (há uma fragrância ali no cruzamento do cheiro de mar, madeira e cravo) e, claro, visuais, com muita luz natural e espaços de reverência à natureza (as duas piscinas de borda infinita contemplam o mar e, dentro delas, é impossível não achar que você é realmente uma pessoa de muita sorte). “O Kenoa tem o desejo de mostrar o choque entre o design arrojado e a simplicidade dos elementos que o constituem. Suas linhas e traços modernos contrastam com os materiais e soluções ecológicas e naturais, formatando um projeto moderno e sustentável, trazendo a paz, a tranquilidade e a pureza tão desejáveis nos dias de hoje”, explica Pedro Marques, CEO do Kenoa Resort, em referência ao projeto do arquiteto e designer Osvaldo Tenório. O elemento “eco” surge na utilização de energia solar para aquecimento de toda a água do hotel, LEDs para iluminação, reflorestamento da mata nativa da região, utilização de flora local no paisagismo e de materiais de reflorestamento. 156 | AgostO 2014


Nesta página: Ecologicamente correto, o resort usa materiais de reflorestamento, lâmpadas LED e aproveita a energia solar para aquecer a água que circula no local. Na página ao lado: Madeira e pedra são alguns dos materiais mais usados no Kenoa, cuja proposta é estimular também experiências táteis das texturas do ambiente.

Com 23 acomodações que variam entre 45 m² e 200 m² (algumas delas têm acesso direto para a areia da praia), o resort oferece ainda um restaurante, winebar e lounge que teve consultoria do premiado chef pernambucano César Santos, o mesmo do Oficina do Sabor, para onde 10 em cada 10 turistas vão quando visitam Olinda, em Pernambucano. No Kaamo, como é chamado o restaurante aqui, o destaque do menu é um prato de frutos do mar preparados em panelas de cobre portuguesas. A pontuar que todos eles são frescos, pescados bem ali no oceano à sua frente. E ao se falar em frutos do mar, outro ponto forte da casa é a experiência de um passeio feito em uma canoa nativa, acompanhado por um pescador da comunidade Vila Palateia, local cercado por manguezais, onde o hóspede pode fotografar uma das paisagens mais emblemáticas de Alagoas enquanto degusta ostras servidas com um prosecco, que faz tudo parecer fazer sentido. >> AgostO 2014 | 157


REFÚGIO

Nesta página: O spa do Kenoa é especializado em tratamento de relaxamento. Os produtos usados são todos da Shiseido e Germaine de Capuccini e há uma massagem desenvolvida para unir estímulos e relaxamento.

Para quem vai ao resort pensando em se desintoxicar dos faróis fechados, dos elevadores, das filas e da velocidade atropelada das grandes cidades onde vivemos, o spa do Kenoa é especializado em tratamentos de relaxamento para que você esqueça que o mundo lá fora existe de fato. Há inclusive uma massagem desenvolvida exclusivamente para o resort. A técnica tem como base movimentos rítmicos da dança, transportados pelas mãos do terapeuta diretamente para o corpo, onde são aplicados dois tipos de cera: uma com base de açafrão, especiaria retirada de flores com propriedades relaxantes, e a outra com pro158 | AgostO 2014

priedades da canela, com aroma refrescante e estimulante. Pedro Marques afirma que é comum os hóspedes aderirem espontaneamente ao ritmo tranquilo que o resort passa: “Tem aqueles que passam toda a estada aqui sem calçar um sapato e tem os que decidem realmente se desconectar do mundo, desligando celulares e evitando o uso da internet”. Em tempo: para os que não conseguem passar por esse rehab de se desplugar das redes sociais, há wi-fi em todos os cantos do hotel. Mas acredite, a experiência no 3D da areia em seus pés e um espumante na mão é muito mais excitante que o Facebook.








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