Foto:AlexandreBelém/Concepção:JaíneCintra
E xpediente SUMÁRIO
EDITORIAL
- Um manifesto de como prazer e dor 03 Aim! não são idéias tão opostas assim
04 Tempo, falta um tanto ainda eu sei para você
correr macio - Esteja pronto para os próximos 12 meses à sua frente
06 Verão no aquário - Boa Viagem na berlinda 08 A turista de toalete - Um passeio bem es-
pecial pelos banheiros públicos da Europa
09 Alexandre Belém
O destino do terror - As novidades de autores do gênero de terror que estão chegando às livrarias
Uma cidade partida. É assim que você pode pensar a geografia de Boa Viagem diante do resto do Recife – bairro tecnológico, de espigões engolindo tudo ao redor, de turistas perdidos, de promessa de eterno verão e de uma pobreza vertiginosa. Todos esses elementos imprimem a Boa Viagem uma identidade própria, diferenciada. É como se o bairro estivesse prestes a se tornar uma nova Barra da Tijuca, linha litorânea carioca que em nada lembra aquele Rio de Janeiro Ipanema-Leblon que tanto vive em nosso imaginário. Como dezembro marca o início da temporada mais quente do ano, o Pernambuco dedica sua matéria de capa a pensar os signos que distinguem BV, para o bem e para o mal, do resto da cidade. Quem faz essa análise é a doutoranda em sociologia da UFPE, a jornalista Carolina Leão. Uma das colaboradoras mais presentes no Pernambuco, ela já foi responsável por duas outras capas do suplemento que pensaram a problemática da cidade: uma sobre a relação da música mangue com o imaginário urbano recifense dos anos 90; e uma análise das tribos urbanas que fazem do Shopping Boa Vista um centro de compras bem diferente dos outros. “Cortiços verticais se alternam entre seus duplex e coberturas e nos fazem pensar até, ingenuamente, que a decadência é por si só obra do individual. Numa sociedade na qual o lucro e a operacionalização financeira são vistos como pré-requisitos para o sucesso, os que não acompanham o bonde do progresso são os outsiders. Eles não estão apenas nas sete comunidades carentes que também compõem o bairro e deslocam o próspero Boa Viagem para os menos colocados nas médias estatísticas de renda econômica da cidade. Seus quitinetes, edifícios desvalorizados com a corrida imobiliária e conjugados de apartamentos com cara de subúrbio integram o imaginário do bairro em seu limite entre o glamour e o declínio econômico”, analisa Carolina Leão nas páginas centrais desta edição. Mas essa edição do Pernambuco não é só dedicada à chegada da estação mais quente do ano (clichê que a mídia adora lançar mão). É dedicada também à despedida de 2007. A repórter Carol Almeida fez uma divertida entrevista com a astróloga Bárbara Abramo sobre a poética do futuro, e Daniela Arrais ficcionaliza sua obsessão pelo site da norte-americana Susan Miller, que sabe tudo e tudo sabe (dizem) do destino dos signos.
10 Retrocesso - Analistas colocam em discussão o destino do jornalismo
Recém-chegada de uma viagem à Europa, a repórter Carol Botelho faz uma crônica divertida sobre os banheiros europeus e vaticina: “quer entender o que é primeiro mundo? Fique com vontade de ir ao banheiro”. Quem também comparece a essa edição do Pernambuco é a escritora Lucila Nogueira, que vem com um texto da sua leva mais recente de poemas, em que discorre sobre uma noitada alucinógena (e alucinante) no Bar Garagem, reduto underground recifense. Há ainda textos sobre a nova literatura de horror e dois artigos polemizando o futuro do jornalismo. O Saber + presta homenagem aos 40 anos da Cepe e traz uma entrevista com o presidente Flávio Chaves sobre os planos para 2008. Enfim, é isso, boa leitura, Feliz Natal e até o limiar de 2008. Schneider Carpeggiani (Editor executivo) carpeggiani@gmail.com
Inédito - Lucila Nogueira relembra em poesia 12 uma noitada no Bar Garagem
EXPEDIENTE Governador do Estado Eduardo Campos
Presidente Flávio Chaves
Vice-governador João Lyra Neto
Diretor de Gestão Bráulio Mendonça Meneses
Secretário da Casa Civil Ricardo Leitão
Diretor Industrial Reginaldo Bezerra Duarte
Gestor Gráfico Júlio Gonçalves
Equipe de Produção Débora Lobo, Eliseu Barbosa, Joselma Firmino, Lígia Régis, Roberto Bandeira e Aluísio Ricardo
Circulação quinzenal. Parte integrante do Diário Oficial do Estado de Pernambuco.
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Distribuído exclusivamente pela Companhia Editora de Pernambuco - CEPE
Rua Coelho Leite, 530, Santo Amaro CEP 50100-140
Fone: (81) 3217.2500 FAX: (81) 3222.5126
Editor Raimundo Carrero
Editor Executivo Schneider Carpeggiani
Edição de Arte Jaíne Cintra
Revisão Gilson Oliveira
Tratamento de Imagem Sebastião Corrêa
Secretário Gráfico Militão Marques
Conselho Editorial Flávio Chaves (presidente), Jaci Bezerra, Paulo Bruscky, Nivaldo Araújo, Ivanildo Sampaio, João Monteiro e Lucila Nogueira
C omportamento
Fotos: Alexandre Belém
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Grupo sadomasoquista do Recife explica que a relação prazer/dor não é tão estranha assim Breno Pessoa
difícil não achar estranho que alguém sinta prazer fazendo coisas como bater e urinar no parceiro. Ou, mais complicado ainda, aceitar que aquele a receber esse tipo de humilhação o faça com enorme satisfação. Parece doentio, de ambas as partes. Sem maiores questionamentos, nos habituamos a enxergar o sadomasoquismo como prática bizarra e pervertida. Afinal, palmadas, cuspe, pontapés e ofensas não costumam figurar na lista de amabilidades a serem oferecidas a um companheiro. São três díades que definem o sadomasoquismo: bondage (imobilização com cordas, correntes e afins) e disciplina; dominação e submissão; sadismo e masoquismo, abreviados na sigla BDSM. Ao ler o conjunto das práticas é bem provável que venha à cabeça a imagem de alguém de chibata em punho com algum tipo de transtorno psicológico. Um equívoco. A julgar pelas pessoas encontradas no “BDSM Recife” – um grupo que reúne seus membros regularmente pra trocar idéias e, quem sabe, encontrar um dono ou escravo (sim, você leu corretamente) – não há nada de muito exótico nos seus adeptos. Talvez você até conheça algum deles e não saiba. Formado a partir de uma comunidade no site de relacionamentos Orkut, o grupo conta com quase 200 pessoas, mas somente cerca de 10% dos membros costuma freqüentar os encontros, realizados periodicamente em bares da cidade. A maioria ainda não teve coragem de se assumir publicamente como adepto, mas a cada reunião as mesas vão ficando mais cheias. Gente perfeitamente comum, como dominador Metatron, 48, e sua escrava Rashna, 24, que preferem não divulgar seus verdadeiros nomes. De fala mansa e semblante sereno, o médico Metatron parece a antítese de um sádico. Dificilmente alguém o vislumbraria sendo imperativo e batendo numa mulher. O prazer na dor e privação alheia remonta à juventude: “Quando via “Escrava Isaura”, eu ficava torcendo pelo Leôncio, para que ele colocasse a Lucélia Santos no tronco e metesse chicotada. E eu não sabia o que isso significava, apenas era excitante”, lembra o dominador. Diferente dos personagens Leôncio e Isaura, a relação de Metatron com suas escravas segue os princípios da consensualidade, segurança e sanidade, três regras básicas que devem ser adotadas por todos os praticantes do BDSM. “Na relação, nada é aleatório, existem condições preestabelecidas entre as partes para que se possa praticar as fantasias”, explica. Essencialmente, os acordos definem os deveres solicitados pelo dono e restrições exigidas pelo escravo. A aparente formalidade na união sadomasoquista não significa que a relação seja isenta de sentimento ou restrita às performances sexuais de dominação e submissão. Metatron considera crucial a existência de um verdadeiro afeto entre donos e escravos. Assim é sua relação com a farmacêutica Rashna, que conheceu há cerca de três meses, na comunidade virtual do grupo. “Temos uma relação amorosa, somos namorados. E impossível se relacionar sem se envolver. Ela é minha única escrava e acredito que vai ser a última, para sempre”, diz Metatron. A afirmação desperta um sorriso no rosto de Rashna e os dois passam se olhar com aquele jeito meio bobo, típico de casais apaixonados. Pretendem morar juntos e se unir definitivamente já no próximo ano. Esse tipo de opinião sobre o envolvimento afetivo entre donos e escravos é compartilhado pela professora Heitara, 32. “A grande graça do BDSM está na verdadeira entrega e isso só existe quando há o sentimento. Já tive relações sadomasoquistas puramente sexuais, mas não é o que me satisfaz. Eu gosto da coisa dentro de uma relação afetiva”, pondera. Heitara, que é switcher (termo usado para definir quem gosta de alternar os papéis de dominador e dominado), considera difícil conceber o BDSM sem afeto: “É preciso conhecer e ter confiança naquele que vai algemar, amarrar e usar o chicote em você”. É a cumplicidade que vai permitir transformar a dor em prazer e o sofrimento em satisfação; a plenitude no BDSM só está ao alcance através do mútuo aprofundamento entre dono e escravo. Conscientemente ou não, o sadomasoquismo parece estar presente nas nossas relações afetivas mais intensas. O amor é entrega, muitos pregam. Como definiu o filósofo francês Marcel Conche, “amar é dar, abolir a diferença entre o teu e o meu, desfazer-nos de bom grado, da pessoa que amamos, daquilo que mais nos apegamos”. Não soa muito diferente de alguns preceitos sadomasoquisyy tas. Qual entrega é maior que a abdicação de si mesmo para servir inteiramente ao ser amado?
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P atuá Carol Almeida
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uisera o fim do ano ser uma mudança de estação: a espera das folhas no chão, do vento frio das esquinas, do sol úmido na testa. Mas não é. Fim de ano é a promessa do começo. Não tem a leveza das luas que vem e vão no céu. Fim de ano tem a ansiedade por uma segunda chance ou, quem sabe, pela conquista de mais um degrau na escada. Essa é uma temperatura diferente de qualquer outra. Mas por trás desse clima e dos fogos de artifício desenhados no céu da noite 31, os astros cochicham à meia-luz. E Bárbara Abramo abre bem os ouvidos para escutá-los. A mulher que assina a coluna de astrologia da Folha de São Paulo desde 2000 e é responsável pelo canal online de astrologia Urânia, da Folha Online, conversa com o Pernambuco sobre renovação, os céus, os homens e a palavra que muitas vezes controla a temperatura do sangue e do tempo interno: o amor.
Uma conversa sobre ofuncionamentodos céus e a poesia da palavra superação com a astróloga Bárbara Abramo
Para os pragmáticos, o futuro é um instante que passa a todo momento. Para os abstratos, o futuro pode ser um desejo realizado. Para os pessimistas, o futuro é o fim. Para você, o que é futuro? A pergunta nos remete às mais complexas indagações filosóficas. Na verdade, não me sinto habilitada pra pontificar – nem nisso e nem em qualquer outro assunto filosófico, mas o tempo é a matéria-prima da astrologia, então ele está em nossos pensamentos como um pano-de-fundo que marca as possibilidades reais do ser humano num dado contexto. Para um astrólogo o futuro é construído a partir das tendências inscritas ou programadas no ser humano. Mas o céu nos oferece o espetáculo do espelhismo dessas possibilidades que vão se tecendo na construção do real. O futuro é anunciado pelos astros, mas a direção quem dá é o livre arbítrio do ser humano. O livre arbítrio é a terça parte da condição de nossa existência, composta pelos outros dois terços: a genética e a estrutura social. Por que a simbologia dos novos calendários é tão forte entre nós, ocidentais e orientais? Simbologia dos novos calendários – cristão, você quer dizer? O calendário natural do ser humano é o céu quem dá, no espetáculo de seus ciclos que sempre retornam: o Sol em determinadas posições celestes anunciando a mudança de estações, a lua em suas variadas formas marcando o tempo da rotina que obedece à mente humana. Existe uma poesia da superação na palavra “recomeçar”? Acredito que sim e esta é uma ótima pergunta, já que o fazer do astrólogo é um olhar repetido sobre o recomeçar dos ciclos, sejam eles solares, lunares ou do calendário inventado. Recomeçar era o rito alegre dos egípcios na aparição da constelação que marcava o transbordo do Nilo, que prometia fartura, abundância, prosperidade. Assim também nós temos nossos recomeços pautados por ciclos internos, que são espelhados, acredito, pelos astros em sua dinâmica celeste. Se o amor fosse um planeta ou um signo, que planeta ou signo ele seria? Por quê? Se fosse o amor carnal seria Afrodite Pandemos, ou seja, a nascida da espuma (afra) que está entre todos (pan demos). Deusa da sensualidade e da atração, seria uma Vênus em Touro. O amor em sua manifestação cosmopolita poderia ser Venus em Libra, no signo que rege os acordos de coexistência pacifica. O amor enquanto sabedoria seria o Sol. Um sol em Leão, por exemplo. Amor generoso, de doação, que contempla a fertilidade e os filhos, o fazer e o criar nascidos da epifania do amar. Segundo o calendário Maia, em dezembro de 2012 o mundo passa pelo fim de uma etapa de grandes mudanças. Alguns chegam até a interpretar isso como o “fim do mundo”. Na sua análise, estamos passando pelo fim de uma era? Parece que a profecia maia está disseminada mesmo. Desconheço sinais celestes específicos de alguma mutação em curso nesse ano. Elas virão a partir de 2008 e seguem até 2010. Talvez 2012 seja conseqüência das escolhas humanas em escala planetária. Os céus nos protegem? Às vezes, sem dúvida: um Júpiter bem colocado que sinaliza o poder da intuição, um Saturno forte que provoca os brios e o sentimento de dever... Os homens se protegem? Em geral, mal, e onde não deveriam, talvez. Apegam-se à ilusão de uma proteção que não resiste às grandes questionamentos do sentido do mundo, do existir, do ser. Deveríamos pousar o olhar mais sobre a relação entre o falar e o fazer. Não sei. yy
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Daniela Arrais
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as eu realmente acredito que vá ser melhor. Susan falou que 2008 é o meu ano, que eu vou brilhar, caminhar do meu jeito, fazendo o que eu quero. E que essa conjunção astral só vai acontecer de novo daqui a 11 anos. - Pô, que massa. Mas eu fico meio puta quando ela fala essas coisas. - Oxe! Como assim? Quando ela fala que vai ser tudo maravilhoso? - Não, que um momento tão especial só vai acontecer de novo daqui a dez, vinte, trinta anos. É muita responsabilidade pra um mês só. Uma vez ela me disse que amar do jeito que eu amava ou que tinha amado, sei lá, só iria dar pé de novo em trinta e nove anos, porque era uma conjunção de Júpiter com Saturno, algo assim. - Ah, mas pelo menos ela te fez prestar atenção em um grande amor da tua vida. - Um grande amor que não deu certo? - Não, um grande amor que deu certo durante o tempo que tinha que dar. - Mas aí ela fala que eu só vou ter isso de novo daqui a quase quarenta anos? Ou seja, vou ter uma grande história de amor quando tiver sessenta e quatro? - Will you still need me, will you still feed me? - Hahaha. Palhaço!
Diálogos possíveis de gente que não fica sem o site-oráculo www.astrologyzone.com da norte-americana Susan Miller
* - E tu tá boa? - Gripadinha só. Mas minha câmera chegou ontem, e eu tô feliz. Susan disse que eu ia gastar horrores, mas que eu não me preocupasse, que é normal, depois o dinheiro vai voltar. - Olha aí! É a futura Annie Leibovitz - Hahaha. Pois bem, tô devendo R$ 200 ao banco e sem grana pra pagar! Mas se ela falou, né? Quem sou eu pra desrespeitar? * - É f., viu? Você trabalha o mês inteiro e, por um erro que não é seu, só ganha metade do salário. - Mas metade do salário pra metade do mês dá pra levar, né? - Dá, mas que chato... Mas enfim. - É uó, mas... - Queria ir na benzedeira de Bel, no sábado. - Hahahaha. Bel tem uma benzedeira? - Tem, lá no interiorrrr. - Eu acho que vou em Mãe Jane saber de quem eu sou filho, essas coisas de Yansã, Ogum. - Eu tenho medo dessas coisas. - Enquanto não vou, Susan me ajuda demais. - Me ajuda muito também, mas pena que num existe banho de sal grosso virtual. * - Eu sei que é loucura, mas eu já tô meio apaixonadinha. - Meio? - Eu posso até te ver suspirando o dia inteiro. - Tô meio doida, né? Hahaha - E é bem assim estar apaixonada: tu não pensa em mais nada a não ser querer saber mais e mais da pessoa, querer ver a todo momento, fica sorrindo abobalhada... Como é boa essa fase... - E eu tô errada de querer viver isso? - Errada não tá, de jeito nenhum. Só acho que isso tá servindo como uma válvula de escape pra teu momento, sabe? - Mas eu tô apaixonada, pô. E Susan super tá apoiando! - Aeeeeeee! Então tá, eu respeito. Se ela diz, vai em frente. Tenho que saber o que ela tem pra me dizer, espera um pouco aí! * Se você também quer ter diálogos (e até trechos) da sua vida guiados por um Deus em forma de astróloga, acesse www.astrologyzone.com e seja bem-vindo ao mundo de quem não dá um passo sem ler a melhor previsão entre todos os horóscopos – e vocês sabem: eles não são poucos.
SXC.HU/Cortesia
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Verão no aquário
Às vésperas da temporada mais quente do ano, as antíteses de Boa Viagem recebem leitura sociológica Carolina Leão
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alvez pela herança cultural da casagrande e senzala, com sua opressão e a densa figura do pai; talvez pelo clima quente da região. As águas do Recife sempre foram generosas e convidativas aos banhos terapêuticos, à contemplação da natureza nas margens do Capibaribe e aos cultos afro-brasileiros realizados no vizinho Beberibe. Rios que se fixaram no imaginário popular com suas lendas e magias acompanhando o desenvolvimento da cidade em sua corrida urbanística. Com recato e discrição, o recifense fez de sua geografia um dos pontos de escape da normatividade criada pela cultura oficial. Águas menos tranqüilas, e mais subversivas, caíram no gosto do Recife moderno, porém. Dentre as instâncias praieiras escolhidas pelas classes mais abastadas para o seu veraneio tradicional, Boa Viagem foi a que teve o percurso mais curioso. Não foram as jangadas ao mar para pegar lagosta ou as cirandas ocasionais que construíram seu simbolismo. A cidade avançou e conferiu à faixa litorânea o título de praia urbana elegante, que nunca sai de moda. O mês de dezembro marca a chegada da alta estação com a qual Boa Viagem se torna o vetor urbano que sela a paz dos recifenses e adjacentes com o lado mais dionisíaco da vida. Os tempos dos sobrados e da casa-grande jazem em algum livro de história quando observamos o fluxo contínuo de seus banhistas, turistas e moradores a correr pelo calçadão ou desfrutar das iguarias regionais na beira-mar. Frente aos seus espigãos modernistas e pós-modernistas, a longa faixa de areia e recifes de corais é a forma de consumo mais barata e aparentemente democrática. O lazer “gratuito” da praia, no entanto, caracterizou o bairro em sua diferenciação do resto da cidade em outras épocas. Hoje, Boa Viagem carrega marcas tão distintas de identidade urbana que é impossível defini-lo apenas com um adjetivo. Foi além do praieiro, do sazonal, para abarcar múltiplas experiências cotidianas. O verbete moderno, por condensar a multiplicidade das experiências sociais, resume-o em seus pontos negativos e positivos. Local de trabalho, diversão, estudo, passeio, turismo, prostituição, vandalismo. Um cinturão de prosperidade que oculta em suas fachadas concretas a eventual decadência de um bairro que se reinventa com velocidade e cuja exaustão impele à periferia – dos seus novos símbolos – continuamente, e mais rapidamente, seus estilos e moradores mais antigos. Cortiços verticais se alternam entre seus duplex e coberturas e nos fazem pensar até, ingenuamente, que a decadência é por si só obra do individual. Numa sociedade na qual o lucro e a operacionalização financeira são vistos como pré-requisitos para o sucesso, os que não acompanham o bonde do progresso são os outsiders. Eles não estão apenas nas sete comunidades carentes que também compõem o bairro e deslocam o próspero Boa Viagem para os menos colocados nas médias estatísticas de renda econômica da cidade. Suas quitinetes, edifícios desvalorizados com a corrida imobiliária e conjugados de apartamentos com cara de subúrbio integram o imaginário do bairro em seu limite entre o glamour e o declínio econômico. Mas essa zona limítrofe é parte do desenvolvimento de bairros mundo afora que sofreram com a aceleração de seu processo urbanístico feita num período muito curto. Bairros que são ao mesmo tempo moradia, local de trabalho, ponto turístico. Tudo ao mesmo tempo agora. No Brasil, essas regiões merecem uma atenção especial das políticas públicas porque refletem vícios históricos cujo resultado é polarizar ainda mais a desigualdade entre as diversas camadas sociais. Ao contrário da maior parte dos bairros da região metropolitana do Recife, que formam fronteiras territoriais e culturais não muito definidas, confundindo-se, misturando-se yy ao outros arrabaldes da cidade e suas características simbólicas, Boa Viagem é reconhecido nessa modernidade. É fácil identificar onde o bairro começa e termina. No trajeto de suas três avenidas principais, Beira-mar, Domingos Ferreira e Conselheiro
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Fotos:AlexandreBelém
Aguiar, estão dispostos lado a lado ícones do que convencionamos chamar sociedade capitalista. Quarteirões inteiros de lojas de decoração refinadas; serviços gerais que funcionam vinte e quatro horas; shoppings; galerias; escolas; hospitais; supermercados. Serviços básicos e supérfluos. O lixo e o luxo. O bairro se ergue em seu cosmopolitismo representado na heterogeneidade de sua arquitetura, do seu traçado urbano, do estilo de vida e gosto dos seus moradores ou personagens flutuantes. A indefinição de seus edifícios residenciais ou comerciais o caracteriza como “novidade”. Se a cidade é o parâmetro cabal da moderna vida social, o edifício é seu elemento mais contemplativo. Ao longo dos sete quilômetros de sua orla marítima, Boa Viagem também ostenta construções arquetípicas dessa ânsia de pertencer ao universo hodierno. O edifício e a cidade trazem a racionalidade burguesa presente desde a pretensa individualidade dos apartamentos à “distinção” de suas lojas de grife. O bairro mais populoso da cidade é o que mais carrega as marcas de um Brasil modernizado, urbanizado, com arranhacéus enfileirados que contrastam com o resto do Recife – e seus blocos vazios de edifícios intercalados de casas, praças, canais, avenidas comerciais. Mas não é apenas a altura e construção dos seus apartamentos que lhes dá o sentimento de modernidade e cosmopolitismo. Boa Viagem apresenta hoje indicadores sociais de países realmente modernos. O índice de desenvolvimento humano, calculado através da média de escolaridade, alfabetização, expectativa de vida, taxas de mortalidade infantil e materna e renda per capita, é equivalente a países como a Noruega – que obtém a pole no ranking de desenvolvimento social. Basicamente, o resultado desses cálculos e estatísticas toma como paradigma a idéia de modernização possibilitada por políticas públicas, cujo efeito nas sociedades avançadas é a melhoria, indiscriminada, na qualidade de vida de seus cidadãos. O que intriga na modernização do bairro e afinal o inscreve em mais uma contradição da modernidade brasileira é o seu quase deslocamento do resto do espaço geográfico metropolitano. Boa Viagem parece uma boca cheia de dentes numa cidade banguela. Não muito longe, os indicadores sociais de bairros como Joana Bezerra revelam realidades sociais equivalentes a países miseráveis da África subssariana. Boa Viagem existe como pequena vila desde o final do século XVII. O simbólico que o revela na contemporaneidade remete à história dessa contemporaneidade: a urgência do tempo presente. Remonta ao investimento do mercado imobiliário e do crescimento de um Brasil industrializado que se solidifica no País a partir dos anos 50. Hoje, esse objeto de desejo da classe média pernambucana é sonho de consumo em sua antítese. A praia se oferece como diversão gratuita. Poucos são os que podem pagar para ter acesso à vista permanente do horizonte de Boa Viagem, entretanto. No Brasil, aliás, a proximidade com as áreas mais “verdes” e naturais é um privilégio de poucos. No bairro, está localizado um dos maiores centros de compra da América Latina. O Shopping Recife se ergue como monumento de consumo diante da favela Entra Apulso. É o mais elitista de todos os shoppings da região com as melhores marcas, os restaurantes mais caros e, sobretudo, elementos de consumo da elite pernambucana. Não muito longe, ao cair da noite, o bairro exibe a face mais cruel de seus contrastes. Prostituição infantil, violência contra os grupos subalternos, turismo sexual. Onde o poder se deixa menos ver, onde ele é mais escorregadio, os mecanismos de operação da desigualdade são sinuosos. Resta saber se Boa Viagem vai cair na mesma contradição carioca: virar um cartão-postal falando iconicamente por um ideal estampado numa fotografia que cada vez mais se distancia da realidade.
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Alexandre Belém
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A turista de toalete Carol Botelho
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oucas coisas na vida dão mais prazer do que conseguir fazer xixi depois de passar um tempão tentando impedir que aquela primeira gotinha abra alas para um tsunami de águas termais e acabe com aqueles momentos infinitos de agonia que transformam o significado de encontrar um banheiro decente em algo como um luxuoso castelo na mais alta colina com a mais bela vista. Ai, ai. Lá vinha eu, no meio da estrada, ainda muito longe do hotel, cruzando a fronteira da Holanda com a Alemanha. Não dava mais para segurar. Sugeri um matinho inocente numa via secundária, mas fui logo reprimida pelas minhas companheiras de viagem, que acharam minha atitude muito terceiro-mundista. Do jeito que aqueles alemães são certinhos, capaz de levar uma senhora multa, em euro, por ser pega com minha região glútea a congelar. Tudo isso pelo meu trauma de recorrer a banheiro de posto de gasolina brasileiro, que me traz à memória cenas de filme de horror, que faz matinho pinicante, com direito a formiguinhas escaladoras parecer o céu: excrementos expostos em todos os lugares, menos onde deveriam estar, um cheiro que parece ocupar fisicamente o espaço que não dá lugar a mais ninguém, e parece lhe expulsar a pontapés e gritos histéricos de estourar tímpanos de baterista de heavy metal. Por isso tanta surpresa ao dar de cara com o banheiro do posto de gasolina de Düsseldorf, na Alemanha. Tudo bem que era preciso pagar 0,50 centavos de euro pelas necessidades que muitos diriam não valer o seu próprio nome (melhor não dizê-lo). A entrada parecia a de um cinema. Tudo limpo, limpíssimo, brilhando, e sem precisar de ninguém para pegar papelzinho ou vigiar se tudo está funcionando direitinho ou se algum vândalo está tentando enfiar um palitinho na maquininha de dinheiro. Direto ao que interessa: a bacia sanitária. Dava para ver meus lindos olhos nela, de tão limpa. Não, não precisava colocar papelzinho ou fazer xixi em pé. Era possível confiar naqueles alemães. Acabou? Basta dar uma espécie de tchau para a privada.
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Sim, isso mesmo. Aproxime sua mão de um sensor localizado no assento que começa a girar uma geringonça onde, suponho, há desinfetante, água e algo para enxugar que contorna todo o assento e o deixa limpinho para o próximo usuário. E a descarga, a vácuo, também é acionada pelo mesmo sensor. Não havia sequer um pingo de água no chão ou um pedaço de papel higiênico fora do lugar. Na hora de lavar as mãos, o dispositivo com o sabonete líquido não derramava um pingo sequer a mais do que o necessário, e tudo ficava enxuto. Nada de ineficientes maquininhas de ar para secar as mãos. Papéis mesmo, dos bons. Coisa de ficção científica. Isso é que é felicidade. Novamente em Düsseldorf, nos deparamos com um banheiro de rua que veio em nosso socorro em outro momento de desespero, também cobrando por estar ali para nos socorrer. Por 0,30 centavos de euro, uma porta se abria, como a de um elevador, no meio da rua, era só entrar, e ela se fechava. Lá dentro, inscrições em várias línguas informavam que tínhamos quarenta minutos para as necessidades. Caso uma prisão de ventre surpreendesse o sujeito, fiquei imaginando a porta se abrindo e o coitado sendo pego com as calças na mão, literalmente. Foi aí que lembrei de outros banheiros inesquecíveis daqui. Alguém aí já foi ao Arruda? Eu já. Para a arquibancada. E insistia em tomar aqueles copões de cerveja de plástico, quase tão grandes quanto os dos alemães, porém não tão gelados. A euforia sempre me fazia esquecer da inadiável hora do xixi, que com cerveja vem tão depressa. O lugar é quase um rio, já que as cabines e as bacias sanitárias, de tão escuras, pareciam cavernas inabitáveis há séculos. E os banheiros químicos do Carnaval? E os banheiros dos bares antigos do Bairro do Recife? E o banheiro-acéu-aberto-ladeiras-de-Olinda? Peço aqui licença para uma conclusão, admito, infame. Mas se formos pensar naqueles momentos descritos no primeiro parágrafo, nem tanto: Quer entender o que é primeiro mundo? Fique com vontade de ir ao banheiro. yy
Literatura
O destino do terror
Novos autores dão prosseguimento a um dos menos aceitos gêneros literários
André de Sena
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ostuma-se dizer que as histórias de horror, tanto na literatura, como no cinema brasileiros, não são muito bem aceitas pelo público em geral, sendo praticamente desconhecidos os autores desse gênero, bem como inexistente uma produção cinematográfica que vá além das consagradas películas de José Mojica, o famoso Zé do Caixão. De fato, são ainda escassas as histórias de horror psicológico – no sentido definido tanto por Freud, como por Todorov (o espectral não-familiar, a irrupção do sinistro e horrífico rompendo com os hábitos e limites do cotidiano) –, em relação a outros gêneros de maior sucesso comercial, mas os interessados nelas não estão completamente à deriva, já que o mercado editorial vem lançando várias obras de qualidade. Talvez ainda seja cedo demais para avaliar se autores em plena efervescência, como Clive Barker, Kelley Armstrong, Joe Hill, Charlaine Harris, Scott Smith, Niccolo Ammaniti, Helen Oyeyemi, Lafcadio Hearn, Whitley Strieber e Matthew Scott Hansen, serão, no futuro, considerados os Hoffmanns, Poes e Le Fanus (mestres do horror no século 19) de nossa própria época. Mas, uma coisa é certa, eles bem que tentam um lugar ao sol (ou à sombra) da moderna ficção de horror, este gênero tão peculiar que dá à recepção, ou melhor, que exige ao leitor, um papel fundamental dentro do jogo narrativo: simplesmente, o de sentir medo, nem que seja estética e literariamente. Naturalmente, estes novos autores se beneficiaram de uma trilha aberta anteriormente por nomes de destaque como Stephen King e Anne Rice, responsáveis por aproximar o gênero de horror à categoria de best-seller. O primeiro é considerado por muitos como o mestre do horror moderno, responsável por um verdadeiro revival do gênero desde a década de 1970, autor de mais de duas centenas de obras traduzidas para cerca de 50 idiomas, entre elas, clássicos como “Carrie” (1974) e “O Iluminado” (1977). Já a segunda, foi responsável, em inícios da década de 1980, por uma espécie de atualização do gótico vampiresco (criado em inícios do século 19 por Polidori e completamente popularizado pelo “Drácula” de Bram Stoker) para os leitores de hoje. Aberta a trilha, após o gênero horror ter provado ser uma boa fonte de lucros para o mercado editorial internacional, uma série de lançamentos congêneres inundou as prateleiras; em geral, de autores menores e repetitivos. Porém, se é certo que da quantidade às vezes pode brotar a qualidade, nomes de destaque também foram evidenciados, em sua grande maioria, ainda desconhecidos do público brasileiro, mas lançados por editoras nacionais. Gente como Clive Barker, discípulo de Lovecraft (gênio do horror de inícios do século 20), autor, entre outros, de “Raça da noite“ (1994, Civilização Brasileira), espécie de Frankenstein moderno, onde são discutidas as relações entre seres humanos e criaturas fantásticas, apontado pelo próprio Stephen King como a promessa futura do gênero horror. Por sua vez, com o livro de estréia “Fome de loba“ (Rocco, 2002), a escritora canadense Kelley Armstrong criou uma boa trama de suspense e horror em que o mito do lobisomem é posto em evidência novamente, desta vez, sob um viés feminino. Outro estreante que vem fazendo sucesso é Joe Hill, por sinal, filho de Stephen King, cuja obra “A estrada da noite “(Sextante, 2007), lembra em alguns aspectos o gênero de horror com pinceladas de humor de E.T.A. Hoffmann, ao contar a história de Jude, um ex-roqueiro nos seus 50 anos, que tem como hobbie colecionar objetos macabros e que vê a vida de pernas para o ar no momento em que “compra” um fantasma pela internet. Uma obra-prima do horror moderno é “Kwaidan – Assombrações” (Claridade, 2007), de Lafcadio Hearn, onde histórias fantásticas do folclore japonês do período Edo (séculos 17 a 19) revestem-se de estranheza e provocam arrepios. Por sua vez, Charlaine Harris e Whitley Strieber, respectivamente, com os romances “Morto até o anoitecer” (Ediouro, 2007) e “A última vampira” (Ediouro, 2002), investem na linha vampiresca de Anne Rice, mas com originalidade. No âmbito da literatura brasileira, autores como Giulia Moon (“A dama-morcega” – Landy, 2006), Martha Argel (“O livro dos contos enfeitiçados” – Landy, 2006), Heloísa Seixas (“Frenesi: Histórias de duplo terror” – Rocco, 2006) e, especialmente, André Vianco, já apontado como um dos autores mais lidos da moderna ficção de horror no Brasil, com livros que recebem tiragens de até quinze mil exemplares (o romance “Os sete” – editora Novo Século – chegou a casa dos cinqüenta mil livros vendidos), se destacam por tentar trazer ao espaço brasileiro temas caros ao universo europeu. Assim, Giulia Moon imagina vampiros na capital paulista do século 19 e a ficção metanarrativa de Heloísa Seixas não titubeia em ambientar nas ruas do Rio de Janeiro visões de gatos pretos na linha do norte-americano Edgar Allan Poe. Por outro lado, para os leitores que abrem mão das novidades e preferem conhecer ou reler os clássicos do horror, as editoras nacionais vêm disponibilizando antologias de primeira linha, com bons estudos introdutórios e edições esmeradas, conglomerando tanto autores europeus e norte-americanos como brasileiros. São dignas de nota as antologias “Contos de horror do século XIX” (Cia. das Letras, 2005), que traz obras do apogeu gótico inglês, que vai de Ann Radcliffe a Poe, além de Henry James, Maupassant, Eça de Queiroz e Lamed Schapiro; “Clássicos do sobrenatural” (Iluminuras, 2004), composta por obras-primas de Le Fanu, M.R. James, W.W. Jacobs, entre vários outros; “Treze melhores contos de vampiros da literatura universal” (Ediouro, 2002), onde o leitor poderá encontrar contos como “O estranho misterioso”, de um autor anônimo alemão, bem como “O hóspede de Drácula”, capítulo inédito de Bram Stoker; “Homens, lobos e lobisomens” (Marco Zero, 2004), com histórias referentes ao mito da licantropia; “Melhores contos de medo, horror e morte” (“Nova Fronteira, 2005”); e Histórias sobrenaturais de Rudyard Kipling (Bertrand Brasil, 1996), onde várias histórias de horror do famoso autor britânico são traduzidas por ninguém menos que J.J. Veiga, mestre do gênero fantástico brasileiro. yy
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Alexandre Belém
ídia Mídia M
Duas análises colocam em discussão o futuro do jornalismo como nós o conhecemos Doisestudoscolocam em xeque futuro do jornalismo
Bruno Albertim
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Adriana Santana
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á se escuta, há um tempo considerável, a cantilena da morte do jornalismo e de seus congêneres – o jornalista, naturalmente, incluso no mórbido pacote. De acadêmicos a profissionais de batente, de literatos a bloggers, de estudantes de comunicação a leitores, o discurso é uníssono. O prenúncio da morte anunciada da profissão-atividadedisciplina-sacerdócio está quase alçado à categoria de mais novo passatempo intercontinental – vide os sítios e artigos, numa procura fugaz pela Web, intitulados “O jornalismo morreu”, “Journalism is dead”,” El periodismo ha muerto”, “Der Journalism ist tot” e assim sucessivamente, até dar a volta no globo. Esse vaticínio de uma era pós-jornalística é fundamentado, na maior parte das argumentações, pelo fim de duas instâncias que marcaram presença em praticamente todas as teorias desenvolvidas para pensar a comunicação: a figura do emissor (na qual o jornalista se enquadraria) e a do receptor/destinatário (naturalmente, onde se encaixaria o público). Para pensadores do jornalismo da era tecnológica, como o argentino Pablo Boczkowski e os norte-americanos John Pavlik e Barrie Gunter, com as possibilidades e ferramentas trazidas pela internet, essas duas figuras se confundem, e o antes receptor também se transforma em produtor de notícias. Enfraquecendo ou, no mínimo, modificando sobremaneira o papel do jornalista. “Qualquer um com um computador e modem pode se tornar um publisher global”, diz Pavlik no livro “Jornalismo e nova mídia”. Mas eis que um simpático senhor nascido no improvável Alabama, nos Estados Unidos, e co-responsável por uma das sacadas mais interessantes – e citadas – do pensamento sobre a mídia, vem pela primeira vez ao Brasil, em novembro último, e lança a idéia, a uma platéia de pesquisadores sobre o jornalismo, de que a atividade depende de só um pouco de esforço não só para garantir uma sobrevida, como para se manter na ativa por eras. O moço em questão chama-se Maxwell McCombs, o mesmo que lançou, no agitado 1968, junto com o colega Donald Shaw, as bases da “Teoria do Agendamento” (“Agenda-Setting”), através da qual a mídia seria responsável por definir a agenda de temas a serem discutidos e avaliados como importantes pelo público. A palestra foi realizada na Universidade Federal de Sergipe, na conferência de abertura do V Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Trazendo o conceito recente da “Cauda Longa” ao jornalismo – termo criado pelo editor-chefe da revista “Wired”, Chris Anderson, transformado em best-seller homônimo, que identifica o investimento em nichos cada vez mais específicos de público como a galinha de ovos de ouro da vida econômico-comercial dos tempos contemporâneos –, Mc-
abcde Thiago Soares
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uando escreveu o verso “Rose is a rose is a rose is a rose”, no poema “Sacred Emily”, em 1913, a escritora Gertrude Stein acenava para que “as coisas são o que elas são”, quase que evocando a noção do sentido como cíclica, centrífuga, na eterna busca por uma definição que, sim, pode estar na sua mais primitiva definição. Usar uma determinada palavra para nomear algo, como já advertiu Merleau-Ponty, invoca uma espécie de busca pela sua ontologia. No pantanoso terreno das hipóteses, há algo de “busca ontológica” quando nos referimos aos rumos do jornalismo impresso na cultura contemporânea. Busca ontológica que significa delimitar: o que é o jornalismo impresso nesta época de convergências e de “vida líquida” na internet? A questão me veio à tona quando me deparei tendo que elaborar uma nova matriz curricular para o curso de Jornalismo das Faculdades Integradas Barros Melo (Aeso). Ao contemplar disciplinas como Introdução ao Jornalismo, Radiojornalismo, Jornalismo Empresarial, Telejornalismo, entre inúmeras outras, visualizei, sem opacidade alguma, uma encruzilhada: quem é esse profissional que estaremos formando? Quais suas habilidades para encarar o novo, o desconhecido? Algumas horas depois, outra encruzilhada: o futuro do jornalismo, ao contrário da minha dúvida, é opaco e nebuloso. Sim, porque diante do que se convencionou chamar de “vida líquida”, na internet, as pessoas deixam de pagar por informação, deixam de sentir necessidade da “informação oficial”, passam a enxergar os blogs, fotologs e dispositivos alternativos de conteúdo com muito mais naturalidade. Em outras palavras: informação não é problema. “Qualidade” de informação, muito menos. Recorre-se aos grandes portais, vinte e quatro horas atualizando conteúdos, clica-se no site daquele grupo ativista “green” (ecológico), lê-se um manifesto contra a pesca de baleias no litoral da Paraíba, sabe-se do novo show de um grupo de rock russo,
jlmno pqrstuvxz abcdefghi jlmno jlmno abcdefghijlmnopqrstuvxz
Combs crê existir na Web uma oportunidade de se criar uma “nova notícia”, imbuída de mais profundidade e perspectiva. Partindo do próprio pressuposto de alcance e pluralidade de um veículo tradicional como o jornal, o professor da Universidade de Austin, no Texas, lembra que “um meio de comunicação é formado por várias audiências fragmentadas, que se interessa por setores bem específicos, e não por um único público”. E o alcance a todos esses nichos e “sub-públicos” fica evidente com o recurso da grande rede. Para se conseguir “estender a Cauda”, encontrar e fisgar essas micro-audiências, o pensador do Alabama lança o convite: “Let’s cover the swamp!”, o que, numa tradução livre, poderia ser entendido como uma proposta para que os jornalistas fiquem impelidos a cobrir estórias que aparentemente não seriam notícia em mídias tradicionais. Descobrir o que há de interessante na zona “pantanosa” dos acontecimentos que surgem nos lugares e situações mais pueris; esse seria o segredo da vida longa periodista. Pela lógica de McCombs, está nas pequenas interações sociais o nascedouro de todas as coisas que importam. Assim, caberia aos jornalistas dar mais atenção às conversas entre vizinhos, ao cotidiano de associações de bairro, aos campeonatos das ligas de esporte amador, às decisões tomadas nas escolas, ao disse-me-disse dos corredores, enfim, um preocupar-se mais com a vida comum das gentes. “Há informação disponível em todas essas esferas e, o que é mais importante, existe um público latente e potencial para absorver essas notícias”, instiga o professor. Os grandes temas continuarão tendo espaço garantido no jornalismo que se desenha à frente, profetiza o teórico, mas o grande diferencial e o que poderá garantir a sobrevivência do jornalista é, justamente, o investimento nesses assuntos “irrelevantes”. Seriam cinco as pistas para encontrar essas notícias perdidas, com foco no que McCombs chama de “motivos que impelem o público a considerar determinados fatos relevantes”. A quem se aventurar a essa cruzada noticiosa, o quinteto maccombiano para se entender o porquê do interesse em determinados fatos é composto por 1 – interesse pessoal; 2 – conexão com família e amigos; 3 – ligações emocionais; 4 – dever cívico; e, por fim, 5 – interesses pessoais idiossincráticos. Ninguém disse que seria fácil, mas aí estão os dados, prontos a serem lançados. Não por menos a razão de o comunicólogo classificar esse mister como o grande “desafio metodológico” dos que ainda não abandonaram o barco da investigação jornalística. Numa manobra de defesa contra a insistência e o desconforto ao qual os intelectuais são submetidos para nunca deixar de falar sobre suas teorias mais “famosas” e revisá-las – “por supuesto”, as perguntas acerca do “Agenda-Setting” continuam sendo formuladas a ele sem dó –, Maxwell McCombs desvia-se de forma magistral: “No momento em que uma teoria é congelada, passa a ser um mero artefato histórico. E não é como peça de museu que quero terminar a minha vida”. Ele não chegou a formular uma declaração aos arautos apressados e ranzinzas da morte do jornalismo, mas que se permita uma licença poética: nada está oficialmente morto até o yy último suspiro. Até lá, revolvamos o pântano, colegas. Revolvamos o pântano!
efghijlmnopqrstuvxz assiste-se à CNN online, procura-se as imagens daquele fatídico acidente aéreo no YouTube, manda-se um e-mail com as fotografias dos restos mortais de um famoso ator de TV assassinado. Seu filho precisa fazer um trabalho para o colégio? Vá ao Wikipedia e digite o assunto. Provavelmente, terá algo. Em meio a este arsenal de caminhos e atalhos, uma questão: e o jornal diário, a revista semanal, aquele suplemento especial que você vai até a banca ou ao gazeteiro comprar? É curiosa esta tarefa de prospectar: mas, muito provavelmente, gazeteiros deixarão de existir num futuro próximo, departamentos de circulação das empresas jornalísticas diminuirão, toda a carga de um veículo impresso estará na redação, no comercial e nos departamentos de informática – que terão que criar artefatos para a inserção do veículo na “grande rede”. Chegamos a este cenário por um motivo aparente: com a chegada dos celulares de terceira geração, a internet, num curto espaço de tempo, estará disponível – e a preços populares – para todos. Imagine que a massa que possui celular hoje, daqui a um tempo, vai estar vinte e quatro horas “on” – como se diz na “gíria” do “informatiquês” –, acessando, buscando, entre outras coisas, informação. Jornais vão estar pulverizados nos celulares, nas telas da TV Digital. Estou descortinando um novo regime de leitura e interação com os veículos comunicacionais. Mas a pergunta não cessa: e o nosso jornal, a nossa revista impressa? Estes terão que se adequar: transformarem-se em veículos analíticos, críticos, interventores. A informação enciclopédica está na internet, nos sites “wiki”: o que é isso, o que é aquilo. O conteúdo crítico, analítico, pode estar “fora”, nestas publicações. Não será estranho vermos jornais diários passarem a ser semanais, revistas semanais virarem mensais e assim por diante. A informação urgente, o agora, está na web, no celular, na vida “on” das pessoas. E veículos jornalísticos impressos serão raros, especiais, analíticos, profundos. Como os livros. A verba com publicidade estará na internet, a televisão estará na internet, o entretenimento estará na internet. E as publicações impressas? Deverão ser “sustentadas” pelos “braços corporativos” online. Aí, voltamos ao início de tudo: o jornal só foi possível com a invenção da tipografia, por Gutemberg. A tipografia, por sua vez, foi a responsável pela origem dos livros, dos folhetos. Voltando a Gertrude Stein e a sua visão cíclica e levemente ontológica, concluímos: no futuro, yy o jornal é o livro é o livro é o livro.
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ontem quis me entregar à alegria e quase ao acaso saí com o meu leque imenso vermelho de Madame Butterfly e depois de cantar ao microfone o princípio de Summertime eu me deixei levar a um lugar onde há muito queria estar e na hora que entrei ali mesmo no escuro do som um fauno de quase dois metros gritou meu nome e ficamos dançando twist descendo até o chão nesse bar sem luxo como os que conheci na Colômbia depois chegou um outro sátiro que ainda não me conhecia e talvez por isso mesmo me chamou logo ao andar de cima eu confidenciei ao meu amigo essa proposta com ironia mas o amigo não entendeu e quis subir na frente e quis ir olhar e voltou falando que era apenas um acampamento de sofás foi quando na calçada não sei porque me vieram apresentar uma versão do Tadzio de Visconti em plena Veneza tropical eu era apenas uma ex-colecionadora diante de uma tela presa no museu do Louvre quando alguém jogou sua bebida em cima daquela pele que exaltava a vida desde uns cinco metros de distância em fatal pontaria de Robin Hood acontece que o Tadzio era tipo o ídolo daquele súbito Eden subterrâneo e logo vieram guardiães para agredir o agressor insensato que vestia camisa azul eu me coloquei Joana D ‘Arc no centro do remoinho e do túnel de Ernesto Sábato e tudo se acalmou na esquina de um bar de fim de noite em dia de sábado o céu amparava uma lua bêbada sobre as manchas da pantera no colar e no voile transparente que fazia a valquíria voar eu lembrei da Sala de Reboco quando o aventureiro de Estocolmo
ontem quis me entregar à alegria e quase ao acaso saí com o meu leque imenso vermelho de Madame Butterfly e depois de cantar ao microfone o princípio de Summertime eu me deixei levar a um lugar onde há muito queria estar e na hora que entrei ali mesmo no escuro do som um fauno de quase dois metros gritou meu nome e ficamos dançando twist descendo até o chão nesse bar sem luxo como os que conheci na Colômbia depois chegou um outro sátiro que ainda não me conhecia e talvez por isso mesmo me chamou logo ao andar de cima eu confidenciei ao meu amigo essa proposta com ironia mas o amigo não entendeu e quis subir na frente e quis ir olhar e voltou falando que era apenas um acampamento de sofás foi quando na calçada não sei porque me vieram apresentar uma versão do Tadzio de Visconti em plena Veneza tropical eu era apenas uma ex-colecionadora diante de uma tela presa no museu do Louvre quando alguém jogou sua bebida em cima daquela pele que exaltava a vida desde uns cinco metros de distância em fatal pontaria de Robin Hood acontece que o Tadzio era tipo o ídolo daquele súbito Eden subterrâneo e logo vieram guardiães para agredir o agressor insensato que vestia camisa azul eu me coloquei Joana D ‘Arc no centro do remoinho e do túnel de Ernesto Sábato e tudo se acalmou na esquina de um bar de fim de noite em dia de sábado o céu amparava uma lua bêbada sobre as manchas da pantera no colar e no voile transparente que fazia a valquíria voar eu lembrei da Sala de Reboco quando o aventureiro de Estocolmo repentinamente pareceu querer descer em direção ao rio silencioso pelas suas margens teciam alamedas muitas plantas e jardins que olhávamos todos de pé com saudade da taça do Graal cheguei em casa com a manhã nos olhos e na barra da túnica e um amuleto feito dos sonhos de sete druidas para recordar que ao lado do bar Garagem havia uma ponte de Van Gogh (ou Ao lado do bar Garagem havia uma ponte de Van Gogh)
(ou Ao lado do bar Garagem havia uma ponte de Van Gogh)
(ou Ao lado do bar Garagem havia uma ponte de Van Gogh)
ontem quis me entregar à alegria e quase ao acaso saí com o meu leque imenso vermelho de Madame Butterfly e depois de cantar ao microfone o princípio de Summertime eu me deixei levar a um lugar onde há muito queria estar e na hora que entrei ali mesmo no escuro do som um fauno de quase dois metros gritou meu nome e ficamos dançando twist descendo até o chão nesse bar sem luxo como os que conheci na Colômbia depois chegou um outro sátiro que ainda não me conhecia e talvez por isso mesmo me chamou logo ao andar de cima eu confidenciei ao meu amigo essa proposta com ironia mas o amigo não entendeu e quis subir na frente e quis ir olhar e voltou falando que era apenas um acampamento de sofás foi quando na calçada não sei porque me vieram apresentar uma versão do Tadzio de Visconti em plena Veneza tropical eu era apenas uma ex-colecionadora diante de uma tela presa no museu do Louvre quando alguém jogou sua bebida em cima daquela pele que exaltava a vida desde uns cinco metros de distância em fatal pontaria de Robin Hood acontece que o Tadzio era tipo o ídolo daquele súbito Eden subterrâneo e logo vieram guardiães para agredir o agressor insensato que vestia camisa azul eu me coloquei Joana D ‘Arc no centro do remoinho e do túnel de Ernesto Sábato e tudo se acalmou na esquina de um bar de fim de noite em dia de sábado o céu amparava uma lua bêbada sobre as manchas da pantera no colar e no voile transparente que fazia a valquíria voar eu lembrei da Sala de Reboco quando o aventureiro de Estocolmo repentinamente pareceu querer descer em direção ao rio silencioso pelas suas margens teciam alamedas muitas plantas e jardins que olhávamos todos de pé com saudade da taça do Graal cheguei em casa com a manhã nos olhos e na barra da túnica e um amuleto feito dos sonhos de sete druidas para recordar que ao lado do bar Garagem havia uma ponte de Van Gogh
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I néditos
Lucila Nogueira