Revista Continente #132

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O Governo de Pernambuco apresenta # 132

Um espetáculo do artista Valério Festi.

#132 ano XI • dez/11 • R$ 10,50

CONTINENTE

Magia e beleza no Natal de Gravatá.

Gravatá vai ser palco de um espetáculo de Natal único. Criado e produzido pelo Studio Festi - uma referência no mercado internacional de arte e entretenimento - especialmente para o nosso Natal, sua montagem conta a história do pastoril, unindo tradição, música, dança, luzes e efeitos especiais.

Dias

SOB A LUZ DO

16, 17, 18, 22, 23, 24 e 25/DEZ 19 horas • Pátio de Eventos Chucre Mussa Zarzar.

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VITRAL

E MAIS VIVIAN MAIER, A BABÁ FOTÓGRAFA | JARDS MACALÉ | VIAGEM A KIEV | FIGURINO DE PALCO | NINO ROTA E A MÚSICA NO CINEMA | KARINA BUHR 01/12/2011 08:43:28


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VITRAL Uma tela de vidro atravessada de lUz

O Recife, assim como o Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, é uma das cidades brasileiras que reúnem um dos mais preciosos acervos desse elemento arquitetônico, com obras em estilos tradicionais e modernos TexTO Danielle Romani FOTOS Leo Caldas

o vitral é uma modalidade artística que exige trabalho coletivo, e cujos princípios de feitura pouco se modificaram através dos séculos. Consolidada nas catedrais góticas europeias, a partir dos anos 1100, é uma técnica extremamente complexa, que exige reflexão, conhecimento apurado sobre as variações de luminosidade, composição de vidro e de cores, além de interpretações em torno da história e da teologia. “Os vitrais carregam uma linguagem narrativa do homem medieval para o homem moderno. Banhados pela luz e pela cor, imprimem ao espaço arquitetural uma atmosfera mística, propositalmente reflexiva, condutora entre o real e o divino”, explica Suely Cisneiros, professora do departamento de Teoria da Arte da Universidade Federal de Pernambuco. Para montar um vitral, torna-se necessária uma equipe de, no mínimo, três pessoas: o vitralista,

o artesão de estruturas metálicas e o artesão dos perfis de chumbo e da montagem das grades. As etapas de confecção, ontem como hoje, são praticamente as mesmas. Em primeiro lugar, estuda-se o tema. Em seguida, faz-se um projeto de adaptação do desenho para o metal. O passo seguinte é a composição das estruturas metálicas e imediato tratamento delas, para evitar corrosão. O corte dos vidros, que normalmente são importados da França, Bélgica ou Alemanha (apesar de existirem exemplares nacionais), é a próxima etapa. As pinturas sobre essas lâminas, que exigem várias queimas para se atingir a cor que se quer realçar, são a parte mais delicada, e exigem conhecimento técnico apurado. “Depois de tudo isso, iniciamos a amarração dos perfis de chumbo para cada quadro do vitral, fazemos a calafetagem, para impermeabilizar, e efetuamos a moldagem do chumbo sobre cada pedaço de vidro. Aí, damos

o acabamento final e um polimento”, que, como suportes para a grade metálica, podem ser usados o ferro, o latão ou o inox, detalha Suely. Especialista em Design e Artes Plásticas, com mestrado em Arqueologia e Preservação Patrimonial, Suely é também vitralista e restauradora, ofício que aprendeu com a única discípula viva do mestre alemão Heinrich Moser: Aurora de Lima, hoje uma senhora de 96 anos que, até a década de 1970, ensinava a técnica de vitral na Escola de Belas Artes. Estudiosa do tema, há décadas, Suely explica que o Recife, como o Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, é uma das cidades que reúnem um dos mais preciosos acervos em vitrais do país. Diz, também, que nessas capitais eles se multiplicaram “devido às mudanças sociais e, sobretudo, econômicas, que representaram a ascensão de grupos ou classes, e a fixação de artistas nesses estados”, a exemplo do que aconteceu

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com a vinda e permanência de Heinrich Moser no Recife, a partir de 1910. “A importância e proliferação dos vitrais refletem diferentes linhas estilísticas – do Barroco para o Neoclassicismo, em seguida, para o ecletismo e estilos franceses de pujança cultural, como a art nouveau – aliadas a uma projeção econômica das famílias mais abastadas do Recife, naquele final do século 19 e começo do século 20”, observa o arquiteto, historiador e filósofo Fernando Guerra, que também é mestre em História e doutor em Arqueologia e Conservação do Patrimônio Histórico. Até hoje, em várias localidades recifenses, em espaços públicos ou privados, é possível encontrar obras de Conrado Sorgenicht, Heinrich Moser, Aurora de Lima, da Oficina de Gastão Formenti, Marianne Peretti, Suely Cisneiros, e mesmo de Francisco Brennand, que emprestou seus traços para a confecção de um vitral que adorna a escadaria principal da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), no Bongi, zona oeste do Recife.

o alemão conrado Sorgenicht, que se instalou na capital paulista em 1888, foi o precursor da técnica dos vitrais no Brasil Pioneiro no PAíS

Os vitralistas europeus chegaram ao Brasil na segunda metade do século 19, juntamente com o ecletismo. O alemão Conrado Sorgenicht foi o precursor da técnica no país, onde desembarcou em 1874, mas só se instalou na capital paulista em 1888, aos 52 anos. Na sua chegada, vivia-se o impacto da Lei Áurea, que aboliu a escravidão. “Ele iniciou seu trabalho, portanto, numa época de grandes mudanças de uma sociedade que procurava se renovar e se desenvolver”, conta Suely Cisneiros, que indica duas belas obras desenvolvidas pela Casa Conrado, administrada no Recife pelo artista da Renânia (região da Alemanha) e, posteriormente por seus filhos Conrado II e Conrado III.

A mais grandiosa é a encontrada na Igreja Matriz do Espinheiro, na qual a Casa Conrado, que tinha vários mestres na confecção de vitrais, seguiu a narrativa hagiográfica, assinalando a vida de Jesus. Outra peça com a assinatura da Casa pode ser vista no prédio principal do Museu do Estado. Lá, um vitral raro, em formato horizontal, servindo principalmente como claraboia, retrata dois anjos adornados por flores. “Existem obras da Casa Conrado em várias cidades brasileiras. No Recife, que sempre aderiu aos modismos importados da Europa, em especial os da França, não poderia ser diferente. Conrado era um hábil desenhista de paisagens, de motivos florais, angelicais e da fauna. Utilizava, em suas primeiras composições, gravações a ácido em vidros lisos. Era adepto da art nouveau, com vidros coloridos, desenhos barrocos e formas complexas, acompanhando a entrada do Brasil no Modernismo”, detalha Fernando Guerra. Ele lembra que a Casa Conrado continua produzindo vitrais em São Paulo. Outra oficina especializada em

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vitrais, só que de origem italiana, fez história em Pernambuco. A Formenti & Cia chegou ao Rio de Janeiro no século 19, e foi a ela, no governo de José Rufino Bezerra Cavalcanti (1919-1922), que foram encomendados os dois vitrais instalados na escadaria principal do Palácio do Campo das Princesas. O primeiro deles, localizado no topo do primeiro lance de escadas da sala de recepção, é conhecido como A alegoria à Revolução Republicana de 1817. Uma composição sobre a derrota dos revoltosos e sobre os ideais libertários estaduais. Um marco histórico retratado pela empresa italiana. “Nele, um homem, de pé, avança carregando a bandeira de Pernambuco. Em primeiro plano, deitado, um leão faz repousar sua pata sobre uma coroa. Uma data encima o vitral: 1817, que revela o sentido da alegoria, símbolo da nossa marcante Revolução Republicana de emancipação política do Brasil”, explica Fernando Guerra, que coordena o programa de visitação do Palácio. O outro vitral pertencente à sede do governo pernambucano fica longe do olhar dos visitantes – está localizado

sobre a escadaria do segundo andar. Igualmente suntuoso, é uma alegoria à República, também grandiloquente, mas sem a expressividade do consagrado à Revolução Pernambucana. A casa Formenti ainda foi responsável pela peça que adorna a sede da Associação Comercial de Pernambuco, e que deverá ser submetida a uma restauração em 2012. Na obra, que reúne cerca de 20 vitrais, em exposição no hall do Salão Nobre e no do 2º andar, podem ser admirados símbolos da indústria e do comércio, motivos florais e adornos no estilo art nouveau.

VirtUoSiSMo De MoSer

É possível que, depois de observar os variados estilos e autores vitralistas encontrados no Recife, o apreciador chegue à conclusão de que dificilmente terá visto peças de maior perfeição e delicadeza que aquelas executadas pelo alemão Heinrich Moser. Entre os vitralistas clássicos, herdeiros da tradição medieval, ele foi o mais perfeccionista, e suas obras são descritas pelos estudiosos como incomparáveis.

Página anterior 1 HeinricH MoSer Artista alemão foi o responsável pelos vitrais da Matriz de N. S. das Graças Nestas páginas 2 os anfitriões O vitral, também assinado por Moser, está no hall do Clube Internacional do Recife

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eMBLeMáticA A alegoria da Revolução Pernambucana foi produzida pela oficina italiana Formenti

“Heinrich Moser participou da fundação da Escola de Belas Artes, em 1932. Começou a fabricar vitrais para residências, geralmente para caixas de escadas. Realizou sua maior obra com o arquiteto Giacomo Palumbo, também para uma caixa de escadas, esta monumental, do Palácio da Justiça de Pernambuco. Usou vidros coloridos de fabricação industrial, nos quais pintava com a tecnologia que pôde empregar em Pernambuco”, explica o arquiteto José Luiz Mota Menezes, no prefácio ao livro Restauração dos vitrais da Chesf, de Jobson Figueiredo. A pesquisadora Angela Távora Weber, no livro Moser, um artista alemão no Nordeste, descreve o trabalho realizado

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no Palácio da Justiça como integrante da série de vitrais profanos do artista alemão. Ele representa a cena de abertura do primeiro Parlamento Democrático da América, comandada pelo conde Maurício de Nassau. “Este mural é reconhecido nacional e internacionalmente como um raro exemplo de harmonia de conjunto, cor, luz, sombra, traço e fidelidade histórica. Trabalhava principalmente com vidros coloridos, cujos matizes chegavam aproximadamente a 200 tonalidades”, escreve. Muitos autores

o consideram o mais importante do acervo pernambucano. No Clube Internacional do Recife, outro trabalho excepcional de sua autoria pode ser apreciado. Na escadaria principal, no hall, o vitral Os anfitriões (1939) é prova da perícia e supremacia do artista. Entre as obras religiosas, são de Moser os painéis que adornam as paredes da Matriz de N.S. das Graças, que narram a vida de Nossa Senhora. Admirador do alemão, Fernando Guerra o classifica como “o grande mestre”. “Nele, nota-se a utilização

das cores fortes e quentes do Nordeste, além de um desenho aprimorado em relação ao estilo clássico – na representação das suas figuras humanas, as rendas de tecido e o panejamento das vestes. O carmim do artista alemão é inigualável”, diz. A supremacia do alemão também é defendida por Suely Cisneiros, que ressalta algumas particularidades de sua obra. “O efeito dos veludos e das rendas e a perfeição das mãos. Essas são suas marcas registradas”, diz a professora. Além de excelente

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criStão O vitral europeu, de autoria desconhecida, foi remontado no castelo do Instituto Ricardo Brennand

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noBre Símbolos de casas reais também podem ser vistos nas peças pertencentes ao Instituto

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artista, Moser também ajudou a difundir os vitrais na cidade. Antes da sua chegada, esses elementos eram privilégio da elite, que podia importar as peças de outros países ou capitais. “A vinda dele permitiu que mais pessoas pudessem encomendar um vitral”, aponta Suely.

AUrorA e BrennAnD

Aluna de Moser, Aurora de Lima conheceu o mestre durante aulas de Composição Decorativa, na Escola de Belas Artes, e difundiu a arte

dos vitrais até meados da década de 1970, quando ministrava uma disciplina sobre o tema na mesma instituição em que estudou. “Fiquei trabalhando com Moser nos vitrais, nos tempos de seu pleno vigor artístico, nos tempos da doença, após sua morte, e, quando o ateliê foi desfeito, eu o refiz, continuando o trabalho que ele executou e que deixou no Brasil, em Pernambuco, especialmente no Recife. Nos seus vitrais, estão transportadas as cores quentes e vibrantes do nosso colorido nordestino, que ele, como europeu, soube interpretar com tanta arte e vigor”, declarou Aurora de Lima, em entrevista publicada no livro Moser, um artista alemão no Nordeste. Hoje aposentada, Aurora também tornou-se referência de maestria. “Discípula única de Moser, trazia em suas obras aquela mensagem clássica do seu professor. Empregava as cores naturais em seus lindos florais, a exemplo dos vitrais do Cinema São Luiz, no Recife, e da Biblioteca Central da UFPE, na qual realizou um grandioso trabalho de composição

mista, entre figuras geométricas e florais”, situa Fernando Guerra. “No Arquipélago de Fernando de Noronha, produziu um vitral para o Palácio de São Miguel, sede da administração da ilha, sob o título A imagem do arcanjo São Miguel, em 1947.” Assim como Moser, Aurora tem dezenas de obras espalhadas por igrejas e residências particulares recifenses. Na sede da Companhia Hidroelétrica do São Francisco, no Bongi, o visitante é surpreendido pela existência de dois vitrais. O maior deles, que ocupa todo o vão da escada principal da entidade, tem 10 metros de altura por sete metros de largura, é assinado por Francisco Brennand. Com motivos florais e frutais, esse vitral possui um colorido quente. Restaurado em 2009, por Jobson Figueiredo, teve toda sua estrutura de ferro substituída por aço inox. Apenas seu desenho é de autoria de Brennand, sua concepção foi encomendada à Arte Sul, na década de 1970. Na sala contígua ao hall, encontra-se um painel com uma cena de feira, desenhado por José

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S達o LUiz Aurora de Lima ornou com florais as paredes do tradicional cinema cLArABoiA Conrado Sorgenicht fez um detalhado painel para o Museu do Estado

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É de Suely e equipe o vitral que emoldura a porta da Biblioteca do Instituto, uma réplica em miniatura do castelo, com as iniciais da instituição. No castelo do IRB, a variedade de vitrais dos séculos 17 e 18 demonstra bem a expansão que o gênero teve na Europa. No Renascimento, os vitrais foram utilizados em diversos tipos de construção: em capelas privadas e espaços públicos, em residências da nobreza e em palácios. A professora e pesquisadora da Universidade de Caxias do Sul, Vera Zattera, explica a motivação para essa propagação do elemento decorativo: “Os vitrais eram financiados por doadores, associações ou grupos de cidadãos. O misticismo inicial estimulado pelo uso de personagens da Bíblia, santos e anjos, foi assimilado por reis, duques e cavalheiros, que passaram a exigir a realização de vitrais contando a vida dos santos, mas com seus rostos”. Os nobres, ressalta Vera, acreditavam que, identificando-se com os santos, poderiam ter um lugar reservado no céu. “Era uma espécie de troca: eles pagavam os vitrais e – supunham – tinham

no castelo do irB, a variedade de vitrais dos séculos 17 e 18 demonstra a expansão que o gênero teve na europa

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Ferreira na mesma década. Ele também foi restaurado por Jobson e entregue ao público em 2010.

eScoceSeS, inGLeSeS

Além das peças confeccionadas no século 20, o Recife guarda um acervo centenário, produzido por velhos mestres ingleses e escoceses, que foi trazido à cidade pelo Instituto Ricardo Brennand (IRB). Nos prédios em estilo medieval do instituto que leva o nome do empresário, erguidos no bairro da Várzea, é possível observar exemplares de vários períodos e épocas, construídos pelos artesãos que serviam aos nobres da Escócia e da Inglaterra, e que aparecem em forma de brasões e heráldicas.

As peças mais importantes e raras estão na entrada do 3º andar, são anônimas e trazem datas como 1621 e 1644. As vestes desenhadas numa delas denotam procedência escocesa. Outra, a de uma casa real inglesa. No salão do mesmo andar, preciosidades: vitrais decorativos ingleses, com símbolos que evidenciam pertencer aos brasões da nobreza, representando uma coroa e o sagrado coração. Nessa mesma sala, sete vitrais de grande porte retratam a ressurreição e ascensão de Jesus. Eles foram confeccionados na Inglaterra, no início do século 20, segundo informa a especialista em História da Arte Ruth Gouveia Gabino, que trabalha na Coordenação de Educação do Instituto.

direito a um lugar melhor no paraíso.” Ser vitralista da nobreza significava, nesse contexto, ter privilégios. “O francês Carlos VI (1368-1380) escolhia pessoalmente seus artistas, que eram agraciados com benefícios e total isenção de impostos”, completa Suely. No Instituto Ricardo Brennand, também há vitrais com os brasões da família do empresário, desenhados e produzidos por Suely Cisneiros, Fernando Ferreira e equipe. Foram eles, inclusive, que executaram a recuperação dos vitrais produzidos por Marianne Peretti para a Catedral de Brasília. “No próximo ano, vamos restaurar os vitrais de Moser que se encontram no Palácio da Justiça”, antecipa Suely.

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con ESPEciAL ti nEn tE REPRODUÇÃO

TÉCNICA Um belo ornamento em vias de extinção

Desde a década de 1980, sem locais de ensino regular e com poucos interessados em produzi-lo, o elemento vitral pode cair em novo ostracismo

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na atualidade, excetuando-se

a produção de Marianne Peretti, a confecção de vitrais é praticamente inexistente no Brasil. “É uma arte em extinção, com poucos artistas interessados em apreendê-la e com poucos em condição de repassá-la. Desde a década de 1980, não temos uma escola oficial, no Recife, que ensine essa técnica. Fui a última professora a ministrá-la na Escola de Belas Artes, onde substituí Aurora de Lima”, critica Suely Cisneiros, professora do departamento de

Teoria da Arte da Universidade Federal de Pernambuco. Existem explicações para o gradual desinteresse dos artistas em relação aos vitrais. Uma delas é próprio surgimento do Modernismo, na primeira metade do século 20, que se contrapôs fortemente ao figurativismo, à inspiração neogótica, à art nouveau, e, principalmente, ao ecletismo – defendido pela Escola Nacional de Belas Artes. Estilos aos quais estavam associados os principais vitralistas do período. Para os modernistas, artistas plásticos e arquitetos, pelo menos os da primeira fase do movimento, o vitral era associado a gêneros ultrapassados, a uma estética que não tinha espaço nos seus projetos. Antes dos movimentos de vanguarda, porém, no século 18, esse elemento arquitetônico, diretamente associado ao misticismo cristão, havia sido “resgatado” pelos neogóticos ingleses, que procuravam reavivar as formas da arquitetura medieval. Foi com esse impulso que o vitral ressurgiu nas construções na Europa e nos Estados Unidos, com seu uso estendido ao longo do século 19, dentro do movimento romântico. O crescente interesse pelo medievo – que também teve repercussões na literatura, como se observa em Notre Dame de Paris, de Victor Hugo – estimulou a construção de catedrais com características arquitetônicas do período, o que fez com que artistas e artesãos começassem também a produzir mobiliário, elementos decorativos e construtivos referentes à Idade Média, entre os quais os vitrais. Arquitetos como Eugène Violletle-Duc (que desenhou plantas de aspecto medieval com recursos, à época, modernos, como o ferro) são referências do período. Outro artista que sofreu influências do estilo foi Antoni Gaudí. O neogótico pode ser visto tanto nas formas quanto nos vitrais presentes em sua obra mais emblemática, a igreja Sagrada Família, em Barcelona, ainda hoje em construção. Todo o interesse pelo estilo fez com que surgissem, na Europa, oficinas e artistas dedicados exclusivamente ao vitralismo. E foram alguns desses, justamente,

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notre-DAMe Na catedral parisiense, um detalhe mostra a complexidade da arte vitral

que migraram para o Brasil e aqui desenvolveram criações coloridas e luminosas em igrejas e residências. Os vitralistas brasileiros seguiram, basicamente, a fórmula do medievo: narrativas religiosas ou históricas deram a tônica de seus trabalhos. Apenas Marianne Peretti, no segundo período do Modernismo, ousou, ao utilizar o abstracionismo e as formas orgânicas para adornar catedrais, espaços públicos e casas particulares. Ela, como costumam dizer especialistas, reinventou a arte de fazer vitrais. Não se pode precisar a data de surgimento do vitral. Mas ele está intrinsecamente ligado às igrejas e catedrais góticas, tanto no que diz respeito à iluminação desses templos – pois era uma solução para as estruturas altas e estreitas –, como se prestava à catequese dos fiéis, uma vez que os painéis, normalmente, reportavam episódios bíblicos. Um dos marcos da arquitetura gótica é a Basílica de Saint-Denis, erguida em Paris em 1140, sendo um dos últimos exemplares do estilo a Capela de Henrique VII, da Abadia de Westminster, construção do início do século 16. O ápice do estilo se deu entre os séculos 12 e 15, com o apuro e a delicadeza de catedrais como as de Augsburgo, na Alemanha; Saint-Denis e Angers, na França. A exemplaridade máxima, no que diz respeito à arte vitral, está na catedral francesa de Chartres, considerada o “museu dos vitrais”, com seus 2.600 metros quadrados de superfície, ricos em originalidade e perfeição. Notre-Dame de La Belle Verrière é outra obra-prima, assim como Saint-Chapelle e Notre-Dame, ambas em Paris. DAniELLE RoMAni

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con ESPEciAL ti nEn tE REPRODUÇÃO/WIKIMEDIA

MARIANNE PERETTI Linguagem moderna para a arte vitral

A artista francesa, radicada em Olinda, uma das maiores vitralistas do país, teve sua carreira alavancada pela colaboração com Oscar Niemeyer TexTO Danielle Romani

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A casa de linhas clássicas –

construída no meio de um terreno de farta vegetação, no sítio histórico de Olinda – em nada remete ao estilo moderno da artista plástica francesa, radicada no Brasil, Marianne Peretti, celebrizada pela criação de grandiosos vitrais, elementos de composição dos também grandiosos projetos do arquiteto Oscar Niemeyer para a capital federal, Brasília. Mas é somente a fachada da casa de Peretti que engana. Por dentro, a residência como que

“salta no tempo”, levando o visitante do clima de antiga viela olindense a um arrojado, amplo e claro projeto de Niemeyer. Os originais cômodos estreitos deram espaço a salas amplas, com várias peças de mobiliário assinadas pela própria Marianne, esculturas de ferro, arranjos florais de plantas nativas, colhidas no quintal, e muita luminosidade, obtida com claraboias e recortes nas paredes. “Quando cheguei a Olinda, há mais de 20 anos, era tudo escuro e triste neste casarão. Tive que investir numa reforma, mudar tudo, pois espaços apertados me deixam com claustrofobia. Não conseguiria viver e trabalhar numa casa onde me sentisse fechada”, diz Marianne, que, aos 84 anos, mantém uma atividade invejável e uma elegância impecável, sua marca registrada. Atualmente, trabalha na confecção de um painel de três metros, na forma de um DNA, para um museu de ciência. Tem viagens de trabalho agendadas para quase todos os meses. Ela conta que se tornou tão ágil, diante do grande número de encomendas, que chegou a desenhar um projeto de 100m² em poucas horas. Também já perdeu as contas de quantos vitrais (sem falar nas esculturas e nos murais) executou pelo Brasil e mundo afora, muitos deles no Recife, em residências e espaços públicos, a exemplo da Igreja Messiânica do Rosarinho, da Paróquia de N.S. de Fátima de Boa Viagem e do Palácio da Justiça, só para citar algumas das dezenas de obras que tem espalhadas em Pernambuco. “Não consigo parar, gosto muito de trabalhar. Via minha mãe receber as amigas para o chá das cinco, todos os dias. E percebia que a conversa versava sempre sobre os mesmos temas. Elas não faziam nada, a não ser remoer o passado. Devia ter uns 10 anos, quando prometi que minha vida seria diferente”, diz a artista plástica – filha de mãe francesa e pai pernambucano (João de Medeiros Peretti) – que nasceu em Paris, chegou ao Brasil em 1953 e adotou Olinda como casa, na década de 1960. Para Marianne, acostumada com os vitrais das igrejas góticas

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cAteDrAL De BrASíLiA O vitral de Marianne Peretti está totalmente integrado à obra de Oscar Niemeyer

francesas, trabalhar com o gênero, no início da carreira, nunca chegou a ser cogitado. “As escolas que ensinavam as técnicas remetiam ao estilo clássico, o que não me interessava. Então, nunca me dispus a frequentar os cursos. Inclusive, inicialmente, achava o vitral um gênero menor, não gostava. Portanto, nunca aprendi a fazê-lo, apenas a desenhá-lo e projetá-lo”, explica Marianne, que, apesar disso, criou vitrais para projetos da arquiteta Janete Costa, na década de 1960.

nieMeYer

Sua carreira como vitralista de fama internacional se deu por um golpe de sorte (ou senso de oportunidade). Na Itália, nos anos 1960, viu o prédio assinado por Oscar Niemeyer para a Editora Mondadori, ficou deslumbrada e decidiu procurá-lo. Colocou o portfólio debaixo do braço e foi bater à porta do arquiteto, em seu escritório no Rio de Janeiro. Tornaram-se amigos, o que lhe proporcionou os futuros trabalhos que a notabilizaram. Quando Niemeyer a convidou, na década de 1980, para projetar os vitrais da Catedral de Brasília, ela se assustou com a tarefa homérica. “Quando me lembro do que fiz, até eu fico sem acreditar”, brinca a artista plástica, que relata a verdadeira “odisseia” que foi preparar os murais da nave, que têm 2.240m². “Cada desenho tinha 30 metros de comprimento por 10 metros de largura. Para poder montar o vitral, vê-lo inteiro, tive que me instalar no Ginásio Nilson Nelson. Lá, subia nas arquibancadas e, usando um binóculo, podia ver a composição. Em alguns momentos, havia 800m² de papel pelo chão”, recorda Marianne Peretti, que considera suas obras maiores – em

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con ESPEciAL ti nEn tE RICARDO MOURA

LEO CALDAS

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consonância com a crítica – os vitrais que preparou para a Catedral, para a câmara mortuária do Memorial JK e para o Supremo Tribunal de Justiça, todos em Brasília. “Tive medo de fazer o trabalho da Catedral. Niemeyer havia me levado lá, na década de 1970. Na época, disse a ele: não é preciso colocar vitrais, basta limpar os vidros transparentes; o céu de Brasília é iluminado, belo e muda constantemente. Não existe algo mais perfeito do que isso.” Com a insistência do arquiteto, ela aceitou a empreitada. Hoje, reconhece que as tonalidades azuis, verdes, marrons e brancas dos seus vitrais, e a posterior pintura da igreja, também na cor branca, tornaram a

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obra incomparável. “Pintei a catedral internamente de branco, o que se mostrou acertado. Depois disso, Niemeyer mudou a cor exterior.”

reVALorizAÇão

Para a arquiteta Guilah Naslavsky, a parceria entre Marianne Peretti e Oscar Niemeyer é a comunhão perfeita entre a arquitetura e o uso de vitrais. No trabalho O vitral na síntese da arquitetura moderna, realizado em parceria com Sônia Marques, ela defende que o projeto realizado pela artista se incorpora tão perfeitamente à obra do arquiteto, que parecem ter sido feitos simultaneamente, e não anos depois, como aconteceu com a Catedral, inaugurada na

década de 1970, com os vitrais montados apenas no final dos anos 1980, e inaugurados em 1990. “Seja nos casos clássicos, seja em experiências isoladas da arquitetura moderna, o vitral sempre foi utilizado como peça secundária, como uma janela, um adereço, nunca como destaque, apenas como inserção. Marianne, nesse sentido, deu uma contribuição muito importante, porque na Catedral, o próprio vitral é a parede. O que acontece, de certa forma, nas outras parcerias realizadas entre ela e Niemeyer, em Brasília”, explica Guilah, ressaltando que essa sintonia não pode ser observada nas obras recifenses, às vezes, de estilos totalmente diversos do de Marianne.

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Um exemplo disso são os vitrais do Tribunal de Justiça, no Recife, em que as formas neoclássicas do prédio contrastam com o arrojado abstracionismo da artista. Guilah ressalta, também, que Marianne teve um importante papel no resgate dos vitrais, que foram relegados a um segundo plano pela primeira leva de modernistas. “Devido à associação do gênero com o ecletismo, a partir dos trabalhos figurativos dos mestres clássicos do início do século 20, não se vê, nos primeiros anos do modernismo brasileiro, a valorização dos vitrais. As construções traziam a releitura de painéis, de azulejos, mas os vitrais só voltaram a ser

“a parceria entre Marianne e niemeyer é a comunhão perfeita entre arquitetura e o uso de vitrais”, diz Guilah naslavsky preparados no pós-guerra, na segunda leva modernista. Os projetos assinados pelo escritório de Janete Costa tiveram uma importância fundamental nessa revalorização. Marianne começou a trabalhar com vitrais nesse momento, como foi dito. Mas sua consagração no gênero deu-se com a intervenção

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artista Marianne Peretti, em sua casa, em Olinda, que também lhe serve de ateliê

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altar Obra da artista orna a Paróquia de N.S. de Fátima, em Boa Viagem

na catedral brasiliense e demais monumentos da cidade, também citados. “Só aí os vitrais, com formas abstratas, voltariam a ser valorizados”, pontua Guilah. Ao ser entrevistada, Marianne Peretti disse desconhecer o estudo da arquiteta em parceria com Sônia Marques. Mas concorda que os vitrais da Catedral são uma obra ímpar, assim como Brasília, que considera a obra máxima da arquitetura mundial. “Aos 50 anos, a cidade continua surpreendente, continua uma novidade. A parceria entre Lucio Costa e Niemeyer é única. E quando lembro que a cidade foi construída em pouco mais de quatro anos, penso que é um milagre.” DANIELLE RoMANI

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