Continente #26

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58 CAPA Luciano Trigo (De Havana)

Salma Hayek disputou o papel com Jennifer Lopez e Madonna, que coleciona quadros de Frida

Frida, o filme

A diretora americana Julie Taymor defende o filme que fez sobre a vida e a obra da genial e controvertida artista mexicana

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Fotos: Divulgação

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Transgressora, além de ajudar Diego Rivera a pintar seus murais revolucionários – e posar para ele – Frida participou de manifestações organizadas pelo Partido Comunista e lutou pelos direitos dos índios e dos operários

Recém-lançado nos Estados Unidos, Frida, de Julie Taymor, prova que a biografia cinematográfica é um gênero cheio de armadilhas. A pretensão de abranger uma vida inteira em duas horas de projeção costuma “achatar” as ambigüidades, as nuances psicológicas e a personalidade do protagonista. O risco é ainda maior quando a personagem em questão é uma artista plástica que virou um mito, como a mexicana Frida Kahlo, que já teve a sua trajetória existencial e sua obra esmiuçadas por diversos ângulos – inclusive em outro filme, o já clássico Frida, natureza viva, do cineasta mexicano Paul Leduc. É difícil responder se a cineasta americana – mais famosa por dirigir musicais na Broadway, como O Rei Leão, marcado por uma orgia visual, que pelos filmes que fez, incluindo Titus Andronicus, uma versão sangrenta e performática de Shakespeare, estrelada por Anthony Hopkins e Jessica Lange – foi bem-sucedida em seu ambicioso retrato da pintora mexicana. Frida foi exibido no último Festival de Cinema de Havana, em dezembro, com a presença da diretora, aplaudida de pé.

Julie Taymor é bonita e não aparenta ter idade suficiente para fazer cinema há 30 anos, como diz. A primeira pergunta que lhe faço é se ela assistiu ao filme de Leduc. Ela desconversa, diz que conhece Natureza viva, mas que são duas visões muito diferentes. (Por sua vez, aliás, o diretor mexicano, também presente no Festival, não quis sequer assistir ao trabalho de Julie). “Não conheço Paul Leduc” – ela afirma. – “Vi seu filme há muito tempo, e a minha interpretação é diferente, o enfoque das personagens é outro. Cada diretor tem sua maneira de contar uma história. Não existe uma só verdade sobre Frida, ela é uma mulher múltipla. Nunca pretendi fazer um documentário, nem filmar uma biografia, mas sim contar a história romântica e muito pessoal de uma artista. Meu filme é a história de como o amor resiste e de como se agüentam os golpes que a vida dá. É sobre lealdade e infidelidade, sobre uma mulher que ama um homem com altos e baixos”. É inegável que, até pela sua experiência na Broadway, Julie Taymor desenvolveu um agudo senso de espetácu-

lo. Isto não a impediu de enfrentar diversos obstáculos em seu ambicioso projeto, e o principal deles é o preconceito anti-americano. Apesar da calorosa recepção da platéia, que lotou os quase dois mil lugares do Cine Chaplin, em Havana, nos bastidores do festival o comentário geral era que ela havia feito uma versão “americanizada” da história de Frida – que, como se sabe, teve uma vida de folhetim, pautada por desgraças, paixões e uma obra revolucionária. “Eu pinto a minha realidade”, dizia Frida. E sua realidade foi bastante dolorosa a partir dos 18 anos, quando quase foi morta num acidente de bonde que deixou seqüelas horríveis em seu corpo e problemas de saúde exasperantes. Manca e estéril, obrigada a passar longos períodos de sua vida na cama, entre coletes ortopédicos, agulhas e bisturis, com um proverbial bigode bastante atenuado na caracterização da atriz Salma Hayek (que disputou o papel com Jennifer Lopez e Madonna, que coleciona quadros de Frida), bissexual, promíscua, comunista, companheira de Diego Rivera, amante de Trotski (Geoffrey Rush), Josephine Baker e Tina Mo-

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Sua relação com Rivera é uma das maiores histórias de amor do século 20

dotti, o personagem é um prato cheio para uma saga bem ao gosto do público americano. De fato, Frida, o filme, se concentra mais na superfície da trajetória da artista – o sexo e a política, as bebidas e as brigas, a fama e a ruína – que na dimensão interior da personagem e no seu processo criativo. Talvez por ser americana e ter-se apropriado de uma realidade alheia – e cara aos mexicanos, para quem Frida Kahlo se converteu num verdadeiro mito – Julie tenha enfeitado demais a história. Ela se defende lembrando que foi em Nova York que Diego Rivera e Frida Kahlo alcançaram projeção internacional como artistas. “Meu filme fala sobre conflitos comuns a todos os países e todas as culturas, como os que envolvem a lealdade e a fidelidade. Quem não entende o que é ser traído pela pessoa que ama? Além disso, eu morei quatro anos na Ásia, não sou uma americana típica. Hoje, vivo em Nova York, não em Hollywood. E mais da metade da equipe técnica do meu filme é composta por mexicanos. Frida não é um filme americano” – assegura. É verdade. Só roteiristas foram oito, que trabalharam sobre uma biogra-

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fia escrita por Hayden Herrera. Além disso, o filme, que teve um orçamento baixo, de 14 milhões de dólares, foi rodado quase totalmente na Cidade do México, incluindo cenas nos quartos da casa do casal Diego e Frida. E a direção de arte é considerada excepcional mesmo pelos críticos mais severos. As seqüências em que Frida “sai” de suas próprias pinturas são impressionantes, sugerindo a simbiose entre vida e arte que a diretora almejava. Mas a relação de Frida e Diego – um amálgama de fervor político, respeito profissional e apetite sexual – é retratada de forma um pouco fria. Tirando algumas simplificações novelescas e excessos cosméticos, Frida é bem-sucedido ao representar o ambiente efervescente da sociedade mexicana das décadas de 20, 30 e 40. Julie Taymor também exibe talento na criação de uma atmosfera que evoca o realismo mágico e o surrealismo, com imagens dignas de Gabriel García Márquez – que também estava presente no Festival de Havana, comparecendo a todas as cerimônias e festas e sempre muito simpático, mas se recusando a dar entrevistas. A relação tempestuosa de Frida e Diego é o eixo narrativo de Frida. O filme cresce quando Julie Taymor dilui a

barreira entre a fantasia e a realidade, fazendo a narrativa se soltar em explosões de cor, imaginação e música, que evocam o espírito corajoso, anárquico e iconoclasta da artista. As seqüências oníricas são muito bem feitas, e, para muitos espectadores, o tórrido tango dançado por Salma Hayek e Ashley Judd (no papel da fotógrafa Tina Modotti) já será motivo suficiente para ir ao cinema. Outros coadjuvantes de luxo são Antonio Banderas (como o pintor e muralista David Siqueiros) e Edward Norton, namorado de Salma (como o milionário e patrono das artes Nelson Rockefeller). Apesar de “adotada” por André Breton, Frida rejeitava o rótulo de surrealista – já que nunca pintou sonhos, mas a sua própria realidade, segundo afirmava. Ela própria uma pintora amadora, Julie Taymor se sente à vontade para falar sobre sua retratada, quando pergunto sobre a origem do projeto: “Durante oito anos Salma Hayek correu atrás desse sonho. Quando li o roteiro, fiquei comovida pelo seu alto teor dramático, e não apenas pelos aspectos biográficos. Chorei por dentro. A arte de Frida surgia de sua própria existência. Sua relação com Rivera é uma das maiores histórias de amor do século 20. Ela era uma apaixonada pela vida. Meu filme retrata antes de tudo uma história de amor pela vida”. Frida Kahlo (1907-1954) começou a pintar aos 15 anos, após sofrer o acidente que a deixou de cama durante meses. Com fraturas múltiplas na coluna e na bacia (atravessada por um pedaço de ferro), ela passou o resto da vida sentindo dores terríveis, que diversas cirurgias não conseguiram aliviar. Impossibilitada de ter filhos, Frida viveu um calvário que só terminou com a sua morte, aos 47 anos, depois de ter sido operada 32 vezes. Foi neste contexto dramático, agravado pela relação ruim com a mãe e pelo envolvimento turbulento com Diego Rivera, o muralista da Revolução Mexicana (com quem se casou duas ve-


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zes, em 1929 e 1940) que Frida aprimorou a sua sensibilidade artística. Pintou centenas de auto-retratos perturbadores, que realçam as suas sobrancelhas unidas e espessas, o seu bigode, o seu olhar triste e os seus trajes e adornos tipicamente mexicanos, que usava para se identificar com o povo. Frida também expressou a frustração de não poder ser mãe em quadros que retratam os diversos abortos por que passou. “Como também sou pintora, eu me sinto mais próxima de Frida Kahlo que muitos mexicanos, porque temos uma sensibilidade parecida”, afirma Julie. “Muita gente no México acha seus quadros horríveis”. Transgressora, além de ajudar Diego Rivera a pintar seus murais revolucionários – e posar para ele – Frida participou de manifestações organizadas pelo Partido Comunista e lutou pelos direitos dos índios e dos operários. Em casa vivia rodeada de animais, especialmente macacos e pavões. Consta que foi traída dezenas de vezes pelo marido, que, 21 anos mais velho e num estado de permanente embriaguez pelo álcool e pelo sucesso, era presa fácil para suas jovens admiradoras. Frida escreveu um dia, como aparece no filme: “Sofri dois grandes acidentes na minha vida, um foi o bonde, o outro foi Diego”.

Antonio Banderas é o pintor David Siqueiros

Avessos às convenções sociais, Diego e Frida promoviam festas nas quais, agarrada a um copo de tequila, ela divertia os convidados cantando canções populares e contando anedotas picantes madrugada adentro. Ela sentia prazer em chocar as pessoas com atitudes e roupas masculinas. Antecipando a relação contingente de Sartre e Simone de Beauvoir, Frida também se entregou a relações efêmeras, com homens e mulheres, incluindo o revolucionário Lev Trotski e a pintora Georgia O’Keefe. Indagada sobre um eventual excesso de humor em seu filme como uma concessão aos espectadores, Julie responde: “O humor não é uma concessão. Frida tinha uma visão cômica da vida, e era uma grande provocadora, como Diego Rivera. Artistas costumam ser indivíduos torturados e angustiados. Frida era assim, mas também tinha um lado engraçado. Como Nietzsche, ela achava a alegria mais poderosa que a tristeza. Ela queria desfrutar a vida ao máximo, apesar dos sofrimentos penosos que atravessou. Não quis retratar Frida como uma mártir”. Um dos pontos fracos do filme é o registro dos debates dos comunistas mexicanos, esquemático e pueril, com simplificações grosseiras: é um dos momentos em que, definitivamente, Julie

Taymor não consegue esconder que é americana. Após a exibição no último Festival de Veneza, o jornal italiano de centro-esquerda La Repubblica acusou Frida, com razão, de ser um panfleto que ridiculariza as aspirações comunistas no mundo dos anos 40, além de retratar Lev Trotski de forma caricata. Hoje a pintura de Frida é idolatrada no mundo inteiro, e sua cotação cresce cada vez mais no mercado de arte internacional. Um dos seus auto-retratos foi vendido recentemente por US$ 1,5 milhão, o preço mais alto já alcançado por uma obra latino-americana, num leilão da Sotheby’s. Na música e nos figurinos, Julie demonstra competência, evitando os clichês sobre o México que se reproduzem à exaustão nos Estados Unidos. Já o elenco não é tão feliz. Salma Hayek, que tem 36 anos, não compromete interpretando Frida da adolescência até sua morte, aos 47 anos. Mas é um rosto conhecido demais – e bonito demais – para que seja possível desassociá-lo de outros papéis. Nascida no México, como Frida, Salma conquistou o mercado americano com filmes que exploravam sua beleza e sensualidade. A personagem é maior que a atriz, de recursos interpretativos limitados. Já Alfred Molina deixa a desejar como Diego Rivera,

Bissexual, Frida foi amante da cantora Josephine Baker Continente . dezembro, 02


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pois não imprime qualquer densidade psicológica à personagem, que funciona quase como uma “escada” para a interpretação de Salma. Quando foi exibido em sessões especiais no México, o filme de Julie Taymor não agradou, aliás, aos discípulos de Frida Kahlo. Frida foi acusado de cair em falsidades e imprecisões, incluindo o caso de Diego com Cristina Kahlo, irmã da pintora. Outro aspecto incorreto do filme, segundo apontaram, é a idéia de que o casal vivia uma orgia perpétua, já que Diego e Frida se dedicavam com muita seriedade às suas obras e às suas convicções políticas. A escritora mexicana Guadalupe Loaeza foi mais explícita: insatisfeita com a interpretação de Salma, ela acha que a atriz não conseguiu transmitir para a tela a paixão da pintora. Por fim, criticaram também o fato de o filme ser falado em inglês (com todos os atores se esforçando para falar com um estranho sotaque), já que Frida desprezava os americanos.

A diretora Julie Taymor (ao centro) diz que não quis fazer uma biografia, mas sim contar a história romântica e muito pessoal de uma artista

Como a personagem que retrata, Frida é, nas intenções, um filme honesto em seu compromisso artístico. A inserção da arte de Frida Kahlo e Diego Rivera na narrativa é feita de forma a um tempo simples e criativa. Trata-se, em suma, de uma bela produção, um agradável afresco de época, de colorido próprio, com recursos fotográficos e visuais sofisticados usados de forma eficiente e funcional – como na seqüência da viagem do casal aos Estados Unidos, que combina texturas e colagens em pretoe-branco e cor, ou a seqüência de animação do delírio da jovem Frida no hospital (que lembra o estilo de Tim Burton), ou ainda as diversas inserções dos impressionantes auto-retratos de Frida na narrativa. O acidente de ônibus, no começo do filme, é seguido de uma assustadora seqüência animada, cuja iconografia de esqueletos e pedaços de corpos quebrados é inspirada nas pinturas de Kahlo e no folclore mexicano que a fascinava.

Quanto mais longe fica do naturalismo sóbrio, melhor o filme fica. Mas o resultado final é bastante convencional, com tudo muito “explicadinho”. Frida é um filme suave demais para uma artista atormentada, que viveu tantos dramas e obsessões – reflexo talvez da busca da produtora Miramax por um difícil equilíbrio entre o cinema independente e Hollywood. Julie Taymor deveria ter ido mais fundo na exploração de alguns aspectos apenas esboçados, como a transformação da dor em arte, a pintura como catarse. Se Frida se preocupasse menos em enumerar cronologicamente os episódios da vida da artista, e mais em capturar as sensações que alimentavam sua arte, seguramente seria um filme bem melhor. Mas Julie Taymor gosta de desafios. Seu próximo projeto é filmar a novela Cabeças Trocadas, de Thomas Mann.


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Cara aos mexicanos, Frida Kahlo se converteu num verdadeiro mito. Manca e estéril, foi obrigada a passar longos períodos de sua vida na cama, entre coletes ortopédicos, agulhas e bisturis


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Cores e dores da vida Apesar da existência dramática e marcada pela dor a mexicana Frida Khalo fez uma pintura exuberante

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No alto, ela se retrata tendo Stalin ao fundo No centro, o ateliê da artista Nos demais quadros, uma fixação: o auto-retrato

A festa da morte que ocorre no México todo dia 2 de novembro é menos fruto de uma morbidez que sempre atrai o senso comum e mais de uma ancestral aposta na sobrevivência do homem. Do mesmo modo deve ser entendida a vida cheia de tantas dores da pintora Frida Kahlo (1907-1954). Com o sentido de transcendência. Pode-se dizer que a sua tragédia começou muito antes de ela haver nascido: a avô uma vez lhe mostrou as cartas de um antigo namorado que se suicidara ao seu lado. “Esse homem vivia sempre em sua memória”, recordou-se do que ouvira quando tinha só 11 anos de idade. Aos 18, viveu ela própria com um namorado um acidente que, se não a matou (disseram os médicos que por milagre), lhe tirou a possibilidade de engendrar outras vidas. Porque voltou para pegar uma sombrinha esquecida terminou por entrar num ônibus que bateria num bonde. A barra de aço que se soltou desse entrou pelo lardo esquerdo da pélvis e saiu pela vagina. Cravou-se como uma “espada a um touro” (nas suas próprias palavras). Tudo isso piorou a situação de um corpo que, aos 6 anos de idade, aprendera a dura lição da poliomielite. Sabe-se que como conseqüência disso a sua perna direita era mais fina e curta que a esquerda. A prática de muitos esportes (incluindo boxe e futebol) ajudou-a a enfrentar e superar o problema. Mas não impediu as gozações dos colegas, nem a solidão e circunspeção que isso imporia a uma menina travessa como Frida. O seu namorado que, com ela viajava no banco de trás do ônibus, e não sofreu mais do que umas pequenas contusões, conta sobre minutos após o acidente: “Algo estranho ocorreu. Frida estava completamente nua. O choque desatou sua roupa. Alguém que ia no ônibus, provavelmente um pintor, levava um pacote de ouro em pó que se rasgou, cobrindo o corpo ensangüentado de Frida. Quando as pessoas a viram, gritaram: ‘A bailarina, a bailarina!’ Por causa do ouro sobre seu corpo vermelho e sangrento pensavam que era uma bailarina.” Era uma bailarina destroçada, com uma coluna vertebral que se deslocou em três lugares, clavícula e costelas fraturadas, além de 11 fraturas na perna direita, a pélvis quebrada em três lugares e o ombro esquerdo deslocado. Dizer que o acidente mudou sua vida e de que começou a pintar por acidente não é recorrer a um tolo chavão, e sim em ser rigorosamente exato. Se a condenou a ter sérias dificuldades para engraviContinente . janeiro, 03


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No alto, Frida se retratou com Diego Rivera. Ela começou a pintar na cama, quando estava convalescendo do acidente que quase a matou

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dar (os vários abortos comprovariam) também a fez dedicar-se à pintura. No início, apenas para passar o tempo ou distrair o sofrimento. O próprio hábito de auto-retratar-se (mais da metade da sua obra é composta disso) vem da convalescença quando a família arranjou um espelho para que ela se tivesse como modelo. “Pinto-me porque estou muitas vezes sozinha e porque sou o tema que conheço melhor”, ela dizia. A história de Frida hoje pode ser vista no museu que tem o seu nome no México, por iniciativa de Diego Rivera (1886-1957). Funciona na casa onde ela nasceu. A sua história começa às 8h30 da manhã do dia 6 de julho de 1907, em Coyoacán. Recebeu o nome de Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón. Era a mistura de um alemão judeu com a mãe mexicana – filha de espanhóis mestiços. As suas famosas sobrancelhas eram herança da avó paterna. Na lenda que soube bem construir ainda em vida, consta que ela mudou o ano do nascimento por nacionalismo: queria coincidi-lo com o início da revolução mexicana: 1910. Há outra inscrição no seu museu que também é fruto de uma doce idealização: lá teria vivido com Diego Rivera de 1929 a 1964. Sabe-se que os dois casaram-se e se divorciaram mais de uma vez, moraram quatro anos nos Estados Unidos, e tiveram vários amantes – no caso dele, incluiu a própria irmã da pintora, Cristina, e dela, gente famosa como Trotski, e até mulheres. A idealização parece bem adequada a uma vida que superou tragédias. A sua obra foi ao mesmo tempo uma sublimação e uma libertação. O reconhecimento começou nos Estados Unidos, com uma exposição em 1938. A mostra em Paris, no ano seguinte, embora tenha sido um fiasco do ponto de vista financeiro, iniciou o interesse por sua obra a ponto de algum tempo depois ser a primeira artista mexicana do século 20 a ter um quadro adquirido pelo Louvre. No México, só um ano antes de sua morte é que realizou a primeira individual, organizada pela fotógrafa Lola Alvarez Bravo. Deitada numa cama é que viu o vernissage. A sua saúde piorou muito nos meses seguintes, teve a perna direita amputada até o joelho, e passou a ser o que os populares chamam um molambo de gente. Pensava muito em suicídio. As dores se multiplicaram, e somente cessaram na noite de 12 para 13 de julho de 1954. Descansava em paz, literalmente, pois o alemão Frieda do seu nome quer dizer só isto: paz. (M.H.)


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Frida Khalo foi a primeira artista mexicana do sĂŠculo 20 a ter um quadro adquirido pelo museu do Louvre

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