ACAIACA Monumento moderno à beira-mar Com quase meio século de construção, edifício residencial, projetado por Delfim Amorim, introduziu na cidade preceitos construtivos de Le Corbusier TEXTO Danielle Romani FOTOS Breno Laprovitera
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os frequentadores
da praia de Boa Viagem, no Recife, certamente já agendaram um encontro próximo, em frente ou no próprio edifício Acaiaca, localizado à beira-mar. Ícone do modernismo local, o prédio que completa 50 anos de existência em 2010 é referência histórica, point da balada praiana, e imóvel especial de preservação, defendido por lei municipal. Um monumento da arquitetura pernambucana. “O Acaiaca não é só um edifício. É um marco referencial da cidade. Não tem apenas um valor arquitetônico, tem também valor urbanístico e sociocultural. É como o Marco Zero, no bairro do Recife, pois serve de referência e de ponto de encontro”, explica o arquiteto-urbanista Luiz Amorim, professor
da Universidade Federal de Pernambuco e PHD em Advanced Architetural Studies pela University College London. Construído para ser um prédio de veraneio, pois em 1956, quando começou a ser erguido, Boa Viagem era utilizada apenas como balneário; o projeto esboçado pelo arquiteto português Delfim Amorim pretendia oferecer conforto aos veranistas que podiam pagar pelo luxo. À época, muitas famílias aderiram à novidade. “Compramos o apartamento ainda na planta e recebemos o imóvel pronto em 1960. Morávamos na rua Fernandes Vieira, na Boa Vista, e passávamos os verões e finais de semana no Acaiaca”, recorda Leda Pessoa de Melo, que decidiu morar definitivamente no prédio há 18 anos, quando ficou viúva.
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HALL
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ÁReA De SeRViÇo
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À entrada social do edifício observamse os pilotis, projetados para permitir a circulação de pessoas e do ar em áreas livres Delfim Amorim considerou a localização do prédio para utilizar recursos como cobogós e elementos vazados Assunção mora em apartamento de dois quartos, repleto de obras de arte Elemento construtivo típico de Portugal, o azulejo foi usado na fachada para atenuar os efeitos do calor e da umidade
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“Sempre gostei daqui, adoro o Acaiaca. As janelas, com ampla vista para o mar, são o meu mundo”, diz a simpática senhora de 82 anos, que ocupa dois apartamentos, transformados em um, decorado com móveis antigos e peças coloniais. A paixão de Leda pelo prédio não se limita à bela vista e às boas recordações que o imóvel lhe traz. Detalhes arquitetônicos do projeto desenvolvido por Delfim Amorim, como os armários embutidos (no período, uma inovação); o peitoril ventilado, uma espécie de fenda na parede frontal do edifício, que permite a passagem de ar em dias chuvosos; e as largas janelas horizontais em todos os cômodos também tornam o Acaiaca exemplar único. “Em dias de chuva é possível ter ventilação sem que a água entre em casa. Esse é um dos pontos positivos do edifício”, diz o aposentado Virgílio Tavares, que desde 1966 é morador, e que hoje ocupa três apartamentos – transformados em um – no prédio. “Meus pais moraram aqui. Hoje moramos eu, minha irmã e minha filha, cada um no seu imóvel, só que
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em andares diferentes”, explica o senhor de 85 anos. Lúcia Helena, 53 anos, filha de Virgílio, foi uma privilegiada: teve a praia de Boa Viagem e as dependências externas do edifício como quintal para brincadeiras de infância e de adolescência. “Jogávamos vôlei, futebol, brincávamos, principalmente, na área externa do
prédio. Todo mundo solto, sem medo, e sem correr risco”, recorda a arquiteta, que adora o local, mas lamenta a atual falta de segurança no bairro.
noVoS MoRADoReS
O ambiente familiar e a relativa tranquilidade do prédio de número 3232 da avenida Boa Viagem também
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contam pontos a favor. “O Acaiaca é especial, ocupado por famílias que estão aqui há décadas e por pessoas de uma faixa etária mais velha. Todos se conhecem e se dão bem”, conta Assunção Bandeira de Melo, 72 anos. Encantada pelo prédio, Sunca, como é conhecida, ocupa atualmente um apartamento de dois quartos, repleto de almofadas, plantas, pinturas, onde o destaque é um piano no qual se exercita diariamente. “O lugar tem minha cara”, garante. O arquiteto Isnaldo Reis, 56 anos, é outro que só tem elogios ao local. “Além de ser um prédio à beiramar, tem um projeto arquitetônico fantástico: uma boa área de jardins e recreação, embora não tenha piscina; as garagens são amplas e, principalmente, as paredes são largas, impedindo que o barulho venha da avenida”, ressalta. Com quase meio século de vida, o Acaiaca atualmente tem nova configuração, com imóveis oscilando entre dois e sete dormitórios. Quando inaugurado, em 1960, tinha 52 apartamentos – de dois ou três quartos
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DecoRAÇão
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oRiGinAL
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LUMinoSiDADe
O proprietário Isnaldo Reis destaca o valor histórico do imóvel, sua vista e o silêncio – possível pela espessura das paredes O banheiro do apartamento de Isnaldo mantém as características do projeto, com azulejo azul, banheira e armários A proprietária desse apartamento reside no imóvel há 18 anos, quando se mudou de vez para lá, já que desde 1960 usava o local para veraneios
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– espalhados pelos seus 13 andares, que reformados somam hoje 33 unidades. As mudanças, entretanto, não comprometeram a qualidade do projeto original. Os imóveis continuam ventilados, luminosos e funcionais.
eScoLA Do ReciFe
Para os que desconhecem o projeto moderno, amplamente difundido no Recife pelo arquiteto Luiz Nunes, que atuou como diretor de Arquitetura e Urbanismo do governo estadual na década de 1930, um esclarecimento: o Acaiaca é um dos principais exemplares do movimento que alguns estudiosos convencionaram chamar de Escola do Recife, só que representante da sua segunda fase, na década de 1950, quando à capital pernambucana chegaram os jovens arquitetos Acácio Gil Borsoi e Delfim Amorim. Ambos traziam na bagagem as teorias difundidas por Charles-Edouard Jeanneret-Gris, francês de origem suíça, conhecido como Le Corbusier. Também traziam na formação os ideais
defendidos por dois brasileiros que já se projetavam no mundo afora: Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. “Na década de 1950, Borsoi executou prédios importantes, como o edifício União, próximo ao Parque 13 de Maio, e o Califórnia, também em Boa Viagem. Delfim Amorim se destacou com o Acaiaca, que, ao contrário do que muitos pensam, não foi o primeiro arranha-céu do bairro (título que cabe ao Pontual), mas foi criado numa perspectiva de transformação da praia de Boa Viagem”, explica o arquiteto Luiz Amorim, que, além de estudioso do conjunto arquitetônico modernista recifense, é filho do idealizador do edifício, o português Delfim Amorim. Para a construção do Acaiaca, que em tupi significa madeira de bom polimento e resistente a cupim, baseou-se em cinco preceitos de Le Corbusier. Os três primeiros eram a criação de pilotis, algo inédito à época, projetados para permitir a circulação de pessoas e do vento em uma área aberta; a construção do plano livre – teoria revolucionária que permitiu
a concepção e o arranjo das plantas, independentemente das estruturas de sustentação; e a fachada livre, igual conceito, só que aplicado à área externa. O quarto ponto dizia respeito às janelas horizontais, que, ao contrário das antigas verticais, permitiam maior entrada de luz e vento. O quinto versava sobre o teto jardim, área coletiva construída na cobertura do edifício e aberta a todo condomínio. Mas o Acaiaca não se limitou à aplicação desses princípios. “Delfim também lançou mão de soluções próprias para o local, no caso, a orla do Recife”, destaca o arquiteto, elencando o peitoril ventilado, que alguns atribuem ter sido criado por Delfim e ter sido aplicado arquitetonicamente, pela primeira vez, no Acaiaca; e o uso de azulejo nas superfícies do prédio, que atenuam os efeitos do calor e da umidade tropical. “Como português, ele manteve a tradição luso-brasileira de revestir os edifícios de azulejo, prática secular que foi adotada pelos modernistas, trazendo o material para a fachada do edifício”, destaca o arquiteto.
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pirapama Um edifício cheio de histórias
Situado na Avenida Conde da Boa Vista, prédio é importante referência arquitetônica para o Recife dos anos 1960, tendo sua trajetória marcada pelo apogeu e decadência do Centro texto Marcelo Robalinho Fotos Isabella Valle
A consultora em tecnologia da
informação Kalina de Moraes contempla a paisagem noturna do Recife e de Olinda do 9º andar do seu apartamento, enquanto a ambulante Maria da Glória Oliveira vende seus espetinhos na calçada da avenida ali embaixo. Apesar de distintas, essas duas cenas cotidianas são vividas por moradores do Edifício Pirapama. Situado na Avenida Conde da Boa Vista, esquina com as ruas do Hospício e Sete de Setembro, no centro do Recife, o prédio revela um importante passado arquitetônico da cidade, além de abrigar histórias que retratam o apogeu e a decadência do Bairro da Boa Vista e do próprio empreendimento, entre os anos 1960 e 2000. Projetado em 1956 pelos arquitetos Delfim Amorim e Lúcio Estelita, o Pirapama foi inaugurado no início da década de 1960, integrando um momento de expansão vivido pelo Recife, especificamente em direção ao Bairro da Boa Vista e arredores. Uma época em que a preferência pelas “casas de apartamento” – termo utilizado pelo escritor Gilberto Freyre – ainda era pouco comum, embora os antigos sobrados unifamiliares dos tempos coloniais já apresentassem uma mudança para unidades já separadas internamente nos anos 1930, quando as classes mais abastadas se transferiram para os subúrbios, deixando as áreas centrais da cidade. “Qual a grande diferença entre o Pirapama e outros edifícios construídos naquela época – como o Walfrido
Antunes, na Boa Vista, e o Califórnia e o Holliday, em Boa Viagem – e os sobrados antigos, afora a forma? É a escala, além de articularem numa única estrutura uma multiplicidade de pessoas. É como se a cidade invadisse o edifício, criando uma espécie de minicidade vertical”, diferencia Luiz Amorim, professor
Uma das características do prédio é o uso múltiplo, já que foi projetado para comportar comércio, serviço e moradia do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e filho de Delfim Amorim. “Para mim, o Pirapama é um bairro. Cerca de 80% da minha clientela é do prédio. Administro a minha lan house e aproveito para comprar material de limpeza para minha casa, almoçar e lanchar no comércio que faz parte do edifício”, diz Eduardo Magalhães, 34, dono da Open House, que funciona há cinco anos no térreo do edifício. Antes de abrir a empresa, ele trabalhava como funcionário de um bar no mesmo local. “Foi uma mudança radical na minha vida. Comprei o ponto por R$ 28 mil, com ajuda da família. Não tinha experiência no ramo, mas decidi tentar. Consegui recuperar o
dinheiro gasto em dois anos. Hoje, tiro mais de R$ 2 mil por mês”, revela. Embora não seja um bairro, muito menos uma minicidade, o Pirapama impressiona pelos números. Ao todo, possui 63 lojas de comércio e serviços, distribuídas pelo térreo, e duas sobrelojas, formando uma massa horizontal, e 156 apartamentos de diferentes tamanhos para composições familiares distintas (uma ideia arrojada para a época), divididos numa torre vertical de dois blocos com 13 andares cada. Enquanto o Bloco A conta com 26 apartamentos de maior porte, o Bloco B tem 130 unidades residenciais de tamanhos menores. Trata-se de um edifício de uso misto projetado para comportar um mix de comércio, serviço e moradia. Num dos apartamentos do Bloco B, vive a paraibana Ednete dos Santos, 33, que mora há 12 anos no Recife, dos quais oito no Pirapama. “Vim para cá quando namorava um rapaz que morava no 12º andar. Passei a gostar daqui porque é perto de tudo. Além disso, o condomínio é um dos mais baratos do centro da cidade. Pago R$ 70 pelo apartamento”, conta. Há um mês, Ednete foi contratada pela Academia Patrícia Almeida, situada na sobreloja 1 do Pirapama, ficando responsável por abrir o estabelecimento, às 6h da manhã, fazer a limpeza e trabalhar como atendente. Além disso, ela aproveita para malhar das 7h30 às 8h30 e tem um intervalo para o banho e o café da manhã; depois, retorna ao serviço. “É bom trabalhar no mesmo
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lugar em que moro. Economizo dinheiro com o transporte, pois só preciso pegar o elevador”, diz. Proprietária da academia onde Ednete trabalha, a microempresária Selma Almeida, 45, também mora no Pirapama desde 1986, primeiro como inquilina do Bloco B e, mais recentemente, como proprietária de uma unidade no 7º andar do Bloco A, adquirida por R$ 75 mil, em 2007. “Moro num apartamento muito bom. Da sala, é possível ver o mar de Boa Viagem e, da área de serviço, Olinda”, diz, orgulhosa. Um aposento que chama a atenção no seu apartamento é o banheiro espaçoso, que dispõe de banheira e um janelão de vidro. “Como há outro edifício na frente do nosso, não tenho como deixar a janela do banheiro
aberta, senão perco toda a minha privacidade”, comenta Selma.
enDeReÇo ReQUiSitADo
Segundo o vice-presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, José Luiz Mota Menezes, o Edifício Pirapama foi uma concepção diferente de moradia para sua época. “O perfil mais humano do trabalho de Delfim Amorim fez com que ele transpusesse uma visão ecológica decorrente do telurismo da arquitetura de Portugal, país onde nasceu e viveu parte de sua vida, revelando a presença do homem lusitano vinculado à terra e às coisas produzidas pelo espaço, inclusive das aldeias e dos lugares portugueses”, afirma.
Nos anos seguintes à inauguração, o Pirapama tornou-se um endereço comercial conhecido e requisitado, devido aos pontos que abrigava. Era a época dos escritórios de renome e das butiques e lojas alinhadas, como a Vandôme, a Motinha Calçados, a importadora Ipanema Presentes, a Tabajara S.A. Crédito Imobiliário, o Banco Mercantil do Brasil, a Sevagtur, a Ótica Imperatriz e a Music Center. O próprio Delfim Amorim teve um escritório lá, da década de 1960 até o ano de sua morte, em 1972, além do filho Luiz Amorim, entre 1982 e 1983. “Lembro que, quando vinha ao Recife, nos anos 1960, achava o Pirapama um luxo. Era uma coisa de primeira, decente. Hoje, é uma
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1 PAViMento Os moradores jogam lixo no espaço acima do térreo e da sobreloja, projetado para funcionar como área de lazer
avacalhação. Aqui, muitos moradores não têm modos e jogam lixo pela janela, num verdadeiro desrespeito ao prédio”, reclama o aposentado Geraldo Oliveira, 68, enquanto um saco plástico é jogado de uma das unidades de cima do seu apartamento, como que para corroborar sua queixa. Residente desde 2000 no Pirapama, ele conta que adquiriu o seu imóvel por R$ 10 mil, sendo sua primeira moradia própria. “Foi uma luta de 40 anos de serviço para conseguir uma morada, que obtive graças a ex-clientes da época em que eu tinha uma barraca de coco na Avenida Dantas Barreto. Eles me indicaram o imóvel aqui no Pirapama. Todos os meus irmãos já tinham casa, menos
eu. Achei bom poder comprar. Porém, se fosse para entrar hoje no Pirapama, eu não viria mais. Aqui, é fácil de adquirir, mas difícil de vender. Meu sonho é sair daqui”, relata Geraldo, que mora sozinho no apartamento 709 do Bloco B, composto de quarto, sala e banheiro. Diferentemente de Geraldo, a consultora em tecnologia da informação Kalina de Moraes, 44, sonha em poder comprar uma unidade no edifício e permanecer. Ela tornou-se inquilina em 2000. “Foi um período difícil para mim. Saí de um casamento sem nada, por opção. Buscava uma mudança de vida. Quando entrei no apartamento, mesmo com vários problemas estruturais visíveis no imóvel, sabia que era a minha casa. Só ajeitei as janelas, que estavam ruins. Peguei um colchão emprestado. Comprei apenas o essencial, no início. Fui me acomodando aos poucos, com sofá, TV e outros móveis e utensílios”, recorda. Identificando-se com o espaço, Kaline diz gostar do clima decadente do centro e da proximidade com o seu trabalho. “Gosto muito da noite, de poder voltar para casa a pé do trabalho e ir ao Carnaval no Recife Antigo para encontrar os amigos. O cantinho da minha casa preferido é a área de serviço, onde gostava de me apoiar na janela para contemplar a Lua. Porém, não faço mais isso porque as pessoas jogam restos de comida que entram pelas janelas dos cômodos.” Como se não bastasse a limitação de ter que deixar as janelas do apartamento fechadas, a moradora conta que ele já foi arrombado duas vezes, entre 2005 e 2006. Casos como os de Kaline não são isolados. Outros moradores já tiveram seus apartamentos invadidos. Em grande parte, isso se dá pela falta de controle no acesso de pessoas através do térreo e das sobrelojas ao bloco privativo dos apartamentos. Uma das saídas encontradas pela administração foi colocar câmeras de segurança para monitorar as entradas e saídas, os elevadores e corredores. Apesar das melhorias, a portaria não conta com interfone para os funcionários poderem se comunicar com os moradores. “Até bem pouco tempo, o ambiente do Pirapama era barra-pesada. Agora, melhorou muito. Trabalho à noite e,
embora o fluxo de pessoas aqui diminua, é sempre mais arriscado pelo horário”, comenta o porteiro Jorge Barbosa, que também já morou no edifício.
LUtA PoR MeLHoRiAS
“O prédio é muito aberto, permitindo uma grande circulação de pessoas diariamente. Por isso resolvemos fechar a entrada da Rua do Hospício, para ter um maior controle dos que passam por aqui”, afirma Marluce Maciel, síndica do Pirapama. Responsável pela administração do prédio há 10 anos, ela tem uma relação bastante próxima com o edifício, onde passou a trabalhar em 1979, primeiro como secretária de João Cleophas e, depois, para o advogado José Urbano da Costa Carvalho. “Na época, dr. João Cleophas morava no Rio e vinha ao Recife de duas a três vezes por ano. Ele dizia que ficava muito triste com a decadência do prédio. Em parte, acredito que ele tenha se arrependido de fazer apartamentos pequenos. O prédio foi construído para a alta sociedade, mas, com o passar do tempo, devido às más administrações e à inadimplência dos moradores, foi se
o projeto de Delfim Amorim aliou a arquitetura do Brasil e a de Portugal, a partir do uso de azulejos, tijolos aparentes e cobogós deteriorando, a ponto de chegar a uma situação bastante crítica”, aponta. Ela se tornou síndica por sugestão do próprio José Urbano. Para se candidatar ao cargo, Marluce obteve uma carta dele relatando a história do prédio e recomendando o seu nome para a administração. “Quando assumi o condomínio, me deram um crédito de confiança. Fiquei com medo da responsabilidade por ser um edifício grande e pelos inúmeros problemas que havia. Com o passar do tempo, fui criando força para tomar conta daqui”, diz Marluce. Uma das primeiras ações empreendidas, com ajuda da polícia, foi a retirada das casas de massagens e dos pontos de venda de drogas que existiam dentro do prédio. “Várias vezes, homens batiam aqui na
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Pernambucanas nossa porta pensando que era casa de massagem, porque tinha uma embaixo do nosso apartamento”, relembra a dona de casa Leonice de Melo, moradora do 608 desde 1980. O medo de ser abordada fez com que colocasse uma grade para impedir a passagem das pessoas. “De longe mesmo, eu dizia que aqui não era esse tipo de casa e evitava maiores
contatos. Ainda hoje, por incrível que pareça, tem gente que toca a campainha atrás disso”, afirma dona Leonice. Outro morador antigo do Pirapama, o militar inglês Peter Prior, 80, também lembra que passou por maus bocados entre os anos 1980 e 1990, com o processo de decadência do prédio. “Quando cheguei ao Pirapama,
ainda na década de 1970, a moradia era melhor. O edifício era bem mais organizado e bonito. Morei no 3º andar, no apartamento 308 do Bloco B, com a minha mãe. Mas, com o seu falecimento, em 1982, resolvi sair do apartamento para vir morar aqui no telhado do Bloco A. Aí, as coisas ficaram difíceis. Teve uma época em que eu tinha de subir as escadas correndo, com medo de ser abordado por algum ladrão”, relembra. Morando na antiga casa do zelador, Peter se diz um homem privilegiado
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2 coBeRtURA O inglês Peter Prior mora no telhado do Bloco A, de onde tem um visão privilegiada da cidade 3-4 PRAticiDADe Selma Almeida vive no Pirapama e é proprietária da academia que fica na sobreloja, onde Ednete Santos, também moradora, trabalha 5 cASA PRÓPRiA O aposentado Geraldo Oliveira adquiriu o seu imóvel por R$ 10 mil 6 ALUGUeL Inquilina desde o ano 2000, Kalina de Moraes gosta do clima decadente da área e sonha em poder comprar um apartamento no edifício 7 cooPeRAÇÃo O casal Luciano e Maria César Barbosa uniram-se aos vizinhos de porta para manter o 6º andar do Bloco B em boa situação
pela visão que tem do Recife e de Olinda. “Hoje, sinto-me mais seguro. Tenho uma grade que fecha a minha casa. A prevenção é o melhor remédio. Infelizmente, enxergo muito pouco, pois sofro de catarata.” Sua história de vida, segundo ele, inclui a participação na Guerra da Coreia (1950-1953) e a ocupação da vaga de vice-cônsul da Inglaterra em Pernambuco. “Como vice-cônsul, conheci o ex-presidente Costa e Silva”, afirma Peter. Sua atual casa, bem como a outra residência do zelador existente no Bloco B, não entram no levantamento de moradias ocupadas do condomínio. Desde os anos 2000, as casas de prostituição e de venda de drogas começaram a desaparecer do Pirapama, a partir de ações realizadas pela polícia em parceria com outros órgãos públicos, reabilitando a condição de um “prédio de bem”.
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SeM ÁGUA
Embora o nível de circulação tenha melhorado, problemas ligados à conservação do edifício ainda são visíveis. Instalações de água e luz expostas, infiltração nas paredes e substituição indevida dos cobogós por tijolos de cerâmica são exemplos desses problemas. Outra questão delicada é a inadimplência acumulada junto à Compesa, devido à falta de pagamento das contas de água e esgoto em décadas anteriores (a administração do condomínio estima que a dívida esteja em torno de R$ 600 mil), o que levou a companhia a cortar o abastecimento e a coleta
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Pernambucanas de esgoto nos anos 1990. “Ficamos, pelos menos, dois anos sem água, só abastecendo os apartamentos das pessoas com carros-pipa, através da tubulação dos bombeiros”, recorda o morador Hélio. O arquiteto Luiz Amorim, que já fez um estudo sobre as condições do Pirapama, afirma que o edifício carece de melhor infraestrutura. Para ele, a manutenção de edifícios desse porte está vinculada a uma ação administrativa eficiente. Caso contrário, o sistema pode entrar em colapso. “A direção atual tem feito um trabalho bom, se compararmos com o passado. Juntos, fizemos propostas para adequar as condições de uso atuais, aumentando a segurança, fazendo o restauro do prédio com a reinserção de materiais que já foram perdidos e melhorando a infraestrutura, mesmo com redução dos custos condominiais. Infelizmente, isso não avançou porque é necessário um capital
maior. Buscamos o apoio de bancos, mas não conseguimos”, justifica. “É uma pena que as benfeitorias não possam ser feitas plenamente porque nem todos pagam o condomínio”, lamenta a comerciante Maria da Glória Oliveira, 43. Mãe de três filhos, ela é uma das ambulantes que residem no Pirapama – e aproveita a localização privilegiada no centro para comercializar espetinhos, refrigerantes e água durante a noite em frente ao edifício. Mesmo com as dificuldades enfrentadas pelo condomínio, algumas iniciativas isoladas de moradores mostram do que é capaz a força de vontade. Como no caso do 6º andar do Bloco B, onde os vizinhos resolveram se unir para cuidar da preservação do andar. À frente do grupo está o casal Luciano Barbosa Filho, 50, e Maria César Barbosa, 59. Recentemente, os vizinhos se cotizaram para comprar tinta. Luciano
8 ARQUitetURA Os cobogós fazem parte do projeto original do edifício
e Maria se encarregam da pintura. “Isso deveria ser obrigação do condomínio, mas nós fizemos para deixar o andar com uma cara mais simpática e apresentável”, afirma o comissário de polícia. Além da pintura, eles colocaram uma mesa e plantas enfeitando o corredor. Recentemente, mandaram dedetizar o andar por conta própria, quando contaram uma centena de baratas na despensa do lixo. No Pirapama, desde 1999, quando chegou para cuidar do pai, Luciano conseguiu comprar, há nove anos, o apartamento 610 do Bloco B, de uma instituição filantrópica. “Gosto de morar aqui, mas não da bagunça”, opina Maria César. Atualmente, Luciano e Maria planejam passar uma temporada no Rio de Janeiro, junto aos dois filhos que moram lá. “Se der certo, a gente se muda, mas continuaremos com o nosso apartamento aqui. Afinal, de imóvel a gente não se desfaz”, diz Luciano.
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