Um cigano fazendeiro do ar

Page 1

Apresentação

A ARTE D E V I V E R E M V O Z A LTA (O U OS TRU QU ES D O V E L H O B R A GA ) Alvaro Costa e Silva

É curioso que Rubem Braga, o inventor da crônica moderna no Brasil, não tenha se dado bem no seu casamento com a cidade grande, sendo a crônica um gênero urbano por excelência. Ao longo da afanosa carreira de jornalista, ele viveu em muitas delas – São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, até Paris, antes de acomodar-se de vez no Rio de Janeiro – mas nunca conseguiu desligar-se de Cachoeiro de Itapemirim, onde nasceu. Mais: elegia a roça, o mar, os rio – lugares onde gostaria de ficar para sempre, caçando, pescando, dormindo, bebendo, fumando, pensando na morte da bezerra ou fazendo absolutamente nada. De preferência, sozinho e calado. Isso se não tivesse uma mulher bonita por perto. Quem melhor flagrou nele essa característica de bicho do mato cosmopolita foi José Lins do Rego (aliás, um dos poucos romancistas brasileiros cuja leitura lhe caía bem), ao comentar: “O que quer, se quando está em Florença quer voltar ao Vermelhinho, se quando vai a Paris prefere estar pescando em Marataízes?”. O bar da Cinelândia carioca ou a cidade no litoral sul do Espírito Santo não saíam do seu horizonte. Paulo Mendes Campos, com quem Braga dividiu na década de 1940 um apartamento em Copacabana, contou, na apresentação do livro As boas coisas da vida (o último que o cronista publicou em vida, em 1988), que “nenhuma boate lhe deu prazer parecido ao que sentiu na choupana de um velho caboclo do Acre, onde compartilhou da cachaça e do peixe moqueado do seringueiro, entre vozes distantes de bichos noturnos”.

11

rubem_braga_MIOLO.indd 11

27/06/2013 11:34:45


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Um cigano fazendeiro do ar by CEPE - Companhia Editora de Pernambuco - Issuu