con linguagem ti nen te a seus tipos, apelidos, tira-gostos e ao estado de embriaguez – ao longo de 150 páginas. “Sexo e cachaça são abundantemente explorados na fraseologia de caráter popular. A cachaça, por exemplo, traz inumeráveis registros. Vai de branquinha à abrideira. Por via de consequência, bêbado é outro bicho estigmatizado; puta, nem se fala. Há uma gama de designações para esses aí”, reconhece Silveira. Por outro lado, embora esses dicionários contribuam para a reafirmação de uma identidade nordestina, a diversidade deles no mercado já põe em dúvida a tentativa de colocar nove estados e populações de realidades tão diferentes sob o mesmo guarda-chuva. Verbetes como “costurar pra fora”, registrado no Dicionário do Nordeste, são um indício disso. Se seu sentido geral no Nordeste é o de traição, no Piauí, ela pode ser aplicada a homens afeminados, enquanto na Paraíba ela se refere ao ato de praticar caridade. Mais do que revelar diferenças em amplitudes cada vez mais locais, o viés de estranhamento causado por expressões regionais já é um indicativo das relações históricas de poder. “O Centro-Sul ficou como modelo de língua, porque toda a corte foi para lá. Depois, houve um congresso em 1954, do qual participaram Antonio Houaiss e Celso Cunha, e os gramáticos resolveram que o modelo de língua tinha que ser o do Rio de Janeiro”, pontua Nelly Carvalho. A professora explica, ainda, que as mudanças numa língua acontecem por variações diatópicas (lugar), diacrônicas (tempo) e diastráticas (classe social).
janio santos
“Paul Teyssier, francês que veio pesquisar o Brasil, diz que notou mais semelhança no falar do Recife com o de Porto Alegre do que o falar de uma pessoa rica do Recife com o do seu vizinho pobre. O que muda muito a língua portuguesa é a diferença de classe. E isso a gente vai ver nos dicionários locais, porque não são palavras cultas que aparecem, são palavras usadas pela língua do povo. Os dicionários locais são muito diacrônicos e diastráticos”, explica a professora. Uma reflexão que também se estende à própria concepção de Nordeste. De acordo com o historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr., até 1910, não havia a noção de Nordeste. No livro A invenção do Nordeste e outras artes, ele explica que essa ideia foi forjada no meio simbólico e reflete mudanças ocorridas nas relações econômicas e de poder no Brasil, com o fim da escravidão, o poderio econômico de São Paulo, a decadência do ciclo da cana-de-açúcar e o êxodo de trabalhadores para o ciclo da borracha no Norte. “Uma nova consciência do espaço surge, principalmente, entre intelectuais que se sentem cada vez mais distantes do centro de decisão, do poder, seja no campo político, seja no da cultura e da economia. Uma distância tanto geográfica quanto em termos de capacidade de intervenção. Um intelectual regionalista quase sempre é aquele que se sente longe do centro irradiador de poder e de cultura. Ele faz da denúncia dessa distância, dessa carência de poder, dessa vitimização, o motivo do seu discurso”, escreve Albuquerque Jr.
VERBETES Uma seleção de fazer rir as poucas palavras ou
frases reproduzidas abaixo não dão a mínima conta das 10 mil que integram o Dicionário do Nordeste, de Fred Navarro. Aqui, buscamos apenas rir um pouco do que falamos e usamos o critério daquilo que o autor denominou como “termos fortes, rústicos, grosseiros, mas também dotados de lirismo, sensibilidade poética, bom humor e picardia”. Também suprimimos várias das informações contidas no volume, deixando apenas o significado e o seu lugar de origem.
A
ABIGOBAL • abistuntado. al. abobalhado, tonto,
besta como aruá, lelé da cuca.
ALMA SEBOSA • 1. al/pb/pe. bandido,
malandro, assaltante, trombadinha. 2. ce/pb. poeta de segunda categoria, que faz versos ruins. 3. pe. pessoa cruel, “sem coração”, bandido sem compaixão, que deve ser executado por justiceiros, a mando e “em nome” da comunidade, por causa de supostos crimes.
AMIZADE DE CAGAR JUNTO • amizade de cu. pi. grande amizade,
amizade do outro mundo, ou melhor, “amizade que só o cu pode explicar”.
B
BARONESA • 1. al. prostituta já velha, sem mais nenhuma atração
física. 2. ne. planta aquática (Eichhornia crassipes), conhecida também como dama-do-lago e aguapé, da família das ninfeáceas, típica de lagoas e rios, e que acompanha estes nas cheias do período chuvoso.
BEBER SORO AZEDO E ARROTAR COALHADA • ce. aparentar ser mais do que se é, se amostrar, exibir-se socialmente.
C
CABELO A PIRULITO • ne. tem origem nos anos 1950, época em
que os soldados americanos das bases navais instaladas na região usavam cortes de cabelo em que a nuca era raspada e a cabeça ficava com uma espécie de topete, semelhante a um pirulito.
CONVERSA DE USINEIRO • pb. Falta de sinceridade, hipocrisia, cavilação, desfaçatez.
COSTURAR PRA FORA • 1. pi. expressão aplicada aos homens efeminados, bandeirosos. 2. pb. praticar caridade, fazer beneficência. 3. ne. ocorre quando a mulher pratica o adultério e “trai” o parceiro.
continente dezembro 2013 | 40
P
E
PITÓ • 1. pb. apanhado de cabelo enrolado em espiral ou
ELE E ELA • pe. dupla composta por caldinho
em forma de concha, e fixado na cabeça por meio de grampos, varetas, fios elásticos. 2. pb. cigarro grosseiro de fumo picado, arromba-peito. 3. pe. cabelos puxados para os lados e presos com marias-chiquinhas, num arranjo também chamado de totó.
(de peixe, fava, sururu, chambaril ou camarão) e uma dose de cachaça de cana pura.
G
GALA-RALA • ne. 1. diz-se do homem que não esporra
(ejacula) com intensidade. 2. diz-se do homem que não tem filhos logo após o casamento: dois anos de casado e sem filhos, logo vão chamar você de gala-rala por aí.
GUENZO • ne. Que não tem firmeza, com as pernas bambas,
bamboleante. “palanquim:/ para que negar? suporto/ o duro de certas bundas:/ padrecos brancos, croinhas,/ beatas e velhos guenzos;/ mas também gozar eu posso/ a maciez tão redonda de iaiás e sinhazinhas,/ de calor tão excitante/ que minha madeira fica/ mais rija do que o ferro.” Sobrados e mocambos, hermilo borba Filho. “e, no turbilhão do tempo, o palácio onde dormiu o casal imperial foi perdendo a sua esplendidez e (...) acabou reduzido a uma enorme ruína, com os cômodos cheios de goteiras (...), as portas guenzas, as escadas rangentes (...).” Ninho de cobras, ledo ivo.
L
oxigenada. “esta mulher de jaílson é uma puta. nem conheço ela, mas está escrito na testa. o cabelo é oxigenado, loira de farmácia. jaílson bate um bolão, mas em termos de mulher, está lascado.” O negro e o branco, cicero belmar. v. loura, linda e japonesa.
LOMBRA • lombrinha. ne. Leseira física e mental que ocorre depois de beber cachaça ou fumar maconha. Xangai menciona: “eu já bebi toda a minha solidão/ fiquei de lombra na ladeira do luar/ e na lembrança teu carinho me invade/ e a saudade fez intriga com a razão,/ fiquei biruta, enlouqueci, perdi o tino/ feito um menino numa farra de bombom,/ naquela tarde me senti um pescador,/ vi teu sorriso, se espalhava no batom.” Não é brincadeira, maciel melo.
M
e conduzido ao curral. 2. ne. gado, chamado também de ‘moloca’, que costuma pastar em determinados locais, nas fazendas de criação. 3. al/pe. esconderijo próprio dos caranguejos na areia da praia. 4. para os adeptos do manguebeat recifense, equivale a moradia, lugar onde as pessoas ‘se escondem’. 5. ne. membro de grupo suspeito, maloqueiro, pessoa que não inspira confiança: não se meta com aqueles malocas.
o tempo, checar se vai chover ou não. 2. pb/pe. perder-se em reflexões, matutar, olhar para o infinito. “e pede pra rique dar os papéis pra ela, pra que ela se salve dos alemães. rique fica assim, olhando a maçaranduba do tempo, numa sinuca desgraçada.” Roliúde, homero Fonseca.
R
RUA DA PALMA Nº 5 • ne. punheta, gloriosa,
masturbação. v. pecar na rua da palma nº 5.
S
pessoa sebite demais, turbinada, aloprada. 2. pb/ pe. pessoa magra demais, quase anoréxica. v. ser magro como um sebite baleado/ vara de bater.
SÓ QUER SER AS PREGAS DA ODETE •
ne. diz-se de quem quer ser mais do que pode, de quem vive alardeando as próprias qualidades. “pra começo de conversa, eu era puto com os alemães, que só queriam ser as pregas da odete. os felas das putas dos galegos, só porque tinham armas modernas e dinheiro dando no meio da canela, queriam abarcar o mundo com as pernas.” Roliúde, homero Fonseca. v. quem gaba o sapo é a jia/ vai ser bom assim lá na casa do carái!.
T
TUIUTU • ne. equivale ao site de vídeos Youtube: “eu
MALOCA • 1. ne. nas vaquejadas, o gado juntado pelos vaqueiros
O
de-coco, feito a base de doce de goiaba e coco ralado. v. espichacouro/ sambongo. 2. ne. todo tipo de doce que fica ‘ligado’ demais. Comes e bebes do Nordeste, mario souto maior. v. citação em pirulito coxão de moça. 3. ce. Qualquer bebida gelada em excesso. 4. ce/pb. um tipo de charuto (cigarro de folhas secas de palha).
SEBITE BALEADO • sebito baleado. al. 1.
LOIRA DE FARMÁCIA • Loura a pulso. NE • Falsa loura, loura
olHaR a maÇaRanDuBa Do temPo • tomar a maçaranduba do tempo. 1. pb. consultar
Q
QUEBRA-QUEIXO • 1. ne. puxa-puxa, doce japonês, puxa-
não assisti no dia, mas minha neta me mostrou no tuiutu da internet e você foi tampa!!!”. Berro novo, jessier Quirino.
U
URNA EMPRENHADA • urna prenha. urna prenhe. ne. urna
eleitoral violada, “prenhe” (cheia) de votos falsos. v. emprenhar urna.
V
VUCO-TE-VUCO • pb. vuco-vuco. ne. 1. confusão, fuá,
bagunça. 2. lugar apertado, rua estreita ou loja cheia de gente: não vou hoje naquele vuco-vuco de jeito nenhum. v. Bater chifre. 3. relação sexual, cachimbada, trepada. “mulher é um bicho muito complicado, não é como vocês, homens, costumam pensar. vocês pensam que só basta enfiar, fazer vuco-vuco, e pronto. não e assim não, meu filho. tem que haver poesia, como diz uma amiga minha de petrópolis. tem que haver muita poesia.” As alianças, ledo ivo.
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