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CAPITALISMO SOCIALISMO

OS SISTEMAS QUE DIVIDIRAM O MUNDO COMO E EM QUE CONTEXTO NASCERAM OS DOIS IDEAIS | AS DIFERENÇAS QUE DERAM ORIGEM À GUERRA FRIA O QUE DEFENDEM OS PARTIDÁRIOS DE CADA LADO? | OS PRINCIPAIS AUTORES E TEÓRICOS DE CADA IDEOLOGIA Capitalismo X Socialismo 1 AS INFLUÊNCIAS DESSES PENSAMENTOS NA ATUALIDADE | É POSSÍVEL CRIAR UMA TERCEIRA VIA QUE CONCILIE AS DUAS IDEIAS?


2 QUERO SABER


Prefácio

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Os pensamentos que dividiram o mundo

Durante boa parte do século passado, o mundo esteve dividido entre duas correntes de pensamento: o capitalismo e o socialismo. Essa oposição concretizou-se no período da Guerra Fria, quando os Estados Unidos e a antiga União Soviética simbolizavam, respectivamente, cada um desses sistemas. Porém, as ideias e teorias que deram origem a essa divisão nasceram bem antes desse momento histórico. O capitalismo começou a engatinhar ainda na transição do período feudal para a formação das primeiras cidades mercantes – os burgos –, quando os habitantes dessas localidades – os

burgueses – tornaram-se os primeiros donos de meios de produção, rompendo com a produção artesanal e passando a acumular lucro. Por sua vez, o socialismo surgiu justamente para fazer oposição à exploração da mão de obra promovida pelos donos dos meios de produção, já que no recém-formado sistema capitalista, os maiores responsáveis pela produção (os empregados) ficavam com a menor parte do valor pelo qual era vendida a mercadoria. Com o passar do tempo, ambas as visões político-econômicas tornaram-se conhecidas e conquistaram seus defensores, até que começa-

ram a ser teorizadas a partir do século XVIII. Desde então, foram reformuladas, adaptadas e colocadas em prática em diversas partes do mundo. Neste guia, você vai conhecer a fundo as histórias de cada uma delas, os contextos históricos em que surgiram, suas contradições e polêmicas. Conheça também as experiências que cada uma delas originou e que culminaram na divisão do mundo, simbolizada pelo Muro de Berlim. Saiba ainda quais são as influências dessas duas correntes em nosso sistema e entenda melhor as polêmicas políticas da atualidade. Tenha uma boa leitura. A redação. Capitalismo X Socialismo 3


Fotos: Shutterstock

Sumário

6 CapÍTULO 1 - Introdução

o que significam essas duas palavras? Entenda as principais marcas desses dois sistemas econômicos e suas influências na cultura e na sociedade

19 CapÍTULO 2 - BREVE HISTÓRIA

DO CAPITALISMO

Como o capitalismo se modificou através do tempo As origens, a consolidação e os princípios do sistema capitalista e as principais vertentes que derivam dele

32 CapÍTULO 3 - BREVE HISTÓRIA

DO SOCIALISMO

O modelo anticapitalista que polarizou o mundo no século XX O nascimento das ideias coletivistas, seus principais expoentes, as experiências e contradições do modelo socialista

50 CapÍTULO 4 - A GUERRA FRIA

Um mundo dividido ao meio Desvende os mitos e verdades sobre o conflito político-econômico que dividiu o mundo durante o século XX

4 QUERO SABER


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CapÍTULO 6 - IDEOLOGIAS

NA ATUALIDADE

CapÍTULO 7 - saiba mais

Capitalismo e socialismo no século XXI Em um mundo globalizado, as noções de direita e esquerda, capitalistas contra socialistas, ainda é válida?

DICAS DE LEITURA E PESQUISA Filmes, livros e autores que vão lhe ajudar a entender melhor essas duas doutrinas

66 CapÍTULO 5 - SOCIAL-DEMOCRACIA

Uma terceira via possível A conciliação entre os dois sistemas, que ganhou fama nos anos 1990, seria a solução para aliar progresso e qualidade de vida?

ficha catalográfica

Capitalismo X Socialismo 5


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Introdução

O QUE SIGNIFICAM

ESSAS DUAS PALAVRAS? CONHEÇA AS TEORIAS QUE DEFINEM ESSES DOIS MODELOS ECONÔMICOS TÃO IMPORTANTES PARA A NOSSA HISTÓRIA

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Nessa edição do GUIA QUERO SABER – Capitalismo X Socialismo, você vai conhecer as principais características desses dois modelos de organização político-econômica e social que fazem parte de toda a história moderna do mundo, principalmente com a rivalidade de seus principais expoentes, Estados Unidos e União Soviética, durante praticamente todo o século XX. Cada um desses modelos tem suas características e teorias próprias e enxergam as relações entre os diversos agentes da sociedade de uma forma complexa e muito diferente. Neste primeiro capítulo, abordaremos as principais teorias que envolvem os dois sistemas, como a visão que eles têm do papel do Estado na configuração da sociedade e na proteção dos interesses dos indivíduos, a re-

6 QUERO SABER

lação entre as forças de produção de riquezas e os detentores dos meios de produção e como cada um desses sistemas privilegia partes diferentes dessa cadeia produtiva. Para os capitalistas, o importante é ter um sistema que os ajude a expandir seu mercado consumidor, a arrecadação do lucro e acumulação de capital e bens. Para os socialistas, o sistema ideal é aquele que pro-


Introdução pretações de acordo com o momento que o mundo atravessava. Vamos mostrar também como esses modelos foram adotados na prática e qual a sua influência no mundo. A viagem começa com a Revolução Industrial, um marco para essas duas vertentes ideológicas e termina nos dias atuais, mostrando como elas estão sendo desenvolvidas nos dias de hoje e como influenciam a forma como os diversos países do mundo se relacionam. O quarto capítulo é o mais extenso da revista e vai abordar um período crítico na relação entre essas duas ideologias, que foi a Guerra Fria. Um período marcado por guerras e tensões e que praticamente dividiu o mundo ao meio. Essa foi uma época em que a busca por aumento de influência gerou um estado permanente de alerta com a ameaça, mesmo que implícita, de

que a qualquer momento o mundo poderia enfrentar uma terceira guerra mundial. Esses anos, que duraram de 1945 até praticamente 1990, também ficaram marcados por ditaduras tanto na América quando no leste do continente europeu. A partir da década de 90, com o fim da União Soviética, houve a predominância do capitalismo, que passou a ser adotado pela grande maioria dos países. Mas será que esse é o único modelo possível de organização político-econômica no mundo? O socialismo acabou ou ele se reinventou? Existe um modelo alternativo ao capitalismo e suas crises? As respostas você pode construir a partir das informações fornecidas nos capítulos finais desse especial, além de dicas de filmes e livros para aprofundar seus conhecimentos sobre essas duas vertentes político-econômicas.

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A TEORIA DO CAPITAL

porciona uma divisão igualitária do trabalho, do lucro e uma sociedade onde todos os indivíduos são tratados de forma igual, sem divisão de classe social. No segundo e terceiro capítulos faremos um passeio pela história desses dois sistemas organizacionais, mostrando desde seu surgimento até os dias atuais como eles foram se modificando e adquirindo novas inter-

Muitos teóricos divergem sobre o que representa a palavra capitalismo. Porém, o que todos eles concordam é que não dá para defini-lo sem levar em consideração questões econômicas, sociais e políticas. O ponto de início do que podemos pensar como capitalismo está diretamente ligado ao surgimento dos Estados-nação e à Revolução Industrial, que proporcionou o acúmulo de capital e dos meios de produção por uma parte da população. A partir disso, podemos tomar entender que a definição de capitalismo é um sistema político-econômico e também social que se caracteriza pela propriedade da terra e dos meios de produção, do livre trabalho assalariado e da acumulação de capital (riqueza), seja ela financeira, de bens ou propriedades. Outras características desse sistema é que ele se que se baseia na livre iniciativa, na racionalização dos meios de produção para aumento da produtividade e na exploração e criação de oportunidade de mercado para que os donos dos meios de produção possam acumular lucro e reinvestirem esse lucro no aumento da capacidade produtiva. Ou seja, essa teoria é baseada em questões relacionadas ao capital, dinheiro. As relações do modelo capitalista se dão da seguinte forma: o dono dos meios de produção, que podem ser, por exemplo, máquinas, computadores ou veículos, contrata uma pessoa para que ela faça o trabalho produtivo, como trabalhar na linha de montagem das peças de um carro. A produção desse bem de consumo vai ao mercado e todo o lucro obtido com a venda dele fica para Capitalismo X Socialismo 7


Introdução

8 QUERO SABER

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o dono do meio de produção, que pode destiná-lo para o aumento da capacidade produtiva da empresa ou para a si próprio, o que configura o acúmulo de capital. Para entendermos a importância e o significado do capitalismo, precisamos também saber como ele surgiu. O surgimento do capitalismo como conhecemos hoje se deu no final do período feudal, com a transformação do mercantilismo. Entre os séculos XIII e XIV, houve a falência do sistema feudal em toda a Europa, berço do capitalismo, o que levou muitas pessoas a migrarem do campo para as áreas urbanas. Essa migração deu origem aos burgos, que são o embrião dos que conhecemos como cidades e que serviam como uma espécie de região mercantil entre as cidades e as áreas rurais. Nesse primórdio do que é considerado capitalismo, os habitantes dos burgos – daí o surgimento da expressão burguês – se dedicavam à prática de artesanato e ao comércio das peças que produziam. Com a chegada da Revolução Industrial e a construção de máquinas movidas a vapor, a produção das peças que antes eram artesanais passou a ser feita em larga escala e de forma industrial, o que levou os comerciantes a acumular uma quantidade cada vez maior de lucro e capital. Foi também nesta época que os bancos foram criados e o comércio passou a se expandir para além dos limites da cidade. Nasce então a burguesia, classe composta pelos donos dos meios de produção. Uma das principais características do sistema político-econômico capitalista é a defesa da propriedade privada dos meios de produção, como lojas, bancos, comércio, empresas, que são consideradas propriedades de uma pessoa ou de um conjunto de pessoas e que devem ficar longe da interferência do Estado. Na visão dos capitalistas, toda a dinâmica da economia é determinada pelo mercado e sua lei de oferta e demanda, ou seja, cabe somente ao setor privado decidir o que será produzido e em qual quantidade para atender às demandas da população. O preço de cada mercadoria também é definido de acordo com o mercado. Por exemplo, se houver mais produtos à disposição do que a demanda, o preço é menor. Se for ao contrário, o preço sobe, o que tem como efeito colateral a inflação. Essa dinâmica é regida pelas por outro ponto das premissas capitalistas, que é a lei da oferta e da procura. Outra questão nascida com o capitalismo são as relações trabalhistas, como o trabalho assalariado – nesse formato, a pessoa recebe uma remuneração, em geral financeira, em troca de sua força de trabalho, seja ela física ou intelectual, empregada na produ-

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ção de um bem. Esse valor também é definido pelas questões de oferta e demanda de mão de obra. Por isso, para o capitalismo, quanto maior for o desemprego, maior é o poder de negociação na hora de estipular a remuneração a ser ofertada pela força de trabalho de um funcionário.

Wall Street, um dos sinônimos do capitalismo no mundo atual

Usina Termoelétrica de Battersea, que funcionava à base de carvão, foi um dos principais símbolos da Revolução Industrial inglesa


CAPITALISMO E SUAS FASES

A evolução do capitalismo é marcada por várias fases desde seu surgimento. A primeira delas é conhecida como capitalismo comercial, se deu entre os séculos XV e XVII e tem como grande referência histórica o período das navegações e expansão marítima dos países europeus, principalmente Portugal e Espanha. Esta é a época do mercantilismo e da acumulação primitiva de capital. A segunda fase é o capitalismo industrial, que teve seu início marcado pela Revolução Industrial e trouxe significativas mudanças sociais, culturais e políticas para a sociedade. Seu principal item foi a mudança no foco das relações comerciais. Se durante as navegações o foco dos capitalistas era a expansão de seu mercado consumidor e a acumulação primitiva de capital, ou seja, adquirir a riqueza por meio do comércio, na nova fase o foco passou a ser a obtenção do lucro, que passa a ser a finalidade de qualquer atividade produtiva. A margem de lucro se calcula subtraindo do valor total arrecadado as despesas para a produção de determinado bem, como matéria-prima, salários dos funcionários e gastos com a logística de distribuição desses bens. Um dos aspectos mais importantes desta fase é que os donos dos meios de produção viram a potencialização e o aumento de suas margens de lucro com a capacidade de transformar as matérias-primas em maiores quantidades de produtos e em menor tempo graças ao surgimento das máquinas movidas a vapor. Nessa nova fase do capitalismo, além da noção do lucro, nasce outro conceito que existe até hoje e é considerado um dos principais pilares do pensamento capitalista, o liberalismo. Ele surge com Adam Smith, que define o termo “Mão Invisível” para determinar a participação do Estado no novo modelo econômico. Com isso, ele diz que o Estado deve ter um

papel mínimo nas interações da sociedade e que se restringe a garantir a segurança das propriedades privadas e acesso à educação. Para Smith, o mercado tem a capacidade de se regular sozinho por meio do equilíbrio da relação da oferta e da demanda. A fase mais recente do capitalismo é conhecida como Capitalismo Financeiro. Ele se dá em consequência da acelerada acumulação de capital proporcionada pelo processo do capitalismo industrial, e tem como reflexo a expansão de bancos, corretoras de valores e ações em bolsa. Com o acúmulo de capital, muitos empresários passaram a não só investir no aumento de produção de suas empresas, mas também no ganho rápido de dinheiro com a compra e venda de ações e títulos bancários. Temos como principais marcos dessa fase do capitalismo a crise de 1929, quando a Bolsa de Nova Iorque quebrou e levou muitas empresas à falência e deixando um enorme contingente de desempregados nos Estados Unidos, e a crise do sistema financeiro de 2008, que além de falir muitos bancos, provocou a recessão mundial que vemos hoje em dia, devido à retração do comércio mundial.

LIBERALISMO DO CAPITAL E O ESTADO

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Introdução

Estátua em homenagem a Adam Smith, o pai do liberalismo, em Edimburgo, na Escócia

Antes de falarmos sobre as diversas teorias sobre o sistema capitalista, temos que entender o papel de um ator que é essencial para entender as relações não só econômicas, mas principalmente políticas que envolvem o capitalismo: o Estado. Em qualquer umas de suas teorias, as funções atribuídas ao Estado são primordiais para entender o capitalismo. Em sua primeira versão teórica, conhecida como Teoria Econômica Clássica, que surgiu a partir das definições de Adam Smith, o Estado tem a sua ação bastante limitada. Para essa corrente teórica, que prega o liberalismo econômico, o Estado não deve ter qualquer tipo de interferência na produção e na distribuição de riquezas e nem adotar medidas que possam evitar a entrada de empresas estrangeiras. Ela defende também que a livre concorrência entre as empresas promove a autorregulação e melhora da oferta de produtos à população. Foi em cima dessa premissa de que se baseou o primeiro conceito do capitalismo, que nenhum governo deve interferir nas questões de bem-estar coletivo, pois ele seria o resultado do máximo esforço do cidadão em acumular capital e obter sucesso. Na visão de seu principal teórico, uma sociedade harCapitalismo X Socialismo 9


Selo com ações rasgadas de uma empresa de gás e eletricidade estampa a crise de 1929, gerada pela quebra da bolsa

moniosa acontece quando o Estado se utiliza de sua presença invisível, para, no máximo, adequar os interesses individuais aos interesses coletivos e sociais. Nesse contexto, o Estado tem a obrigação de garantir a segurança das propriedades privadas, educação e investir em melhorias na infraestrutura para possibilitar que as empresas consigam prosperar, porém sem limitar a atuação delas no mercado. Cabe também ao Estado evitar os cartéis – quando empresas se juntam para dominar e regular o mercado para que não apareçam novos concorrentes. A teoria de intervenção mínima do Estado durou até o final da segunda década do século XX, quando a quebra da bolsa de Nova Iorque e o alto número de falências e desemprego fizeram com que surgisse outra teoria capitalista, que foi amplamente adotada pelo mundo. Essa teoria é chamada de modelo Keynesiano e prega uma maior intervenção do governo na economia e a adoção de políticas de subsídio estatal para garantir o mínimo para a sobrevivência da população. Na teoria proposta por Keynes, que é base para as políticas de bem-estar social existentes até hoje, o Estado tem a obrigação de intervir da economia, pois na visão dele, não é possível deixar que o mercado regule a economia já que dessa forma, tanto o mercado quanto o Estado ficam reféns das crises que o próprio sistema capitalista cria. Nessa teoria, surgida durante a década de 1930, o Estado passa a assumir duas funções primordiais dentro do sistema capitalista: fazer o controle monetário do sistema e socializar os investimentos. O Estado passa a ser o principal investidor e fomentador do mercado capitalista por meio de obras de infraestrutura das cidades, o que gera mais empregos e a retomada dos lucros pelos capitalistas. O modelo mais recente do capitalismo e ainda em prática em países como Estados Unidos e Inglaterra, onde sua teoria ganhou força nos anos 80 e 90, com os governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, é o Neoliberalismo. A política econômica neoliberal teve como principal fator de surgimento a recuperação dos valores do capitalismo clássico como a não presença do Estado na economia e que foram abandonados du10 QUERO SABER

rante a vigência do modelo de bem-estar social. Diferente do modelo Keynesiano que estava em vigor até então, no capitalismo Neoliberal o Estado tem um papel mínimo. Fica a cargo dos representantes do governo apenas a responsabilidade de garantir a previdência, educação e saúde, pois no viés econômico dessa teoria, o mercado tem mecanismos e recursos econômicos suficientes para garantir a satisfação das pessoas e se autorregular, da mesma forma que os clássicos defendiam. Nos dias atuais, o Estado além de não regular o setor econômico, também não interfere no fluxo de capitais, não fiscalizando as transações bancárias e na bolsa de valores. Muitos críticos à teoria Neoliberal acreditam que essa falta de intervenção do Estado nas práticas financeiras foi um dos fatores que levaram à crise de 2008, com a insolvência de muitos bancos e altos índices de desemprego.

TEORIA CLÁSSICA DO CAPITALISMO

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Introdução Shutterstock

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No livro “A Riqueza das Nações” estão todos os conceitos liberais de Adam Smith

A teoria clássica do capitalismo nasceu no esteio das mudanças trazidas pela Revolução Industrial, que proporcionou uma nova forma de organização do comércio, das relações trabalhistas, a acumulação de capital e a mudança da estratificação social com o surgimento dos empresários, donos dos meios de produção, e trabalhadora, que passava a ser remunerada pelo seu trabalho nas fábricas. Essa primeira teoria tem como principal alicerce a crença de que todos os indivíduos podem atingir a prosperidade de acordo com seu potencial, por isso há o estimulo à livre iniciativa em busca da ascensão social. Outros dois aspectos da teoria liberal são a confiança na razão e na tolerância. Essa doutrina pregava também que todo o indivíduo tem o direito à propriedade de bens materiais e que o Estado tem a obrigação de, através do Estado de Direito, preservar a propriedade do indivíduo. No plano econômico, Adam Smith, principal teórico desse movimento liberal, define em seu livro “A Riqueza das Nações” a lógica de mercado liberal como: se cada indivíduo desenvolver bem o seu trabalho, haverá em consequência disso a seleção natural dos melhores, que irão formar as elites – classes sociais mais altas – e que cuja sua capacidade empreendedora irá gerar benefícios para toda a sociedade. Essa corrente durou de meados do século XVIII até o


Introdução

começo do século XX, quando no período do pós-guerra, a desregulamentação das práticas econômicas por parte do Estado levou à quebra da Bolsa de Nova Iorque e à pior recessão que o mundo havia visto até então, pois a principal economia do mundo estava afundada em falências, desemprego e pouca movimentação de capital. Isso fez com que os teóricos da economia começassem a pensar em nova forma de organizar a economia capitalista, para que fosse possível sair do estado de extrema recessão: surge então a teoria do bem-estar social.

Roosevelt, o Estado passava a assumir as rédeas da economia. Entre as principais práticas adotadas estão uma maior intervenção do Estado na política econômica, sendo responsável pelas principais iniciativas para a recuperação das empresas com uma forte demanda de obras de infraestrutura, que ajudou não só a recuperação dos empresários, mas também possibilitou a criação de diversos empregos e contribuiu para que o país saísse da recessão que se encontrava. Outras políticas que são características desse modelo econômico são a adoção, por parte do Estado, de ferramentas de auxílio ao trabalhador como seguro-desemprego e bolsas de auxílio para os mais necessitados. Esse modelo econômico se expandiu por toda a Europa e foi primordial para a consolidar o capitalismo na região Oeste do continente durante o período posterior a Segunda Guerra e até o final a Guerra Fria. A política do bem-estar ainda permanece em vigor nos principais países desenvolvidos que, mesmo com o final da Guerra Fria, mantêm políticas assistenciais e forte controle na economia. As grandes exceções são

Modelo do cupom para a retirada de alimentos fornecidos pelo governo dos EUA durante a recessão e a adoção do wallfare state

O modelo de Keynes nasceu da necessidade de uma nova organização político-econômico para supera a grande depressão econômica dos primeiros anos da década de 1930 e para o qual o capitalismo clássico não encontrava respostas. A partir de então, países como Estados Unidos e Inglaterra, principais expoentes da economia liberal, resolveram adotar o modelo de bem-estar social, também conhecido como wellfare state. Com a promulgação do New Deal pelo presidente Franklin D.

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TEORIA DO BEM-ESTAR SOCIAL

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Introdução

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Margareth Thatcher, primeira-ministra britânica que adotou políticas neoliberais entre 1979 e 1990

Estados Unidos e Inglaterra que, durante os anos 80 e 90, principalmente nos governos de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, adotaram a teoria neoliberal e começaram a privatizar diversos ativos e empresas estatais, além de não regularem mais a economia de seus mercados. As principais características do modelo proposto pelo economista inglês John Maynard Keynes são: intervenção do Estado em setores em que a iniciativa privada não tem capacidade ou interesse de atuar, políticas de protecionismo econômico, medidas do Estado para garantir o pleno emprego, que seria alcançando pelo equilíbrio entre demanda e capacidade de produção, intervenção do Estado para o controle da inflação e estímulo do crescimento.

TEORIA NEOLIBERAL

O período de predominância das políticas neoliberais que vivemos hoje dentro do modelo capitalista surgiu em meados da década de 1970, quando países industrializados, para enfrentar um período de recessão por causa da crise do petróleo – a principal matriz energética –, adotaram políticas de austeridade para colocar as contas públicas em equilíbrio. Nessa época surgiu a teoria neoliberal, cujos teóricos creditavam a recessão e o crescimento das dívidas públicas às políticas assistencialistas adotadas pelos Estados que praticavam a política do bem-estar social. Para resolver esse problema eles ofereceram a ideia de que os Estados deveriam retomar as políticas liberais como a não intervenção na economia e a venda de ativos estatais para fazer caixa e cobrir o déficit de seu orçamento. 12 QUERO SABER

Entre as propostas neoliberais para superar a crise da década de 1970 estava que o Estado mantivesse o controle monetário (câmbio), mas que seus gastos sociais e intervenção na economia fossem limitados. Eles propunham também o abandono das metas de pleno emprego e reformas fiscais que incentivassem os agentes privados a aumentar sua produção econômica, ou seja, redução de impostos para os mais ricos, pois se acreditava que eles são os responsáveis pela geração de empregos, desde que sejam estimulados a investir na economia. O governo Thatcher, na Inglaterra, foi o primeiro a adotar o modelo econômico sugerido pelos neoliberais, em que se destacam: a elevação das taxas de juros, diminuição dos impostos sobre os rendimentos altos, abolição dos controles sobre os fluxos financeiros, aumentos dos níveis de desemprego, uma nova legislação antissindical, corte dos gastos sociais e um amplo programa de privatizações. Essas medidas foram adotadas em maior ou menor escala em todos os países capitalistas e não houve um contraponto a esse modelo pelo menos até a crise de 2008. As principais questões defendidas pelos teóricos neoliberais, cujo principal expoente é Milton Friedman, economista da escola de Chicago, têm relação com a livre circulação de capitais por meio de investimentos e ações da bolsa de empresas privadas e medidas para que o Estado reduza os serviços públicos por meio da diminuição dos gastos em políticas assistenciais como seguro-desemprego, previdência, seguro-saúde, entre outras.


Introdução

A TEORIA SOCIAL

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Antes de falarmos sobre os conceitos e o que é o socialismo, precisamos entender que, segundo Marx, o socialismo não é um sistema final, mas um sistema transitório para levar as organizações político-econômicas do capitalismo para o comunismo. A teoria socialista nasceu em meados do século XIX como contraponto às falhas e contradições apresentadas pelo sistema capitalista e sua visão liberal da sociedade. Seu principal ponto de crítica quanto ao modelo liberal se dá na noção da propriedade privada, a questão da estratificação da sociedade em classes e as relações de trabalho entre os donos dos meios de produção e a classe operária, que na visão socialista, é a verdadeira produtora de riqueza.

De acordo com a teoria do socialismo, uma possível definição para o termo seria: um sistema de organização política, econômica e social que tem como ideia principal a construção de uma economia planificada, na qual o Estado se portaria como regulador da economia, ou seja, as questões econômicas da sociedade deixam de ser reguladas pelos agentes do mercado capitalista e passam para o controle dos representantes do povo. Dentro dessa perspectiva de economia horizontal, os meios de produção deixam de ser de propriedades de poucos – seria o fim da propriedade privada – e passa à coletividade, sendo geridas pelo ente estatal, que é composto por representantes eleitos e deve administrar as empresas estatais sempre pensando no bem comum do coletivo. Na organização político-econômica proposta pelo socialismo, o Estado passa a controlar as empresas que atuam no mercado com o monopólio em cada setor de atuação, eliminando assim a concorrência. Na visão dos socialistas, a adoção dessa prática acabaria também com a busca pelo lucro e a acumulação de capital, portanto, o lucro auferido pelas operações dessas empresas seria revertido em investimentos para a melhoria da infraestrutura e da vida em sociedade. Na prática isso também mudaria a relação dos meios de produção e do trabalho assalariado. No sistema socialista, o proletário passa a ser dono não só da

Bandeira da antiga URSS com estampa da foice e do martelo, um dos principais símbolos atribuídos ao comunismo

Capitalismo X Socialismo 13


Introdução produção da riqueza, mas também de seus meios de produção, que passam a ser administrados pelo Estado e, em teoria, eliminam também a divisão do trabalho e a reserva de mão de obra (desemprego), atingindo-se assim o pleno emprego. Diferentemente do que muitos acreditam, o socialismo não é um sistema político-econômico com o final em si próprio. O socialismo, segundo Marx, é parte de um processo transitório para transformar a sociedade capitalista em uma sociedade comunista, onde não haveria mais a noção de propriedade privada e nem formação de classes sociais diferentes. Viveriam todos em comunidade e sem a presença do Estado como mediador das relações sociais.

AS FASES DO PENSAMENTO SOCIALISTA

A história do pensamento socialista começa bem antes do surgimento das críticas feitas por Marx à forma como a sociedade capitalista se organizava. A fase mais moderna desse pensamento, inaugurada por Marx e Engels, é conhecida como socialismo científico e é precedida por outras duas fases, a do socialismo primitivo e utópico. Os primeiros conceitos do que viria a ser considerado socialismo já existiam no pensamento de François-Noël Babeuf, também conhecido como Gracus Babef, um jornalista francês que morreu durante a Conspiração dos Iguais. Durante o século XVII, Babef já começa a questionar o modo como a sociedade capitalista se organizava. Nesse momento ele desenvolveu suas teorias sobre a uma sociedade mais igualitária, com a distribuição coletiva da terra. Ele fundou um grupo que ficou conhecido como “Os Iguais”, que entre outras causas defendiam que que todos deveriam ter acesso à terra, pois na visão deles, a terra não pertencia a uma pessoa, mas sim a todos. Essa era a principal ideia contrá14 QUERO SABER

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Robert Owen, o filósofo que criou o termo socialismo ria ao ideal liberal de que todas as pessoas tinham direto à propriedade privada e que ganhava força na Europa a partir da Revolução Industrial. Apesar de o termo “socialismo” ainda não existir nessa época para definir essas propostas, nas ideias de Bebeuf já existiam as mesmas preocupações que os utópicos e posteriormente Marx adotaram para conceber os ideais da teoria socialista. A segunda fase do pensamento socialista, conhecida como socialismo utópico, surgiu a partir dos pensamentos e questionamentos sobre a organização liberal da economia dos teóricos Robert Owen, Charles Fourier e Henri Saint-Simon, que desenvolveram suas teorias entre as guerras napoleônicas e a Primavera dos Povos, um conjunto de revoluções acontecidas em 1848. Eles são considerados utópicos porque acreditavam que era possível construir um sistema socialista de organização político-econômico de forma pacífica, sem a necessidade da criação de um conflito para subverter a ordem capitalista existente. Nesse período, eles começaram a perceber que a burguesia, dona dos meios de produção e classe dominante, não atendiam às necessidades da classe proletária e então tentaram encontrar uma forma de estruturação da sociedade que fizessem um contraponto ao sistema liberal burguês e que antedesse às necessidades das classes mais pobres. Foi neste cenário de busca por reverter o sistema liberal que Robert Owen cunhou o termo socialismo, que na visão dele significava a existência de uma sociedade ideal formada por meio da cooperação de todos os indivíduos em que não existissem diferenças entre eles. Esse idealismo ajudou a influenciar muitos movimentos trabalhistas na Europa. Outro teórico utópico, Charles Fourier, era totalmente contra a visão liberal de mercado e acumulação de capital


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Introdução foi o que originou a desigualdade entre os homens. Para alguns historiadores, apesar de terem criados modelos de organização social que dificilmente conseguiram ser postos em prática, os utópicos são considerados os primeiros a contestar de forma veemente o individualismo da teoria liberal do capitalismo e a apresentar uma resposta aos problemas sociais que surgiram e foram se acentuando durante o processo de industrialização da Europa.

A TEORIA ATUAL

O livro “O Capital”, de Karl Marx, é considerado a principal obra do pensamento socialista e propunha um modelo de sociedade que seria estruturado em forma de cooperativa, em que todos teriam acesso aos bens produzidos e o excesso seria trocado por outras mercadorias. Para o Saint-Simon, outro importante teórico do socialismo utópico, um novo sistema deveria ser criado a partir do aprimoramento da educação, que eliminaria as vantagens competitivas das elites em relação ao proletariado. Ele, porém, não era não contra o sistema capitalista e nem um crítico da propriedade privada. Uma característica comum destes três teóricos utópicos é que suas críticas à formação da sociedade burguesa dos séculos XIX foram influenciada pelos ideais iluministas da Revolução Francesa, pois todos eles, de forma geral, acreditavam que somente por meio do desenvolvimento racional e do progresso é que o ser humano poderia alcançar a felicidade plena. A principal influência iluminista para os pensadores foi o filósofo Jean-Jacques Rousseau, que entre outras coisas afirmou em suas obras que a adoção da propriedade privada

A última e atual fase das teorias socialistas é o socialismo científico, que foi inaugurado por Karl Marx e Friedrich Engels e serve como base para toda a teoria e os estudos socialistas desde então. O que diferencia essa etapa do pensamento socialista em relação a suas antecessoras é que, pela primeira vez, a estruturação de seu pensamento foi feito com base em diversos estudos históricos, filosóficos e econômicos. Marx e Engels produziram uma obra completa, com leis ou mecanismos que deveriam ser adotados para a prática do modelo de organização político-econômica do socialismo. De acordo com a crença de Marx, as contradições e desigualdades proporcionadas pelo sistema capitalista acabariam levando esse sistema ao declínio e ele seria substituído pelo socialismo, e posteriormente pelo comunismo. A teoria desenvolvida por Marx, considerada a principal do socialismo, foi formulada em meados da década de 1840 e tem como principais obras o Manifesto Comunista, de 1848 e O Capital, de 1867, onde ele apresenta de forma concreta os principais fundamentos que fariam parte da teoria socialista. São características dessa fase do pensamento socialista o conceito de mais-valia, que é a diferença entre a riqueza gerada pelo trabalho e o valor que o trabalhador recebe como salário; o Materialismo Histórico, que diz que as condições econômicas determinam os acontecimentos históricos e todo o funcionamento da sociedade; a Luta de Classes, que determina o conflito entre os proprietários dos bens de produção, no caso os exploradores e o proletariado, no caso os explorados, e que eles iriam entrar em uma luta em busca de seus interesses e que isso iria levar ao fim do capitalismo e o surgimento do socialismo. Por fim, a Revolução Socialista, que seria a forma como os trabalhadores tomariam os meios de produção, extinguindo a propriedade privada e socializando os meios de produção, criando assim uma sociedade socialista.

MARXISMO: OS FUNDAMENTOS DO SOCIALISMO

Os fundamentos criados por Karl Marx são a base não só dos estudos sobre o socialismo, mas também foCapitalismo X Socialismo 15


Introdução ram usados quando se tentou pôr em pratica uma sociedade sem diferenciação de classes. A teoria Marxista comporta todos os conceitos primordiais para se entender o tipo de sociedade e organização político-econômica que os socialistas defendem. Marx criou esses conceitos depois de muitas análises e reflexões sobre a constituição da sociedade burguesa industrial durante seu período de ascensão, no final do século XIX. Entre os pilares da teoria marxista estão: o materialismo histórico, materialismo dialético, a luta de classes, a revolução proletária, a doutrina da mais-valia e a teoria da evolução socialista. Para entender os conceitos teóricos, precisamos saber que tanto para Marx quanto para Engels a sociedade era dividida em duas classes sociais bem claras. Para eles, existem os exploradores, que são os proprietários dos meios de produção, das fábricas e das terras, também são conhecidos como burgueses, e os explorados, que são as pessoas que não têm meios de produção e vendem sua força de trabalho para poder sobreviver, também conhecida como proletariado. Foi a partir desses pontos que Marx desenvolveu toda a sua teoria sobre o conflito entre exploradores x explorados, ou burguesia x proletariado.

OS CONCEITOS DE MARX

O primeiro dos conceitos determinados pela teoria do marxista é o materialismo histórico. De acordo com o entendimento de Marx e Engels, todos os principais acontecimentos da história, como movimentos políticos, sociais e intelectuais, aconteceram por causa do modo de produção da vida material. Portanto, a questão econômica sempre se sobrepõe às questões sociais, como a cultura e a política, sendo determinante para os processos da vida social, política, cultural e de valores de uma sociedade. Ainda dentro do materialismo há 16 QUERO SABER

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Karl Marx, o principal filósofo das teorias socialistas

também a questão dialética. Esse conceito determina que os indivíduos nunca devam tentar entender as questões do mundo considerando apenas que elas são formadas por um complexo de teorias e fenômenos acabados, mas que devemos olhar as questões como processos que passam por constantes transformações, levando em conta a tese, a antítese e a síntese para formar todo o princípio desse pensamento. Em suma, esse é um princípio sem fim, que vive em constante transformação, assim como a sociedade. Outro conceito base é, talvez, o que você mais já ouviu falar: a luta de classes. Ele é baseado na estruturação da sociedade capitalista entre exploradores e explorados, como mostramos acima. Para Marx, sempre que a sociedade for dividida entre essas duas classes com interesses completamente diferentes haverá o confronto entre elas. Segundo sua teoria, a luta de classes é um fator primordial para a transformação de questões sociais e históricas. Essas lutas podem se dar nos campos econômicos, políticos e, em caso mais extremo, a luta armada. Dessa última, o resultado seria a revolução proletária. A premissa da mais-valia é considerada o alicerce de todo o pensamento de Marx sobre os problemas do capital, pois ela serve para demonstrar, de forma clara, como os trabalhadores são explorados pelos donos de meio de produção que apenas visam ao lucro. Para se calcular a mais-valia, basta subtrair do valor da mercadoria o valor pago pela força de trabalho da mão de obra ao operário. A diferença representa o valor entre a riqueza produzida pelo trabalhador (valor de mercado do produto) e o que ele recebe em forma de salário para produzir a riqueza para o dono dos meios de produção. Por meio desse cálculo, Marx demonstrou que os valores de mercado dos produtos eram superiores ao valor recebido pelos trabalhadores para fazê-lo. O proletariado é considerado explorado pelo dono do meio


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Introdução

Selo húngaro estampa Joseph Stálin, considerado o homem que perverteu os ideais socialistas em benefício próprio

de produção, pois recebe um salário que daria apenas para manter, de forma precária, a sobrevivência de sua família. O conceito da mais-valia é a forma de avaliar o quanto o trabalhador é explorado para que o empresário possa acumular riqueza. Depois de analisar todos esses itens, Marx e Engels propõem que os trabalhadores devem despertar de seu estado de exploração e, por meio da luta de classes, se apoderarem dos meios de produção capitalista e se tornarem protagonistas das transformações da história. Ou seja, para superar o capitalismo e construir uma sociedade sem classes sociais, seria necessário realizar uma revolução socialista, na qual os proletariados tomariam o poder e dariam início à ditadura do proletariado (a transição do capitalismo para o socialismo). O final desse processo de socialização dos meios se produção seria a adoção do comunismo, uma sociedade sem classe social, sem propriedade privada, sem donos de meios de produção e sem Estado. Essa é a teoria da evolução socialista.

DERIVAÇÕES DA DOUTRINA DE MARX

A doutrina determinada por Marx é a base de toda a leitura que se faz do que é o socialismo, porém a colocação em prática de suas ideias gerou outras vertentes de interpretação de seus conceitos, principalmente na questão da revolução proletária. Agora vamos falar uma pouco sobre elas. A primeira interpretação derivada do marxismo foi o leninismo, que foi a releitura e a adaptação as teorias de Marx feitas por Lênin para a realidade que ele encontrava na Rússia czarista. Durante o começo do século XX, Vladimir Lênin percebeu que Marx não havia contemplado a questão do imperialismo das nações capitalistas, que na

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Vladimir Lênin, o homem que pôs as teorias de Marx em prática e uma das principais figuras da Revolução Russa

visão dele criariam um ambiente de eterno conflito entre elas e que isso levaria o capitalismo à exaustão e sua substituição pelo socialismo. Outro ponto em que Lênin discordava de Marx era quanto ao local de realização da revolução socialista. Para Marx, o socialismo deveria ser implantado em países mais avançados industrialmente e que isso facilitaria a expansão do comunismo não só como uma construção local, mas também mundial. Já para Lênin, a revolução socialista deveria ser implantada em países capitalistas menos desenvolvidos, como era o caso da Rússia semifeudal, pois ele acreditava que seria mais fácil vencer um poder burguês que ainda não estivesse plenamente constituído. Em cima desses conceitos ele fundou o primeiro partido proletário da Rússia e um movimento chamado bolchevismo. Os conceitos e práticas adotadas por Lênin ficaram conhecidos como Marxismo-Leninismo. Ele ainda difere dos conceitos marxistas no sentido de que Lênin acreditava que somente um partido composto pelo proletariado e seus líderes seria capaz de conduzir o processo de mudança do capitalismo para o socialismo e guiar toda a sociedade rumo ao comunismo, quando então esse partido e o Estado deixariam de existir. Capitalismo X Socialismo 17


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Introdução

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Leon Trotsky, uma das principais figuras da Revolução Russa e crítico do modelo Stalinista

O Leninismo foi importante, pois por meio base teórica e sua prática foi possível realizar a Revolução Russa de 1917, a primeira tentativa vitoriosa de se criar um Estado que baseava sua economia nos ideais socialistas. Essa linha da prática do leninismo se caracterizou pelo poder do proletariado, o uso da força e da violência para manter a revolução e a identificação do Estado com o partido comunista. Em seguida, com a formação da União Soviética e a chegada ao poder de Stálin, em 1923, logo após a morte de Lênin, se dá o surgimento do que convencionou chamar de Stalinismo, a visão e prática do socialismo de acordo com os conceitos de Joseph Stálin, secretário geral do Partido Comunista Soviético e presidente da nação. Entre as principais características do regime de governos chamado stalinismo estão a radicalização da ditadura do proletariado e do regime de partido único como forma de atingir o comunismo, a burocratização do Estado, a coletivização obrigatória de todos os meios de produção, fossem eles agrícolas ou industriais, e a intensa militarização da sociedade e do partido comunista. Alguns historiadores definem o Stalinismo não como uma corrente de pensamento socialista, mas sim como uma deturpação dos ideais que Marx que serviram para a criação de uma 18 QUERO SABER

ditadura, que concentrava todo o poder decisório e perseguia as pessoas que pensavam diferente. A última dessas variações é o Trotskismo, que surgiu durante o período da ditadura de Stálin para combater o que eles chamavam de perversão dos fundamentos do socialismo e do comunismo. Teve em sua figura principal Léon Trotsky, que pregava a revolução permanente, que seria uma forma de implantar e aperfeiçoar sempre os ideais socialistas. Trotsky pregava que a revolução deveria ser feita em nível internacional, pois seria a única maneira de tornar o comunismo um sistema permanente. Em oposição à ditadura de Stalin, ele também defendia que as estruturas de poder socialistas deveriam ser democráticas e os cargos de liderança rotativos, com seus líderes sendo escolhidos por votação. Essa era uma forma encontrada para impedir que um indivíduo ou grupo se apropriassem dos benefícios da revolução, como fez Stálin por muitos anos.

UM MUNDO, DUAS INTERPRETAÇÕES

Nesse capítulo introdutório podemos perceber que tanto o capitalismo, quanto o socialismo são duas visões diferentes sobre um mesmo problema: a organização social, política e econômica da nova sociedade que se formava a partir da revolução industrial. Dentro do ponto de vista liberal adotado pelos teóricos do capitalismo, a principal preocupação é garantir que os donos dos meios de produção possam ter todas as facilidades para expandir sua produção e o mercado consumidor, e assim aumentarem suas riquezas e suas pro-

priedades, sem que o Estado interfira na economia que, segundo eles, consegue se autorregular por meio do equilíbrio da oferta de produtos e a demanda gerada pela população. Eles enxergam o Estado que tenta regular ou criar leis econômicas como um inimigo, pois com essas práticas, o governo estaria desequilibrando o mercado em favor de um determinado agente. Para eles, cabe ao Estado apenas garantir a segurança da propriedade privada e o acesso à educação e saúde para a população para que todos possam ter condições de atingir o sucesso material e ascensão social de acordo com suas habilidades e pela meritocracia de seus atos. Já para os teóricos socialistas, a principal preocupação é que a sociedade seja construída a partir do princípio da igualdade entre todos e que ela não seja dividida de acordo com a riqueza de seus personagens. Para eles, o Estado tem um papel primordial na fase de transição do modelo capitalista, predominantemente dividido entre exploradores e explorados, para uma sociedade comunista, em que todos os indivíduos irão trabalhar de forma cooperativa para o bem-estar de todos e a riqueza conquistada por esse trabalho será dividida de forma igualitária, acabando assim com qualquer forma de diferenciação. Na visão comunista/socialista, a sociedade ideal é composta por uma classe só, onde todos trabalham e ganham, chegando ao ponto de eliminar a propriedade privada, que segundo eles é a origem da desigualdade, e o Estado, pois em um sistema comunista de organização social, econômica e política, já não haveria necessidade do Estado para organizar e distribuir a riqueza produzida.


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Breve história do capitalismo

COMO O CAPITALISMO SE MODIFICOU ATRAVÉS DO TEMPO DO MERCANTILISMO AO NEOLIBERALISMO, SAIBA COMO FOI A EVOLUÇÃO DA ECONOMIA DO CAPITAL

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O capitalismo passou por várias transformações durante os séculos. Com as diversas crises sociais e econômicas que o mundo enfrentou, passou a adotar ora características mais liberais, ora mais sociais, que concediam ao Estado o poder de regular não só as transações comerciais, como também as financeiras. Durante esse segundo capítulo, veremos como se deram essas mudanças no decorrer da história. Capitalismo X Socialismo 19

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Breve história do capitalismo

O PASSADO MERCANTILISTA

EXPANSÃO COMERCIAL E COLONIZAÇÃO

Essa primeira fase do capitalismo comercial ficou caracterizada pela expansão europeia e a intensificação das atividades comerciais baseadas nas especiarias vindas do oriente, o que proporcionou um enorme enriquecimento dos comerciantes e o nascimento das instituições financeiras como os bancos. Os protagonistas dessa fase foram a Holanda, a Itália e a Inglaterra. Houve, nesse período, a invenção da imprensa, o que possibilitou a disseminação da informação, além de progressos nos setores de forja e metalurgia, como o uso de carrinhos nas minas de carvão inglesas, e o progresso da produção em larga escala de metais e materiais têxteis. A partir do século XV a indústria começou a se especializar também na produção de armas de fogo e canhões Associado ao aumento do poder bélico das nações, houve o incremento da construção de caravelas e melhoras nos sistemas de navegação, o que proporcionou a expansão mercantil das potências europeias, principalmente ingleses, espanhóis e portugueses para a América. Esse movimento ofereceu aos comerciantes desses países a possibilidade de ter acesso Photosebia / Shutterstock.com

O embrião da organização político-econômica capitalista surgiu durante um período importante da história, o mercantilismo europeu. Esse modelo teve seu ápice durante o a expansão colonial para a África, Ásia e América entre os séculos XVI e XVII, o que levou os comerciantes, pequenos artesãos e reinos imperialistas a acumularem valores expressivos de capital. O modelo feudal da época tinha como principais características a servidão perante o rei, o trabalho forçado na agricultura e a apropriação do excedente da produção por parte do dono do feudo, que também era o proprietário da terra e usava as leis políticas e jurídicas para o seu próprio bem. Porém, esse modelo começou a ruir quando mercadores se estabeleceram nos arredores dos feudos para a prática de comércio e troca de mercadorias, dando origem ao capitalismo comercial/mercantilista. As principais mudanças socioeconômicas ocorridas com a queda do modelo feudal e o surgimento do capitalismo comercial são: o desenvolvimento do trabalho livre com remuneração em mercadorias ou dinheiro, a retomada de feiras comerciais, o crescimento do serviço dos artesões e o surgimento das cidades e de uma nova classe social, a burguesia. Durante esse processo que levou a organização social rumo à adoção do capitalismo, a sociedade passou por diversas transformações, como a consolidação da burguesia comercial e financeira, a formação de Estados nacionais, a ampliação do comércio em escala global e o desenvolvimento de técnicas cada vez mais apuradas de produção. De acordo com alguns historiadores, podemos dividir esse processo em duas fases: a primeira é marcada pela colonização da América, com a exploração de matéria-prima a custo baixo, principalmente a partir do século XVI; e, posteriormente, a ascensão e a consolidação política das burguesias a partir do século XVII.

Castelo medieval na Romênia – construção é um dos principais símbolos do feudalismo, sistema que antecedeu o capitalismo

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a mercadorias mais baratas e, com isso, acumular mais capital. A classe burguesa, apesar de ainda não ter o domínio da política local, que ficava a cargo do rei, já influenciava as tomadas de decisões. Com a intenção de preservar seus interesses e evitar a concorrência de comerciantes de outros reinos, influenciava os reis a tomarem medidas protecionistas, como impedir a saída de metais preciosos limitando as importações e facilitar a entrada de metais para estimular a exportação de produtos manufaturados, além de incentivar a criação de um mercado consumidor nacional. Outro fator que contribuiu para a expansão do capitalismo mercantil foi o grande fluxo de metais como ouro e prata vindos do continente americano, que foi primordial para o desenvolvimento dos meios de produção, principalmente na Inglaterra. Esse fluxo de riquezas gerou o acúmulo de capital pelos comerciantes, que aproveitavam parte do excedente para reinvestir no aprimoramento das técnicas de produção e o restante ia para bancos, que se tornavam um importante ator dentro da nova economia em expansão. Mesmo com todo o desenvolvimento do capitalismo comercial, a estrutura da sociedade não acompanhou o mesmo ritmo, o que aprofundou a desigualdade social. A maior parte da população ainda era rural, a produção era basicamente agrícola e a troca de mercadorias era relativamente restrita, pois grande parte dos camponeses produzia para subsistência. O valor recebido pela população do campo, fosse em mercadorias ou em dinheiro, pela prestação de trabalho ficava quase sempre com o clero, a nobreza e o Estado real, que cobravam taxas e, por meio delas, acumulavam fortunas. A dinâmica do capitalismo comercial era primitiva e funcionava da seguinte forma: o produtor vendia a mercadoria a um dono de comércio, que lhe pagava uma soma em dinheiro. Essa quantia lhe permi-

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tia adquirir outras mercadorias para consumo, e o comerciante, que atua como intermediário entre o produtor e o público consumidor, ficava com a diferença entre o valor pago pela mercadoria e o valor de revenda, acumulando assim o lucro. Dentro dessa dinâmica havia duas formas de acumulação de capital: a estatal (manufaturas e estradas reais, portos etc.) e a burguesa (fortunas privadas, moedas, metais preciosos e bens imobiliários).

Docas de Londres, principal ponto de desembarque de mercadorias durante o mercantilismo

A TRANSIÇÃO PARA O LIBERALISMO

Um dos principais fatores que contribuíram para a transição do mercantilismo para o liberalismo foi a insatisfação da burguesia, pois ela já tinha o poder econômico, mas ainda não o político. A situação começa a mudar quando este grupo, se utilizando da insatisfação popular contra o absolutismo do trono inglês, articula-se para tomar as rédeas da organização do Estado e anular os poderes do rei. Essa transição acontece a partir do século XVI, quando a Inglaterra se torna o principal país capitalista do mundo. Ao mesmo tempo em que seu poder imperial cresce, ela também vê seu comércio se expandir com a ascensão burguesa e o amplo desenvolvimento dos meios de produção, como os processos de fundições, fabricação de papel e alumínio. A indústria têxtil também cresce, tendo que terceirizar a mão de obra para fiandeiros e tecelões. A burguesia começa a cobrar do governo mais proteção e medidas que facilitassem a continuação de seu desenvolvimento comercial e manufatureiro – foi aí que a relação entre Estado e comerciantes começou a se complicar. As determinações e pedidos da classe burguesa ao governo ficam claros no Relatório do Conselho Privado da Comissão sobre Tecidos, de 1622, e refletem os anseios da nova classe que havia surgido na Inglaterra. Entre as propostas estavam: penas mais severas e a proibição de manufaturas fora da Capitalismo X Socialismo 21


Breve história do capitalismo

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Inglaterra, facilitar a exportação de produtos como lã, terra e cinzas de madeira do Reino Unido, a criação, em cada condado (estado), de uma corporação com as pessoas mais abastadas (ricas) e mais competentes para controlar a qualidade da fabricação e acabamentos em tecidos e ainda que o reino inglês negociasse com a arquiduquesa dos Países Baixos (Holanda) uma flexibilização das taxas de importação de seus produtos, pois os fabricantes ingleses acreditavam que essa taxação tornava ainda mais cara a produção de tecidos e diminuía o lucro. Um segundo ato nessa fase de transição do mercantilismo para o capitalismo foi a afirmação da classe burguesa como ente político. Entre as reivindicações da burguesia, estavam a constituição de um parlamento eleito pelo povo e a liberdade e o direito à propriedade, por exemplo. Dentro das tensões criadas entre os diversos entes da sociedade inglesa, o Parlamento decide, em 1689, proclamar Guilherme III como sucessor do trono, porém ele teve que respeitar a Declaração de Direitos, que dizia que o rei não poderia suspender a aplicação de leis, receber impostos, levantar ou manter um exército de paz sem que houvesse consentimento do Parlamento. 22 QUERO SABER

BURGUESIA NO PODER

É nesse momento que a nobreza perde seu poder na Inglaterra para os burgueses, que comandam o país por meio de seus representantes eleitos para o Parlamento. Diante da tomada do poder político pela burguesia, inaugura-se a última fase de transição ao capitalismo, que alguns historiadores denominam como Liberdade e Liberalismo. Esse período marca a adoção, por parte da classe burguesa, dos ideais liberais propostos por John Locke, um filosofo inglês. Em suas teorias, Locke desenvolveu conceitos a favor da necessidade de derrubada do Estado absolutista e pregava a intervenção mínima do Estado nas questões econômicas. Assim, para Locke, tanto o governo

A indústria têxtil foi o principal motor da acumulação de capital da burguesia durante o período pré-Revolução Industrial


como a sociedade devem se basear no livre consentimento dos cidadãos, como o próprio descreve: “O que deu origem a uma sociedade política e a estabeleceu nada mais é senão o consentimento de um certo número de homens livres capazes de serem representados pelo maior número deles; e é isto, apenas isto, que pode ter dado começo no mundo a um governo legítimo (...). Sem o consentimento do povo, nunca se pode erguer nenhuma forma de governo”. Com as teorias que legitimaram o poder em suas mãos, os burgueses tinham todos os mecanismos para adotarem as práticas de livre comércio que daria um novo impulso aos sistemas de produção, aumentando sua capacidade sem a intervenção do Estado. Estava plantada a semente do liberalismo, a primeira fase do capitalismo como conhecemos. A liberdade para expandir o comércio para além do Reino Unido foi conseguida por meio de uma série de tratados, como o de Methuen, com Portugal, que em 1703 abriu o mercado brasileiro para os produtos ingleses. Na sequência, em 1713, os comerciantes ingleses obtêm, por meio do tratado de Utrecht, a permissão para abrir representações de seus comércios em todos os países que faziam parte do Império Espanhol. Assim, burguesia inglesa expandiu sua influência para diversas regiões do mundo.

CAPITALISMO INDUSTRIAL

A chegada do século XVIII e o início da Revolução Industrial na Inglaterra proporcionaram aos comerciantes a adoção das máquinas a vapor, o que levou a um aumento considerável da produção e, na mesma escala, de seus lucros. Esse período da história é definido por muitos historiadores como crucial na história do capitalismo, quando o intercâmbio comercial atingiu escala global, o que junto com a alta dos preços permitiu o crescimento rápido das economias dos Estados, principalmente da classe burguesa da Inglaterra, responsável por apresentar essa inovação tecnológica. As principais características desse movimento, além do aperfeiçoamento dos modos de produção, são: o crescimento da fabricação de produtos básicos como chá, açúcar e algodão; a ampliação do mercado mundial para as manufaturas têxteis e de metais; a modernização da agricultura, o fomento do espírito técnico e criativo para o desenvolvimento de novas ferramentas. As novas tecnologias produtivas foram responsáveis também por uma febre empreendedora na Inglaterra, quando diversas fábricas surgiram e aproveitaram o excesso de mão de obra para expandir seus negócios. Um efeito colateral da industrialização, para os capitalistas, é que a partir desse momento a classe assalariada começa a se organizar para lutar por melhores salários e mais direitos, pois se considera explorada pelos donos dos meios de produção. Nesse momento surge a teoria do filósofo Adam

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Breve história do capitalismo

Locomotiva a vapor, uma das principais inovações trazidas pela Revolução Industrial Smith, que em seu livro “A Riqueza das Nações”, de 1776, registra sua visão de qual deveria ser o papel do Estado dentro do modelo liberal que o capitalismo passaria a adotar em alguns anos. Para Smith, “o soberano só tem três deveres para cumprir (...): defender a sociedade de todo ato de violência ou de invasão (...); proteger, tanto quanto possível, todo membro da sociedade da injustiça ou da opressão de qualquer outro membro (...); erigir e manter certas obras públicas e certas instituições”.

A EXPANSÃO LIBERAL

Diversos teóricos dividem o capitalismo liberal a partir do século XIX em duas fases distintas. A primeira delas que vai de 1800 a 1870 é denominada como Era do Capitalismo Industrial e a que vai de 1870 a 1914, ano da Primeira Guerra Mundial, é conhecida como “Era do Capitalismo Monopolista e Imperialista”. O principal marco histórico dessa primeira fase foi justamente a Revolução Industrial, pois foi a partir dela que os capitalistas viram seus ganhos atingirem patamares extraordinários e a sociedade começou a se dividir em duas classes bem definidas. De Capitalismo X Socialismo 23


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Breve história do capitalismo um lado estava a burguesia, dona do capital e das máquinas – os meios de produção. Do outro se encontrava o proletariado, que vende sua força de trabalho dentro das fábricas durante períodos de 12, 14 ou 16 horas por dia em troca de um salário que, às vezes, mal garantiam sua subsistência. Outra característica dessa fase é que as fábricas começaram a se multiplicar nas periferias urbanas das grandes cidades. Com o crescimento da mão de obra, houve um povoamento desordenado das cidades, levando muitos trabalhadores a morarem em locais miseráveis nos arredores das fábricas. As primeiras décadas do século XIX ficaram marcadas pela luta do capitalismo britânico pela expansão de seu capital por meio da adoção de práticas liberais, como derrubar a barreira tarifária para a importação dos seus produtos. O plano de expansão liberal adotado pela Inglaterra foi tão eficiente que ajudou não só a entrada de suas mercadorias em outros países, mas também para a expansão de seu setor financeiro. A queda das barreiras tarifárias gerava déficits comerciais importantes em seus parceiros, que era compensado de certa forma com empréstimo e investimentos em obras de infraestrutura nesses países, gerando ainda mais lucro para a burguesia inglesa. Com a política de investir na infraestrutura de outros países, a Inglaterra acabou dando condições para que França, Alemanha e Estados Unidos, entre outros, se industrializassem. Em consequência disso, a partir de 1870, a indústria nascida nesses países começou a concorrer e disputar mercado internacional com a Inglaterra, o que gerou a volta das práticas protecionistas nas potências econômicas e a inauguração da era do Imperialismo dento do capitalismo.

24 QUERO SABER

O CAPITALISMO MONOPOLISTA E IMPERIALISTA

Se em praticamente todo o século XIX o capitalismo inglês era quem ditava o tom das relações internacionais, em que havia o predomínio do livre cambismo de capitais e de mercadorias, a partir das últimas três décadas daquele século, o maior número de países industrializados levou a uma corrida em busca do protagonismo e do monopólio das relações comerciais globais. Com a disputa acirrada pela hegemonia econômica entre diversos países, a Inglaterra começava a perder o monopólio da produção industrial. Esse processo ficou marcado pela troca do livre comércio pelo protecionismo econômico, em que as principais potências começaram a criar leis que privilegiavam os produtores locais em detrimento da entrada de empresas estrangeiras. Isso levou à centralização e à concentração de capital dentro dos próprios países, o que contribui para a fusão de várias empresas e bancos na tentativa de monopolizarem seus mercados de atuação. Com o acirramento da concorrência entre as grandes potências, principalmente Inglaterra, França, EUA e Alemanha, houve uma intensa corrida pelo controle sobre novos mercados globais. Além da busca por novos consumidores, se tratava também de encontrar matérias-primas mais baratas. Dessa vez, a expansão se deu rumo ao continente africano. Nesse mesmo período, os excedentes financeiros recolhidos pelos Estados ajudavam as potências a subsidiar as novas políticas de defesa da indústria nacional e a adotar políticas

A Alemanha era uma das principais rivais da Inglaterra na busca pela hegemonia econômica no começo do século XX


A Primeira Guerra Mundial marcou o fim do capitalismo imperialista/ monopolista

externas expansionistas. Alguns historiadores chamam esse período de capitalismo imperialista ou de novo ciclo colonial, já que o mundo foi dividido entre as potências capitalistas, cada uma delas com uma zona de atuação e influência, com o mercado aberto às suas empresas e capitais. À medida que a disputa por novos mercados internacionais acirrava os conflitos entre as potências, começou a surgir condições para que em menos de duas décadas acontecesse a primeira Guerra Mundial, o maior confronto armado entre nações até aquele momento da história. Podemos resumir o período imperialista ocorrido entre o final do século XIX e o início de século XX como uma época em que aconteceram diversas transformações no desenvolvimento do capitalismo, como a estruturação das sociedades em um modelo predominantemente urbano-industrial. Houve também o desenvolvimento dos meios de produção que levaram as potências a uma intensa disputa por mercado, o que acabou por desafiar pela primeira vez a hegemonia inglesa. O final desse ciclo se deu com a Primeira Guerra Mundial, que levantou dúvidas sobre o futuro do capitalismo, principalmente após o surgimento efetivo do modelo socialista.

UMA GRANDE CRISE NO CAMINHO

No período entre guerras, o mundo viu a crise do modelo liberal, tendo como seu principal evento a quebra da bolsa de Nova Iorque e a Grande Depressão de 1930, o que levou os principais governos do mundo a repensarem os rumos da economia e pouco a pouco adotarem medidas intervencionistas. A Primeira Guerra não só encerrou um período próspero de ascensão do capitalismo e do bom convívio entre as nações como também colocou em dúvida as principais instituições que haviam sustentado a hegemonia econômica britânica e sua prosperidade no mercado internacional até aquele momento. A fórmula colocada em prática durante o período imperial do capitalismo, que levou à concentração do poder econômico nas mãos cartéis (que dominavam setores da economia), começou a se tornar anacrônica, pois ia contra as teses liberais, já que o monopólio acabava por desestimular a concorrência, um dos grandes motores do liberalismo. Após a guerra, as potências não conseguiram reestabelecer o equilíbrio político-militar que havia antes porque a diferença entre elas havia criado uma instabilidade no mercado mundial difícil de contornar. Essa instabilidade levou a diversas falhas na tentativa de restaurar o sistema monetário internacional, que havia sido tão fundamental para o processo de expansão. Como cada uma das potências tomava medidas para defender suas moedas nacionais, além de abandonar o modelo baseado na paridade libra/ouro, não havia mais como se obter uma moeda comum para as transações internacionais. Com suas economias devastadas pela guerra, os países buscavam um retorno ao passado como forma de revitalizarem seus sistemas econômicos. Eles resolveram adotar a prática do padrão-ouro para a moeda, no qual o valor disponível da moeda é expresso na quantidade de reservas em ouro que aquele país tem. Porém, esse sistema dava claros sinais de esgotamento, pois não havia muitas reservas de ouro no pós-guerra.

A GRANDE CRISE DE 1929

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Breve história do capitalismo

A quebra da Bolsa de Nova Iorque e a Grande Depressão fizeram com que, pela primeira vez, houvesse uma revisão do modelo liberal capitalista. A crise aconteceu em 1929, mas ela foi apena uma consequência do esgotamento desse modelo. Para entender como isso aconteceu, primeiro é preciso saber como a economia norte-americana chegou a esse estágio. Durante a década de 1920, a economia dos Estados Unidos teve um crescimento bem acima da média dos outros países. Isso se deveu à expansão do crédito para o consumo de bens duráveis e ao crescente endividamento das famílias. Porém, esse sistema de expansão econômica já dava sinais que não funcionava bem antes Capitalismo X Socialismo 25


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A quebra da Bolsa e a Grande Depressão deixaram uma legião de desempregados em Nova Iorque

da quebra da Bolsa, pois havia superprodução das empresas e falta de mercado consumidor. Ainda assim, o fator primordial para a crise foi a migração do capital investido em produção para os negócios na Bolsa de Valores. Se antes o dinheiro excedente era investido na compra de equipamentos, agora muitos empresários apostavam na compra e venda de ações para conseguir uma valorização mais rápida do capital aplicado. As famílias da classe trabalhadora também começaram a investir suas poupanças na bolsa visando ganhar mais dinheiro. Esse movimento gerou uma onda especulativa muito forte e levou o preço das ações a patamares altíssimos. E quando a Bolsa quebrou, não houve como impedir uma profunda recessão econômica, pois não havia mais dinheiro circulando na economia, nem por parte das empresas, nem das famílias. Os principais efeitos da crise, que durou de 1930 a 1933, foram a falência de diversas empresas como bancos, indústrias, comércio e agricultura, e o alto índice de desemprego. 26 QUERO SABER

A crise não ficou restrita à economia norte-americana, mas influenciou também o comércio e as finanças internacionais, pois muitos países ficaram dependentes da economia dos Estados Unidos após o Tratado de Versalhes, em 1919. Durante a década de 1920, os Estados Unidos se tornaram a principal economia mundial, sendo o maior exportador de produtos e principal credor internacional. Com o final da guerra, o mercado norte-americano abriu suas portas para a entrada de uma parcela considerável da produção mundial, pois o seu mercado interno não havia sido afetado pelo conflito. Porém, com a chegada da crise e a retração da economia, os Estados Unidos pararam de absorver os produtos do mercado mundial, e todos os que mantinham comércio com a nova potência foram afetados, gerando um efeito cascata na economia mundial.

UM NOVO MUNDO PÓS-CRISE

Como a Grande Depressão do início dos anos de 1930 levou a eco-

nomia mundial ao colapso, com um altíssimo número de desempregados, os países capitalistas tiveram que criar novas formas de organização econômica e social para enfrentar o problema. Como as propostas liberais não funcionavam para superar a crise, os Estados, para preservarem seu mercado interno e o valor de sua moeda, tiveram que adotar medidas para isolar suas economias, sacrificando acordos multilaterais de livre comércio com outros países. O primeiro país a tomar uma atitude para sair da grande crise foi o Reino Unido, que em 1931 descartou as políticas de livre comércio e desvalorizou a libra para torná-la mais atraente frente às concorrentes. É nesse momento que o governo inglês rompe com o liberalismo econômico e três outras correntes de pensamento político passam a disputar espaço: o comunismo soviético, a socialdemocracia e o fascismo. Entre esses sistemas, a socialdemocracia acabou sendo escolhida, pois oferecia um panorama econômico seguro e contava com mais apoio da sociedade. Nos primeiros anos pós-crise, o sistema adotado pelo presidente Roosevelt nos Estados Unidos para superar os problemas foi o do bem-estar social. O New Deal (Novo Acordo) rompia de vez com os preceitos liberais e levou a economia norte-americana a se recuperar plenamente durante a Segunda Guerra. Entre as principais medidas econômicas estavam: conceder empréstimos a fazendeiros para que quitassem suas dívidas e reestabelecessem a produção; controlar a produção para manter o preço dos produtos estável e evitar a inflação; fazer obras públicas de infraestrutura para geração de empregos e absorver a demanda de mão de obra; aumentar o


salário dos empregados; criar o salário-desemprego para ajudar as famílias em situação de miséria; estipular a jornada de trabalho de 8 horas diárias e legalizar os sindicatos; erradicar o trabalho infantil e criar a previdência social. Foi somente por meio desse modelo, em que há intervenção do Estado na economia, que foi possível superar a crise do capitalismo liberal. Nesse momento, ficou claro que para o capitalismo prosperar era necessário que o Estado agisse em diversos setores da economia para evitar crises. Os setores chaves da intervenção seriam as taxas de juros, a flutuação do câmbio (moeda) e a política de salários. A principal corrente teórica do capitalismo que ganha força nesse momento é a instituída pelo economista inglês John Maynard Keynes, em seu livro “A Teoria Geral do Emprego, Juro e Moeda”, publicado em 1936. Na obra, ele define que o Estado deve manter a regulação dos mercados e da concorrência para evitar novas crises.

O período que compreende o pós-Segunda Guerra, que vai de 1945 até meados da década de 1970, é descrito por alguns teóricos como os anos dourados do capitalismo, pois nesse espaço de tempo houve um novo crescimento da economia dos países que eram alinhados ao capitalismo capitaneado pelos Estados Unidos. A grande maioria das nações, além de terem crescimentos econômicos extraordinários, adotaram diversos mecanismos político-econômicos de proteção social e que foram responsáveis com uma convivência menos conflituosa entre o capital e o trabalho, o que configurou a grande marca dessa época. Com o final da Segunda Guerra, os principais países capitalistas da Europa tinham duas preocupações evidentes: reconstruir a economia e a sociedade, que haviam sido arrasadas pela guerra, e evitar o avanço da revolução social comunista. Interessados em manter o controle econômico e político dos mercados internacionais, os Estados Unidos, entendendo que o sucesso da União Soviética poderia ser um problema para seu plano de poder, decide ajudar da reconstrução econômica dos países aliados, além de Japão e Alemanha Ocidental, concedendo enormes empréstimos a juros baixos, mantendo a influência capitalista nesses locais. Participar da reconstrução da Europa não apenas aumentou sua influência econômica sobre aqueles países, mas também contribuiu para

dinamizar a economia norte-americana, levando-a a um crescimento absoluto que tornaria os EUA a economia imperialista do século XX. A contribuição dos Estados Unidos não se deu apenas por meio de empréstimos financeiros: as empresas de lá exportavam também bens materiais, capitais e novos padrões de consumo em massa para a Europa. Por isso que a grande prosperidade do capitalismo nesse período está ligada à ampla disseminação da cultura e do poder estadunidenses.

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ANOS DOURADOS

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Breve história do capitalismo

A Guerra Fria foi um dos motivos da adoção do Estado de Bem-Estar na Europa e que marcou a era de ouro do capitalismo

Barragem no Tennessee, uma das obras públicas aprovadas por Roosevelt para desenvolver a economia e diminuir o desemprego

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Breve história do capitalismo

A evolução tecnológica foi outro fator que contribuiu muito não só para a prosperidade do capitalismo, mas também com a transformação do modo de vida das pessoas e a expansão do mercado consumidor. Entre as décadas de 50 e 60, várias novas tecnologias chegaram ao mercado e seduziam os consumidores, como a televisão, os gravadores de fita magnética e a calculadora portátil. Além disso, houve o desenvolvimento de materiais sintéticos, como o plástico, que serviram para revolucionar a fabricação de bens de consumo. Graças às demandas tecnológicas da Guerra Fria, que ajudaram a desenvolver os radares e aviões a jato, as viagens aéreas também sofreram grandes mudanças. Nessa mesma época aconteceu também a evolução da eletrônica, das comunicações e da informática. Durante esse período, muito por conta da intervenção estatal na economia, os países europeus viviam com baixas taxas de desemprego e um aumento real do salário da classe trabalhadora, o que possibilitava a expansão do poder de compra dessa classe e fazia o mercado interno funcionar. Outra política característica do Estado de Bem-Estar Social adotado nessa época é a redistribuição da renda, mecanismo baseado no aumento da tributação e investimentos sociais, que possibilitou a diminuição das desigualdades sociais nesses países. Esse foi o modelo encontrado pelos países capitalistas europeus para enfrentar a alternativa socialista que existia nos países do leste, estimuladas pela União Soviética. Durante os anos dourados do capitalismo, as relações comerciais e financeiras do mercado global foram bastante dinâmicas. Muitos historiadores creditam isso à estabilidade das moedas mais importantes, principalmente o dólar, que durante esse período ocupou o papel de moeda oficial para as trocas comerciais globais, o que até a Primeira Guerra era feito pela libra esterlina. A prosperidade econômica desse período também é associada à internacionalização das empresas, que começavam a espalhar filais pelo mundo. As norte-americanas foram as primeiras a expandir sua produção para outros países do mundo, principalmente para a Europa. Em um segundo momento, empresas europeias foram em busca de novos mercados e começaram a migrar sua produção para os outros países, ajudando na industrialização de nações periféricas, como as da América Latina. Outro fato marcante desse período foi o surgimento, em 1957, do Mercado Comum Europeu, o embrião do que conhecemos hoje como União Europeia. Por influência de França e da Alemanha Ocidental, os países mais desenvolvidos e com as economias mais fortes do continente resolveram criar um bloco comum para a negociação de produtos entre eles sem tarifas alfandegárias. A ideia era criar uma força comum que pudesse contrapor a hegemonia e a influência dos Estados Unidos na Europa. 28 QUERO SABER

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O FATOR TECNOLÓGICO

O FIM DOS ANOS DOURADOS E A VOLTA DO LIBERALISMO

Em meados da década de 70, os modelos capitalistas adotados no pós-Guerra começaram a sofrer sinais de esgotamento, com dificuldades de expansão da economia e com os Estados sofrendo déficits orçamentários. A culpa foi atribuída à política de Bem-Estar Social, que, segundo alguns teóricos, deviam ser abandonadas para que os Estados adotassem novamente políticas liberais. Assim, a economia voltaria a se expandir. Surge então a Era Neoliberal do capitalismo. Os historiadores ainda não têm uma conclusão sobre o que levou à crise do modelo de Bem-Estar e à volta do liberalismo. Porém, é comum apontarem alguns fatos que contribuíram para essa mudança no sistema capitalista. Um desses fatores foi o desequilíbrio do sistema monetário internacional a partir de 1971. Alguns anos antes, o Mercado Comum Europeu decidiu criar a “euromoeda”. Isso gerou um excesso de dólares circulando sem regulação pelas autoridades monetárias da Europa, o que se tornou extremamente atrativo para o mercado especulativo. Um reflexo disso foi o crescimento do volume de dinheiro atraído para o mercado de troca dos “eurodólares”.

A popularização do televisor foi um dos marcos da prosperidade da era de ouro do Capitalismo


Breve história do capitalismo

O SURGIMENTO DO NEOLIBERALISMO

Com a recessão e os altos déficits nas contas públicas que afetaram os principais países capitalistas do mundo em meados dos anos 70, começaram a surgir as primeiras teses neoliberais. Estas eram contra qualquer intervenção do Estado no funcionamento da economia, pois, segundo eles, essa intervenção gerava distorções das decisões das empresas em investir e nas expectativas dos agentes econômicos. Para os teóricos neoliberais, essas distorções precisavam ser corrigidas para que a economia pudesse voltar a crescer. Essa correção se daria com o enxugamento do setor público e a liberalização dos mercados internos e externos. A liberalização significou o abandono, por parte do Estado, das regras que delimitavam o funcionamento da economia. Esse processo já havia sido iniciado no setor financeiro, em que os governos pararam de controlar o fluxo de capitais especulativos – aqueles que entram e saem dos países por meio de negociação nas bolsas. Na sequência, essa mesma prática passou a ser adotada para o mercado internacional, com a eliminação das taxas alfandegárias para a entrada de mercadorias, e atingiu até o mercado de trabalho, com a flexibilização da CLT. Do lado das práticas de reestruturação produtiva e organizacional que ainda vem sendo promovidas nesse período do capitalismo liberal, podemos destacar entre as ações adotadas pelas empresas em nome da competitividade o uso da robótica e da informática nos processos de produção, a reorganização do processo produtivo em busca de

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Com isso, as moedas nacionais dos países começaram a entrar em defasagem em relação ao dólar e a desestabilizar o comércio nacional e o pagamento das dívidas externas, pois agora era necessário ter muito mais moeda local para conseguir honrar os compromissos feitos em dólar, o que levou muitos países a contraírem enormes dívidas.

O livre fluxo de capitais e mercadorias mais flexibilidade, a redução do quadro é a principal de funcionários e a ampla terceirização da característica do mão de obra das atividades de suporte à neoliberalismo atividade principal. Esse processo de liberalização da economia, segundo alguns teóricos, tem como fator principal um processo de modernização conservador global, no qual se permite a convivência de um novo padrão tecnológico-organizacional com a manutenção do padrão de consumo e que, ao mesmo tempo, promove a reforma (diminuição) do Estado nacional e preserva a acumulação exacerbada de capital, seja no setor produtivo ou no financeiro. Entre os principais teóricos que defendiam a adoção do modelo neoliberal de desregulamentação da economia estavam os economistas Friedrich Hayek (Escola Austríaca) e Milton Friedman (Escola de Chicago).

DO NEOLIBERALISMO À CRISE DE 2008

Na última parte desse capítulo vamos entender como aconteceu o processo de neoliberalização da economia a partir dos anos 80 e como, em consequência disso, chegamos à crise de 2008. No começo da década de 1980, com a chegada de Margareth Thatcher ao poder na Inglaterra e de Ronald Reagan nos Estados Unidos, a economia mundial se viu

LINHA DO TEMPO Principais marcos do capitalismo SÉCULO XV – Fim do sistema feudal e o surgimento de uma nova classe: a burguesia. SÉCULO XVI – Expansão do mercantilismo e a colonização da África, América e parte da Ásia.

SÉCULO XVII – Burguesia assume o poder na Inglaterra com seus representantes no Parlamento e os poderes do rei são restringidos. SÉCULO XVIII – Nas primeiras duas décadas, a burguesia assina tratados com Portugal e Espanha para expandir seu comércio nas colônias desses países. SÉCULO XVIII – Em 1776 os Estados Unidos declaram independência da Inglaterra e começam a ter própria economia. Capitalismo X Socialismo 29


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Breve história do capitalismo em um processo acelerado de desestatização, no qual empresas estatais foram vendidas, a CLT foi flexibilizada e as garantias como seguro saúde e seguro desemprego desapareceram. No esteio dessas mudanças político-econômicas, o mundo viu emergir um novo ator principal nas relações capitalistas: o capital financeiro. Este, por meio do livre fluxo de capitais, se tornou um agente primordial não só para a expansão do setor produtivo, como também para a acumulação de riquezas pelos agentes que lucram apenas com a movimentação de capitais por meio de investimentos em título em nas bolsas de valores. Algumas das principais características desse novo modelo de liberalismo econômico, conhecido como neoliberalismo, em que o capital é mais importante do que as mercadorias para ditar as normas e relações comerciais globais, são: o aumento do valor de ativos financeiros de circulação do mundo, principalmente com a adoção da securitização (criação de seguros) e dos derivativos (capitais que derivam de outros); a separação entre economia real e economia financeira, com a criação de uma riqueza fictícias por meio de títulos para aumentar o dinheiro que circula no mundo; e o aumento constante das taxas de lucros das instituições financeiras por meio da elevação das taxas de juros. Outra característica dessa fase é a mudança das políticas de concessão de crédito, que deixaram de se basear apenas nos empréstimos bancários às empresas produtoras de mercadorias e começaram a envolver também as negociações de títulos dos bancos, da Bolsa de Valores e das dívidas pública e privada, como acontece com os fundos de pensão e de hedge, por exemplo, que são formados para investirem no mercado de capitais. Se até o final da década de 1980, apenas Inglaterra e Estados Unidos haviam adotado as práticas neoliberais que fortaleceram o surgimento do capital financeiro, a partir do começo da década de 1990, com o colapso da economia socialista e o desmantelamento da União Soviética, quase todos os países do globo passaram a adotar o sistema neoliberal como política oficial.

LINHA DO TEMPO Principais marcos do capitalismo

As políticas neoliberais O COMEÇO DA CRISE adotadas por Reagan são DE 2008 o motivo da A nova crise do capitalismo só atin- crise de 2008, giu o mundo em 2008, porém, segundo segundo alguns economistas alguns economistas, ela começou a se formar no começo dos anos 80, com a adoção por parte das grandes potências do receituário neoliberal. Entre as diversas medidas político-econômicas adotadas pelos principais países capitalistas a partir dos anos 90 estão: a redução do papel do Estado por meio da privatização, a redução dos tributos sobre o capital e sua circulação, o enfraquecimento dos sindicatos, a redução dos salários e a flexibilização da CLT, o que levou ao desmonte das políticas de Bem-Estar Social. Nessa nova configuração, o Estado passa a ter uma participação mínima nas dinâmicas da política e da economia, como defendiam os teóricos neoliberais.

SÉCULO XVIII – Em 1789 acontece a Revolução Francesa, que levou a burguesia ao poder na França.

SÉCULO XX – A Primeira Guerra Mundial em 1914 encerra o período de expansão imperialista e surgem incertezas sobre o futuro do capitalismo.

SÉCULO XIX – A Revolução Industrial aumenta a hegemonia da Inglaterra dentro do sistema capitalista. É o início do liberalismo.

SÉCULO XX – A quebra da Bolsa de Nova Iorque e a Grande Depressão encerram a era liberal do capitalismo, que abre espaço para a intervenção estatal.

SÉCULO XIX – A partir de 1870, países industrializados começam uma corrida em busca de hegemonia e novos mercados.

SÉCULO XX – Tem início a Guerra Fria e surge o Estado de Bem-Estar Social como contraponto ao socialismo, período que ficou conhecido como a era de ouro do capitalismo.

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ESTADOS UNIDOS: O BERÇO DA CRISE

Com a retração da economia global, a crise mundial de 2008 surte efeitos até hoje, com países enfrentando altos índices de recessão e estagnação econômica. O grande fator que levou o mundo a passar por essa crise foi, além da adoção de medidas neoliberais na economia, o fortalecimento do setor financeiro durante os últimos 30 anos. Com a desregulamentação promovida por Reagan, a economia norte-americana ficou refém das oscilações do mercado financeiro. Como em mundo globalizado o capital se move sem barreiras e as economias dos Estados estão todas interligadas, a crise no mercado no mercado imobiliário e das hipotecas podres (títulos de dívidas que não serão pagas) não só afetou a economia estadunidense, como gerou um efeito cascata em toda a economia mundial. A crise das hipotecas nos Estados Unidos foi consequência de uma desenfreada busca pela rentabilidade por parte do setor financeiro, que investia cada vez mais no mercado imobiliário, com a liberação de empréstimos com taxas baixas de juros e sem nenhum controle. Essa política de crédito fácil acabou gerando uma demanda muito grande por imóveis, o que levou ao aquecimento e supervalorização destes. Foi quando muitos bancos adotaram o subprime, uma espécie de título de risco que é oferecido ao mercado para quem quiser investir na valorização das hipotecas, por exemplo. Se as hipotecas que fazem parte desse título forem pagas com os juros de mercado, o investidor acaba recebendo um valor maior do que o que foi pago na compra do título. Para arrecadar mais dinheiro, os bancos também passaram a emitir novos títulos a partir da soma de diversas hipotecas e negociá-las com as demais instituições do mercado financeiro. Nesse momento, a aquisição dos títulos dessas hipotecas parecia ser um bom negócio, pois as agências de rating, que são responsáveis por analisar os perigos do mercado, avaliavam esses

títulos como seguros, o que garantia ao investidor que ele teria retorno do valor gasto na aquisição do título. A ruína desse modo de operação teve início quando a inflação começou a subir nos Estados Unidos e, para contê-la, o governo elevou as taxas de juros no país, o que acabou desencadeando um efeito cascata no mercado: com os juros mais altos, muitas famílias não tinham condições de pagar suas hipotecas, que se tornavam títulos podres. Sem receber as hipotecas, a saída dos bancos foi tomar o imóvel do devedor e colocá-los em leilão. Porém, sem conseguir negociar esses imóveis, os bancos não puderam recuperar o valor dos empréstimos e honrar suas dívidas, gerando um efeito cascata que levou vários deles à falência. Com a maior economia do mundo em recessão, países do mundo inteiro também sofreram as consequências. A pergunta que fica é: o capitalismo irá se reinventar novamente ou um novo modelo econômico deve entrar em vigor após a crise? Essa resposta, só o tempo dirá. Crise de 2008 deixou muitas pessoas sem moradia e levou economistas a questionarem o sistema capitalista

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Breve história do capitalismo

SÉCULO XX – Na década de 80, termina a fase de ouro do capitalismo e surge o modelo neoliberal, representado principalmente por Thatcher e Reagan. SÉCULO XX – Na última década do século, o comunismo chega ao fim e o capitalismo neoliberal atinge a hegemonia no mundo. SÉCULO XXI – A crise de 2008 leva muitos teóricos a questionarem o neoliberalismo e o futuro do capitalismo. Capitalismo X Socialismo 31


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Breve história do socialismo

O MODELO ANTICAPITALISTA QUE POLARIZOU O MUNDO NO SÉCULO XX DAS IDEIAS DE MARX AO STALINISMO E A RUÍNA COM GORBATCHEV, CONHEÇA A HISTÓRIA DAS IDEIAS SOCIALISTAS

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Breve história do socialismo

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Hoje em dia, sempre que se fala sobre as teorias e práticas socialistas, a primeira lembrança que temos está relacionada ao modelo adotado na União Soviética a partir de 1917 e que se estendeu até 1991, quando o bloco foi dissolvido. Ainda que tenha vivido seu auge nesse período, a história desse sistema político-econômico começou muito antes, quando por volta do século XVI um grupo de filósofos já se preocupava em encontrar fórmulas para criar uma sociedade justa e ideal. Eles são conhecidos como socialistas utópicos, pois suas ideias nunca chegaram a sair do campo dos sonhos. Entre os primeiros teóricos a disseminar os conceitos básicos do que se entendeu posteriormente como socialismo estava o filósofo inglês Thomas Moore, que no livro “Utopia” descreveu o que acreditava ser uma sociedade ideal. Ela deveria ser frugal, moral e igualitária, ou seja, bem diferente da sociedade inglesa do século XV, que se formava de forma estratificada e com o acelerado acúmulo de poder pela burguesia. A principal dificuldade para transpor os ideais igualitários de Moore da teoria para a prática foi a falta de apoio, já que ele não podia contar nem com os governos e nem com os burgueses mercantilistas para tentar organizar a sociedade sem a existência de classes mais privilegiadas que outras. Outro importante teórico dessa fase é Robert Owen, um industrial reformador que além das ideias de Moore, concebeu que o ideal seria a construção de pequenas comunidades autossuficientes e que os atores dessa sociedade é que seriam responsáveis por produzir e consumir os alimentos que seriam repartidos de forma igualitária – surgia então o conceito de vida em comunidade. Diferente de Moore, Owen chegou a propor formas de concretizar a sua proposta, porém sem sucesso. Na primeira tentativa, ele apresentou suas ideias ao governo na expectativa Capitalismo X Socialismo 33


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Breve história do socialismo de que a colocassem em prática, mas não foi atendido. A segunda tentativa de implantar um micromodelo de organização comunista/socialista foi feita por ele próprio, dando o exemplo de que era possível viver em uma sociedade organizada de forma comum, sem que houvesse exploração do trabalho ou enriquecimento de apenas uma parcela da sociedade. O que une as propostas socialistas de Moore e Owen é que em ambos os casos os teóricos acreditavam que seria possível criar uma sociedade comunista a partir de uma ação governamental ou por iniciativa de um indivíduo, ou seja, não acreditavam que uma força social evoluísse em direção a uma sociedade mais igualitária, sem diferença de classes ou dinheiro, por conta própria.

O termo socialismo e as ideias associadas à luta do proletariado surgiram nas primeiras décadas do século XIX, no esteio do processo de Revolução Industrial, que proporcionou aos donos do meio de produção a expansão de sua produção e de mercado consumidor e o acúmulo maior de riqueza, sem que isso trouxesse nenhuma melhoria para a classe trabalhadora. A primeira menção ao termo “classe trabalhadora”, inclusive, foi na Inglaterra, em 1815. Três anos depois surgiram as primeiras tentativas de unir a classe operária em sindicatos gerais como forma de criar uma maior integração nas lutas por direitos e superar os isolamentos regionais entre os pequenos sindicatos de cada categoria. Esse período de organização da classe trabalhadora durou até 1834 e teve como principal característica a realização de greves gerais em busca de melhores condições de trabalho. Já a palavra “socialismo” surgiu a partir de meados da década de 1820, quando passou a ser adotado pela classe trabalhadora, na França e na Grã-Bretanha. Na década seguinte, esse termo se tornou ainda mais popular, e o tecelão e empresário Robert Owen, considerado o pai do socialismo e do cooperativismo, desponta como o primeiro líder dentro do movimento socialista. Nesse momento da história já possível detectar os primeiros sinais de consciência de classe entre os proletários e suas aspirações sociais, mesmo que ainda fossem menos consolidadas do que a consciência de classe dos donos dos meios de produção. Ainda durante as décadas de 30 e 40 do século XIX, antes do surgimento de Marx, os operários europeus já protagonizavam lutas contra o sistema capitalista e por direitos. Entre essas lutas podemos destacar a greve dos trabalhadores têxteis de Lyon, na França, ocorrida em 1844. Outro movimento grevista de destaque foi o dos operários ingleses na cidade de Manchester, em 1832, que contou com a solidariedade dos trabalhadores fran34 QUERO SABER

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A ORGANIZAÇÃO DO PROLETARIADO

ceses para, por meio de seu jornal O Eco das Fábricas, chamar todos os trabalhados do país para prestar solidariedade aos trabalhadores ingleses, apesar da inimizade entre as nações. A bandeira da luta de classes e do socialismo lançados a partir da publicação do “Manifesto Comunista” por Marx foram um reflexo da luta operária que já existia desde o começo do século XIX, quando o capitalismo se expandia pelo mundo e a desigualdade entre a classe trabalhadora e a dominante aumentava. Ainda nos anos que antecederam o surgimento do Marxismo e suas bases para a prática socialista durante o século XX, houve outros grandes movimentos de contestação da classe operária. Em 1844, aproximadamente 28 tecelões se uniram para lutar contra as condições de trabalho e fun-

Estátua de Thomas Moore, um dos ícones do socialismo utópico


daram um movimento revolucionário em forma de cooperativa, em que todos trabalhavam e dividiam o lucro. O movimento deles ficou conhecido como os Pioneiros de Rochdale. Eles formaram o que se chamou depois de a primeira cooperativa de consumo do mundo. Esse modelo deu tão certo que começou a se estender para fora da Inglaterra, dando origem a organizações similares por toda a Europa continental. Vinte anos após essa primeira tentativa, havia só na Inglaterra outros 454 grupos dedicados à prática cooperativa de produção de divisão dos lucros, além de diversas delas espalhadas pela Europa. Na era pré-Marx houve ainda o que os historiadores chamam de Revoluções de 1848 ou Primavera dos Povos, que é um conjunto de revoltas ocorridas nas regiões central e oriental da Europa em função do descontentamento da população com governos autoritários, crise econômica e a falta de representatividade das classes mais baixas nos parlamentos. As mais significativas aconteceram na França, Alemanha e onde hoje estão Hungria e Áustria, que na época formavam o Império Austro-húngaro. Porém, todas elas fracassaram e serviram para consolidar o poder e a ascensão da burguesia. O ano das revoluções marca também o nascimento do Marxismo, já que no mesmo período o autor publica suas críticas à formação da sociedade capitalista. A partir de então, tem início a fase do socialismo científico com a criação da Liga dos Comunistas.

MARX: A MUDANÇA NO SOCIALISMO

Se na época do socialismo utópico as ideias de uma sociedade mais igualitária e comunitária ficaram apenas no campo dos sonhos, com as análises de Marx e Engels as compreensões de que é comunismo e o meio de transição para chegar até lá (que

é o socialismo) ficam mais claras e palpáveis diante da realidade do capitalismo. Alguns historiadores definem dois eventos como marcos de amadurecimento das ideias e das práticas socialistas: o “Manifesto Comunista”, lançado em 1848, e a realização da Primeira Internacional, em 1864, que foi quando dos partidos comunistas se reuniram pela primeira vez para determinarem as forças de ação na busca por fortalecer a luta do proletariado. O que diferencia as teorias de Marx das formas que ele enxergava a sociedade é o período histórico em que se encontrava. Diferente dos utópicos e sua concepção de sociedade ideal, Marx procurou analisar as contradições que o modelo capitalista tinha e suas consequências para o proletariado, que segundo ele era uma classe explorada pelos donos dos meios de produção. Entre as principais propostas contidas no “Manifesto Comunista” e que serviriam de base para as principais reivindicações dos movimentos socialistas estão o acesso gratuito à educação, o voto universal, o fim do trabalho infantil, uma política de taxação progressiva de impostos, a nacionalização de terras, bancos e meios de transporte, a estatização dos meios de produção e a descentralização dos polos industriais por todo o país. Os mesmos princípios e reivindicações sustentadas por Marx, em busca de uma ditadura em prol do proletariado, serviram como motivação para a realização da Primeira Internacional, que foi organizado pela Associação Internacional dos Trabalhadores, em Londres, e que contou com Marx para fazer o discurso de abertura. A fundação dessa organização significou, na época, um grande avanço das lutas pelos ideais socialistas, pois foi a primeira associação que tentou, de alguma forma, reunir os diversos grupos e partidos socialistas que nasciam na Europa, como Allgemeiner Deutscher Arbeiterverein da Alemanha. Já dentro dessa fase do socialismo inaugurada por Marx, mais precisamente a partir de 1860, a classe trabalhadora inicia um novo movimento de lutas operárias e nacionais pela Europa. Essa volta da luta da classe proletária leva as lideranças sindicais e ativistas simpatizantes do socialismo a pensarem na criação de uma organização que pudesse reunir todas as forças e lutar a favor das causas proletárias e das nações oprimidas. O resultado dessa convergência de pensamentos é a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) em Londres, no ano de 1864. O ano também ficou marcado pela morte de Ferdinand Lassalle, o principal líder sindicalista alemão.

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Os estudos de Karl Marx inspiraram as práticas socialistas do século XX

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Ferdinand Lassalle, principal sindicalista alemão durante o final do século XIX

A PRIMEIRA INTERNACIONAL

A Associação Internacional (AIT) pregava que a classe operária só iria se emancipar e deixar de ser explorada se conseguisse acabar com o regime de organização em classes sociais, e que esses feitos só seriam atingidos por meio da luta dos próprios trabalhadores. O manifesto que marcou a inauguração do AIT, escrito por Marx, afirmava entre outras coisas que: “A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores; os esforços dos trabalhadores para conquistar sua emancipação não devem tender a 36 QUERO SABER

Selo belga lançado em 1964 em homenagem ao centenário da Primeira Interacional Socialista

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Mesmo com muitas divergências teóricas e práticas, os grupos marxistas e lassalleanos eram os principais protagonistas da Associação, que também ficou conhecida como a Primeira Internacional e que era considerada por muitos uma extensão da Liga dos Comunistas, desfeita doze anos antes, em 1852. O principal objetivo tanto da Liga quanto da Primeira era se estabelecer como um ponto central de cooperação e comunicação entre os diversos sindicatos e sociedades operárias da Europa para que pudessem adotar a mesma estratégia de atuação em suas lutas.

constituir novos privilégios, mas a estabelecer para todos os mesmos direitos e os mesmos deveres; a submissão e a dependência do trabalhador ao capital é a fonte de toda servidão: política, moral e material; por essa razão, a emancipação econômica dos trabalhadores é o grande propósito ao qual deve se subordinar todo movimento político; todos os esforços realizados até hoje fracassaram pela falta de solidariedade entre os operários das diversas profissões em cada país, e de uma união fraternal entre os trabalhadores das diversas regiões (...)”. Outro fato marcante na história da AIT e do socialismo no final do século XIX foi a entrada na organização, em 1868, de Mikhail Bakunin, um revolucionário russo que é considerado o pai do anarquismo. Ele entrou para a Internacional com a intenção de criar outro setor de pensamento, chamado Aliança Democrática Socialista. Entre as ideias mais radicais defendidas por ele estavam: a igualdade entre as classes, a abolição dos direitos de herança, o ateísmo como condição essencial para todos os membros da Internacional e a abstenção destes de movimentos políticos. Bakunin ainda defendia a insurreição de todo o povo contra o modelo de governo burguês em que a sociedade da época estava inserida. Ele acreditava que era possível construir uma sociedade pela livre organização da massa trabalhadora, com a ruptura de todas as formas políticas de organização burguesa, ou seja, ele defendia que não havia a necessidade de um Estado para a organização da sociedade e que a classe trabalhadora podia se autogerir. Nos anos seguintes, houve um acontecimento histórico que Marx considera como o primeiro governo operário da história. Em 1870, explodiu na Europa a guerra entre os franceses e o império prussiano, evento que acabou contribuindo para a formação do Estado alemão como conhecemos hoje. Além disso, entre março e maio de 1871, a França acabou governada por uma classe de revolucionários socialista que ficou conhecida como Co-


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Vladimir Lênin, líder dos bolcheviques e principal responsável pela revolução russa

muna de Paris, que segundo Marx, foi a primeira vez que se viu a instalação da ditadura do proletariado. Esse é considerado o ponto alto das revoltas proletárias e também serviu como teste para Associação Internacional, que participou ativamente da Comuna de Paris. Após o fracasso da Comuna houve uma enorme divisão nos quadros da AIT, que culminou com a expulsão de Bakunin em 1872 e o encerramento da Primeira Internacional em 1874.

OS PARTIDOS SOCIALISTAS NA RÚSSIA

Na era conhecida como capitalismo imperial, em que as principais potências econômicas do mundo viviam uma corrida cada vez maior pela monopolização do mercado internacional, o mundo viu o surgimento de grupos e partidos socialistas que buscavam frear a precarização do trabalho e lutavam para conquistar e implantar um Estado socialista. Esse período da ascensão dos impérios capitalistas vai de 1875 até 1914, quando acontece a Primeira Guerra Mundial. O grande conflito que se concentrou em território europeu ajudou a abrir espaço para a primeira experiência real do socialismo, que foi a formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) a partir de 1917. Na Rússia Imperial, surge em 1883 o primeiro grupo proletário com a ideia de implantar o socialismo marxista no país, sendo constituído então, em 1898, o Partido Social Democrático. Em seu início, os quadros de filiados desse partido, que podemos dizer que foi o embrião da Revolução Russa, era composto em sua maior parte por intelectuais, mesmo que ainda houvesse uma boa parcela de grupos trabalhistas, como os sindicalistas. Durante os primeiros anos de existência desse partido, a convivência entre intelectuais e a classe proletária foi pacífica, pois quase sempre eles acabavam por aceitar as decisões propostas pelos intelectuais. Essa passividade

da massa trabalhadora contribuiu muito para que as diretrizes do socialismo marxista se consolidassem como única corrente filosófica dentro da organização. Uma das principais teses socialistas defendidas pelos intelectuais e que recebia apoio dos partidos socialistas alemães é que para que existisse um socialismo sério, primeiro era preciso que o capitalismo se desenvolvesse de forma consolidada, o que já começava a acontecer na Europa Central, mas ainda não havia acontecido na Rússia czarista, que tinha sua economia essencialmente agrária. Apesar de toda a passividade dentro do partido, a partir do começo de 1900, ele começou a se dividir. De um lado ficou Plekhanov, um dos fundadores e principal figura do grupo, que defendia a tese marxista e que acreditava que antes de tentar a implantação de um Estado socialista era preciso que a indústria se desenvolvesse na Rússia. Do outro ficou a ala do partido que queria implantar a revolução de imediato, pois via uma oportunidade única já que o czarismo começava a entrar em declínio. O principal líder dessa ala era Vladmir Lênin. Esses pontos de vistas diferentes levaram a uma cisão profunda que não seria contornada até o final da era socialista na União Soviética. Em 1903, o conflito gerou duas vertentes claras: os bolcheviques, liderados por Lênin, e os mencheviques, liderados por Plekhanov. Segundo alguns historiadores, essa cisão entre os dois grupos acabou por demonstrar um rompimento desses grupos com o marxismo clássico. Capitalismo X Socialismo 37


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Breve história do socialismo

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A instituição do Dia Internacional da Mulher, hoje celebrado em 8 de março, foi proposta primeiramente por socialistas

A SEGUNDA INTERNACIONAL

Além do fortalecimento das interpretações de Lênin sobre o marxismo, o começo do século XX também viu o nascimento da Segunda Internacional. Com diversos partidos socialistas nascendo e se consolidando pela Europa, como na Alemanha, França, Inglaterra e nos países nórdicos, os socialistas viram a necessidade de recuperar o caráter internacional do movimento, que havia se perdido em 1874 com o fim da Primeira Internacional. Então, resolveram resgatar seus valores fundando a Segunda Internacional em 1899. Essa nova tentativa de criar um grupo de cooperação de diversos partidos trabalhistas e socialistas como forma de fortalecer os movimentos nacionais e buscar a implantação de governos socialistas durou até 1914, com o início da Segunda Guerra Mundial. Entre os principais conceitos presentes nessa nova versão da Internacional estavam a ideia de facilitar o intercâmbio e o contato entre os partidos e grupos filiados, criar uma interpretação padrão dos conceitos de Marx, coordenar linhas de ação e de progresso desses grupos dentro de seus países e criar dentro do possível uma única voz socialista internacional. Eles consideravam essa uniformidade era primordial para que o sistema, que tinha a intenção de se contrapor à organização capitalista vigente, tivesse sucesso. Outras propostas que vieram à tona neste congresso foram a criação de uma legislação internacional, estipulando a carga horária de trabalho em oito horas, a abolição dos exércitos nacionais e as bases para oficializar o dia primeiro de maio como dia mundial do trabalho, com direito à primeira manifestação realizada nessa data, além de definir o estabelecimento de uma celebração ao Dia Internacional da Mulher. O marco inicial da Segunda Interacional foi o Congresso realizado em Paris em comemoração ao centenário da queda da Bastilha (Revolução Francesa) e contou 38 QUERO SABER

com representantes sindicais de vinte e três países diferentes. Na mesma época, houve também outro congresso que ficou restrito a sindicalistas e partidos socialistas alemães, franceses e ingleses, porém por divergências internas e pela pouca representatividade do proletário mundial, essa organização paralela não foi adiante. Apesar de todo o esforço dos partidos em torno da Segunda Internacional, a reunião surtiu poucos resultados práticos. O que essa nova organização conseguiu foi finalmente ter discussões voltadas sobre o ambiente e a construção de uma política internacional comum. Muitos historiadores atribuem o possível fracasso da implantação de uma política socialista global por parte dos partidos que integravam a Internacional Socialista ao fator da explosão da Primeira Guerra Mundial, que abreviou os planos de uma organização que ainda não estava madura e também porque muitos dos grupos participantes decidiram deixar de lado o internacionalismo da causa para preservar seus Estados nacionais durante a guerra.

A MARCHA PARA A REVOLUÇÃO

A Revolução Russa de 1917 foi o ápice de um processo que começou logo no início do século XX, quando os partidos socialistas russos começaram a questionar o poder dos czares e que culminou com a criação União Soviética. Esse bloco tornou-se a principal referencial não só para quem critica o socialismo, mas também para outras nações que, por meio de revoluções, decidiram espelhar seu modelo organizacional.


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Porto de Odessa, na Ucrânia, onde houve massacre de trabalhadores em 1905

Também conhecida como a Revolução de Outubro, é considerada por muitos historiadores, como Eric Hobsbawm, o maior movimento revolucionário organizado da história moderna, pois após sua consolidação houve a expansão global do socialismo – durante a Guerra Fria, aproximadamente 30% da população mundial vivia sob um sistema socialista. A Revolução Russa foi o ato final de diversas pequenas revoluções que vinham acontecendo no país a partir da virada do século XIX para o século XX. A principal delas e que teve mais consequências, pois fez os alicerces do czarismo começarem a ruir, aconteceu em 1905, quando os camponeses iniciaram uma revolta e se insurgiram contra o sistema vigente reivindicando terras, menores taxas e impostos e melhores condições de vida. Como o governo demorou a promover reformas em suas leis que atendessem às solicitações dos camponeses, as revoltas, que eram localizadas em pequenas regiões da Rússia começaram a se espalhar e tornar-se mais violentas. Aliada às revoltas no campo, a primeira década viu uma forte escalada do movimento operário na Rússia, com uma série de greves realizadas a cada ano com um número cada vez maior de participantes. Entre 1905 e 1914, no mesmo período em que explode a revolução no campo, o movimento operário tem o seu auge e já conta com mais de um milhão de grevistas em suas fileiras. Nesse momento, a classe operária também mostra um grande senso de organização e luta com a criação dos sovietes (conselhos) de deputados operários, que foram essenciais para a chegada da classe proletária ao poder.

A Primeira Guerra Mundial foi um fator decisivo para que a Revolução Russa pudesse acontecer. O regime czarista decidiu entrar na guerra para aumentar seu controle sobre os Balcãs, região onde hoje ficam a Romênia, a Croácia e a Sérvia, e tenta cria uma unidade nacional no país contra o inimigo externo. A grande maioria da classe operária e os partidos socialistas no começo embarcaram nessa ideia, exceto os bolcheviques que, comandados por Lênin (que estava exilado na Finlândia), continuavam a se opor ao regime autoritário russo. Apesar da expectativa do Império Russo de que a guerra seria rápida e vitoriosa, isso não aconteceu. Mesmo com um numeroso exército, faltava ao czar armamentos para que pudesse combater o exército alemão, que tinha o triplo de munição e armamento. Com o insucesso na guerra, o czarismo russo começou a entrar em colapso, junto com toda a sociedade, que começou a ver na falta de alimentos e de transporte o ambiente ideal para que os bolcheviques começassem a sua revolução.

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Breve história do socialismo

A REVOLUÇÃO RUSSA

No ano de 1917, o czarismo russo desmoronou. A essa altura, o país contabilizava 5,5 milhões entre soldados mortos, feridos, desaparecidos ou que foram feitos prisioneiros. De longe, era a nação que mais havia sofrido baixas. Esse cenário foi primordial para a tomada do poder pelos socialistas e, durante esse processo, houve eventos populares que só fortaleceram a oposição da população ante ao czar, mostrando toda a instabilidade do governo. Em janeiro de 1917, 150 mil trabalhadores entraram em greve na cidade de Petrogrado. No mês seguinte, em fevereiro, os operários de Putilov entraram em batalha campal contra a força policial do czar, agravando ainda mais a situação do governo russo, que já havia perdido boa parte apoio popular ao racionar alimentos básicos como o pão, ainda mais em uma época de grave crise de abastecimento de alimentos, o que gerou uma grande onda de saques a armazéns e padarias. No final de fevereiro, o mundo viu o regime czarista virar pó. Além dos operários, a insurreição contra o poder au40 QUERO SABER

tocrata russo contou com o apoio de diversos soldados, que junto aos rebeldes assumem o controle das armas, estradas de ferro, prédios públicos e veículos de comunicação. No dia 28 de fevereiro, eles tomaram Moscou e depuseram o então czar Nicolau II, o último imperador russo. Um governo provisório foi formado pelas elites do país. O novo governo provisório não conseguiu resolver as contradições da sociedade russa e, aos poucos, foi perdendo o apoio tanto do exército quando da população do campo. Foi nesse momento que os bolcheviques, liderados por Lênin, conseguiram entender as necessidades do povo e provocaram a Revolução de Outubro de 1917, que instalou o primeiro Estado socialista que o mundo conheceu.

População russa toma Petrogrado, umas das principais cidades do país, e consuma a derrubada do czarista


A Revolução se deu a partir do ponto em que os bolcheviques, um partido operário, se tornaram a maioria nos conselhos sovietes nas principais cidades da Rússia, como Petrogrado e Moscou, e começaram a ganhar terreno dentro do exército e no campo. Com um grupo radical e disposto a tudo para fazer a revolução do proletariado, os bolcheviques derrubaram o governo e tomaram o poder em outubro de 1917, tendo Lênin como o primeiro presidente da Rússia socialista. Logo após a revolução, a Rússia socialista entrou em Guerra Civil entre os anos de 1918 e 1920. Durante esse período, vários exércitos contrarrevolucionários se insurgiram contra os soviéticos, muitos deles financiados por outras nações europeias que eram contrárias ao surgimento de um governo socialista. Tropas britânicas, francesas e norte-americanas, entre outras, foram enviadas ao país durante a vigência da Primeira Guerra para tentar derrubar o recém-criado governo bolchevique, que às pressas teve que fundar o Exército Vermelho. No final de 1920, os bolcheviques conquistaram a vitória sobre os contrarrevolucionários e formaram o Partido Comunista, que governaria a Rússia até a derrocada do socialismo. Apesar de todas as dificuldades, os socialistas liderados por Lênin não só mantiveram, mas também ampliaram seu poder político na Rússia. Alguns historiadores definem três razões para o sucesso da Revolução Russa. A primeira delas é que os bolcheviques eram o único poder do Estado e reuniam 600 mil membros no Partido Comunista, no qual eram centralizadas todas as decisões – aliás, esse modelo de partido único seria replicado em todos os países socialistas do século XX. O segundo fator é que com o poder concentrado, foi possível aos bolcheviques manterem a integridade do Estado russo, ou seja, ele não se fragmentou em diversos pequenos países, mantendo a coesão do poder socialista. Por fim, a

permissão do partido para que os camponeses tomassem as terras que eram das grandes famílias e as socializarem, transformando-as em diversas pequenas plantações de agricultura familiar agradou à população rural.

UM MODELO PARA O MUNDO

Com a revolução vencida, era a hora de começar a pôr em prática as ideias da política socialista. Uma delas foi a implantação a partir de 1922 do NEP – Nova Política Econômica. Entre as medidas adotadas estava a cobrança de impostos em espécie, pois não havia dinheiro após a guerra e com esse pagamento, o agricultor poderia vender o excedente da produção como quisesse. Se o plano funcionou para difundir a agricultura, o mesmo não poderia se dizer do setor industrial. Diferentemente das potências capitalistas que tinham seu setor industrial e financeiro desenvolvido, a Rússia ainda era em sua maioria agrária, e a indústria não se desenvolvia do modo esperado. Como exemplo, nessa época, aproximadamente 87% da população economicamente ativa trabalhava no setor do campo, sendo o cultivo de gado bovino ou suíno a principal área. Em 1922, foi proclamada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que contava com as seguintes nações: Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, Transcaucásia, Estônia, Lituânia, Letônia, Moldávia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguistão e Tadjiquistão.

Monumento em homenagem a Leon Trotsky, um dos líderes da Revolução Russa

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Com a criação da União Soviética, mais de 15 países passaram a viver sob o mesmo sistema e mesma bandeira

Os principais desafios da nova constituição social adotada por esse bloco eram superar o atraso secular econômico que impedia a sociedade de crescer e criar formas de aumentar a arrecadação de recursos para investir no desenvolvimento da sociedade e do país. Em 1924, houve uma grande mudança nas políticas marxistas que fizeram parte da Revolução Russa e dos primeiros anos da União Soviética. Com a morte de Lênin, o grande líder da revolução, e a ascensão do georgiano Joseph Stalin ao poder, o conceito que o mundo tem de socialismo estava prestes a se transformar para sempre. A primeira mudança proposta por Stalin era usar os tributos pagos pelos trabalhadores rurais para subsidiar um forte investimento na indústria, pois para que a revolução fosse permanente, era necessário mostrar

ao mundo que era possível haver desenvolvimento mesmo dentro de um modelo diferente do capitalismo. Essa ideia, porém, não deu muito certo, pois o campesinato descontente com o fato de ter que pagar mais impostos e vender suas produções ao Estado por um preço fixado fez um boicote que levou a um novo caos social, com o desabastecimento quase completo de alimentos entre os anos de 1927 e 1928. Isso fez com que Stalin, cada vez mais poderoso, revisse o NEP e propusesse um novo pacto econômico para a então União Soviética. Nessa mesma época, o líder começa a consolidar seu poder despótico diante da potência soviética com a expulsão de Trotsky e outros membros do partido que eram contra as suas ideias. Nesse momento, o Stalinismo se consolida como modelo principal dentro do socialismo soviético.

LINHA DO TEMPO Principais fatos do socialismo Século XV – Surge o primeiro pensamento socialista, criado pelo filósofo inglês Thomas Moore. Século XIX – Organizados por Moore, surgem os primeiros cooperativistas do mundo. Século XIX – Entre as décadas de 1820 e 1840, Inglaterra e França são marcadas por greves e pelo crescimento dos movimentos operários. 42 QUERO SABER

A ERA DE STALIN

Assim que assume o poder quase inquestionável e baseado no terror, Stalin propõe como meta para o Estado socialista a necessidade de alcançar e mostrar o seu poderio perante as nações capitalistas mais avançadas. Entre as propostas defendidas pelo Secretário Geral do Partido Comunista e presidente da URSS estavam o fortalecimento da hegemonia do setor industrial na economia e o lançamento de uma corrida para superar o avanço industrial dos países avançados num curto espaço de tempo. Por causa disso, Stalin lança uma nova versão do NEP, com a adoção de planos quinquenais, ou seja, metas de desenvolvimento que o Estado deveria cumprir e que seriam avaliadas a cada cinco anos. Entre as principais medidas do período entre 1928 e 1933 estava a radical coletivização da terra produtiva, principalmente nas áreas que ficavam na Ucrânia e ao norte da Sibéria Ocidental.

Século XIX – Em 1848, várias pequenas revoluções se espalham pela Europa, o que ficou conhecido como a Primavera dos Povos. Século XIX – Em 1848, Marx e Engels lançam “O Manifesto Comunista”, com as principais diretrizes do socialismo.


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A partir da década de 1930, Joseph Stalin se tornou o principal rosto do socialismo no mundo

A partir da década de 1930, com as ideias imperialistas do governo, a URSS passou por um processo conhecido como “a Revolução pelo alto”, que não só mudou o país, como todas as características do socialismo no século XX. Esse processo revolucionário se deu baseado em dois pilares: a coletivização do campo e a industrialização acelerada, com foco na produção de máquinas e equipamentos pesados; transporte e energias; e armamentos e extração mineral, principalmente petróleo e carvão. O plano de coletivização do campo atingiu 98% de toda a área da URSS até o final da década de 1930. Se por um lado não conseguiu aumentar drasticamente a demanda, esse plano serviu para praticamente acabar com os kulaks, que eram os camponeses ricos, donos de grandes porções de terras. Ao final desse processo forçado de coletivização, muitos deles ou tinham sido mortos pelo regime ou viviam em exílio fora das fronteiras do Estado soviético. Por meio desse desmembramento das

terras, ficou ainda mais fácil para o Estado controlar o que seria produzido, em qual quantidade e quanto deveria ser pago pelo camponês em forma de impostos. No plano da industrialização aceleração forçada, durante a década de 1930, o governo de Stalin criou aproximadamente 8 mil novas indústrias, o que colaborou para o desenvolvimento dos setores químicos, de automóveis, eletrotécnico, de máquinas e bélico, bem como a dar uma nova cara para a sociedade soviética, que passava a se tornar mais urbana, com o crescimento de 112% de sua população, passando de 26 para 56 mil habitantes. Outras medidas características desse período são o forte investimento em educação com a instituição do ensino universal e gratuito em todos os níveis e os ensinos à distância e noturno nas faculdades operárias, destinadas aos proletários. Entre 1928, no lançamento do primeiro plano quinquenal, até 1941, a população com diploma universitário saltou de 233 para 908 mil pessoas.

Século XIX – De 1864 a 1872 vigora a Primeira Interacional, a reunião dos principais dos partidos operários europeus.

Século XX – Durante a Segunda Internacional, que durou de 1899 a 1914, os dias 1º de maio e 8 de março são proclamados como datas comemorativas do operariado.

Século XX – O Partido Social Democrático e os movimentos operários russos ganham força depois do massacre de Odessa, em 1905.

Século XX – Em 1917, os bolcheviques, liderados por Lênin, derrubam o czarismo e tomam o poder, culminando na Revolução Russa.

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Breve história do socialismo

UNIÃO SOVIÉTICA NA SEGUNDA GUERRA

A participação da União Soviética na Segunda Guerra Mundial pode ser definida em dois momentos distintos. No primeiro, o governo de Stalin ficou à margem dos conflitos que ocorriam em território europeu porque o líder havia assinado um termo com Adolf Hitler em que ambas as nações se comprometeram a não se agredirem durante o conflito. Entre os principais termos desse acordo, ficou estabelecido que as duas nações não se confrontariam no campo bélico e que nenhuma delas iria favorecer as nações consideradas inimigas da outra, por exemplo, a União Soviética não ajudaria nas lutas dos aliados (Inglaterra e França) contra o exército nazista. Ao mesmo tempo, ficou decidido entre eles que a União Soviética não se oporia à invasão nazista sobre a Polônia e, em contrapartida, os alemães apoiariam a invasão soviética sobre a Finlândia, o que ocorreu ainda em 1939. O pacto foi assinado em 23 de agosto de 1939, logo nos primeiros momentos do conflito mundial, e é conhecido oficialmente como Pacto Molotov-Ribbentrop. Ele foi mantido até meados de 1941, quando a Alemanha decidiu não cumprir o acordo, dando início à segunda fase da participação soviética na Segunda Guerra.

FIM DO PACTO E A BATALHA DE STALINGRADO

No final de 1940, Hitler, que teria assinado o acordo apenas para ganhar tempo e reforçar seus exércitos, deu a ordem expressa para que a Alemanha iniciasse campanhas em território soviético, rompendo de vez o pacto de paz com Stalin. Para alguns historiadores, esse movimento foi crucial para o fracasso nazista na Segunda Guerra, pois a derrota para o exército soviético na Batalha de Stalingrado (cidade hoje conhecida como Volgogrado) foi o início da derrocada de Hitler.

Após avançar território soviético adentro, contando com o recuo estratégico do Exército Vermelho, que queria deixar o exército alemão refém da fome e do frio, finalmente Hitler chegou à principal cidade da Rússia, Stalingrado, em 19 de agosto de 1942. A conquista da cidade era primordial, pois ela era o principal polo industrial do país e principal canal de comunicação entre o Mar Cáspio e o norte da Rússia. Após meses de intensa batalha, o exército nazista se rendeu às forças de Stalin em 2 de fevereiro de 1943, marcando a retomada da cidade pelo governo socialista e a marcha de seu exército rumo à Berlim para decretar a queda da Alemanha e o fim da Segunda Guerra Mundial.

PÓS-SEGUNDA GUERRA

Ao final da Segunda Guerra, a União Soviética não se saiu apenas como uma das nações vencedoras do conflito, junto com Estados Unidos e Inglaterra, mas também viu seu poder de influência aumentar por todo o leste europeu, desde suas fronteiras até metade da Alemanha, passando por países como Iugoslávia, Romênia, Hungria e Polônia. Com a vitória na guerra e mostrando o seu poderio bélico ao mundo, a União Soviética se tornou uma grande referência de organização político-econômica socialista para as nações que, em um futuro próximo,

LINHA DO TEMPO Principais fatos do socialismo

Século XX – Após o final da Guerra Civil russa, em 1922, é instituída a União Soviética, um Estado composto por mais de 15 nações socialistas.

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Século XX – Em 1925, Stalin chega ao poder e dá início a um período de crescimento e de terror dentro do socialismo soviético.

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ERA DAS REFORMAS E DERROCADA

Selo de 1951 comemora o aniversário do Partido Comunista da Tchecoslováquia, um dos países do leste europeu influenciados pelos soviéticos

adotariam esse modelo, como Cuba e China. Foi também por conta da vitória russa que surgiu o culto à imagem de Stalin, que havia se tornado o líder do socialismo internacional, sendo responsável inclusive por determinar as estratégias econômicas e militares que os países do leste europeu deveriam adotar. Porém, o período de paz não duraria muito. Poucos anos depois teria início a Guerra Fria, principal fator responsável pela expansão e consolidação do socialismo, como veremos no próximo capítulo. Stalin se aproveitou da constante ameaça de confronto com as potências capitalistas, que ele alimentava, para manter em seus planos quinquenais a industrialização acelerada com forte apelo militarista e tecnológico. Porém, esse plano de consolidação do socialismo de forma ditatorial produzido por Stalin, com direito a mortes, expurgos e o exílio forçado de quem era contrário às suas ideias, não duraria muito tempo, já que em 1953 o grande líder soviético morreu, o que proporcionou uma era de reformas dentro do modelo socialista.

Século XX – Após o final da Segunda Guerra, a União Soviética mostra sua força como potência e o socialismo se espalha pelo mundo, atingindo cerca de 30% da população mundial. Século XX – Em 1953, Stalin morre e sua sucessão gera uma guerra interna no Partido Comunista, que leva o socialismo a diversas crises e um extenso período de reforma.

O período entre a morte de Stalin em 1953 e o surgimento da Perestroika (reestruturação), em 1985, foi marcado por intensas reformas dentro do socialismo soviético. Esse tempo de quase trinta anos pode ser subdividido da seguinte forma: entre 1953 e 1964, o país passou por intensas reformas sob o comando de Nikita Khrushchov, que deposto por meio de um golpe dentro do Partido Comunista, deu lugar a Leonid Brejnev. Durante o breve governo de Khrushchov, houve uma tentativa de expurgar todas as práticas ditatoriais do regime Stalinista por meio do fim dos tribunais sumários, a reabilitação dos direitos políticos dos expurgados e exilados entre 1948 e 1950, a anistia para todos os condenados com penas inferiores a cinco anos e reduzindo pela metade a pena dos condenados a mais tempo. No campo econômico, Khrushchov também adotou uma política bem diferente da praticada por seu antecessor, com a redução dos preços dos produtos básicos, aumentos salariais, perdão de dívidas, melhorias no abastecimento, nos transportes e a construção de moradias populares. É durante esse primeiro governo pós-Stalin que a URSS, em rara cooperação com os Estados Unidos, envia seu primeiro astronauta à Lua, Iuri Gagarin, em 1959. A partir do final da década de 1960 até a ascensão de Gorbachev, a URSS passou por um período de intensa instabilidade não só na política nacional, por conta das falhas do sistema socialista e do declínio das condições de vida, como também na questão internacional, já que não só os Estados Unidos e as nações capitalistas a viam como inimiga, mas também a China, que mesmo sendo socialista não estava muito contente com a influência da União Soviética na região. Para corrigir os rumos da economia, Gorbachev, assume o país em 1985 e prepara uma ampla reforma no sistema socialista, a chamada Perestroika (reestruturação). Entre as medidas estão diminuir o maciço investimento em defesa para aplicar na sociedade, fazer um acordo de paz com os Estados Unidos e deixar as guerras que estavam envolvidos como no Afeganistão. Além disso, ele adotou políticas que permitiram a liberalização

Século XX – Em 1985, Mikhail Gorbachev assume o poder na União Soviética e contribui para a derrocada do socialismo. Século XX – Em 1991, o socialismo entra em colapso no mundo com a fragmentação da União Soviética e a adoção do capitalismo pelos principais países do leste europeu.

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Mikhail Gorbachev, último presidente da União Soviética e um dos responsáveis pelo fim do regime socialista

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OS PRINCIPAIS PAÍSES SOCIALISTAS DO SÉCULO XX CUBA

Cuba hoje talvez seja o país com uma política socialista mais conhecido no mundo. Apesar da recente abertura ao comércio exterior, a ilha latino-americana ainda mantém muitos princípios, como a economia planificada, em que não há distinção de salários, e o acesso universal e gratuito a educação, saúde e moradia, tudo subvencionado pelo Estado. A Revolução Socialista no país se deu em 1º de janeiro de 1959, quando um grupo liderado por Fidel Castro e Che Guevara tomou o poder ao destituir o então presidente Fulgêncio Batista do cargo. Um dos motivos que levaram à revolução é que o país vivia em grande desigualdade social, com a maior parte da população vivendo na pobreza, enquanto a riqueza ficava restrita ao governo, aos empresários do turismo e aos grandes fazendeiros exportadores de banana e açúcar. No governo socialista de Fidel Castro, entre suas primeiras medidas estavam a nacionalização de bancos e empresas, a reforma agrária, a expropriação das riquezas e forte investimento em saúde e educação.

Cuba, a única nação socialista nas Américas

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do comércio exterior, o fim da limitação na fabricação de produtos, a redução dos subsídios econômicos para os produtores e a autorização da importação de produtos, era o começo do fim do sistema socialista. De acordo com alguns historiadores, o que levou ao fim da União Soviética e, como efeito cascata, do modelo socialista, foi uma combinação explosiva entre as políticas adotada por Gorbachev, como a Perestroika (que fez a economia e a influência internacional soviética desmoronar), associada à glasnost, que culminou na perda da autoridade nacional do Partido Comunista, abrindo espaço para a contestação do povo soviético. Além do colapso do padrão de vida do cidadão comum, que via a inflação corroer seu poder de compra. Um exemplo da derrocada do sistema é que em 1889, dois anos antes do fim da URSS, pela primeira vez na história a União Soviética não tinha um plano quinquenal de crescimento. Depois da fragmentação da União Soviética, em 1991, com a adoção do capitalismo pelas nações que faziam parte do bloco, todos os países do leste europeu declararam-se independentes desse modelo, inclusive a Alemanha, que voltou a se unificar sobre uma mesma bandeira. Era o fim do socialismo que polarizou as disputas políticas do século XX.

Kremlin, sede do governo russo e um dos resquícios da União Soviética


Breve história do socialismo

O socialismo se instalou como sistema político-econômico em 1949, após revolucionários camponeses liderados por Mao Tse Tung tomarem o poder e derrotarem o general Chiang Kai-shek durante a guerra civil chinesa, que durou de 1946 até 1949. Em primeiro de outubro desse mesmo ano, Mao proclama o surgimento da República Popular da China, que teria em sua Constituição o sistema socialista de governo. Durante a década de 60, a china manteve uma relação bem próxima com a União Soviética, com o intuito de transformar sua economia essencialmente agrária em industrial, algo que conseguiria a partir de meados da década de 1970, quando começo a passar por uma fase de grande crescimento econômico. Hoje, a China, que tem uma economia socialista mista com abertura econômica para produtos estrangeiros, é a segunda maior economia do mundo, rivalizando em protagonismo com os Estados Unidos. Apesar de ser uma potência, a China ainda convive com a desnutrição e altos índices de mortalidade infantil nas regiões do campo.

CORÉIA DO NORTE

A Coréia do Norte hoje é o único país do mundo que segue a doutrina ditatorial do socialismo stalinista. Depois do final da Segunda Guerra, com a divisão do seu território entre norte e sul, vive em intensa rivalidade com a sua vizinha Coréia do Sul e seu principal aliado, os Estados Unidos. Tem como figura importante seu único presidente, Kim Il-Sung, morto em 1994. Depois desse período, o cargo mais alto da nação norte-coreana passou a ser denominado Líder Supremo, que foi ocupado por seu filho Kim Jong-il até 2011, sendo sucedido por seu neto Kim Yong-nam, atual presidente do Partido dos Trabalhadores da Coreia. O país, além de ter a economia mais fechada do mundo, frequentemente tenta dar mostras de seu poder bélico com testes nucleares. Apesar de se afirmar uma economia socialista, alguns historiadores consideram como modelo de governo o Juche, criado pelo primeiro presidente norte-coreano e que tem como principal característica o culto à personalidade a quem dirige a República Popular da Coreia.

A Coreia do Norte é um dos últimos redutos do modelo socialista

A China, hoje uma das principais potências do mundo, já viveu um regime socialista

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CHINA

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Breve história do socialismo

você sabia? PODERIO BÉLICO

100 mil 120 mil BLINDADOS (TANQUES) E

120 MIL AVIÕES FORAM CONSTRUÍDOS.

MÃO DE OBRA

DURANTE A SEGUNDA GUERRA, A UNIÃO SOVIÉTICA CONTOU COM MAIS DE

11,5 milhões DE SOLDADOS, SENDO QUE DESTES,

6,35 milhões PARTICIPARAM ATIVAMENTE DO COMBATE.

BAIXAS

A GUERRA CONTRA OS NAZISTAS EM TERRITÓRIO SOVIÉTICO DEIXOU MAIS DE

202 mil mortos

725 mil feridos 46

48 QUERO SABER

mil desaparecidos

6 meses EM POUCO MAIS DE

DE BATALHA.


Breve história do socialismo

DESTRUIÇÃO

1700 APROXIMADAMENTE

cidades

FORAM DESTRUÍDAS DURANTE A GUERRA, DESABRIGANDO MAIS DE

25 milhões

INVASÃO ALEMÃ

DE PESSOAS.

DURANTE A INVASÃO ALEMÃ AO TERRITÓRIO SOVIÉTICO, ATÉ A DERROTA EM STALINGRADO, O NÚMERO DE PERDAS FOI GRANDE, SENDO QUE:

40% 41% 58% DA POPULAÇÃO FICOU SOB DOMÍNIO ALEMÃO

DAS ESTRADAS DE FERRO FORAM OCUPADAS POR NAZISTAS

DA INDÚSTRIA SIDERÚRGICA FICOU SOB O COMANDO DE HITLER

MUITO DINHEIRO

60% ESTIMA-SE QUE CERCA DE

DO ORÇAMENTO SOVIÉTICO FOI DESTINADO PARA A PRODUÇÃO E COMPRA DE ARTEFATOS PARA USO NA GUERRA.

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A Guerra Fria

UM MUNDO DIVIDI

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ENTRE 1945 E 1991, A DISPUTA POR SUPREMACIA FEZ CAPITALISTAS E SOCIALISTAS SE LANÇAREM A UMA CORRIDA ARMAMENTISTA E TECNOLÓGICA

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Durante a Segunda Guerra Mundial, muitos países europeus tiveram não só sua política, mas todas as suas estruturas destruídas pelo confronto. Porém, entre tantos derrotados, duas nações saíram como vencedoras e passaram a ditar as regras no mundo, cada uma sob a sua ótica. Em 1945, o mundo passou a ser divido entre países capitalistas, com o patrocínio da potência Estados Unidos, e socialistas, que tinham como principal espelho de sua doutrina a União Soviética. O grande símbolo da divisão do globo entre socialistas e capitalistas foi o muro de Berlim, que não só dividiu a Alemanha ao meio como também serviu para delimitar os limites da influência de cada uma dessas doutrinas no território europeu, que, destroçado pela guerra, serviu como troféu para as duas potências vencedoras do conflito. Os 45 anos em que o mundo viveu sob a influência de Guerra Fria foi uma época marcada pelo medo constante de uma Terceira Guerra Mundial – cada movimento de um dos lados parecia ser o prenúncio do desastre. Muito mais

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do que um embate entre as duas nações, o que se viu durante quase toda a Guerra Fria foi um conflito baseado na retórica do medo e em alguns conflitos em zonas periféricas do globo, em que as nações não chegaram a colocar seus exércitos frente a frente. No ambiente político-econômico, as duas potências buscaram a todo custo manter e ampliar suas áreas de influência do mundo, principalmente no continente asiático.

DE UMA GUERRA A OUTRA

A Segunda Guerra mal tinha acabado quando o mundo voltou a viver em completo estado de tensão, sem-


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DO AO MEIO

pre com medo de que uma Terceira Guerra pudesse eclodir. Havia ainda a perspectiva de que esse novo conflito entre as duas superpotências poderia ser o mais cruel e devastador de todos, pois agora as lideranças tinham acesso à tão temida bomba atômica, que poucos anos antes havia dizimado completamente as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Não eram raras as ameaças de ambos os lados de iniciar um bombardeiro com armas nucleares. Apesar de não ter ocorrido um confronto direto, muitas gerações cresceram com medo de que esse conflito, que podia acontecer a qualquer momento, se concretizasse. Uma das grandes peculiaridades

desse período, segundo alguns historiadores, é que nunca houve perigo real de uma guerra nuclear, e essa tática do medo constante era apenas uma retórica das superpotências para manter e conquistar novas áreas de influência no mundo. Esse discurso de medo constante era, em maior parte, alimentado pelos Estados Unidos, já que a União Soviética não contestava com muita força a divisão do mundo após a Segunda Guerra, apesar de influir em menos regiões. Os soviéticos controlavam, com a presença do Exército Vermelho ou forças militares comunistas, uma boa parte do território mundial, mas não tentava ampliar sua área de influência com intervenções militares em países capitalistas da Europa, por exemplo. Já os Estados Unidos controlavam todo o mundo capitalista, que além de parte da Europa, incluía ainda a maioria dos países da América, África e Oriente Médio, ou seja, nações que eram dominadas pelas potências imperialistas na virada do século XIX para o XX. Capitalismo X Socialismo 51


A Guerra Fria

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A Europa teve a sua divisão definida em diversas reuniões e acordos entre Roosevelt, Churchill e Stalin durante os anos de 1943-1945. Nesses acordos, ficou estabelecido que toda a parte ocidental do continente europeu ficaria subordinada às influências capitalistas das potências vencedoras das guerras, Estados Unidos e Inglaterra, tendo a Suíça com único país neutro. Da porção leste da Alemanha, contando Berlim como referência, até as fronteiras da União Soviética, todos os países sofreriam a influência socialista em suas organização político-econômica, com a exceção da Áustria, que como a Suíça, permaneceria neutra.

CONFLITOS FORA DA EUROPA

Se a divisão europeia no pós-guerra foi tranquila e não houve conflitos entre capitalistas e socialistas no continente, nas demais regiões do planeta a convivência entre ambos não foi tão pacífica assim. Durante toda a duração da repartição do mundo entre essas duas ideologias, houve uma intensa busca pela conquista de mais países. Na Ásia, por exemplo, não havia uma clara divisão entre quem adotava a doutrina capitalista ou a socialista 52 QUERO SABER

e a disputa por territórios de influência nesse continente rendeu alguns pequenos conflitos, como as Guerras das Coreia, do Vietnã e, posteriormente, a luta armada no Afeganistão. Foi nessa região que as duas então superpotências competiram por mais e mais influência e abertura para seus mercados. Um exemplo disso é que China não concordava com as normas enviadas por Moscou e, por isso, decidiu seguir os ideais socialistas ao seu modo, sem respeitar o poder central da União Soviética, que perdeu boa parte de sua influência no território asiático. Na América Latina, houve o predomínio do capitalismo. A única exceção foi Cuba, que mesmo com o embargo econômico e as eternas ameaças de invasão, foi o único país da região que se tornou socialista e resistiu à pressão dos Estados Unidos.

A cidade de Berlim, capital da Alemanha, foi dividida durante os primeiros anos da Guerra Fria


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A Guerra Fria

Aviões norte-americanos despejando o Agente Laranja durante a Guerra do Vietnã

As primeiras três décadas da Guerra Fria foram as mais intensas, com muitas disputas por influência. A partir de meados da década de 1970, quando o socialismo soviético começou a passar por uma crise interna, essa doutrina deixou de dar sinais de expansão e, aos poucos, o capitalismo ia se consolidando como principal sistema político-econômico em uso no mundo. Como atestam alguns historiadores, em meados da década de 1970 a disputa entre as duas potências começou a entrar em estabilidade, já que a maioria dos novos Estados pós-coloniais da África, não que gostassem do capitalismo norte-americano, mas repudiavam ainda mais a doutrina socialista e acabavam sendo neutras ou pendendo para o lado capitalista da economia. Após uma expansão na primeira década pós-guerra, principalmente sob

o governo de Stalin, o socialismo soviético entrou em estágio de estagnação. Ainda que para o mundo a retórica de uma ameaça iminente de guerra funcionasse, entre Estados Unidos e União Soviética a relação era, dentro do possível, estável, e assim permaneceu até meados da década de 1970, quando os dois sistemas políticos passaram por uma grande crise. Nos primeiros decênios desse conflito, que foi mais ideológico do que prático, as duas superpotências aceitavam a divisão desigual do mundo e, por mais que pareça estranho, tentavam sempre resolver as disputas por áreas de influência, sem um confronto direto entre seus exércitos – inclusive, é daí que vem o nome “Guerra Fria”. Em resumo, tratava-se mais de uma disputa ideológica e retórica do que um embate mortal, pois os dirigentes dos Estados Unidos e da Rússia trabalhavam com a crença de que era possível existir uma convivência pacífica entre eles, desde que um não interferisse nas áreas de influência do outro, principalmente dentro da Europa. Apesar de não confrontarem seus exércitos diretamente, as duas potências se envolveram em lados opostos de alguns conflitos. Um exemplo disso é a Guerra da Coreia, que aconteceu entre 1950 e 1953. Nesse episódio, Capitalismo X Socialismo 53


A Guerra Fria que resultou na divisão da península, os norte-americanos chegaram a enviar seus exércitos para ajudar os sul-coreanos, mas os soviéticos teriam se abstido participar dos confrontos, apesar de apoiar o lado norte. Porém, segundo alguns historiadores, os dirigentes dos Estados Unidos sempre souberam que cerca de 150 aviões de guerra da China (que também apoiava o norte) que participaram da guerra eram, na verdade, pilotados por militares das tropas russas. Outra tese que confirma que nenhum dos dois polos estava mesmo interessado em um confronto direto é a famosa Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962. Os soviéticos tinham colocado mísseis na ilha apontados para o território norte-americano como resposta à suposta instalação de mísseis direcionados ao território soviético na Itália e na Turquia, promovida em segredo pelos Estados Unidos. Nessa ocasião, em vez de se preocupar em ameaçar o adversário e deflagrar outra guerra mundial, a ideia comum das duas potências era evitar qualquer ato que pudesse ser entendido pelo outro como uma provocação que levasse a um conflito mortal. No final, as duas nações entraram em acordo e removeram seus mísseis.

RIVALIDADE PARA CONSUMO INTERNO

Se a iminência do confronto entre as duas superpotências ficava mais na questão retórica e nas ameaças, a ameaça de guerra foi bem útil para os governantes desses dois países. Como a União Soviética havia adquirido também a tecnologia para armas nucleares em 1949 e a das bombas de hidrogênio em 1953, ambas as nações sabiam que uma guerra real entre elas seria um passo suicida que levaria ambas ao fim. Por isso, os líderes dessas potências usavam a ameaça da ideologia oposta para garantir sua força dentro de seus países e como 54 QUERO SABER

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forma de assegurar a unidade e supremacia em suas áreas de influência. Ainda de acordo com alguns historiadores, a iminência de uma Guerra entre as superpotências se baseava em uma crença ocidental criada após a Segunda Guerra de que a chamada “Era das Catástrofes” ainda não havia chegado ao fim, e que o futuro do capitalismo e de uma sociedade economicamente liberal não estava garantido. Por isso, era preciso manter de alguma forma a sensação de perigo iminente nos países em que a ideologia capitalista era predominante. Instituiu-se então a política do medo, principalmente por parte dos Estados Unidos, que tinha como principal intenção evitar que se criasse um ambiente favorável para a expansão do socialismo no cenário caótico que a Europa enfrentava nos primeiros anos do pós-guerra. Nesse período, todas as nações europeias haviam se tornado um território em ruínas habitado por povos famintos, desesperados e sem muitas esperanças, o que para os norte-americanos parecia um ambiente propício para a radicalização e para a proliferação das ideias socialistas vindas do leste do continente. Um dos maiores temores dos Estados Unidos era que o caos instaurado na Europa, somado a um possível sucesso do modelo socialista soviético, fizesse com que todo o sistema capitalista, baseado

A Guerra do Vietnã é considerada o conflito mais cruel da Guerra Fria


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A Guerra Fria

Uma das alternativas capitalistas para manter influência na Europa foi a criação do Plano Marshall em políticas que privilegiam o sistema de livre comércio internacional e os investimentos privados pelos qual as economias europeias poderiam ser salvas, fosse questionado, pois esse sistema não teria como atender às necessidades das pessoas que mais precisavam de comida e moradia. Esse cenário poderia levar as sociedades do oeste europeu a clamarem pela adoção do socialismo em seus países. Ao mesmo tempo em que procurava formas de manter o seu domínio no território europeu, conseguido mediante acordos durante a Segunda Guerra, os Estados Unidos viam um cenário nebuloso e inseguro após o confronto, pois ao derrotar o exército de Hitler, a URSS saiu fortalecida da Guerra e seu sistema político-econômico predominou não só no leste do continente, mas em alguns outros países do continente asiático. Essa proliferação do socialismo levou a potência capitalista a cogitar a hipó-

tese de, no médio prazo, o capitalismo perder força no mundo e a hegemonia dos Estados Unidos e seu sistema econômico desaparecerem. Um bom exemplo dessa frágil influência da potência norte-americana é a viagem do primeiro ministro francês Charles de Gaulle a Washington no começo de 1946. Com inclinação socialista, o político foi à capital dos Estados Unidos para avisar que se o país norte-americano não lhe dispusesse apoio econômico, devido à grave crise agrária que seu país enfrentava, era provável que ele passasse a apoiar os partidos comunistas na França na próxima eleição. Foi nesse cenário que o governo norte-americano, para evitar que a influência socialista tomasse conta da porção oeste da Europa, aprovou um arrojado plano econômico para salvar as economias do velho continente. Essas medidas ficaram conhecidas como Plano Marshall, que serviu também para fomentar os anos de ouro do capitalismo na sociedade estadunidense, espantando qualquer sinal de crise pós-Segunda Guerra.

O PLANO MARSHALL

O Plano Marshall, ou Programa de Reestruturação Europeia, como era chamado oficialmente, foi lançado em 1947 pelo governo norte-americano com duas inCapitalismo X Socialismo 55


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Selo em homenagem ao Plano Marshall, lançado na Alemanha em 1997

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tenções básicas: ajudar na reestruturação econômica dos países capitalistas europeus, que haviam sido devastados pela guerra, e garantir também o aquecimento do setor industrial do país. As principais ações deste plano consistiam em oferecer empréstimos a juros baixos aos países europeus para que pudessem reconstruir as cidades devastadas pela guerra, além de fornecimento de tecnologia, matérias-primas, alimentos e mão de obra. Em um segundo momento, esse plano foi oferecido ao Japão, ironicamente destruído pelas bombas atômicas lançadas pelos estadunidenses durante a Segunda Guerra. Esse plano foi o principal fator para que os Estados Unidos conseguissem manter sua influência na região e afastassem qualquer ameaça de perda de hegemonia para os socialistas da União Soviética. O fato de os Estados Unidos serem, naquele momento, o único país com o setor industrial desenvolvido e preservado durante a guerra foi primordial para que o Plano Marshall fosse realizado com sucesso. O maquinário e as instalações onde os operários europeus trabalhavam eram importadas dos Estados Unidos, bem como os alimentos, além dos bilhões de dólares tomados como empréstimos, ou seja, no final das contas, o maior beneficiário do plano de reestruturação do continente europeu foram os próprios Estados Unidos, pois além de manter a influência, viram seu setor agrário, industrial e finan-

ceiro obterem lucros e conquistarem novos mercados. A ajuda do governo estadunidense não foi gratuita, pois os países europeus tinham, em contrapartida, que se comprometerem a utilizar os dispositivos oferecidos pelos Estados Unidos para equilibrar seu orçamento, vinculando o valor de suas moedas nacionais ao valor do dólar, que agora se tornava uma moeda internacional. As nações do velho continente também tinham que cooperar com os demais países signatários do plano, além de facilitar o acesso das matérias-primas e mercadorias estadunidenses a seus mercados nacionais. Afora o favorecimento ao setor privado norte-americano, os países que aceitassem o Plano Marshall eram proibidos de repassar os benefícios que recebiam às nações do leste, que estavam sob influência da URSS. Um ano após o lançamento do plano, em 1948, foi criada a primeira organização comum na Europa: a Organização Europeia de Cooperação Econômica, que tinha a função primordial de administrar todos os fundos provenientes dos Estados Unidos e distribuí-los entre os países do grupo. Esse seria o embrião do que conhecemos hoje como União Europeia, fundada em 1957 por meio do tratado de Roma. As consequências do plano Marshall, que durou até 1951, foram que além dos Estados Unidos, os países do oeste europeu puderam desfrutar da Era de Ouro do capitalismo, que durou até meados da década de 1970.

COMECON: O PLANO MARSHALL SOVIÉTICO

Vendo os Estados Unidos consolidarem seu poder na região oeste da Europa, a União Soviética, preocupada com uma possível expansão capitalista sobre os países do leste, resolveu criar a sua versão do Plano Marshall. Essa versão ficou conhecida como Comecon – Conselho para Assistência Econômica Mútua. Fundada em 1949, teve entre seus membros, além da União Soviética, a Albânia (até 1961), Bulgária, Tchecoslováquia, Hungria, Polônia Romênia e Alemanha Oriental. Posteriormente, a partir de meados da década de 1960, o Conselho passou admitir também países não europeus como Mongólia (1962), Cuba (1972) e Vietnã (1978). Apesar de ter sido criado como contraponto ao Plano Marshall dos Estados Unidos, a sua prática era bem diferente. A principal diferença para o rival é que em vez de liberar linhas de crédito e propor a abertura do mercado as suas mercadorias, o plano traçado pelos soviéticos propunha uma economia planificada em todo o bloco, em que cada país membro do conselho seria responsável por produzir determinados tipos de alimento e desenvolver um tipo de indústria, de acordo com suas características geográficas e de meio ambiente. Esse tipo de plano evitava um desenvolvimento autônomo dessas nações e criava uma rede de interdependência entre eles e em relação


A Guerra Fria

MACARTHISMO: A BUSCA PELO INIMIGO INTERNO

Durante todo o período da Guerra Fria, o combate contra o socialismo não se deu apenas no cenário internacional, com a disputa por áreas de influência e tentativas de barrar o avanço do socialismo no mundo. Durante algum tempo, houve uma histeria que fez com que os Estados Unidos passassem a se preocupar com qualquer presença de comunistas dentro de seu próprio território. Entre 1950 e 1957, se difundiu a ideia que qualquer oposição ou crítica ao governo norte-americano era um sinal de antiamericanismo, o que também foi classificado como sinal de comunismo. Entre as pessoas que acreditavam que o comunismo existia dentro dos Estados Unidos estava o senador Joseph McCarthy, que iniciou uma caça às bruxas a qualquer sinal ou declaração que contestasse o governo. O período de vigência do macarthismo foi marcado por uma

Sede da Comecon, em Moscou, atual capital da Rússia e da antiga União Soviética

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à potência soviética, ou seja, na teoria, todos os países membros do Conselho deveriam se desenvolver de forma igualitária e qualquer tipo de ação deveria ser aprovado pela União Soviética. Nos países do bloco socialista que estavam em fase de desenvolvimento industrial, a industrialização ficou restrita aos setores de base, como siderurgia e equipamentos como maquinários agrícolas e industriais e de transporte, por exemplo. Apesar de ser, em teoria, um plano de desenvolvimento conjunto, durante vigência do Conselho houve atrito de algumas nações com o comando soviético, pois eles contestavam algumas regras impostas. A principal resistência e que causou intenso desgaste político entre os países socialistas dizia respeito à coletivização das terras, já que muitos não concordavam com esse processo. A Albânia, que deixou o grupo pouco tempo depois de sua formação, e a Iugoslávia, comandada por Marechal Tito, conseguiram implementar as mudanças socialistas em suas economias sem a interferência da União Soviética. Muito da autonomia desses países em relação à potência socialista se deveu a existência de poderosas lideranças locais que surgiram durante o processo de resistência às forças nazistas em seu território. Isso fez com que esses fossem os dois únicos países do bloco a conseguirem uma relativa autonomia sobre suas políticas econômicas em relação à interferência da União Soviética durante a Guerra Fria.

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A Guerra Fria Bryan Cranston vive o protagonista de “Trumbo: Lista Negra”, que retrata a história do diretor perseguido em Hollywood

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intensa repressão e perseguição política, em que eram comuns a censura e acusações de traição e subversão, feitas quase sem nenhuma evidência. Tanto pessoas comuns como industriais e até atores e diretores de cinema foram vítimas dessa perseguição desenfreada. O projeto leva o nome do senador porque além de fazer discursos fortes contra os comunistas em suas intervenções no parlamento, ele foi o responsável por diversos projetos de lei que incentivavam e concediam um poder maior à polícia no caso de enquadramentos de suspeitos como comunistas. Uma das principais características desse microperíodo dentro da Guerra Fria foi que qualquer acusação, com base ou não, já era motivo para se realizar a espionagem e acusar alguém de ser subversivo ou comunista. Era

considerado subversivo participar de que qualquer passeata ou apoiar qualquer política do governo Roosevelt, período anterior ao macarthismo. Nesse período houve uma intensa manipulação midiática contra os comunistas com prática aleatória de interrogatórios, além da intimidação para se conseguir confissões e delações. Houve também a criação das famosas listas negras, e quem estivesse nela seria proibido de manter qualquer acordo comercial como o governo – muitas outras empresas privadas também passaram a evitar fazer negócios com pessoas dessa lista. Um caso famoso relacionado a essa lista foi o do roteirista de filmes Donald Trumbo, que por ser considerado comunista e estar na lista negra, foi recusado pelos estúdios de Hollywood, apesar de seu talento. Em 2015, o diretor Jay Roach transformou a história de seu colega de profissão no longa “Trumbo: Lista Negra”, que traz Bryan Cranston no papel do protagonista. A parcialidade das investigações era tão descarada que, após atingir membros do governo e do exército, o macarthismo chocou a opinião pública, que passou a ser contra as arbitrariedades cometidas e a condenar a caça aos comunistas. Por desagradar a todos com seus métodos, o macarthismo foi abolido em 1957, chegando ao fim uma das mais perversas práticas anticomunistas nos Estados Unidos. Entre os nomes mais conhecidos que foram perseguidos nesse período estavam Charlie Chaplin, Albert Einstein, J. Robert Oppenheimer (um dos pais da bomba atômica) e Edward U. Condon.

LINHA DO TEMPO Principais fatos da Guerra Fria

1945 – Fim da Segunda Guerra Mundial. 1945 – Acordos de paz dividindo a Europa entre Capitalistas e Socialistas.

1947 – Estados Unidos lançam o Plano Marshall para

ajudar a reestruturar a Europa e manter sua influência.

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1948 – Nasce a Organização Europeia de Cooperação

Econômica, responsável por administrar todos os fundos recebidos do Plano Marshall.

1949 – A União Soviética adquire a tecnologia da bomba atômica, aumentando a tensão no mundo.

1949 – É fundado o Comecon – Conselho para a

Assistência Mútua, a versão soviética do Plano Marshall.


A Guerra Fria

O MURO DE BERLIM

A divisão da Alemanha durou até 9 de novembro de 1989, quando a população foi informada de que a travessia para a parte Ocidental estava liberada, ou seja, o muro não tinha mais razão de existir. Nesse momento, não só os alemães orientais foram para a região do muro, mas toda a imprensa internacional foi cobrir o evento: muitas pessoas não se contentaram em apenas pular o muro, mas começaram a destruir partes dele até que fosse aberta uma fenda por onde todos poderiam passar. A queda ou destruição do muro foi considerada por muitos o marco da vitória do capitalismo sobre o socialismo, tanto que um ano após a destruição do muro, a Alemanha fui reunificada e seus cidadãos já viviam sob a mesma bandeira. Dois anos depois, a União Soviética e a Guerra Fria também chegariam ao fim.

Hoje, restam apenas alguns trechos do Muro de Berlim, que um dia dividiu a Europa entre capitalistas e socialistas

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O símbolo mais marcante da disputa entre o capitalismo, liderado pelos Estados Unidos, e o socialismo, que tinha como expoente máximo a União Soviética, foi a construção do Muro de Berlim, ou como ficou conhecido também, o Muro da Vergonha, que marcou a divisão do mundo durante quase meio século. O muro foi construído em 13 de agosto de 1961 e dividiu a cidade em duas áreas. Berlim Oriental tornou-se a capital da Alemanha Oriental, conhecida formalmente como República Democrática Alemã (RDA), sob influência socialista, e Berlim Ocidental ficou sob domínio da Alemanha Ocidental, ou República Federal Alemã (RFA), cuja capital era a cidade de Bonn. Alguns historiadores dizem que a criação do muro se deu por parte do Governo da Alemanha Oriental, na tentativa de barrar o fluxo de seus cidadãos para o lado capitalista da cidade. Mesmo com exércitos e barreiras na região fronteiriça, cerca de dois milhões de pessoas haviam fugido do país em direção ao seu vizinho mais desenvolvido. Entre os diversos motivos para a fuga, o principal deles era o descontentamento de parte da população com os resultados econômicos e sociais da implantação do modelo socialista no país, como a economia planificada, ainda mais tendo como comparativo o vizinho ao lado que vivia a plena Era de Ouro do capitalismo e colhia os frutos do plano Marshall. A ideia da construção do muro que dividiu a Europa ao meio foi do presidente da RDA e líder do Partido Comunista alemão, Walter Ulbricht. Primeiro ele tentou fechar o livre trânsito na região com cercas de arame farpado e um forte policiamento em frente ao Portão de Brandenburgo. Como a iniciativa não deu certo, teve início então a construção do muro com aproximadamente 155 quilômetros de extensão, que era protegido por guardas, cães e pelos mecanismos de vigilância mais modernos da época. Durante o tempo em que existiu, o Muro de Berlim foi sinônimo de mortes, pois mesmo após sua construção, muitas pessoas tentaram das mais diversas formas fugir para o lado ocidental, a grande maioria sem sorte. Os soldados eram autorizados a disparar contra qualquer pessoa que tentasse pular o muro, tanto que as regiões próximas ao muro ficaram conhecidas como “zona da morte”.

1950 – Entra em vigor nos Estados Unidos o macarthismo. 1950 a 1953 – Guerra da Coreia. 1961 – Construção do Muro de Berlim. 1962– Crises dos Mísseis em Cuba. 1963 a 1973 – Guerra do Vietnã.

1979 a 1989 – Guerra do Afeganistão, o último conflito da Guerra Fria. 1989 – Queda do Muro de Berlim marca o final da influência soviética na Europa.

1991 – Término da Guerra Fria com o fim da União Soviética e do regime socialista.

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A Guerra Fria

AS GUERRAS DENTRO DA GUERRA Se na Europa o conflito entre as duas potências era controlado e ficava mais no campo da retórica e na alimentação do clima de guerra, nas demais partes do mundo o período da Guerra Fria foi marcado por conflitos que eram incentivados por ambos os lados em busca da supremacia ideológica, principalmente na Ásia e em regiões próximas às grandes potências. Os conflitos que exemplificam isso foram as guerras da Coreia e do Vietnã, a Revolução Cubana e a guerra no Afeganistão, ocorrida já nos anos finais do socialismo soviético.

A GUERRA QUE DIVIDIU A COREIA

A Guerra da Coreia, que durou de 1950 a 1953, foi o primeiro grande confronto de ideologias da Guerra Fria, e resultou na divisão da península em duas: a parte Sul ficou sob influência capitalista e a parte Norte sob influência socialista. Alguns historiadores definem que o início desse conflito é culpa dos socialistas, pois a pedido de Stalin, o então presidente chinês Mao Tsé-Tung enviou aproximadamente 70 mil soldados de origem coreana que haviam lutado na Revolução Chinesa para conquistarem o território vizinho. Em 25 de junho de 1950, os norte-coreanos começaram sua marcha rumo a Seul e forçaram os sul-coreanos recuarem ao o sul da península, pois não tinham força militar para enfrentar os rivais. Porém, os socialistas não esperavam que, dois dias após o confronto, os Estados Unidos declarassem guerra aos norte-coreanos. Os norte-americanos decidiram enviar suas tropas ao país e entrar na guerra porque tinham a preocupação com uma possível estratégia expansionista da União Soviética. Para conter o rápido avanço dos norte-coreanos, a ONU, a pedido do EUA, enviou seu exército e frotas de navios para o porto de Inchon, atrás das linhas inimigas, e os rumos da guerra começaram a mudar. Com o avanço das tropas capitalistas, a China decidiu entrar de vez no conflito, pois tinha medo de que a presença dos Estados Unidos colocasse em risco a Revolução Cultural. Depois de quase três anos, a guerra da Coreia chegou ao fim em julho de 1953 com o saldo de 160 mil norte-americanos, 400 mil sul-coreanos, 600 mil norte-coreanos e aproximadamente 900 mil chineses entre mortos, feridos e desaparecidos. A data marcou também a divisão como conhecemos hoje entre as duas Coreias, do Norte e do Sul, com a assinatura do armistício em Panmunjom. 60 QUERO SABER

VIETNÃ

Outro conflito ocorrido nesse período e que teve a presença das duas potências da época foi a Guerra do Vietnã. O embate começou alguns anos antes da entrada do exército norte-americano no país asiático. Em 1954, o Vietnã, liderado por Ho Chi Minh, conquistou sua independência da França e se tornou um governo socialista, alinhado à União Soviética. Antes, o país fazia parte da Indochina, região que era colônia francesa desde 1860 e, depois de 1954, se desmembrou em Vietnã, Laos e Camboja. Depois de vencida a guerra pela independência, o território vietnamita foi divido em dois. Ao norte, foi criada a República Democrática do Vietnã, de caráter socialista e com Ho Chi Minh como presidente. No sul, ficou instituída a República do Vietnã, que tinha apoio dos Estados Unidos ao seu presidente Dinh Diem. No acordo para a formação


A Guerra Fria

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A Guerra das Coreias, que se estendeu por três anos, dividiu a península entre duas nações: do Norte e do Sul

país, os norte-americanos tiveram que retirar suas tropas do país asiático e reconhecer a derrota em 1973, quando o Vietnã voltou a ser uma única nação, com viés socialista.

Por US Army Signal Corps - Domínio público via Wikipedia

das duas nações, firmado em Genebra em 1956, ficou determinado que haveria eleições gerais para a unificação do país. Porém, o governo da região Sul não permitiu que o pleito fosse realizado, gerando um clima de instabilidade entre as duas nações. Nesse contexto surgiu, no Vietnã do Sul, um grupo chamado FNL de vertente socialista que fazia oposição ao governo e era apoiado pelo vizinho do Norte. Preocupado com situação, os Estados Unidos decidiram intervir na região para garantir a sobrevivência de seu parceiro no continente e, em 1963, se iniciou a Guerra do Vietnã, a primeira que a potência norte-americana viria a perder. Além da derrota norte-americana, essa guerra ficou marcada por intensos protestos dos jovens norte-americanos contra a guerra, inclusive muitos deles se recusando a se alistar. Graças à falta de apoio dos países europeus e à pressão tanto internacional quanto no próprio

Soldados em Dak To, território ao sul do Vietnã, durante a Guerra

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crescimento do poderio militar afegão, inclusive com a criação do Talibã, grupo influente no país até hoje e com estreitos laços com a Al-Qaeda.

CUBA

Intervenção norte-americana ajudou a fortalecer o exército rebelde afegão

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AFEGANISTÃO

O conflito no Afeganistão pode ser considerado o último em que as duas potências estiveram envolvidas durante a Guerra Fria. Os confrontos duraram 10 anos, de 1979 a 1989, e foram a última demonstração de força da União Soviética no cenário internacional. A potência socialista já se fazia presente no Afeganistão desde a independência do país, em 1978, quando negociava a mudança da política econômica do país para o socialismo. Porém, sem sucesso nessa empreitada, decidiu invadir o Afeganistão em dezembro de 1979. O objetivo dessa investida era solidificar a influência soviética e pacificar o país, que vivia em guerra civil entre as forças do presidente Babrak Karmal e os guerrilheiros, conhecidos como mujahidins. Por outro lado, os Estados Unidos, querendo expandir sua influência na região, passaram a auxiliar os rebeldes com armas e suporte financeiro para que eles conseguissem expulsar o Exército Vermelho do país. A guerra foi bastante violenta, com a URSS chegando a ocupar diversas cidades e bases militares do país. Quase 10 anos após o início dos confrontos, em 1988, e com sua economia comprometida, Mikhail Gorbachev ordenou a retirada do Exército Vermelho do Afeganistão e aceitou a derrota. Nessa guerra, a URSS já havia perdido 15 mil soldados. A interferência norte-americana no confronto, além da vitória, proporcionou um enorme

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O caso de Cuba talvez seja o mais emblemático de toda a Guerra Fria. Diferente dos conflitos em países asiáticos, que visavam uma maior influência na região, a ilha do Caribe ainda é o único país socialista do continente americano, que sofre forte influência dos Estados Unidos. Desde que Fidel Castro assumiu o poder após derrubar o ditador aliado norte-americano Fulgêncio Batista, a relação entre os dois países é tensa. Nos 45 anos de duração da Guerra Fria, os Estados Unidos tentaram de todas as formas retomar sua influência no país latino, fosse por meio de um ataque contrarrevolucionário com a tentativa de invadir o país por meio da Baía dos Porcos ou com


A Guerra Fria uma série de embargos comerciais. Porém, o atrito mais complexo e que quase levou a um conflito direto entre as superpotências foi a Crise dos Mísseis, ocorrida em 1962. O clima de tensão entre Estados Unidos e União Soviética começou no ano anterior, quando os Estados Unidos instalaram mísseis nucleares na Turquia, país que fazia fronteira com a União Soviética. A existência desses mísseis tão próximos ao seu território desagradou muito os soviéticos, pois eles acreditavam que o rival estava em uma posição geográfica muito privilegiada caso decidisse atacar. No mesmo período, os Estados Unidos tentavam de todas as formas de retomar sua influência em Cuba, que era dominada pelos socialistas. Em 14 de outubro de 1962, os Estados Unidos mostraram fotos que teriam sido feitas durante um voo secreto sobre o território cubano, em que alegavam que havia instalações

preparadas para abrigar mísseis soviéticos. A primeira atitude do então presidente John Kennedy foi comunicar o achado à população e avisar sobre o eminente risco de um ataque nuclear. Já do outro lado do mundo, Nikita Krushov, presidente soviético, disse em resposta que a colocação de mísseis em Cuba tinha a intenção de impedir uma invasão estadunidense ao território aliado, além de ser uma tática de defesa em resposta aos mísseis norte-americanos na Turquia. A crise durou 13 dias e foi um dos momentos mais críticos durante toda a Guerra Fria, afinal, pela primeira vez, se levantou a possiblidade de um confronto real entre as duas nações. Em meio a toda a essa tensão, em 28 de outubro, os dois lados chegaram a um acordo de paz. Os soviéticos se comprometeram a retirar seus mísseis de Cuba se os norte-americanos fizessem o mesmo com os armamentos localizados na Turquia. Além de acirrar os ânimos, a crise também trouxe consequências benéficas, como o acordo entre EUA, URSS e Grã-Bretanha proibindo testes nucleares no céu e no mar, em 1963. Esse acordo foi ampliado, em 1968, para mais de 60 países, quando foi firmado o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, vigente até hoje.

A GUERRA FRIA NAS TELAS DO CINEMA

Uma das principais características da Guerra Fria foi ser um conflito retórico, simbólico, em que houve muito mais ameaças do que confrontos diretos entre as duas principais potências do século XX. E não havia, na época, instrumento melhor para reforçar a superioridade perante o adversário e exaltar seu poderio militar do que as telas do cinema. Durante esse período, não era raro ver filmes com temáticas militares em que os heróis norte-americanos enfrentavam o vilão, quase sempre soviético ou pertencente a um país socialista. O cinema foi o grande veículo utilizado para fazer propaganda e assim levar os valores capitalistas não só para o público norte-americano, mas também para boa parte dos países do mundo alcançados pela indústria de Hollywood. Quem não se lembra Imagem aérea das supostas bases soviéticas em Cuba, em 1962 Capitalismo X Socialismo 63


A Guerra Fria dos vilões dos filmes do espião mais famoso do cinema, James Bond? Ou então dos problemas que Rambo enfrentava quando lutava contra os malvados exércitos de países socialistas? Até mesmo Rocky Balboa enfrenta um lutador soviético em plena URSS em uma das sequências da trilogia. Além de fazer propaganda sobre seu poder bélico, o cinema também serviu para exportar o “Way of Life” norte-americano pelo mundo, simbolizados pelas famílias felizes de classe média retratadas nos filmes. A principal característica do cinema norte-americano durante a Guerra Fria era baseada em criar e fomentar a ideia de uma luta entre o bem e o mal, sendo o lado dos Estados Unidos retratado como o salvador do mundo, o garantidor do sucesso, aquele que sempre lutava pelo bem da humanidade. O país era a pátria mãe dos heróis destemidos, dos homens capazes de libertar o mundo da tirania e da opressão dos comunistas, que eram sempre representados como terroristas, ateus, frios e calculistas, que só se interessavam pelo poder e por serem tirânicos e capazes de destruir o mundo. Se antes os soviéticos e socialistas eram a projeção de todo o mal que há no mundo, depois do fim da Guerra Fria esse papel coube aos orientais e mais recentemente aos islâmicos, sempre passando a ideia para o grande público de hoje que, por exemplo, os árabes são, de forma generalizada, terroristas, inimigos da humanidade e que seu único propósito na vida é criar o terror e acabar com a população ocidental.

O CINEMA CAPITALISTA

O cinema hollywoodiano foi o principal meio de propagação não só do estilo de vida norte-americano, como também dos ideais capitalistas e do poderio bélico dos Estados Unidos durante a Guerra Fria – função que mantém até hoje. No final dos anos 40, em um cenário de crise devido a leis antitruste e à chegada da televisão, que contribuíram para a diminuição da arrecadação dos grandes estúdios, os produtores de Hollywood decidiram comprar a ideia anticomunista lançada pelo macarthismo para tentar recuperar o público que havia perdido. Umas grandes características dessa época foram filmes com temáticas ideológicas, com temas como intimidação, guerras, boicotes econômicos e espionagem. Na guerra cultural que se tornou o cinema, Hollywood teve a grande função de trabalhar o bem e o mal na mente das pessoas, além de criar e reforçar preconceitos e estereótipos. Se a indústria cinematográfica norte-americana trabalhava quase sempre a ideia de vender os estilos de vida do capitalismo e em mistificar, negativamente, qualquer ideia socialista, o macarthismo contribuiu muito para isso, pois graças à caça às bruxas protagonizada por Joseph McCarthy e o recém-fundado Comitê 64 QUERO SABER

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A trilogia “Rambo” é um dos ícones do cinema do cinema norte-americano feito durante a Guerra Fria de Atividades Antiamericanas, qualquer ator ou diretor que questionasse os padrões capitalistas, as políticas de governo ou lutasse por justiça social era enquadrado como comunista. Com isso, a pessoa entrava para a lista negra do setor e dificilmente conseguiria trabalhar na área de cinema, ou seja, a paranoia anticomunista contribui muito para que uma só voz tivesse espaço dentro do cinema norte-americano durante os primeiros anos da Guerra Fria. Outros temas que proliferaram durante a Guerra Fria eram os que tinham como temática uma ameaça externa, quase geralmente de alienígenas vindos do planeta vermelho


A Guerra Fria

O CINEMA SOCIALISTA

Se o cinema norte-americano se dedicou quase que exclusivamente a fazer a propaganda dos benefícios do sistema capitalista e mistificar negativamente o sistema socialista durante boa parte da Guerra Fria, o cinema soviético também não ficou muito longe disso. A principal corrente cinematográfica desse período era o Realismo-Socialista, que nasceu durante a década de 1930 com a consolidação de Stalin no poder, prevalecendo até meados da década de 1960. Uma das principais características desse movimento era enaltecer a revolução proletária de 1917 e os ganhos que o socialismo tinha levado para a sociedade soviética. Os grandes produtores cinematográficos dessa época, como os estúdios Lenfilm e Mosfilm, eram ligadas a órgãos governamentais, e para terem seus títulos aprovados para produção e distribuição, tinham que seguir as determinações do Partido Comunista para a produção de artes na União Soviética, quem eram: representar o povo soviético como herói coletivo, destacar a importância do trabalho na construção da sociedade e sempre reafirmar os valores socialistas da revolução. Ainda no período stalinista, que durou até 1953 e que foi a marca do cinema soviético durante os primeiros anos da Guerra Fria, além das determinações do Partido Comunista, os produtores tinham que atender outras três premissas: a partiinost, que dizia que todo filme deveria atender as definições do partido socialista; a ideiianost, em que toda obra teria que possuir conteúdo político relevante;

e a narodnost, que determinava que a arte deveria ser acessível às massas e ser capaz de definir a mentalidade do novo homem socialista. Podemos dizer que, durante a Guerra Fria, a mentalidade do cinema soviético era uma intensa rejeição aos valores e autores burgueses, a insistência em servir às questões do Partido Comunista e reforçar a ideologia socialista com a intenção de educar as massas e mostrar como as políticas socialistas eram feitas em prol do bem coletivo. No período final do Stalinismo, as poucas produções aprovadas pelo governo foram dedicadas ao culto à figura do líder e a apresentar a ideia do homem soviético como sendo forte, perfeito e invencível, independentemente da situação, como forma de fazer um contraponto ao imperialismo norte-americano e ao que eles consideravam as mentiras do sistema capitalista. Os principais filmes dessa década, como “A Queda de Berlim”, “Missão Secreta” e “A Trama dos Condenados”, se dedicaram exclusivamente a mostrar o caráter heroico do homem soviético sobre situações difíceis, o que ajudava a consolidar junto à população o ideal socialista. A partir dos anos 60, já sobre o governo de Kruschov e com a diminuição da influência do Stalinismo, começavam a surgir cineastas como Andrei Tarkovski, um dos maiores do cinema russo, que em suas obras procurava mostrar o sofrimento do povo soviético com os problemas da Guerra e apontar as contradições do sistema socialista, mesmo ainda havendo algum tipo de restrição.

Selo comemorativo ao filme russo “O Jovem Guarda”, lançado em 1948 durante a Guerra Fria

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– cor associada ao socialismo soviético. É nessa época também que surgem os filmes sobre espiões, CIA e KGB, tendo como principal ícone James Bond, o 007, e sua luta contra os terríveis vilões soviéticos. O cinema norte-americano se esforçava para mostrar o antagonismo do modelo soviético e vender as maravilhas do capitalismo. Mesmo sendo monotemático, a partir de meados da década de 1970, alguns cineastas passaram a criticar o imperialismo norte-americano. Filmes como “Apocalipse Now”, “Ponte do rio Kwai” e “Bom Dia, Vietnã”, por exemplo, procuraram retratar os horrores da guerra e fazer uma crítica ao belicismo norte-americano. Porém, esses trabalhos foram exceções.

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Social-democracia

66 QUERO SABER


Social-democracia

UMA TERCEIRA VIA POSSÍVEL

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O SISTEMA QUE NASCEU PARA MOSTRAR UM POSSÍVEL CAMINHO ALTERNATIVO ÀS IDEOLOGIAS QUE POLARIZARAM O SÉCULO XX

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Durante boa parte do século XX, o mundo esteve dividido entre duas ideologias e modelos político-econômicos totalmente antagônicos. Ou se adotava o capitalismo, que já fazia parte das relações econômicas e sociais desde o século XVIII com a Revolução Industrial, ou se apostava no novo sistema surgido após a Primeira Guerra Mundial e que procurava, de forma radical, acabar com toda a exploração do capital sobre a classe trabalhadora. Mas com o fim do socialismo soviético, muitos teóricos começaram a pensar em um sistema que fosse mais justo e que pudesse se contrapor ao capitalismo, mas de uma forma menos radical. A partir de meados da década de 1990, então, surge um revisionismo da Social-Democracia tradicional, um modelo híbrido entre os ideais capitalistas e socialistas e que se apresentava como uma opção possível aos outros dois modelos econômicos. A Social-Democracia ganhou força na Europa a partir do final da Segunda Guerra Mundial, durante a Era de Ouro do capitalismo. Ela adota as práticas de livre mercado do capitalismo de Keynes, com alguma regulamentação sobre as transações econômicas, sempre para evitar o monopólio e minimizar as crises. Esse modelo também contempla algumas das reivindicações dos socialistas, pois por meio das políticas de proteção social do Estado de Bem-Estar, ele consegue diminuir a exclusão social das pessoas desempregadas e/ou vulneráveis. Hoje, o principal e mais avançado modelo de Social-Democracia no mundo é o nórdico, adotado por Finlândia, Suécia e Dinamarca desde o final do século XX e que tem trazido grandes avanços sociais e econômicos para a população desses países.

AS ORIGENS

Os primeiros conceitos da Social-Democracia surgiram durante o final do século XIX, ao mesmo tempo em que o socialismo começava a se organizar na Primeira Internacional Socialista. Os defensores da Social-Democracia foram dissidentes das duas principais interpretações do socialismo: o marxismo, que pregava a revolução e a tomada do Estado, e o anarquismo, que pregava o fim total do Estado. Para os defensores da Social-Democracia, o caminho da construção da revolução social seria a criação de partidos trabalhistas que lutariam dentro das intuições democráticas burguesas. A raiz histórica da Social-Democracia está na confluência de duas forças crescentes durante as primeiras greves e lutas do proletariado e a precarização do trabalho nas indústrias inglesas na época da Revolução Industrial. Essas duas forças que resultaram na formação dos partidos políticos trabalhistas são o movimento sindical inglês, sustentado pelas novas indústrias, e o movimento socialista, liderado pelos intelectuais que procuravam formas de dar mais autonomia e diminuir a exploração das classes operárias. Os sindicados e os intelectuais de esquerda são os Capitalismo X Socialismo 67


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Social-democracia

A I C A R C DEMO

IGUALDADE LIBERDADE JUSTIÇA EMANCIPAÇÃO

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dois componentes que formaram os partidos de centro-esquerda como conhecemos hoje. Na segunda metade do século XIX, ao mesmo tempo em que o movimento sindical inglês vai conquistando mais espaço na sociedade, deixando de ser um movimento local para se tornar um movimento nacional em prol da classe operária, as ideias socialistas crescem e ganham diversas ramificações na Europa. Após o lançamento do Manifesto Comunista, em 1864, surgem as seguintes vertentes socialistas: blanquistas e proudonistas na Inglaterra e anarquistas e marxistas na Alemanha e na Rússia. As divergências entre os sindicalistas e os movimentos socialistas começam a partir da fundação da Associação Internacional do Trabalho, também conhecida como a Primeira Internacional, em 1864, em Londres. Na visão dos trabalhistas ingleses, apesar de o estatuto defender que a emancipação da classe trabalhadora deveria ser feita pela própria classe operária e designar que o movimento político trabalhador teria essa meta, a prática era bem diferente da teoria. Na visão deles, a Associação não se voltava para a causa dos trabalhadores, já que vivia em intensas lutas internas pelo seu controle e de todo o movimento do proletariado. Os anarquistas, por exemplo, que tinham muita representatividade dentro da instituição, lutavam para que a Primeira não reconhecesse nenhuma forma de organização do Estado e que fosse repudiada qualquer ação revolucionária que não tivesse como objetivo levar adiante as causas operárias contra qualquer poder do capital. Após o insucesso da Comuna de Paris, o congresso da Primeira Internacional em Haia, na Holanda, aprovou a recomendação dos sindicalistas para que se formassem partidos políticos socialistas para que seus integrantes pudessem lutar a favor do proletário dentro do parlamento. Essa ideia também foi endossada tanto por marxistas como por reformistas (intelectuais que faziam críticas e se dedicavam a estudar propostas diferentes para o socialismo com base nas ideias de Marx). Essa resolução, apesar de não ter conseguido força para ser aplicada entre os socialistas da maior parte dos países europeus, foi primordial para que surgisse na virada do século XIX para o século XX a Social-Democracia alemã, provavelmente o modelo Social-Democrata mais consolidado no mundo.


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Social-democracia

Selo da Alemanha Oriental, impresso em 1971, homenageia a Comuna de Paris, fato que propiciou a criação de partidos políticos socialistas Vale ressaltar que quando a Primeira Internacional recomendou a criação de partidos socialistas em países onde a industrialização já estava em processo avançado, o Partido Social-Democrata de Trabalhadores Alemães já existia, pois foi fundado em 1869, sendo reconhecido como o primeiro partido trabalhista da história.

A SOCIAL-DEMOCRACIA ALEMÃ

A última década do século XIX foi primordial para a consolidação da Social-Democracia alemã, pois o Partido Social-Democrata de Trabalhadores Alemães deixaria de ser uma organização conspiratória e passaria a ser um partido de massa, inclusive permitindo a atuação dos sindicatos em suas fileiras. Entre 1892 e 1913, a Social-Democracia na Alemanha conseguiu uma série de sucessos que viraram referência em todos os modelos aplicados em solo europeu. Durante esse período, lutando no parlamento alemão, o partido conquistou o aumento dos salários dos operários sindicalizados, acordos coletivos de trabalho, criação de cooperativas e agremiações desportivas e culturais, como bibliotecas e clubes. Essas conquistas viraram referência de como os sindicatos e os partidos políticos deviam trabalhar para melhorar a vida do proletariado e se tornou uma alternativa real para os extremos que eram o liberalismo do capitalismo e a estatização do socialismo. A Primeira Guerra Mundial marca o final da primeira fase da Social-Democracia alemã, quando o principal partido praticamente racha em três tendências: a direita e o centro eram mais ligados à burguesia, e a esquerda, que apesar dos avanços, defendia que as reformas no Estado alemão precisavam ser mais profundas.

Primeira Guerra Mundial marca o fim da primeira fase da Social-Democracia alemã NARA-EUA/ Domínio público via Wikipedia

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Social-democracia O evento histórico que marca o fim dessa primeira fase acontece em 14 de agosto de 1914, quando a maioria dos parlamentares do Partido Social-Democrata na Alemanha aprova a liberação de créditos para o Estado usar com gastos bélicos da guerra. Para alguns historiadores, esse momento marca a ruptura entre os líderes da luta operária e os social-democratas, que amarravam suas histórias às pretensões da burguesia e do imperialismo do Estado alemão.

O PERÍODO ENTRE GUERRAS

A época seguinte ao final da Primeira Guerra Mundial marcou uma mudança radical na história e na prática da Social-Democracia na Alemanha. Com a derrota na guerra em 1918, a fuga do imperador e a queda do governo de Max de Bade, os social-democratas chegaram ao poder liderados por Friedrich Ebert e Philip Scheidemann. Em 1919, Ebert assumiu provisoriamente o cargo de presidente da República de Weimar, nome dado à nova Alemanha que surgiu das ruínas do Império Alemão e que durou até 1933. Em 1925, com a morte de Ebert, foram realizadas eleições presidenciais, em que o marechal Hindenburg se tornou o segundo presidente da jovem república e, em seu governo, ele procurou conservar as tradições imperiais da Alemanha e pouco alterou a cúpula da administrativa do país, mantida desde a monarquia. Matthias Erzberger, um dos líderes do Partido Social-Democrata e um dos responsáveis por assinar o termo de rendição após a derrota do Império Alemão, acreditava que a Social-Democracia era a melhor alternativa para combater a revolução e o comunismo que se concretizava na Rússia e que o modelo seria crucial para manter a unidade no recém-criado Estado alemão. Porém, os social-democratas não fizeram mudanças reais na estrutu70 QUERO SABER

ra do império, pois durante a administração de Ebert, mantiveram os mesmos poderes da velha aristocracia que havia levado a Alemanha à guerra, além de não fazerem a reforma das estruturas do exército e ainda manterem na ativa os mesmos juízes e chefes da burocracia. Ou seja, o nome no comando mudou, mas tudo permaneceu como era antes da Primeira Guerra. Durante a curta vigência da República de Weimar, os sobreviventes do passado imperial se aproximaram do Partido Social-Democrata e de sua base estrutural, composta por parlamentares, sindicalistas, empregados administrativos e jornalistas, para viverem do movimento trabalhista e não para o movimento. Como definiu um historiador alemão, a revolução alemã nada mais foi do que a transformação da monarquia militar em uma república burguesa. Em 1919, com o assassinato de Karl Liebknecht, Rosa Luxemburgo e Leo Jogiches, principais lideranças de esquerda dentro do Partido Social-Democrata, e com a crescente opressão aos movimentos operários, a Social-Democracia alemã passou a ser quase um partido de centro-direita e sua participação política pode ser resumida na aprovação pelos parlamentares, em 17 de maio de 1933, da resolução de paz apresentada por Adolf Hitler, o mesmo que poucos meses depois cassou seus mandatos no Parlamento e proibiu a existência do partido. Essa primeira experiência dos social-democratas no poder durante o período de existência da República de Weimar foi desastrosa para a classe trabalhadora. As reformas que surgiram ainda durante a ascensão do partido entre os anos de 1918 e 1919 foram pouco a pouco sendo sabotadas pelos conservadores republicanos do partido. Um exemplo foi a reversão de diversos contratos coletivos de trabalho e da jornada de trabalho. Em 1923, foi aprovado que o dia de trabalho deveria ter oito horas, porém o projeto continha tantas ressalvas que, para o proletariado, a duração da jornada semanal foi de 54 horas entre os anos de 1924 e 1925. As práticas que caracterizaram o Partido Social-Democrata desde a sua fundação até a Primeira Guerra, como ações comunitárias, incentivo ao esporte, empréstimo de livros, combate ao alcoolismo e a emancipação das mulheres, foram abandonadas depois que o partido conseguiu chegar ao poder máximo entre o pós-guerra, o surgimento de Hitler e a ascensão do nazismo. Outras características dessa segunda-fase da Social-Democracia são que a classe proletária, com a ajuda do sindicato e do partido, fundaram associações que davam

Prédios da época da República de Weimar, governada pelos social-democratas e que ruiu quando Hitler chegou ao poder


suporte a trabalhadores, desempregados e pobres. O próprio partido colaborava com a coletividade por meio da manutenção de centros de atendimento a acidentados no trabalho, caixas de socorro a doentes, viúvas e órfãos. Ainda assim, no começo do século XX, os social-democratas foram fundamentais para a criação de sistemas que são a base da terceira via de hoje.

A CONTRIBUIÇÃO DOS TRABALHISTAS INGLESES

O movimento e o Partido Trabalhista Inglês também contribuíram para a construção da Social-Democracia na Europa como uma terceira via entre o socialismo e o capitalismo. Esse movimento surgiu em 1883 como um desdobramento da Sociedade Fabiana, que era uma organização que procurava conquistar reformas trabalhistas por meio de ações mais cautelosas e sem enfrentamentos, se diferenciando de outras organizações como a Federação Social-Democrática e a Liga Socialista, que defendiam o proletário inglês, mas com posições mais radicais contra o capitalismo. Uma das principais características da Sociedade Fabiana que influenciou no movimento trabalhista inglês era que eles acreditavam ser possível conseguir uma melhora progressiva das condições sociais e econômicas dos trabalhadores por meio de auxílios e reformas, inclusive refutando a ideia de que a miséria crescia dentro da classe trabalhadora. Em 1893 surge o Partido Trabalhista Independente, que tem como seu mentor Keir Hardie, um mineiro escocês que não seguia as orientações marxistas. Em 1906, um dos seus principais dirigentes, Ramsay Macdonald, foi fundamental para a criação do Partido Trabalhista (Labour Party), que se tornaria a principal referência da luta proletária na Inglaterra. A maior contribuição do Partido Trabalhista para a história da Social-Democracia foi durante a Segunda Guerra Mundial, quando ele fazia parte do gabinete de coalização liderado pelo primeiro ministro Churchill e foi decisivo para a

criação do Plano Beveridge (origem do Welfare State, o Estado de Bem-Estar), elaborado em 1942, e para reforma do sistema de ensino inglês em 1944, com a instituição da Education Bill (Carta Educacional). Logo após o final da Segunda Guerra, o Partido Trabalhista venceu as eleições, conseguindo a maioria no Parlamento e elegendo Clement Attlee como primeiro-ministro. Durante o seu governo, entre 1945 e 1945, foram feitas reformas que são a base da Social-Democracia desse período, como a nacionalização de bancos e dos sistemas de transporte e de comunicação, e instituiu o Welfare State, ampliando os serviços socais com a criação do Serviço Nacional de Saúde, que garantiu o acesso público irrestrito ao serviço de saúde inglês, sendo uma das referências no setor até hoje. Esse modelo social-democrata inglês, com amplas reformas sociais e a adoção da política de Bem-Estar social, foi reproduzido em diversos países que foram suas colônias na virada do século XIX para o XX, como na Austrália, Canadá, Nova Zelândia e África do Sul. Ainda durante o governo trabalhista, foi consolidado o sistema de segurança social, com a generalização dos direitos a toda a população, a uniformidade da oferta de serviços estatais e a centralização da demanda em um único serviço público. Para os trabalhistas, essa políOlga Popova / Shutterstock.com

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Selo de 2014 homenageia Winston Churchill, o presidente inglês responsável por lançar o plano Beveridge, base das políticas de Bem-Estar Capitalismo X Socialismo 71


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SEGURIDADE SOCIAL O Estado de BemEstar é a principal referência da Social-Democracia para se apresentar como terceira via tica de garantir a segurança social do indivíduo estava diretamente ligada à conquista do pleno emprego no país e manter os índices de desemprego próximos a zero. A ideia desse plano era minimizar as quedas no rendimento regular das pessoas por doença, acidentes de trabalho, velhice, maternidade e o desemprego.

SOCIAL-DEMOCRACIA E O ESTADO DE BEM-ESTAR

Logo após o final da Segunda Guerra, com a necessidade de afastar os ideais socialistas da região oeste da Europa, muitos países europeus adotaram os preceitos social-democratas de reformas a partir da estrutura parlamentar e implantaram o Welfare State para ampliar os direitos e políticas sociais para toda a população. Esse período de amplas políticas e serviços sociais durou de 1945 a 1975 e coincidiu com a era de ouro do capitalismo, que foi primordial para que essas metas fossem colocadas em prática, pois com o aquecimento da economia os Estados puderam contrair empréstimos para subsidiar esses programas, além de contar com o aumento da arrecadação de impostos por meio da regulação das atividades empresariais. Apesar de gerar muitas críticas dos conservadores liberais, as práticas sociais adotadas nesse período foram responsáveis por garantir a geração de empregos, baixas taxas de inflação e a melhoria das condições de vida dos europeus nas primeiras décadas do pós-Guerra. O que caracterizou o Estado de Bem-Estar desde sua implantação até o começo de seu desmonte, a partir da década de 1980, é que ele era considerado um estado de 72 QUERO SABER

proteção social, que agia na economia e na sociedade para evitar que as crises do capitalismo atingissem os trabalhadores e as classes mais necessitadas. Vale ressaltar que nos países onde a Social-Democracia conseguiu implantar a política do Estado de Bem-Estar, mesmo com o avanço do neoliberalismo, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mantém taxas altíssimas, como é o caso da Suécia, Finlândia, Noruega, Austrália, entre outros. Um dos reflexos dessa política é o aumento constante da qualidade de vida da população, do nível educacional, do planejamento familiar e do acesso de todos a um serviço público de qualidade. Porém, o que parecia ter se consolidado como um sistema que atendia os interesses capitalistas apesar da intervenção estatal na economia e que, ao mesmo tempo, atendia as demandas dos socialistas por políticas públicas para a população mais pobre e para o trabalhador começou a ruir em meados da década de 70, quando devido à crise do petróleo, os Estados passaram a ter quedas de arrecadação. Tendo que contrair empréstimos para manter suas políticas sociais,


Social-democracia começaram se endividar mais do que podiam pagar. Foi quando os neoliberalistas se aproveitaram disso para tentar tirar o máximo proveito da intervenção do Estado na economia e aumentar consideravelmente seus lucros. Com a ascensão de governos inclinados a aceitar a desregulamentação dos mercados em prol das empresas e de enxugar o Estado para diminuir suas dívidas com o setor bancário privado, as políticas de Bem-Estar foram pouco a pouco sendo abandonadas, principalmente em países como Estados Unidos e Inglaterra, que adotaram políticas neoliberais quase em sua totalidade. Essa prática afetou a funcionalidade do sistema de proteção social e levou as principais economias do mundo a verem o aumento da desigualdade social e da constante piora dos índices de desenvolvimento e das condições de vida.

A TERCEIRA VIA DE ANTHONY GIDDENS

O equilíbrio social é a principal meta da terceira via

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Anthony Giddens é um sociólogo inglês conhecido por ter criado a tese da terceira via que foi adotada, em partes, pelos novos políticos trabalhistas ingleses. Em suas principais obras, define os parâmetros sociais e econômicos que o Estado deve adotar para implantar uma terceira via em relação às crenças capitalistas e socialistas e, ao mesmo tempo, criar uma sociedade equilibrada que atenda, dentro do possível, as demandas dessas duas vertentes. Para ele, há de existir um modelo híbrido como foi o do Estado de Bem-Estar, porém adaptado às novas realidades econômicas no mundo. Giddens acredita na ideia de que o sistema político-econômico não deve se opor à economia de mercado, pois ela é capaz de trazer o desenvolvimento para todo o sistema, já que atende às necessidades dos consumidores. Porém, ao mesmo tempo, os Estados não devem adotar a proposta neoliberal econômica, já que o mercado não tem nenhum dispositivo limitador de suas atividades e, por isso, é necessário que o governo adote medidas de controle externo para poder evitar as crises do sistema capitalista e preservar as condições de vida da população. Ainda no campo econômico, ele ressaltava que combinada com a energia empresarial, a economia de mercado é muito mais dinâmica do que qualquer outro sistema econômico, mas como não é autorregulável e tende a ter crises cíclicas (de tempos em tempos) e a gerar monopólios, exige a criação de agências externas que atuem para reforçar a competitividade, evitar monopólios de merca-

do e agir para evitar as crises do sistema capitalista. No campo político-social, a terceira via deveria lutar pela extensão dos mecanismos democráticos, pelo controle do poder das corporações e a proteção das minorias. Outro valor das premissas da terceira via e que são relacionados à esquerda (socialismo) são políticas de proteção social e da defesa de pessoas vulneráveis. Ele define a Social-Democracia como sendo um sistema de centro-esquerda, pois não há como adotar as premissas do socialismo em um mundo que mudou bastante desde as teses de Marx até os dias atuais, e cita, por exemplo, que hoje a mão de obra manufatureira representa, no máximo, 20% da força de trabalho no mundo. Ainda sobre a Social-Democracia, Giddens afirma: “Muitas políticas que podem ser chamadas de radicais transcendem a divisão entre esquerda e direita. Exigem e podem alcançar apoios das mais diversas classes sociais, como se dá no âmbito da educação, da reforma da seguridade social, da economia, da ecologia e do controle do crime. Se a Social-Democracia não for capaz de corresponder a essas expectativas – especialmente no contexto da globalização e da mudança tecnológica – suas vitórias eleitorais serão transitórias”.

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Social-democracia Ainda segundo a definição de Giddens, a terceira via não é um movimento de esquerda em direção à direta, ou seja, sair do campo das reivindicações socialistas para atender a demanda neoliberal capitalista, mas trata-se de acomodar as reivindicações das duas vertentes às mudanças da sociedade e às quais elas não dão mais conta de interpretar.

TERCEIRA VIA: CONCEITOS

A terceira via, tal como definida por Giddens, também é chamada de “social-democracia modernizada”, ou é a forma de adaptar os preceitos do Bem-Estar para as novidades do mundo no século XXI. Dentro da proposta de Giddens, a terceira via deve se ater a questões básicas como o Estado de Bem-Estar ou a Sociedade de Bem-Estar, a família e o Estado e as questões de inclusão social. No que diz respeito à relação do Estado de Bem-Estar ou uma sociedade de Bem-Estar, Giddens estabelece que a relação entre o Estado e Bem-Estar e a sociedade deve ser equilibrada, ou seja, que a expansão de uma não pode significar a redução da representatividade da outra. A ideia dele é substituir o Estado de Bem-Estar pela Sociedade de Bem-Estar, em que o Estado não precise controlar as organizações da sociedade civil como sindicatos e ONGs, que podem se organizar de forma autônoma. Um exemplo da funcionalidade desse modelo pode ser visto nas social-democracias do norte europeu, que têm políticas mais estruturadas e apesar do investimento estatal, existem inúmeras organizações civis autônomas, algumas inclusive ligadas ao setor privado. Sobre a relação entre o Estado de Bem-Estar e a Família, os preceitos da terceira via são diferentes da social-democracia tradicional, em que a contribuição de impostos é feita pelo homem trabalhador masculino, com arrecadação vinda de impostos regulados pelo mercado de trabalho e 74 QUERO SABER

que são revertidos para o benefício de toda a sociedade. Giddens prega que deve haver a reciprocidade entre pais e filhos, ou seja, suprir a necessidade da aposentadoria dos pais passaria a ser responsabilidade dos filhos e não mais do Estado com seus programas de aposentadoria e pensão. Ele ainda defende que os idosos devem ser estimulados a permanecer mais tempo no mercado de trabalho, pois assim seriam menos dependentes das pensões estatais. A outra questão primordial nessa visão de Estado de terceira via é a inclusão ou exclusão de indivíduos. Giddens defende a necessidade de o Estado evitar a exclusão tanto de ricos quando de pessoas vulneráreis do serviço público e criar políticas para facilitar a inclusão deles nos serviços estatais. Para ele, a exclusão voluntária dos ricos da esfera pública empobrece os serviços prestados, pois se não precisam usá-los, não pressionam o governo para que haja melhorias. Sobre os mais pobres, ele defende que para integrar os vulneráveis e desempregados, o Estado deve oferecer serviços gratuitos como assistência infantil, serviços de saúde, transporte e educação, além de treinamentos especializados.

UM MODELO PARA O MUNDO

Um dos principais modelos de social-democracia que funciona nos dias atuais e é referência mundial é o modelo nórdico, presente em países como Noruega, Dinamarca e Suécia. Ele tem como uma de suas principais características a intervenção estatal da economia e uma forte política social, que se baseia na política de Bem-Estar instituída na Europa pelos social-democratas no pós-Segunda Guerra. A principal característica do modelo nórdico é que ele apresenta uma economia sólida com crescimento constante, estabilidade política em longo prazo, instituições transparentes, mercados de

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Social-democracia

trabalho flexíveis, economias abertas e altos índices de nível educacional. Todas essas qualidades colocam os países da região norte da Europa sempre no topo das principais listas mundiais que medem influência econômica no dia a dia da população e a qualidade de vida dos indivíduos. Alguns economistas acreditam que por terem uma economia bem estruturada, os países nórdicos são os que estão mais bem preparados para lidar com desafios futuros, como a instabilidade da economia mundial e temas como sustentabilidade e o aquecimento global. Muitos historiadores creditam o sucesso do modelo nórdico a alguns fatores da política social-democrática da região, como os amplos investimentos em políticas sociais e de proteção, as instituições de longo prazo, que trazem credibilidade a elas, e o aprendizado com experiências históricas. Ainda que não seja possível garantir a aplicação do modelo nórdico em outros países, eles garantem que este pode servir como exemplo para resolver problemas relacionados à globalização, instabilidade do capital financeiro e da divisão social. Nesses países, o acesso às políticas de Bem-Estar é um direito universal de qualquer cidadão, e seu conceito é baseado no princípio de promover condições de oportunidade a todos na solidariedade e segurança social, nos

serviços relacionados à saúde, educação e cultura, sem distinção de classe social. Se as políticas de proteção social estão presentes em todos os modelos social-democratas nórdicos, as formas como elas são praticadas são um pouco diferentes em cada país da região. Na Dinamarca, por exemplo, o setor privado tem maior participação na oferta dos serviços estatais por meio de parcerias público-privadas. Lá também há um modelo chamado “flexsegurança” do mercado de trabalho, que tem como meta ajudar na integração de mão de obra imigrante no mercado de trabalho local, que é bem diferente do modelo protecionista adotado na Suécia. Já na Finlândia, por exemplo, o setor de prestação de serviços para idosos é dominado por mão de obra voluntária. Na Noruega, por sua vez, os serviços de bem-estar são quase todos geridos pelo Estado.

A Social-Democracia nórdica é o modelo de desenvolvimento social para o mundo

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INCLUSÃO E IMPOSTO

Outro diferencial da Social-Democracia e da política de bem-estar social dos países nórdicos está em suas raízes. Depois de passar por sérios problemas econômicos durante as décadas de 80 e 90, os governos dos países nórdicos decidiram colocar a inclusão como pilar de toda sua política de proteção social. Esse conceito de inclusão não significa criar políticas para beneficiar somente a classe mais pobre, mas sim de um modelo com diversos projetos que são focados em melhorar a oferta de empregos, a produtividade, a proteção social e na inclusão social com base em cidadania e solidariedade. Por essas políticas terem sido estabelecidas quando os países ainda estavam em uma fase inicial de industrialização, quando ainda não havia muitas diferenças sociais e entre classes, elas produziram uma estabilidade regional muito forte, o que contribuiu não só para o crescimento coeso dos países, mas também para que as políticas de bem-estar tivessem sucesso. Outra característica similar a todos os países social-democratas nórdicos é que a arrecadação de impostos tem um peso fundamental para que as políticas de bem-estar possam estar ao acesso de todos. A Suécia, como referência, é um dos países do mundo que investem a maior porcentagem de seu PIB (Produto Interno Bruto) em programas de serviços sociais. Todo o dinheiro investido em educação é proveniente da arrecadação de impostos fiscais, que também subsidia em boa parte os serviços de saúde e transporte, por exemplo. Toda pessoa residente em território sueco tem acesso a serviços médicos. Os mesmos impostos financiam também a educação e o serviço de seguridade social, em que o Estado garante um valor mínimo de aposentadoria/ pensão para a população idosa. Outros serviços que são financiados pelo contribuinte sue76 QUERO SABER

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Social-democracia

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O desenvolvimento sueco é uma amostra de que a terceira via Social-Democrata é uma possibilidade real co são o de seguro-desemprego e os programas de educação continuada e reciclagem para aqueles que perderam o emprego. O que facilita a arrecadação de impostos e evita a sonegação é que ela é feita de uma forma bem simples. Os impostos são calculados sobre os rendimentos (salários) dos trabalhadores e são deduzidos automaticamente uma vez por mês diretamente da folha salarial e vão direto para a Agência Fiscal Sueca, órgão federal responsável pela arrecadação dos tributos, que são descontados individualmente, inclusive se a pessoa for casada. A declaração anual obrigatória, uma versão do nosso Imposto de Renda, é tão fácil de preencher que pode ser enviada por mensagem de texto do celular, diretamente para a Agência Fiscal. O que o governo sueco arrecada em tributos é suficiente para garantir suas políticas sociais, e não há a necessidade, por exemplo, de tributar heranças ou a alíquota do imposto imobiliário (como faz o IPTU), que foi substituído por um imposto municipal inferior. É uma prova de que se for bem organizado, é possível criar um modelo de organização político-econômica que atenda a capitalistas, mas fora dos dogmas neoliberais, e ao mesmo tempo acolha as reivindicações socialistas, sem precisar da implantação da ditadura do proletariado e nem da diminuição ou extinção do Estado.

INCLUSÃO SOCIAL

O pilar da Social-Democracia é garantir a inclusão social dos cidadãos e tem como objetivo dar cidadania ao cidadão, incentivar a solidariedade, proteger as pessoas em situação vulnerável, além de aumentar a oferta de emprego e a produtividade do operário.

INCLUSÃO

O BEM-ESTAR UNIVERSAL

A base do sistema de bem-estar e proteção social é a crença que uma sociedade só pode evoluir se tiver a igualdade de oportunidades a todos, a solidariedade social entre os indivíduos e o amplo acesso a serviços como saúde, educação e cultura.

PÚBLICO E PRIVADO COM A MESMA QUALIDADE

Os serviços privados como coleta de lixo, por exemplo, que são financiados pelo dinheiro público, devem oferecer aos cidadãos as mesmas condições do serviço público. Ou seja, as pessoas pagam o mesmo valor por um serviço, independente de se ele é prestado pelo Estado ou pelo setor privado.


Social-democracia

POUCOS IMPOSTOS

Na Suécia, o tributo é calculado em cima de um percentual do rendimento do trabalhador e descontado direto na folha de pagamento, evitando a sonegação. O Imposto de Renda é simplificado e a declaração pode ser feita por SMS. Além disso, o IPTU é reduzido e não há cobrança sobre herança nem sobre aquisição de bens.

IMPOSTOS

EDUCAÇÃO INFANTIL

RELAÇÕES FAMILIARES

Na Suécia, desde 1979, é proibido que os pais batam ou espanquem seus filhos – a agressão gera ação penal na justiça. Os pais têm direito a 480 dias de férias (16 meses) pagas para cuidar de cada filho, que são solicitadas antes de a criança completar 8 anos. A maioria das requisições são feitas por mulheres. Um pai ou mãe que adota uma criança tem o direito de tirar licença remunerada do trabalho por um ano e meio a partir de quando a criança estiver sob sua custódia.

A Lei da Educação determina que todas as crianças têm direito à educação, independente de sexo, local de moradia ou fatores socais e econômicos. Além de não existir a cobrança de mensalidade escolar, todas as pessoas têm que frequentar por pelo menos nove anos.

Características do modelo sueco de Social-Democracia GOVERNOS LOCAIS AUTÔNOMOS

TRIBUTOS E INVESTIMENTOS

De todo o dinheiro arrecadado com impostos, aproximadamente 25% são investidos em programas de saúde, educação e previdência.

Os governos municipais e os conselhos municipais e regionais são os responsáveis por gerir a maior parte dos serviços públicos oferecidos à população. Os governos locais e conselhos têm a liberdade de decidir o valor de seus tributos que, na média, atingem 30% da renda do trabalhador.

ENSINO SUPERIOR

O ensino superior é financiado pela arrecadação de impostos, pois o governo acredita que a educação deve competir em termos de qualidade e condições com as principais da Europa. Para estudantes que vêm de fora da União Europeia e da Suíça, foi estabelecida a cobrança de mensalidades. Para suecos e europeus, o estudo é gratuito. Capitalismo X Socialismo 77


Ideologias na atualidade

CAPITALISMO E SOCIALISMO NO SÉCULO XXI

A

ENQUANTO NO CAPITALISMO HÁ UMA NOVA DISPUTA POR PROTAGONISMO, ALGUMAS NAÇÕES BUSCAM UMA NOVA FORMA DE SOCIALISMO EM EXPERIÊNCIAS REGIONAIS

Ao longo deste especial, você pôde conhecer a história do capitalismo e do socialismo e da rivalidade entre esses dois sistemas de organização político-econômica, que nasceu quando as primeiras ideias socialistas surgiram para contestar as contradições criadas pelo capitalismo e que se tornaram mais evidentes após a Revolução Industrial. Durante o século XX, essas duas concepções econômicas travaram um duelo por quase 50 anos que praticamente dividiu o mundo em dois, e que por pouco não deu início a uma terceira guerra mundial encabeçada por Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria. Com o final da União Soviética, já na década de 1990, o mundo foi dominado pela economia capitalista, que não para de se expandir e de ganhar novas

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configurações geopolíticas. Aos poucos, esses novos formatos vão modificando as disputas por protagonismo entre os países. Já para o socialismo, o momento atual é de reinvenção e de releituras de dogmas que já não servem mais devido às mudanças tecnológicas do século XXI. Neste capítulo, veremos como as duas principais doutrinas do século XX têm se adaptado às novas necessidades globais.

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Ideologias na atualidade

CAPITALISMO APÓS A GUERRA FRIA O governo Clinton teve como um de suas principais características ser bem ativo no campo bélico para tentar promover a suposta convergência econômica e impor seu império nos últimos anos da década de 1990. Porém, mesmo com todo o investimento para criar um sistema de liberalização econômica no mundo por meio de guerras, essa iniciativa não se materializou. Porém, o cenário econômico mundial no final da década de 1990 seguiu um rumo bem diferente do imaginado pelas analistas. Em vez de a macroeconomia mundial seguir para um caminho de convergência em torno das políticas capitalistas, isso mudou durante a metade final da década. Se os anos 90 registraram altas taxas de crescimento das economias dos Estados Unidos e de parte dos países do leste asiático, como China e Coreia do Sul, os países da América Latina, África e o Japão tiveram taxas de crescimento muito abaixo do esperado, e em alguns casos, como Japão e Rússia, as economias passaram por uma grande crise.

O CRESCIMENTO DA ECONOMIA DOS ESTADOS UNIDOS

Durante os anos 90, a taxa de crescimento da política norte-americana foi bastante elevada. O Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de tudo que é produzido e comercializado pelo país, chegou a se expandir na casa dos 4% ao ano. Isso aconteceu por conta de um expressivo investimento privado na economia, com índices superiores a 8% ao ano, em média, entre 1995 e 2000, e ao aumento do poder de compra e do consumo das famílias norte-americanas. Esse crescimento é atribuído à adoção, pelo governo, de mecanismos para superar a crise do petróleo em meados da década de 70, inclusive com medidas neoliberais para reaquecer o mercado financeiro e diminuir a dívida estatal. Além dessas medidas, a retomada do crescimento é um reflexo da ascensão da esfera produtiva no país com o aumento da produtividade no

Nos anos 90, o então presidente norte-americano Bill Clinton começou a trilhar o caminho do novo imperialismo dos EUA

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Para entender como o capitalismo se estrutura hoje em dia precisamos ver a sua evolução desde a década de 1990, com o final do socialismo soviético, quando o sistema passou a ser praticamente o único vigente no mundo, com exceção de alguns países socialistas e outros que adotaram a chamada terceira via, também conhecida como social-democracia. Com final da URSS e, consequentemente, da Guerra Fria, muitos economistas acreditavam que uma nova era capitalista estava surgindo. Para estes, o mundo caminharia para a extinção das fronteiras nacionais e seria construído um império mundial norte-americano, constituindo um modelo de mundo ideal em que prevaleceriam a liberdade, a democracia e os direitos humanos. Com isso, nasceria um cenário de paz mundial duradoura e de estabilidade econômica internacional. Nesse cenário perfeito, haveria uma convergência entre as taxas de crescimentos dos produtos e da renda per capita entre as economias de todos os países. Esse modelo imaginado pelos analistas seria possível graças à concentração de poder global em um único Estado, o que levaria os Estados Unidos a se tornarem uma hiperpotência que dominaria a economia mundial. Esse sistema econômico mundial capitalista baseado na economia norte-americana como líder global norteou todos dos movimentos políticos e econômicos na década de 1990. Entre seus maiores entusiastas estava o então presidente norte-americano Bill Clinton, que durante seus dois mandatos se esforçou para que esse plano de economia única mundial pudesse ser visto em prática.

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trabalho e em decorrência da evolução tecnológicas da produção, da informação e da comunicação. Não foi só o setor produtivo que mudou no final do século XX, mas também o setor financeiro. Em tempos de políticas neoliberais de desregulamentação do fluxo de capitais, houve uma intensa financeirização do sistema capitalista. Essa falta de controle sobre as transações acabou sendo a responsável por proporcionar uma forte alavancagem de títulos bancários e a expansão do crédito a juros baixos, que ajudaram a fomentar investimentos privados e o consumo da classe média norte-americana. No contexto da desregulamentação econômica do mercado financeiro, nos Estados Unidos, entre 1992 e 2000, se configurou um padrão de acumulação de capital nos setores financeiros, que se tornaram os principais referenciais da expansão econômica do país. Esse cenário só foi possível por que, a partir do governo Reagan, o governo norte-americano diminuiu as restrições regulatórias sobre as operações de créditos dos bancos, deixando-os livres para aplicar as regras que quisessem antes de realizar o financiamento, fosse de empréstimos ou crédito imobiliário, como foram os casos das hipotecas. 80 QUERO SABER

Na era neoliberal do capitalismo, o mercado financeiro passa a ser o principal motor da economia Por causa disso, as ações e títulos do mercado financeiro se tornaram a principal fonte de riqueza de bancos e pessoas, pois a posse desses títulos se transformou na mais importante forma de financiamento de investimentos e promoção do consumo, mesmo em um cenário marcado por taxas de poupanças muito baixas ou negativas. Na virada do século passado para este, a bolsa de valores acabou se tornando essencial não só para a economia norte-americana, mas também para a mundial, pois passou a ser o principal mecanismo de alocação e transferência de capitais.

A BOLHA FINANCEIRA

Entre os anos de 1995 e 2000, a alocação de recursos financeiros na bolsa de valores foi estimulada e condicionada pelas políticas monetárias praticadas pelo Banco Central Norte Americano (FED), que colaborou para a


Ideologias na atualidade criação de um padrão de crescimento econômico que dependia muito do setor financeiro. Anos depois, esse padrão levaria o mundo à crise de 2008, pois a política adotada pelo FED de permitir o crédito fácil contribuiu para que as empresas que não eram do setor financeiro elevassem significativamente seus empréstimos. Esses recursos, porém, não eram usados para investir no aumento de sua capacidade produtiva, mas sim em ações com retorno de lucros mais rápidos, o que acabou por criar a bolha do mercado de ações dos Estados Unidos. A partir de junho de 1999, o Banco Central norte-americano começou a realizar movimentos de elevação das taxas de juros com o objetivo de diminuir o consumo, pois era necessário baixar a inflação impulsionada pelo aumento da demanda e do preço do barril de petróleo, ocasionado pela crise na Rússia. Mas ao invés de ajudar na desaceleração da economia, a elevação das taxas de juros fez com que houvesse um forte movimento de lucros no mercado de ações de Nova Iorque, o que levou ao estouro da bolha financeira e ao prejuízo de muitos empresários.

rivais), ao invés de dar mais poder para os EUA, acabou abrindo brecha para uma nova era de acirramentos, competição e conflitos políticos entre as grandes potências político-econômicas mundiais. Isso propiciou o crescimento do protagonismo de países emergentes, como a China e a Rússia, que já apresentavam mostras de recuperação dos estragos econômicos causados pelo fim do regime socialista. A primeira década do capitalismo no novo milênio foi marcada por diversos acontecimentos econômicos que contribuíram para a redistribuição de forças no cenário mundial. Entre os eventos mais destacados estão: o alto crescimento econômico mundial entre 2003 e 2007, a profunda crise do setor imobiliário norte-americano que afetou todo o mundo e a rápida recuperação dos países emergentes, puxados pela dinâmica da economia chinesa e seus acordos bilaterais. Aliás, a China tem sido até agora a grande protagonista no cenário da economia capitalista mundial desse milênio, pois graças ao seu crescimento acima da média, ela se tornou a segunda potência econômica do mundo, apenas atrás dos Estados Unidos. Isso alterou toda a dinâmica do capitalismo e das ordens econômicas, política e social, promovendo mudanças na geopolítica internacional, na divisão internacional de produção e do trabalho, além de, por meio de novas demandas, proporcionar a valorização das commodities, a queda dos preços de produtos industrializados e ampliar o consumo de massa em escala mundial.

Com Bush na presidência, o imperialismo econômico norte-americano ganhou caráter militarizado

A partir dos primeiros anos do século XXI, a construção de um modelo global, sem fronteiras e que, segundo analistas, seria capitaneado pelos Estados Unidos, ganhou uma configuração militarizada com a eleição de George Bush, em 2000, e com o atentado às torres gêmeas, em setembro de 2001. Houve então a mudança da política externa dos Estados Unidos para uma estratégia mais agressiva, que trouxe um impacto significativo para o sistema capitalista mundial. O plano adotado por Bush para conter os países com economias bem desenvolvidas, como Japão e Alemanha (que ele acreditava serem

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O CAPITALISMO NO SÉCULO XXI

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Ideologias na atualidade

Do início dos anos 2000 até a explosão da crise em 2008, a economia capitalista mundial viveu um grande ciclo de crescimento. O eixo desse aquecimento foi formado, de um lado, pelos Estados Unidos, e, por outro, pela China, com suas novas relações comerciais. Nesse novo eixo que impulsionou o crescimento do capitalismo global, cada um dos vértices tinha uma característica diferente. Na fase que precedeu a crise, os Estados Unidos desempenhavam o papel de consumidor final mundial, principalmente dos produtos industrializados chineses. Já a China ficou com a função de maior exportador de mercadorias manufaturadas para o mercado interno norte-americano. Esse novo papel industrial da China funcionou como catalisador para o crescimento econômico de muitos países da Ásia, África, América Latina e até algumas regiões da Europa, pois com o seu nível de industrialização avançado, era necessário recorrer cada vez mais a matérias-primas de países dessas regiões para suprir não só a demanda de sua indústria, mas também do seu crescente mercado interno. Por ser responsável, em boa parte, pelo crescimento global do capitalismo, alguns economistas definem a China como um “duplo polo” desse processo. Em um deles, ela se torna um importante produtor mundial de tecnologia e de bens de consumo industriais, transformando-se em um grande exportador, principalmente para Estados Unidos e Japão. No outro polo, os chineses aparecem como grande mercado para a produção mundial de máquinas e equipamentos, matérias-primas como petróleo, minerais e produtos agrícolas, além de produtos de alta tecnologia, o que a transforma em um grande mercado importador de produtos da Ásia e dos principais países da América Latina.

CAPITALISMO PÓS-CRISE 2008

Se o capitalismo viveu uma nova era de expansão durante os primeiros anos do século XXI, a situação começou a mudar no final da primeira década, pois a espiral crescente das economias mundiais foi interrompida pelo estouro da bolha imobiliária (subprimes) 82 QUERO SABER

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A NOVO EIXO DO LIVRE MERCADO

A China se tornou a grande protagonista do capitalismo do século XXI

nos Estados Unidos em 2008, o que contaminou todos o mercado mundial, gerando uma grande crise. Para os principais analistas econômicos, a crise de 2008 apresentou características e teve um impacto na economia global semelhantes à crise de 1929, responsável pela Grande Depressão nos Estados Unidos. A semelhança entre as duas situações está no fato de elas terem sido ocasionadas pela desregulamentação e liberalização dos mercados financeiros de quase todo o mundo. A de 2008 começou a partir da década de 1970, quando o capitalismo entrou em sua fase neoliberal, consolidada com a política de crescimento norte-americano nos anos 90. O processo de neoliberalização da economia, associado às novas tecnologias da informação, possibilitou a livre movimentação de capital e radicalizou a acumulação de riquezas pela via financeira, que foi o que levou à crise. Quanto às características semelhantes, os economistas destacam a amplitude e a profundidade da crise, já que ambas afetaram todos os países, seja na esfera financeira ou produtiva. A gravidade da situação e o colapso da economia mundial resulta-


Ideologias na atualidade ram na drástica redução do consumo e dos investimentos mundiais. Por causa disso, o capitalismo teve que, pelo menos momentaneamente, se reinventar e buscar no modelo keynesiano – o mesmo que o salvou da crise de 1929 – os mecanismos e estratégias anticíclicas para tentar reverter esse quadro. A partir de então, uma maior intervenção na economia passou a ser praxe nas políticas econômicas mundiais como forma de socorrer empresas, preservar empregos e tentar reaquecer a economia mundial, porém ainda sem nenhuma regulação do setor financeiro. O principal caso de sucesso de retomada econômica logo após a crise foi o chinês, pois devido aos estímulos ficais, monetários e cambiais, a economia do gigante asiático voltou à rota de crescimento que havia conseguido antes de 2008. No auge da crise, em meados de 2009, a economia chinesa, a única que voltava a crescer, acabou funcionando como motor para o crescimento global, principalmente dos países do BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) com quem ela mantinha intenso movimento comercial. A rápida e inesperada recuperação econômica da China logo após a crise foi o principal fator para que os países em desenvolvimento conseguissem passar pelo auge da instabilidade com menos recessão do que os países desenvolvidos, como os europeus. Após a sua recuperação, o governo chinês resolveu intensificar o ritmo das importações de produtos de seus principais parceiros comerciais na Ásia, África e América Latina. Isso proporcionou o reaquecimento dos mercados externos desses países, que associado ao retorno gradual do fluxo de capital estrangeiro em suas economias, permitiu que seus governos mantivessem baixos os níveis de vulnerabilidade, refletindo na manutenção da demanda do mercado interno, na recuperação do PIB e do nível de emprego.

cos, principalmente a China. Eles ganharam uma relevância maior dentro das relações comerciais e de poder nessa reconfiguração do capitalismo no século XXI. Até o final do século XX, os países da Ásia organizavam-se em um modelo socialista resultante da influência soviética na região e tinham suas economias pouco industrializadas. Porém, a partir do momento em que eles conseguem avançar seu parque industrial por meio de um processo de investimentos estatais, essas nações começaram a abrir o mercado mundial para suas mercadorias e, graças aos avanços tecnológicos de suas industriais, ganham uma relevância maior na política global do capitalismo de livre mercado.

Crise imobiliária de 2008 mudou os rumos do capitalismo nesse milênio

Nos primeiros anos do século XXI, é possível enxergar uma nova forma de reorganização geopolítica do capitalismo. Alguns economistas afirmam que os resultados produzidos pela crise de 2008 e que ainda são sentidos obrigaram o capitalismo a procurar novos mecanismos para estabilizar a economia e recuperar a lucratividade do setor financeiro, o principal agente dentro dessa nova configuração capitalista. Porém, essas novas políticas de retomada do crescimento e acumulação de capital não aconteceriam sem que houvesse transformações nas relações de livre mercado do comércio global. Na esteira desses novos mecanismos da economia capitalista, que ruma para a obtenção de taxas de lucros cada vez maiores, a nova dinâmica criada pelo modelo neoliberal fortaleceu a economia de alguns países asiáti-

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A NOVA ORGANIZAÇÃO DO CAPITALISMO

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Ideologias na atualidade

BRASIL

RÚSSIA

ÍNDIA

CHINA

BRICS

AS CINCO MAIORES NAÇÕES COM ECONOMIAS EMERGENTES

Com a ascensão de novos países desenvolvidos economicamente, tanto no setor industrial quanto no financeiro, o poder no sistema capitalista vai se reorganizar de uma forma diferente do que era visto até o século passado, pois passam a surgir novos protagonistas regionais, como é o caso dos BRICS. Estes expandiram sua influência sobre as economias regionais e, ao mesmo tempo, procuram ter maior autonomia na hora de decidir as regras globais da economia. Tal fato criou uma ruptura em todo o sistema de relações vigentes desde a época do imperialismo capitalista da virada do século XIX para o século XX, diluindo o poder econômico entre mais países e evitando o surgimento de novas potências hegemônicas. Nessa nova configuração do capitalismo mundial, a China tem um papel preponderante, pois foi por meio da ampliação de seu comércio internacional com outros países emergentes que se possibilitou a criação de uma nova relação de forças no capitalismo e a consolidação de potências regionais em regiões periféricas do globo. 84 QUERO SABER

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ÁFRICA DO SUL

SOCIALISMO NO SÉCULO XXI No nosso século, podemos dizer que existem duas configurações de socialismo. Aquela ainda influenciada pelo modelo soviético, como são os casos de Coreia do Norte e Cuba – essa última, mesmo seguindo os conceitos de economia planificada, vai abrindo sua economia para o capital estrangeiro depois do relaxamento do embargo norte-americano – e as releituras adotadas pelos países sul-americanos, que alguns teóricos chamam de bolivarianismo. O maior exemplo de socialismo criado dentro das novas configurações globais econômica é justamente o aplicado pelos governos de nossos vizinhos Equa-

dor, Bolívia e Venezuela, que lutam pela emancipação perante uma economia globalizada e, ao mesmo tempo, para melhorar a condição de vida de seus cidadãos. A expressão “socialismo do século XXI” foi cunhada pelo principal líder desse movimento na região, Hugo Chávez. Para alguns historiadores, o socialismo do século XXI na América Latina é chamado de bolivarianismo, pois além de usar alguns preceitos marxistas ele também procura usar a referência de integração regional, que era um dos principais pontos defendidos por Simón Bolívar, um dos responsáveis por libertar os países sul-americanos do domínio espanhol no século XVIII.


AS CARACTERÍSTICAS DO NOVO SOCIALISMO

O melhor exemplo de como se configura o socialismo no século XXI são as experiências desenvolvidas na América Latina, pois como foi Hugo Chávez que cunhou o termo, é no seu governo que estão as principais características desse modelo. Na concepção socialista latino-americana, o Estado tem um papel nacional-estatista, ou seja, ao invés de ser um ator passivo diante da economia como ocorre na crença neoliberal capitalista, o Estado volta a intervir fortemente na regulação do livre-mercado e do fluxo de capitais, tornando-se o principal agente

na criação de políticas públicas para fomentar não só o crescimento econômico do país, mas também para realizar a distribuição da renda com a finalidade de diminuir a desigualdade. Diferentemente do modelo socialista vigente até o final do século XX, o projeto de construção de um novo socialismo, que procura olhar e interpretar os erros do passado, não é contra o setor privado. Na proposta bolivariana, as empresas transnacionais são consideradas importantes, pois as parcerias público-privadas celebradas entre o Estado e o setor privado são consideradas fundamentais para conseguir uma maior possibilidade de desenvolvimento econômico, gerar emprego e possibilitar a distribuição de renda entre os mais necessitados. O resgate de políticas públicas desenvolvimentistas, que estiveram presentes no continente entre as décadas de 1930 e 1950, é uma característica que distância o novo socialismo das teorias desenvolvidas por Marx. Entre as principais políticas adotadas pelos governos de esquerda na América Latina para promover o crescimento econômico e a diminuição da desigualdade social estão: a associação e o auxílio estatal para empresas privadas, a nacionalização de empresas privatizadas e dos recursos naturais, o fomento ao crescimento para médias e pequenas empresas com o objetivo de diversificar a oferta de produtos e o apoio à produção comunitária e local.

Hugo Chávez definiu a expressão “socialismo do século XXI” e foi a principal figura do bolivarianismo

O socialismo do século XXI, também chamado de bolivarianismo, tem mais força nos países ao norte da América do Sul

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Como todas as mudanças tecnológicas dos meios de produção e da globalização do capitalismo neoliberal ocorridas na última década do século XX e nesse começo do novo milênio, as reivindicações socialistas também já não são mais as mesmas das da época de Marx ou mesmo de Lênin e Trotsky. Esse novo socialismo que está se construindo não só se opõe à maneira neoliberal que o capitalismo tem adotado, mas também ao modelo socialista de Estado construído por Stálin e que serviu como referência para as práticas socialistas durante praticamente todo o século XX, como vimos em capítulos anteriores. Hoje, as principais bases do pensamento socialista são a conquista da liberdade dos indivíduos, a livre associação dos trabalhadores em empreendimentos coletivos, a democracia participativa, em que a população pode interferir mais diretamente nos rumos do país, e a construção de um modelo econômico que não privilegie o capital, mas que gire em torno de desenvolver melhorias na qualidade de vida dos trabalhadores e das comunidades a que eles pertencem.

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A PDVSA é a principal Empresa Social da Venezuela e patrocina um piloto do país na F1

EMPRESAS SOCIAIS

Um dos principais pilares de crescimento econômico dentro do novo socialismo praticado na América Latina é a criação e o fortalecimentos das Empresas de Produção Social (EPS), sendo que na Venezuela elas foram responsáveis pelo crescimento econômico do país na primeira década do século XXI. Porém, devido à crise mundial e à queda dos preços das commodities e, consequentemente, no lucro dessas empresas, os investimentos em políticas sociais ficaram comprometidos, o que gerou a grave crise social pela qual o nosso vizinho passa. Um dos principais objetivos da criação desse novo sistema produtivo, além de transformá-lo em um agente de transformação social, é também a tentativa de pôr fim à divisão do trabalho e direcionar os meios de produção para que eles atinjam a satisfação das necessidades humanas. De acordo com o projeto econômico venezuelano de 2006, chamado Proyecto Nacional Simón Bolívar, o sistema produtivo deve promover: “O prazer no operário e buscará a eliminação da divisão social do trabalho, com o fim da sua estrutura hierárquica. Findaremos com o dilema existente entre a satisfação das necessidades individuais e a produção das riquezas. O modelo produtivo proporcionará a satisfação das necessidades humanas e estará menos subordinado à reprodução de capital [...]. O Estado controlará as estratégicas atividades produtivas e direcionará o desenvolvimento econômico do país” (Proyecto Nacional Simón Bolívar, 2006, p.22). Um exemplo prático que mostra como funcionam essas empresas de produção social é o caso da Petróleos Ve86 QUERO SABER

nezuela S.A. (PDVSA). A nacionalização da principal empresa petroleira do país, que havia sido privatizada, somada à alta contínua do preço do barril do petróleo entre 2003 e 2013, foi primordial para gerar um alto volume de excedente de divisas (lucro), que foi aplicado para o financiamento da diversificação das atividades produtivas e em programas sociais. Com o crescimento do PIB ancorado principalmente pela comercialização do petróleo, o governo da Venezuela teve condições de aumentar os programas sociais destinados à população mais vulnerável e a empresa se tornou o principal agente para proporcionar o desenvolvimento socioeconômico do país.

A INFLUÊNCIA DE SIMÓN BOLÍVAR

O termo bolivarianismo é usado para se referir ao modelo socialista adotado pelos países da América Latina, e mais especificamente para definir o modelo venezuelano, principalmente porque depois da chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999,


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Ideologias na atualidade

Simón Bolívar, um dos libertadores da América Latina e principal inspiração do socialismo sul-americano

a nação mudou seu nome de Estado Venezuelano para República Bolivariana da Venezuela. A introdução da palavra bolivariana no nome oficial do país foi feita por dois motivos. O primeiro deles foi homenagear Simón Bolívar (1783-1830), um oficial venezuelano de família nobre que depois de realizar seus estudos na Espanha e ter contato com a Revolução Francesa decidiu voltar ao seu país de origem e libertá-lo do domínio do reino espanhol. Entre seus feitos, além de liberar o território que hoje é a Venezuela, ele conseguir expulsar os conquistadores espanhóis de áreas que hoje são Bolívia, Colômbia, Peru, Equador e Panamá, chegando a formar um país chamado Grã-Colômbia. Além de homenagear o libertador, o termo foi usado por Chávez porque ele queria que os ideais de Bolívar fizessem parte da construção desse novo modelo de socialismo. Entre as principais ideias de Simón que inspiravam o criador do socialismo do século XX estavam: a construção de uma sociedade em que a educação pública fosse gratuita e obrigatória, a autonomia econômica da nação e repúdio à intromissão estrangeira nas nações americanas e a dominação econômica. Ele ainda acreditava ser possível realizar a integração total dos países latino-americanos sob a bandeira da Grã-Colômbia. Simón Bolívar pregava que a união entre os países da América Latina e do Caribe devia ser feita porque havia laços históricos e culturais comuns entre os povos dessa região, e a integração seria um modo de preservá-los. Ele também acreditava que a divisão da América Latina pelos conquistadores espanhóis e portugueses tornou a

região uma presa fácil para o imperialismo e para a exploração econômica por parte das potências capitalistas, e que a integração regional possibilitaria não só a afirmação da independência dos povos latinos, mas criaria condições para o desenvolvimento e progresso de todos os países da região. Para alguns historiadores, o neobolivarianismo adotado por Hugo Chávez se baseia em três elementos históricos e políticos que foram moldados com o passar do tempo. O primeiro deles é a doutrina do próprio libertador; o segundo são as ideias defendias por Simón Rodriguez, que foi professor de Bolívar na década de 1820 e que defendia a adoção de políticas educacionais de caráter igualitário e que a América deveria ter uma identidade própria. O último elemento que influenciou Chávez foram as ideais de Ezequiel Zamora, um popular líder camponês do século XIX que defendia que os movimentos camponeses e militares deveriam lutar pela reforma agrária e pela democracia direta. Outra ideia bolivariana que influenciou Capitalismo X Socialismo 87


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Ideologias na atualidade as ações políticas de Chávez foi o triunfo da Revolução Cubana, pois a partir da vitória do socialismo na ilha, foi retomada a discussão sobre uma aliança permanente entre os países latino-americanos em prol da defesa dos interesses econômicos, políticos e militares comuns para resistir às investidas das potências imperialistas.

AS EXPERIÊNCIAS SOCIALISTAS NA AMÉRICA LATINA

Além da experiência socialista na Venezuela, outros de nossos vizinhos aderiram às práticas do novo socialismo nesse começo de milênio. Na Bolívia, desde que Evo Morales chegou ao poder, a ideia de criar um modelo socialista que preservasse o país da influência do capitalismo neoliberal ganhou força. Além disso, há a luta para preservar outros elementos nacionais usados na construção do próprio modelo socialista local, como a preservação da cultura indígena e o incentivo à coletividade, solidariedade e o respeito à natureza. Bem como em seus vizinhos, o socialismo boliviano adotou a intervenção estatal e a representação coletiva como pilares dos planos de desenvolvimento econômico e social do país. As instituições estatais passaram por um processo que privilegiou a representação de povos indígenas em cargos de liderança, que agora não atuavam apenas em pequenas comunidades ou movimentos sociais, mas também eram responsáveis pelos rumos econômicos e sociais da nação. No modelo socialista em construção por Evo Morales, os preceitos marxistas estão presentes, porém foram adaptados para atender às demandas da população mais vulnerável, que são os indígenas e camponeses. Duas ideias marxistas não foram totalmente aceitas na Bolívia: elas dizem respeito à socialização da terra, já que cada comunidade indígena queria preservar a sua propriedade, e à criação uma identidade nacional homogênea para o povo boliviano, sem preservar as individualidades de cada tribo. O projeto socialista boliviano procurou vincular os preceitos de Marx aos valores indígenas, como “o ama suwa, ama llulla e ama q’ella” (não roubar, não mentir e não ser ocioso), que são partes da cultura nacional e estão presentes na constituição do país. Outra influência das populações indígenas nas políticas sociais do governo é a adoção dos preceitos de coletivismo dessa população como sendo o modelo ideal para organização da sociedade e da produtividade. Apesar de conter uma grande quantidade de valores locais em sua proposta de socialismo, alguns fatores aproximam o modelo instituído por Evo Morales do adotado por seus vizinhos Hugo Chávez e Rafael Correa (presidente do Equador). Os três elementos presentes no 88 QUERO SABER

Evo Morales instituiu o novo socialismo com características indígenas na Bolívia


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modelo regional de socialismo bolivariano são as críticas ao modelo neoliberal da economia, no qual o Estado é um coadjuvante das mudanças sociais; as críticas ao individualismo; e à exploração do trabalho somente para o alcance do lucro e da acumulação da riqueza por uma pequena parcela da sociedade. Por mais que sejam diferentes entre si e se distanciem do marxismo clássico, principalmente por terem que adaptar seus sistemas à nova configuração da economia global e à cultura local, o ideário socialista desses países pela luta contra o imperialismo e grupos dominantes acabou impulsionando-os rumo ao aumento de direitos sociais e políticos de boa parte da população pobre.

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SOCIALISMO EQUATORIANO

O modelo socialista adotado no Equador tem as mesmas premissas que na Venezuela e na Bolívia, como o discurso de humanização das relações de trabalho, a solidariedade entre os indivíduos e o incentivo a programas sociais e à ação coletiva. Há ainda críticas ao capitalismo neoliberal, que na visão dele é um dos responsáveis por intensificar o individualismo e o egoísmo entre as pessoas. Um fator comum nessa versão do novo socialismo aplicada na América Latina é que não há questionamentos à propriedade privada e nem um plano de emancipação da classe operária em relação à exploração capitalista. Nesse caso, fica claro que os governos do novo socialismo tentam usar a intervenção estatal e aproveitar o livre mercado capitalista para diminuir as desigualdades. O modelo socialista adotado por Rafael Correa é similar ao colocado em prática na Venezuela, pois congrega várias formas de pensamento, o que o torna bem diluído. O sistema bolivariano no Equador tem como principais demandas

Rafael Correa, presidente equatoriano responsável por implantar o “socialismo do bem viver” no país

realizar a justiça social, promover a igualdade entre a população e a valorização das pessoas. Segundo discursos do presidente Rafael Correa, a adoção do novo socialismo é uma resposta ao neoliberalismo e às suas consequências, que na visão dele foram responsáveis pela intensificação da desigualdade no país desde que se tornou referência dentro do capitalismo. Um dos pilares da crença socialista implantada no Equador tem relação direta com o termo sumak kawsay (o bem viver), e é em cima desse conceito que toda a teoria socialista é construída. O socialismo do bem viver equatoriano visa criar uma definitivamente uma relação harmoniosa entre todos os cidadãos por meio da coletivização das decisões políticas e econômicas do Estado, que de acordo com a premissa do socialismo do século XXI, é um dos principais agentes na construção do desenvolvimento socioeconômico e na criação de igualdades.

O QUE ESPERAR DO SOCIALISMO NO SÉCULO XXI?

Para os teóricos socialistas, o surgimento das Empresas de Produção Sociais tem um papel fundamental na construção do novo socialismo no século XXI. Isso porque por meio delas será possível mudar as relações capitalistas, que em vez de buscarem apenas lucros, rentabilidade e acumulação de capitais, passariam a usar o excedente financeiro para realizar a distribuição de renda e a criar programas sociais para diminuir as desigualdades criadas pelo próprio sistema capitalista. De acordo com eles, por meio das empresas sociais e da intervenção estatal, será possível não só a emancipação do novo socialismo para uma escala mundial, como também consolidá-lo como um sistema político-econômico que possa rivalizar com o capitalismo neoliberal. Capitalismo X Socialismo 89


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Ideologias na atualidade Na questão econômica, outro fator que é característico do novo socialismo é a adoção de políticas neodesenvolvimentistas, que tratam de aproveitar os potenciais econômicos de suas reservas minerais para obter lucro e redirecioná-los para a criação de um sólido processo de industrialização, buscando competir também com os produtos manufaturados na econômica mundial. Todo esse processo, diferentemente do socialismo clássico, não exclui o setor produtivo privado ou estrangeiro. Pelo contrário, as empresas transnacionais costumam participar ativamente de obras de infraestrutura nesses países, já que eles ainda não detêm a tecnologia necessária para promover esses avanços. Uma característica comum nesses países socialistas do século XXI é que todos eles reivindicam a autonomia sobre sua economia e bens naturais, além de lutarem para serem protagonistas de suas próprias histórias.

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O socialismo permanece vivo no século XXI, mesmo que com outras características

Segundo palavras de Hugo Chávez, mudar a estrutura produtiva é o principal objetivo do socialismo do século XXI. “A transformação da estrutura produtiva é fundamental se quisermos construir um verdadeiro socialismo. Devemos socializar a economia e a produção, criando um modelo que privilegie o trabalho sobre o capital. Além disso, a existência da propriedade social é essencial. Ela cria novas relações de produção, orientando o esforço produtivo para a satisfação das necessidades do povo”, disse em muitos de seus discursos. Outro fator que aparece como característica desse movimento socialista na América Latina e que, para alguns teóricos, é essencial para a emanação desse modelo dentro dos próprios países é o aumento da participação popular nas decisões políticas e econômicas. Um exemplo do funcionamento dessas iniciativas populares são os conselhos comunitários na Venezuela. Por meio deles, o governo estabeleceu redes solidárias de produção, circulação, distribuição e consumo de bens, serviços e produtos, além de abrir um espaço para que a população possa deliberar, de forma democrática, sobre as necessidades de suas regiões. Esses conselhos são uma espécie de microgovernos estabelecidos no interior do país e fazem sua própria gestão das políticas socioeconômicas locais.

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PRINCIPAIS SISTEMAS NO MUNDO AZUL

Capitalistas

(demais países do mundo)

VERMELHO

Socialistas (China, Cuba,

Coreia do Norte, Vietnã, Laos, Venezuela, Equador e Bolívia)

AMARELO

Social Democratas (Noruega,

Finlândia, Islândia, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Austrália, França, Grã-Bretanha, Nova Zelândia e Bélgica)

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DICAS DE LEITURA E PESQUISA FILMES, LIVROS E AUTORES QUE VÃO LHE AJUDAR A ENTENDER MELHOR ESSAS DUAS DOUTRINAS

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LIVROS SOBRE O CAPITALISMO

O CAPITAL NO SÉCULO XXI Autor: Thomas Piketty Ano: 2014 Páginas: 672

O livro escrito por Thomas Piketty tem sido um dos mais discutidos e elogiados pela crítica nos últimos anos. O capitalismo no século XXI aborda, sob a ótica dos conceitos de Marx, a história do capitalismo como um sistema que sempre privilegiou a concentração de riqueza nas mãos de poucas pessoas e/ou corporações e como a partir do século XXI ele foi um componente primordial para o aumento cada vez maior da desigualdade no mundo. Após mais de 15 anos de pesquisas, ele encontrou registro históricos que mostram como o capitalismo cria círculos viciosos de desigualdade e que a taxa de retorno (lucro) sobre as operações financeiras é sempre maior do que o ritmo do crescimento econômico mundial. 92 QUERO SABER

DINÂMICA DO CAPITALISMO PÓS-GUERRA FRIA Autor: Marcos Costa Lima Ano: 2008 Páginas: 376

O livro de Marcos Costa procura fazer uma reflexão sobre as mudanças nas características do capitalismo no período pós-Guerra Fria, que ele define como a era da Nova Economia. O autor analisa os desdobramentos e as características da dinâmica do capitalismo atual, que agora não tem uma grande ideologia para rivalizar. O livro se aprofunda em questões da estrutura do sistema baseado no setor financeiro e seus desdobramentos macroeconômicos, tecnológicos e de inovação, tendo também um olhar privilegiado sobre os reflexos políticos do capitalismo financeiro na periferia do sistema capitalista.


Saiba mais A ERA DOS EXTREMOS Shutterstock

Autor: Eric Hobsbawm Ano: 1994 Páginas: 632

O autor Eric Hobsbawm traz uma avaliação histórica do século XX que vai desde a primeira Guerra Mundial até a o fim da União Soviética. Os principais destaques do livro ficam para o período da Guerra Fria, marcado pela rivalidade entre as doutrinas capitalistas e socialistas que dividiram o mundo em dois. A obra é separada em três períodos: a era da catástrofe fala a respeito das Guerras Mundiais; na segunda, ele aborda os Anos Dourados do capitalismo entre 1945 e 1970; e na parte final, fala sobre a ruína do projeto socialista e do fim da Guerra Fria.

CAPITALISMO GLOBAL: HISTÓRIA ECONÔMICA E POLÍTICA DO SÉCULO XX Autor: Jeffry A. Frieden Ano: 2008 Páginas: 572

O professor da Universidade de Harvard Jeffry A. Frieden faz uma análise completa da história política e econômica do capitalismo durante o século XX. No livro, ele aborda o sistema capitalista nos cinco continentes, passando pela era do ouro e da globalização capitalista. Mostra também como o capitalismo superou os colapsos, crises, duas guerras mundiais e a integração dos mercados do século passado. Jeffry analisa também os casos dos países asiáticos, que vêm cada vez mais ganhando protagonismo no mundo. O professor revela que as atuais crises do capitalismo mundial são reflexos de todo o processo histórico desse sistema.

SUPERCAPITALISMO COMO O CAPITALISMO TEM TRANSFORMADO OS NEGÓCIOS, A DEMOCRACIA E O COTIDIANO

Jeffry Frieden é professor de Harvard, uma das maiores universidades do mundo

Robert Reich mostra a relação entre o crescimento do capitalismo e a democracia. No livro, ele revela como a busca por lucros cada vez maiores por parte das empresas tem afetado o mundo dos negócios, a democracia e o cotidiano da população. De acordo com sua visão, ao mesmo tempo em que as empresas se tornam mais competitivas e buscam mais o lucro, elas deixam de lado as responsabilidades sociais ou só as usam para efeito de marketing. Reich explica no livro como o agravamento das desigualdades, a insegurança no setor trabalhista e o aquecimento global são frutos desse processo de expansão do capitalismo.

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Autor: Robert Reich Ano: 2008 Páginas: 304

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AS REVOLUÇÕES RUSSAS E O SOCIALISMO SOVIÉTICO

HISTÓRIA DO SOCIALISMO E DAS LUTAS SOCIAIS

O autor Daniel Aarão Reis Filho faz uma avaliação histórica de todo o processo do movimento trabalhista que, inspirado pelo socialismo, principalmente na Europa, levou à realização da Revolução Russa – nesse episódio, o proletariado, liderado pelos bolcheviques, tomou o poder na Rússia e instituiu a União Soviética. Ele também mostra, sob uma perspectiva histórica, os erros, acertos e como o socialismo soviético serviu de inspiração para que outros países seguissem o mesmo caminho, causando alarde, provocando debates e confrontos durante todo o período do século XX em que a União Soviética e seu modelo socialista existiram.

O livro do escritor Marx Beer faz uma leitura histórica de todo o processo das lutas sociais no mundo e como elas desencadearam a implantação do socialismo. Além disso, traz em suas páginas uma breve história do socialismo, desde suas origens, dos pensamentos marxistas até sua realização prática durante o século XX. O autor faz uma regressão histórica às lutas sociais desde a antiguidade, passando pela Idade Média até o final da União Soviética.

Autor: Daniel Aarão Reis Filho Ano: 2004 Páginas: 179

A Revolução Russa e o modelo soviético são temas do livro de Daniel Aarão

O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS Autor: Leonardo Padura Ano: 2013 Páginas: 600

Autor: Marx Beer Ano: 2006 Páginas: 608

O romance cubano conta a perseguição do Stalinismo a Trotsky nas primeiras décadas do século XX

Diferente dos outros livros indicados, “O Homem que Amava os Cachorros” é um romance, mas com um contexto histórico. O auto Leonardo Padura faz um breve histórico dos primeiros anos da Revolução Russa a partir da chegada de Stálin ao poder. O livro conta a história de Léon Trotsky, um dos principais líderes da revolução e que foi expulso do país sendo considerado por Stálin como traidor do regime. Baseado na história real, Padura conta todos os caminhos que levaram Trotsky e seu assassino Ramón Mercader até o encontro fatal no México. 94 QUERO SABER

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LIVROS SOBRE O SOCIALISMO


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FILMES SOBRE O CAPITALISMO

99 CASAS

Diretor: Ramin Bahrani Ano: 2014 Duração: 1h52min

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CAPITALISMO – UMA HISTÓRIA DE AMOR Diretor: Michael Moore Ano: 2009 Duração: 2h7min

O famoso documentário “Capitalismo – Uma História de Amor”, dirigido por Michael Moore, é uma crítica ao sistema capitalista norte-americano, e mostra como os interesses do mercado financeiro e do lucro estão acima dos interesses sociais e como o Estado não intervém para dar o mínimo de suporte aos seus cidadãos. Moore revela em seu documentário que o sonho norte-americano de fazer fortuna é uma mera ilusão e que, na maioria das vezes, as pessoas comuns perdem seus empregos, suas casas e poupanças e têm que recomeçar suas vidas muitas vezes sem ter um lugar para morar ou uma perspectiva de futuro.

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O filme conta a história de Dennis Nash, um pai solteiro que trabalha como mestre de obras e tem a sua vida totalmente mudada quando deixa de ter condições de pagar a hipoteca e tem sua casa tomada pelo corretor de imóveis Rick Carver. Com a condição financeira delicada e sem teto, Nash passa a morar com o filho e a irmã em um hotel destinado a pessoas que perderam a suas casas. Precisando se reerguer, o ex-mestre de obra passa a trabalhar para o corretor lhe tomou a casa, reformado outras residências que foram tomadas pelos bancos, assim como a sua.

Michael Moore, diretor do documentário crítico ao modelo capitalista, no lançamento do filme “O Aviador”, em 2004

A GRANDE APOSTA Diretor: Adam McKay Ano: 2016 Duração: 2h11min

O ator Christian Bale, um dos protagonistas, no lançamento mundial do filme sobre a crise de 2008

O diretor Adam McKay usa as telas do cinema para abordar a crise imobiliária que afetou os Estados Unidos e o mundo. O enredo mostra como se formou a bolha financeira dos subprimes (títulos bancários feitos com base no valor das hipotecas e negociados no mercado). A história é vista sob a ótica de pequenos investidores do mercado financeiro que perceberam que essa bolha ia estourar e se aproveitaram de informações sigilosas do mercado para fazer fortuna com a pior crise do capitalismo desde 1929. Capitalismo X Socialismo 95


Saiba mais Featureflash Photo Agency / Shutterstock.com

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Diretor: Oliver Stone Ano: 2010 Duração: 2h11min

O filme é a continuação de “Wall Street – Poder e Cobiça”, lançado em 1997, que tratava de mostrar como funcionam os bastidores das negociações na principal bolsa de valores do mundo. A história começa com a libertação de Gordon Gekko (Michael Douglas), que no filme anterior havia sido preço por cometer fraudes no sistema financeiro. Mesmo em liberdade, Gekko não pode voltar a trabalhar no mercado financeiro e dedica seu tempo a palestras em que critica o comportamento de risco dos investidores. Nesse momento ele encontra um promissor operador da Bolsa de Valores e passa a ser o seu mentor, destrinchando todos os caminhos obscuros dos bastidores das negociações na Bolsa, enquanto recupera boa parte do dinheiro perdido. Shutterstock

Elenco de “Wall Street – o Dinheiro Nunca Dorme” no Festival de Cannes, em 2010

WALL STREET – O DINHEIRO NUNCA DORME

FILMES SOBRE O SOCIALISMO REEDS

Diretor: Warren Beatty Ano: 1982 Duração: 3h04min O filme dirigido por Warren Betty e com participação de nomes como Diane Keaton e Jack Nicholson no elenco conta a história de John Reed, um importante jornalista norte-americano que, envolvido em disputas políticas e trabalhistas nos Estados Unidos, embarca para a Rússia pouco antes da Primeira Guerra e presencia in loco a Revolução Russa de 1917. Depois, Reed retorna para o seu país querendo repetir o movimento. A película é baseada na história real do jornalista, que escreveria um livro sobre sua experiência em terra soviética chamado “Os 10 Dias que Abalaram o Mundo”.

96 QUERO SABER


Saiba mais O ENCOURAÇADO POTEMKIN

A queda do muro de Berlim e a reunificação da Alemanha são o pano de fundo do filme

Diretor: Serguei M. Eisenstein Ano: 1925 Duração: 1h15min

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Filme lançado nos primeiros anos do regime soviético é dirigido Eisenstein, renomado diretor russo. O longa retrata uma passagem histórica acontecida antes da Revolução Russa e que foi um marco para as revoltas sociais do país. Em 1905, durante o período czarista, os marinheiros do navio de guerra Potemkin, cansados dos maus tratos, resolveram entrar em greve por melhores condições de trabalho e alimentação ao atracarem no porto de Odessa, hoje Ucrânia. Durante a greve, os oficiais do navio começam a punir os grevistas e a situação sai de controle, resultando em uma grande tragédia não só no navio, mas também na região portuária, onde havia muitas pessoas dando apoio aos marinheiros grevistas.

ADEUS, LÊNIN!

Diretor: Wolfgang Becker Ano: 2003 Duração: 2h

AS SUFRAGISTAS

Diretor: Sarah Gavron Ano: 2015 Duração: 1h47min

O filme narra a história da senhora Kerner (Katrin Sab) e seu filho Alexander (Daniel Brühl) nos primeiros anos após a queda do muro de Berlim e do fim do socialismo. Kerner viveu praticamente toda a sua vida sob a influência do regime socialista na Alemanha Oriental. Porém, em 1989 ela passal mal, entra em coma e, quando acorda, o muro, o socialismo e o mundo que conhecia já não existem mais. Temendo que o choque de realidade agravasse a saúde da mãe, Alexander faz de tudo para criar um mundo paralelo dentro de casa para que a mãe não perceba que a vida como ela conhecia mudou.

Esse filme não é propriamente sobre o socialismo, mas sim sobre o movimento operário e reivindicações que são base da ideologia socialista. O filme conta a história das manifestações das mulheres por direito a voto que aconteceram na Inglaterra no início do século XX. Após anos de manifestações pacíficas que não deram resultados, um grupo de mulheres inicia um movimento de desobediência civil para chamar a atenção dos governantes para a sua causa.

FILMES SOBRE GUERRA FRIA

A VIDA DOS OUTROS

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Diretor: Florian Henckel von Donnersmarck Ano: 2006 Duração: 2h17min Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2007, o longa mostra um período em que era comum na Alemanha Oriental o governo monitorar a vida e os passos das pessoas que eram contra o regime socialista. Na história, Georg Dreyman é um dos maiores dramaturgos da Alemanha Oriental e um dos principais críticos do sistema socialista implantado no país. A tarefa de seguir o artista recai sobre Anton Grubitz, um dos especialistas em escutas ilegais. Apesar de não encontrar nada comprometedor, Anton começa a perceber que a vida do vigiado é bem diferente da sua, que é restrita a idas e vindas para o trabalho e passa a admirar o dramaturgo, colocando em risco todo o plano traçado pelo governo socialista alemão. Capitalismo X Socialismo 97


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Saiba mais Os horrores da Guerra do Vietnã são tema de Apocalypse Now, considerado por muitos o melhor filme de guerra

APOCALYPSE NOW

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Diretor: Francis Ford Coppola Ano: 1979 Duração: 3h22min

13 DIAS QUE ABALARAM O MUNDO Diretor: Roger Donaldson Ano: 2000 Duração: 2h25min

O filme dirigido por Roger Donaldson aborda o período mais tenso de toda a Guerra Fria: a crise dos mísseis em 1962, que ficou conhecida como os 13 dias que abalaram o mundo. Ele mostra as seguidas reuniões que aconteceram durante esse período, em que eram decididos quais passos seriam dados diante da descoberta de mísseis soviéticos em Cuba. Invadir a ilha que havia acabado de passar pela revolução? Promover uma ofensiva contra os soviéticos? O que os principais líderes dos Estados Unidos estavam dispostos a fazer? Nesse momento, qualquer passo errado poderia levar o mundo a uma terceira guerra mundial.

Eleito por muitos críticos como o melhor filme de Guerra da história, “Apocalypse Now” é o primeiro filme crítico às atrocidades da Guerra do Vietnã. A história se passa no ano de 1969, no auge da Guerra, e mostra a viagem do capitão Benjamin Willard (Martin Sheen), que entra na selva para assassinar o coronel Walter Kurtz (Marlon Brando), considerado um traidor pelo exército norte-americano. Envolvido pelo clima tenso da Guerra, o coronel monta seu próprio exército rebelde para se opor ao exército norte-americano e à guerrilha armada criada pelo governo de seu país. O clima de tensão vai até o final, quando o capitão e coronel se encontram do interior do Camboja e verdades são reveladas.

A perseguição anticomunista ao jornalista Edward Morrow é a temática de “Boa Noite e Boa Sorte”, que é baseado em fatos reais

BOA NOITE E BOA SORTE Diretor: George Clooney Ano: 2006 Duração: 1h33min

O filme conta a história de Edward R. Morrow, um famoso jornalista âncora de TV que, em plena época da Guerra Fria, lutou para mostrar os dois lados do conflito ideológico. Uma de suas estratégias é revelar as táticas e as mentiras usadas pelos anticomunistas na caça ao inimigo externo. O grande problema é que ele decide fazer isso durante o macarthismo e o próprio senador Joseph McCarthy decide iniciar uma perseguição ao jornalista ao invés de usar o direto de resposta na TV, o que gera um grande conflito público entre os dois e consequências graves ao jornalista. Shutterstock PRESIDENTE: Paulo Roberto Houch • VICE-PRESIDENTE EDITORIAL: Andrea Calmon (redacao@editoraonline.com.br) • JORNALISTA RESPONSÁVEL: Andrea Calmon (MTB 47714) • COORDENADOR DE ARTE: Rubens Martim (diagramacao@editoraonline.com.br) • PROGRAMADOR VISUAL: Nome • GERENTE COMERCIAL: Elaine Houch (elainehouch@editoraonline.com.br) • SUPERVISOR DE MARKETING: Vinicius Fernandes • CANAIS ALTERNATIVOS: Luiz Carlos Sarra • DEP. VENDAS: (11) 3687-0099 (vendaatacado@editoraonline.com.br) • VENDAS A REVENDEDORES: (11) 3687-0099/ 7727-8678 (luizcarlos@editoraonline.com.br) • DIRETORA ADMINISTRATIVA: Jacy Regina Dalle Lucca • Impresso por NOME DA GRÁFICA • Distribuição no Brasil por DINAP • MPRESSO POR XXX • Revista produzida por ECO EDITORIAL (www.ecoeditorial.com.br) • EDIÇÃO: Ana Vasconcelos • REDAÇÃO: Rodrigo Svrcek • ASSISTENTE DE REDAÇÃO: Giovana Meneguim • DESIGN E DIAGRAMAÇÃO: Patrícia Andrioli • FOTO DE CAPA: Shutterstock • QUERO SABER - CAPITALISMO X SOCIALISMO é uma publicação do IBC Instituto Brasileiro de Cultura Ltda. – Caixa Postal 61085 – CEP 05001-970 – São Paulo – SP – Tel.: (0**11) 3393-7777 • A reprodução total ou parcial desta obra é proibida sem a prévia autorização do editor. Números atrasados com o IBC ou por intermédio do seu jornaleiro ao preço da última edição acrescido das despesas de envio. Para adquirir com o IBC: www.revistaonline.com.br; Tel.: (0**11) 3512-9477; ou Caixa Postal 61085 – CEP 05001-970 – São Paulo – SP.

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NESTA CAPITALISMO SOCIALISMO EDIÇÃO

• ORIGENS E CONCEITOS • CONTRADIÇÕES E DIFERENÇAS • A GUERRA FRIA • NASCE UMA TERCEIRA VIA • IDEOLOGIAS NA ATUALIDADE TUDO SOBRE O PASSADO, PRESENTE • DICAS DE LEITURA E PESQUISA E FUTURO DOS COMPUTADORES 100 QUERO SABER


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