BOVInOCULTURA CArtilhA DE ExperiênciAs no sertão DO ARARIPE
Ong CHAPADA
BOVInOCULTURA CArtilhA DE ExperiênciAs no sertão DO ARARIPE
REALIZAÇÃO
FOTOGRAFIAs
Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe (Chapada)
Acervo Chapada Alexandre Damacena Flávio Costa - Z.diZain (capa) Gabriel Ramos Tales Matos Ilustração Gráfica (perspectiva de silo)
APOIO Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) | Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT): Programa de Apoio a Projeto de Infraestrutura e Serviços nos Territórios Rurais
ilustração DO silO João Abílio (Engenheiro Agrônomo)
PRODUÇÃO
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Assessoria de Comunicação do Chapada Gerente de Comunicação
Z.diZain Comunicação www.zdizain.com.br
Mariana Landim (SRTE/PE 0224)
Jornalistas Carolina Barros (DRT/CE 2496) Gabriel Ramos
PRODUÇÃO DE COnTEÚDOs Tales Matos (Engenheiro Agrônomo | Pós-graduado em Agroecologia) Carolina Barros Gabriel Ramos Sidney Lima do Carmo (Técnico Agrícola)
REVIsÃO DE COnTEÚDOs Alexandre Damacena (Engenheiro Agrônomo | Pósgraduado em Agroecologia) Gabriel Ramos Maeldo Cruz (Engenheiro Agrônomo | Pós-graduado em Agroecologia) Mariana Landim Tales Matos (Engenheiro Agrônomo | Pós-graduado em Agroecologia) Valéria Landim (Assistente Social | Mestre em Serviço Social)
REVIsÃO DE TEXTO Consultexto www.consultexto.com.br
sUMáRIO 6 7 9 10 10 12 12 17
CONHECENDO A ONG CHAPADA
21 24 24 27 29 31
Das Dificuldades, uma Oportunidade para a Superação
Linhas Estratégicas de Atuação APRESENTAÇÃO Atividades Desenvolvidas pelo Plano de Atividades (PAT) Fortalecimento da Cadeia Produtiva do Leite no Araripe AS EXPERIÊNCIAS QUE DERAM CERTO Assentamento Tanque: uma Trajetória de Lutas e Conquistas O Caminho para Novas Descobertas Faz do Conhecimento a Chave para uma Vida Melhor
COMPARTILHANDO SABERES A Ampliação do Conhecimento sobre Bovinocultura Leiteira ENTENDA A DIFERENÇA DE SILO, SILAGEM E ENSILAGEM UMA DICA DA ONG CHAPADA: CALCULANDO A PRODUÇÃO DE FORRAGEM GALERIA DE IMAGENS
6
BOvinOcultura
COnHECEnDO A OnG CHAPADA Em maio de 1994, no município de Araripina, após a constatação de que a agricultura familiar precisava de assessorias e serviços técnicos para o seu desenvolvimento, um grupo de técnicos e de agricultores e agricultoras fundou o Centro de Habilitação e Apoio do Pequeno Agricultor do Araripe (Chapada). O Chapada instituiu como missão o fortalecimento e o desenvolvimento socioeconômico, político e cultural da agricultura familiar através da recuperação e preservação do meio ambiente, por meio da agroecologia e efetivação da cidadania no semiárido brasileiro. A visão de futuro da instituição é tornar-se uma referência em processos e metodologias de desenvolvimento da agroecologia e capacidades empreendedoras na agricultura familiar, favorecendo o protagonismo juvenil e as relações iguais de gênero.
BOvinOcultura
7
Linhas Estratégicas de atuação Agroecologia para Convivência com o Semiárido Ações voltadas para a implantação e o desenvolvimento de sistemas agroflorestais, bancos comunitários e familiares de sementes crioulas/nativas, horticultura agroecológica, produção de mel, criação de caprinos e ovinos e galinhas caipiras.
Água e Segurança Alimentar Estruturação de infraestrutura hídrica nas propriedades e comunidades rurais, garantindo o acesso a água de qualidade para o consumo humano, doméstico e fins produtivos.
Empreendedorismo na Agricultura Familiar e Acesso a Mercados Qualificação das famílias em planejamento da propriedade, cálculos de custo e de preço das vendas e o desenvolvimento de comportamentos empreendedores. Assessoria técnica ao gerenciamento de unidades de beneficiamento, feiras agroecológicas e de caprinos e ovinos e acesso aos programas de compras governamentais.
8
BOvinOcultura
Comunicação A comunicação institucional dialoga com a necessidade de dar voz aos homens e às mulheres do campo, tornando públicos suas histórias e seus sonhos. A comunicação permeia todo o processo que envolve a mobilização das famílias agricultoras ao contribuir para a disseminação de conhecimentos e experiências exitosas de convivência com a região semiárida.
Juventude Rural e Cidanania Ações que contribuem para a capacitação profissional de jovens, despertando neles o interesse pela agroecologia e convivência com o semiárido. Estimula-se também a inserção deles na agricultura familiar e a profissionalização como técnicos de campo. O objetivo é a promoção da geração de renda e a fixação dos jovens na zona rural.
BOvinOcultura
9
APREsEnTAÇÃO Esta cartilha sistematiza os principais resultados alcançados pelo Plano de Atividades (PAT), projeto executado pela ONG Chapada nos anos 2012 a 2014, no território do Sertão do Araripe, em Pernambuco, e financiado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário através do Programa de Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços nos Territórios Rurais, da Secretaria de Desenvolvimento Territorial. A iniciativa teve o objetivo de fortalecer a agricultura familiar e difundir técnicas de produção agropecuária por meio de práticas com princípios agroecológicos e da convivência com o Semiárido. É para cumprir, portanto, com a disseminação daquelas práticas na forma de conhecimento que esta cartilha oferece aos/às leitores/as sistematizações de histórias de famílias com experiências exitosas na cadeia produtiva do leite, promovidas pela experimentação de novas tecnologias e estratégias de produção que garantem segurança alimentar, trabalho e geração de renda de forma sustentável.
10 BOvinOcultura Atividades Desenvolvidas pelo Plano de Atividades (PAT) • Encontro Gestão Associativa na Unidade de Beneficiamento de Leite do Sítio Malhada, Crato, no Ceará. • Encontro Boas Práticas de Fabricação de Derivados de Leite. • Encontro sobre custo de produção. • Visitas de intercâmbio às Unidades de Beneficiamento de Leite nos municípios de Sertânia e Araripina, em Pernambuco. • Encontro Territorial sobre Bovinocultura. • Assessoria Técnica a agricultores/as familiares em suas propriedades. • Assessoria Técnica nas Unidades de Resfriamento do Leite dos Sítios Várzea Alegre, Limoeiro e Assentamento Tanque, no município de Bodocó
Fortalecimento da Cadeia Produtiva do Leite no Araripe
Nas propriedades, as famílias foram orientadas quanto ao planejamento da unidade produtiva familiar, especificamente trabalhando a produção de forragem, alimentação e mineralização (alimentação adicionada de sais). Com foco na importância do manejo sanitário, foram tratados temas como a vermifugação e limpeza dos currais e apriscos (local onde ficam os caprinos), com o objetivo de sensibilizar os/as criadores/as quanto à utilização de técnicas essenciais na pecuária com animais de pequeno e grande portes. As famílias passaram a aproveitar também insumos, como, por exemplo, o esterco produzido pelos animais, para a adubação orgânica nos bancos de forragens, nos quintais produtivos, na produção de hortaliças e nos roçados agroecológicos.
BOvinOcultura
11
Os/as agricultores/as integrantes das unidades de beneficiamento foram orientados/ as quanto à higienização por meio de boas práticas de produção, e foi realizado o planejamento da produção, com o intuito de garantir o funcionamento permanente das unidades. A equipe técnica do projeto também auxiliou quatro agricultores/as na implantação do sistema de irrigação por gotejamento em suas propriedades. O sistema alcançava uma área de aproximadamente 4,5 hectares para irrigar o sorgo forrageiro utilizado na produção de ração para os animais. A caprinovinocultura era outra atividade desenvolvida por algumas famílias que tiveram a oportunidade de receber orientação técnica sobre as soluções para as dificuldades encontradas no manejo dos animais. As informações se referiam à escrituração zootécnica, ao manejo alimentar, à estação de monta e ao armazenamento de forragem, dando um subsídio importante para os/as criadores/as, que passaram a desenvolver técnicas como a silagem. Além disso, as famílias fizeram anotações sobre o rebanho, tornando todos os cuidados preventivos contra doenças e parasitas.
12 BOvinOcultura
As EXPERIÊnCIAs QUE DERAM CERTO Assentamento Tanque: uma Trajetória de Lutas e Conquistas Não diferente dos assentamentos que existem Brasil afora, o Assentamento Tanque, localizado no Sítio Cacimba Nova, no município de Bodocó, no Sertão do Araripe, em Pernambuco, tem também suas histórias de lutas e conquistas. Lá, por meio da Associação Rural dos Moradores do Sítio Cacimba Nova, as famílias conquistaram o direito à terra, à eletricidade, à água e ao crédito rural para a garantia da segurança alimentar e o desenvolvimento socioeconômico através da agricultura familiar. Segundo o presidente da Associação Rural dos Moradores do Sítio Cacimba Nova, Luís Lopes Bezerra, após a conquista da terra através do crédito fundiário, o ano 2000 foi marcado pelo início das atividades da bovinocultura de catorze famílias do assentamento. “Começamos a criação com trinta vacas, conhecidas também como matrizes, e um reprodutor, sendo tudo isso fruto de uma luta coletiva da associação”, comemora Luís. Mesmo com o pontapé dado pelas famílias na criação de bovinos, ainda existia uma dificuldade por parte delas quanto às estratégias de criação dos animais na região semiárida. “Na época, a comunidade praticamente não conhecia técnicas de silagem, por exemplo. Quem pouco conhecia era minha família, por causa do conhecimento do meu
BOvinOcultura
13
pai, ex-presidente da Associação, que já tinha uns gados aqui e acolá. Mesmo com um pouco de experiência, ainda não sabíamos o verdadeiro significado e a importância da estocagem de alimentos para a alimentação animal”, complementa Luís Lopes. Com a chegada das atividades de assessoria técnica desenvolvidas pelo Plano de Atividades (PAT), as famílias agricultoras do Assentamento Tanque conseguiriam desenvolver e aperfeiçoar seus conhecimentos na área de bovinocultura e caprinovinocultura. “Foi através de projetos junto ao Chapada que vieram essas informações sobre produção e armazenamento de forragem para que, nos períodos de seca, não tivéssemos tanta perda no rebanho”, lembra uma das sócias da Associação do Sítio Cacimba, Maria do Socorro de Siqueira Lopes. Ao se recordar de algumas atividades, o presidente da Associação fez questão de falar da importância da troca de saberes entre os/as agricultores/as de diferentes regiões. “Lembro uma visita que fizemos numa experiência na Paraíba que achei bastante interessante. Quando chegamos lá, vimos uma criação de gado no curral sempre com o auxílio da forragem, diferente de nós, que deixamos o gado na roça. Eles também usavam um sistema de irrigação para a produção de silagem.” Numa outra experiência realizada em Limoeiro do Norte, no Ceará, o grupo de agricultores/as do assentamento teve a oportunidade de observar uma prática que utilizava o sal mineral como incremento da ração do gado, com o plano de evitar a redução do peso do animal em época de escassez de água. “O que aprendemos lá é que esse tipo de sal é bom para repor as calorias do animal”, comenta Luís Lopes ao dizer que essa experiência inspirou as famílias a aumentarem a produção do alimento para os animais. Para Maria do Socorro, uma outra iniciativa que ajudou no desenvolvimento econômico das famílias do Assentamento Tanque foi a conquista do Projeto Dom Helder Camara (PDHC). “Foi através desse projeto Dom Helder que, em 2006, conquistamos uma ensiladeira [máquina utilizada na produção de silagem] e mais duas matrizes e um
14 BOvinOcultura reprodutor para cada associado, que ajudou a gente na criação de bovinos e a começar a criação de ovinos.”
Uma construção, o leite e as vendas Na época do PDHC, a comunidade também foi beneficiada com a construção de uma Unidade de Resfriamento de Leite da Associação de Moradores do Sítio Cacimba Nova. Com a inauguração da unidade, em 2012, as famílias agricultoras conseguiram dar início à venda de leite de forma mais significativa e com maior frequência. “Antes não tínhamos clientes fixos, mas, a partir daquela época, começamos a comercializar para um laticínio da região”, comenta o agricultor Luís. Foi a partir de então que os/as produtores/as ultrapassaram a produção de 200 litros de leite por dia e atingiram 700 litros/dia. De acordo com o presidente da Associação, esse aumento na produção só aconteceu por causa do associativismo, que permitiu a compra do leite de outras famílias produtoras para a unidade de resfriamento. “Naquele tempo chegamos a vender o litro do leite a 0,95 centavos, o que dava uns R$ 700,00 por dia.” As lutas dos/as agricultores/as familiares do Assentamento Tanque também garantiu para cada família, em 2008, o acesso ao crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que também permitiu ampliar ainda mais a criação de ovinos e bovinos. “Em tempos de grandes produções, ao todo com os gados de catorze famílias, chegamos a ter trezentos animais”, ressalta, com orgulho, o presidente da Associação.
BOvinOcultura
15
Sustentabilidade financeira, uma questão de organização Na época, quando era realizada a compra do leite das famílias associadas e não associadas, cada produtor ou produtora pagava uma taxa para a manutenção da unidade de resfriamento, que incluía mão de obra e energia elétrica. Segundo Luís Lopes, essa taxa representou uma melhora efetiva na gestão e autonomia do trabalho comunitário. O resultado daquela organização comunitária teve efeito positivo quando houve um problema no resfriamento da máquina da unidade. “Com isso, perdemos todo o leite produzido. Naquele dia fomos obrigados a jogar fora 400 litros de leite.” Depois de algum tempo, o grupo teve o mesmo problema, que, junto ao prejuízo anterior, totalizou um gasto de 2 mil reais entre o conserto da máquina e a perda de produto. “Ainda bem que tínhamos esse dinheiro em caixa, porque senão poderia ser pior a situação”, conclui o presidente.
O Semiárido, uma terra de conhecimentos O momento de estiagem é sempre marcante para as pessoas que vivem no semiárido, principalmente para os/as agricultores/as familiares. Nesse período, as famílias executam e desenvolvem estratégias para a convivência com os efeitos naturais da região semiárida caracterizados pelas irregularidades das chuvas e pelos solos arenoargilosos, geralmente pobres em matéria orgânica. Inseridas naquele cenário, as famílias do Assentamento Tanque passaram por um período prolongado de estiagem, nos anos de 2011, 2012 e 2013, que ocasionou na perda de dezenove cabeças de gado. “Geralmente nessas épocas, sempre é mais difícil, por isso que quando estamos no período de inverno temos que aproveitar, porque é o tempo que damos uma reforçada na agricultura, cultivando alimentos para nosso próprio consumo e reforçando a alimentação do animal. Já na época da seca, não podemos fazer muito. Às vezes tiramos do próprio bolso sem ter o lucro, mas isso é uma forma de investir na propriedade”, avalia Luís Lopes.
16 BOvinOcultura De acordo com um dos associados e agricultor Geraldo Gomes Bezerra, devido a essa realidade é que o grupo aprendeu a dar cada vez mais valor aos conhecimentos repassados nesses projetos, principalmente nos intercâmbios. “Uma das principais técnicas que nos ajudam até hoje na seca é a produção de silagem. Aqui, para fazer ela, utilizamos o milho, a cana-de-açúcar, o sorgo e a folha da mandioca. Em uma das experiências que visitamos, lá na unidade de beneficiamento de leite, no Sítio Laginha, em Araripina, foi onde aprendemos que o milho deve estar bem maduro para melhorar a qualidade da ração animal.” O presidente da Associação, Luís Lopes, reforça também que, antes, as famílias do assentamento faziam a forragem apenas com o capim e a cana, mas, com as assessorias técnicas, foram descobertos novos caminhos. “Hoje, com o conhecimento que temos, descobrimos também que até o andu pode ser uma boa alimentação para o animal, pois seus grãos fornecem muitas proteínas”, comenta Luís. Para o futuro os/as agricultores/as daquele assentamento pretendem lutar por mais projetos de acesso à água e também esperam ampliar a criação de ovinos, porque a lucratividade pode ser maior em épocas de estiagem. “É mais fácil vender uma ovelha do que um boi. Enquanto a ovelha é vendida por 200 ou 300 reais, um boi é mil e tantos reais, e quando tem os dois tipos de animal fica melhor para diversificar a fonte de renda”, avalia o agricultor Geraldo Gomes, que completa dizendo que a vantagem do ovino é que ele bebe e come menos.
BOvinOcultura
17
O Caminho para Novas Descobertas Faz do Conhecimento a Chave para uma Vida Melhor A troca de saberes tem se consagrado, ao longo dos anos, como um importante aliado na disseminação e promoção da agroecologia. Nesse sentido, um dos métodos interdisciplinares utilizados no repasse dos conhecimentos é o intercâmbio. Como exemplo disso, o agricultor Francisco João da Silva, de 58 anos, e a agricultora Francisca Carlota da Silva, de 65 anos, são provas vivas do valor do compartilhamento das experiências do semiárido. Ao se lançar um olhar para além daquele casal, é possível notar também que o conhecimento tem igual importância para os demais membros da família, pois atualmente o agricultor e a agricultora contam com a ajuda dos quatro filhos, que trabalham com os seus pais na propriedade da família de 66,6 hectares, na comunidade de Várzea Alegre, no município de Bodocó, no Sertão de Pernambuco. Segundo Francisco, o conhecimento aprendido, vivenciado e divido entre a família serve como um incentivo para o trabalho em grupo e ajuda a todos/as a reproduzirem e aplicarem as práticas e técnicas na propriedade, e tudo isso associado ao sentimento de organização e de vontade de lutar por acesso às políticas públicas. Animais se alimentando do banco de forragens da família
18 BOvinOcultura O Plano de Atividades (PAT) ajudou bastante no aprendizado e no aprimoramento dos conhecimentos da família em campo, pois foi a partir dele que seu Francisco e dona Francisca puderam participar dos momentos de formação, a exemplo dos encontros comunitários e territoriais de intercâmbios. Uma das experiências que mais despertaram a atenção da família foi o intercâmbio realizado em Cruz das Almas, município situado no Recôncavo Sul da Bahia, onde descobriram o poder nutritivo encontrado no líquido extraído da mandioca, a manipueira. “Sempre pensei que a manipueira matasse o animal intoxicado, mas aprendemos que, se fizermos o manejo correto, ela pode ajudar muito na dieta do gado. Foi naquele dia que descobri o quanto a mandioca pode ser uma boa alternativa para a alimentação, ainda mais por ser de baixo custo”, avalia seu Francisco. Já aqui em Pernambuco, o casal pôde ir além das descobertas sobre as possibilidades da alimentação do gado. Em Araripina, a surpresa veio quando seu Francisco presenciou, em um intercâmbio, uma criação de trinta animais ter uma produção maior do que na propriedade do casal, que tinha o dobro do gado. De acordo com seu Francisco, o segredo da experiência estava no planejamento da propriedade, na forma satisfatória de produção em pequenas áreas e na qualidade do rebanho, e tudo isso com poucas opções de alimentação. Plantio de palma para alimentação do rebanho
Do conhecimento à prática A partir das informações repassadas durante os encontros de formação e das visitas de assessoria técnica, dona Francisca e seu Francisco revelam que houve uma introdução de novas tecnologias na propriedade da
BOvinOcultura
19
família, a exemplo da implantação do banco de forragens, da utilização da mandioca na alimentação animal e da ampliação de reservatórios de água. Com uma visão mais ampliada, a agricultora comenta que utiliza o planejamento como uma estratégia para enfrentar os momentos críticos de estiagem. “Todos os momentos vivenciados por nós foram importantes porque trouxeram informações para o dia a dia de nossas atividades.” Atualmente a família tem sessenta animais em seu rebanho e uma produção média de 110 litros de leite ao dia, que aumenta para 200 litros no período de inverno. A família, além do leite, também faz o beneficiamento do seu subproduto, por meio da produção de queijo com menos gordura e, por isso, mais indicado para melhorar a qualidade de vida de seus consumidores. Ao todo, a produção de queijo em 2013 e 2014 atingiu a média de 80 kg ao mês, vendido a R$ 9,00/kg.
Acesso ao crédito Para garantir a continuidade e a qualidade da produção, a família agricultora acessou, em 2012, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), na modalidade Estiagem, destinado a trabalhadores/as rurais habitantes de municípios em situação de emergência ou calamidade pública e que estejam na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Com o acesso aos créditos agrícolas, a família recebeu materiais para auxiliar a ordenha dos animais. Para alimentação do gado, além do capim e da casca da mandioca da propriedade, seu Francisco e dona Francisca receberam um subsídio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a aquisição de 85 sacos de milho.
20 BOvinOcultura As estratégias que não param Para complementar as estratégias aplicadas na propriedade, a família desenvolveu, com o auxílio das assessorias técnicas do PAT, um pequeno banco de sementes de palma, que é resistente à cochonilha do carmim, praga que hoje está inviabilizando o cultivo dessa forrageira na região. Outra iniciativa inovadora do casal foi adotar a mesma prática observada na experiência de Araripina, onde a família agricultora conseguia ter um bom desempenho da produção em um espaço menor da propriedade. “Eu pretendo reservar 220 tarefas da minha propriedade para ser regenerada e trabalhar minha produção visando o planejamento e a organização do espaço”, pensa o agricultor. Os animais também não ficaram de fora das novas mudanças. Com conhecimento adquirido nas capacitações, a família também pôde fazer o seguro do rebanho. “Quando foi no período mais difícil da estiagem, perdemos sete animais, mas graças a Deus fomos reembolsados e recebemos o dinheiro de três. Estamos aguardando o restante do dinheiro sair”, diz dona Francisca.
BOvinOcultura
21
Das Dificuldades, uma Oportunidade para a Superação O semiárido, ou sertão, como muitos conhecem, sempre foi visto pela maioria como uma terra difícil para a produção por causa das rígidas condições climáticas. Uma das famílias que passou por dificuldades foi a de mário Rodrigues Horas, de 38 anos, e Vera Lúcia Pereira Horas, de 37 anos. Com a filha Tauani Vitória Horas, de 8 anos, o casal vive numa propriedade de 75 hectares onde conta com a ajuda de dois irmãos de Rubensmário, o Raimundo Feitosa Horas, de 25 anos, e o José Feitosa Neto, de 32 anos, nos trabalhos rurais. Em 2012, quando a estiagem se prolongou pelo sertão pernambucano, a família teve que vender todos os animais para não vê-los morrerem de fome e sede. Segundo Rubensmário, aquela iniciativa foi uma decisão pensada e planejada em consenso com todos os membros da família. “Pensamos que deveríamos parar por um tempo com a atividade produtiva, porque, com o cenário que estava se encaminhando, o prejuízo seria maior, e com essa decisão pudemos reiniciar as atividades no ano seguinte a partir do dinheiro da venda dos animais no ano anterior.” Porém, naquela época, a família não esperava pela intervenção do PAT. Com o início das atividades, o casal começou a participar dos momentos de troca de experiências, inclusive uma delas foi vivenciada em um intercâmbio intermunicipal realizado no município de Araripina. “Esta foi uma oportunidade de observar de perto como fazer um planejamento e desenvolver alternativas que venham completar as necessidades de nossas propriedades”, lembra Vera Lúcia.
Rubensmário mostrando o preparo da alimentação dos animais à base de mandioca
22 BOvinOcultura Para Rubensmário, o maior ensinamento do PAT se deu através da descoberta de novos conhecimentos adquiridos nos momentos de formação. “O cultivo da mandioca como uma alternativa de alimentação animal e a identificação de alguns tipos de doença, como a mastite, com a utilização da caneca, eram práticas que eu desconhecia, e quando sabia de alguma coisa era pela televisão”, comenta o agricultor. O resultado de todos esses saberes compartilhados nos encontros comunitários e territoriais de intercâmbios já pode ser observado no dia a dia dos/as agricultores/as da comunidade Limoeiro, no município de Bodocó. Rubensmário e Vera, que já passaram por secas prolongadas, hoje não precisam mais se desfazer dos animais; ao contrário disso, o casal investiu na compra de mandioca como uma opção alimentar do rebanho. “Tínhamos o receio de perder os animais pela intoxicação da mandioca, mas hoje a realidade é outra. Aqui as famílias enxergam na mandioca a salvação para manter a produção de leite e queijo nesses períodos de estiagem”, comenta, com alegria, Vera Lúcia. Mesmo as famílias que não plantam mandioca, identificada com grande potencial nutricional, podem comprar o tubérculo nas comunidades do Chapada do Araripe que o cultivam, e ainda com um baixo custo. “O preço ainda é bem menor que o das rações tradicionais, vendidas no comércio local, como a torta de algodão e o farelo de soja, que são mais caros e, por isso, dificultam a continuidade da produção”, revela Rubensmário.
A organização, sempre! A família trabalha de maneira organizada e unida, cada um sabe qual a responsabilidade do seu trabalho desde o manejo dos animais, mantendo sempre atualizadas a vacinação e a vermifugação do rebanho, até a produção e a comercialização do queijo. “Foi muito importante o curso de derivados do leite de que participei. A gente, além de aprender algo novo, teve a oportunidade de se reciclar e ainda levar pra casa os produtos que fizemos durante o curso, como o doce e iogurte”, comenta a agricultora.
BOvinOcultura
23
Após o curso realizado pelo PAT, a produção desenvolvida na propriedade da família ganhou uma atenção maior para o beneficiamento, mesmo que de forma artesanal, mantendo a higiene necessária para a qualidade do queijo. Por ser um trabalho feito no próprio local de produção do leite, o preço dos produtos teve uma vantagem se comparado com os comercializados no mercado. Além disso, a família ainda fidelizou vários clientes. Hoje, a família, junto com os irmãos de Rubensmário, utiliza 6 toneladas de mandioca para alimentar um rebanho de aproximadamente 50 animais. Para preparar a ração animal, a mandioca é triturada e consumida pelos animais, proporcionando um suporte alimentar paraum período de 25 dias, mantendo assim uma produção de queijo semanal de aproximadamente 180 kg. Seu Rubensmário se anima com a nova realidade e promete: “Se o clima melhorar com as chuvas e isso der mais pasto e aumentar a comida do gado, pretendemos chegar a 200 kg de queijo por semana”. Produção anual da família Comercialização em 2012: Preço do queijo: R$ 13,00 por quilo Total de quilos produzidos por ano: 1.800 kg Total: R$ 13,00 x 1.800 kg = R$ 23.400,00 Comercialização em 2013: Preço do queijo: R$ 13,00 por quilo Total de quilos produzidos por ano: 1.800 kg Total: R$ 23.400,00
Agricultor embalando o queijo para comercialização
24 BOvinOcultura
COMPARTILHAnDO sABEREs A Ampliação do Conhecimento sobre Bovinocultura Leiteira Na Cooperativa Agroindustrial dos Pequenos Produtores do Sítio Malhada, no município do Crato, no Ceará, trinta associados/as trabalham de forma coletiva para alcançar melhorias para a comunidade. Há 2 anos, fruto dessa organização, funciona na localidade a Unidade de Beneficiamento de Leite, responsável pela produção diária de 900 litros de leite, com 800 litros pasteurizados e produção de derivados, como o queijo de coalho (com orégano e pimenta), o doce de leite, a ricota light, a manteiga da terra, a nata e o iogurte. Entre as atividades realizadas dentro do PAT, cinquenta agricultores/as da região do Araripe pernambucano, das comunidades de Bodocó e Ipubi, tiveram a oportunidade de conhecer e trocar conhecimentos a partir da experiência da cooperativa, durante um encontro promovido pela ONG Chapada. A proposta do encontro foi fortalecer e estimular o compartilhamento de saberes e experiências entre as famílias agricultoras. Na visita, foi possível conhecer e aprender mais sobre estratégias de desenvolvimento das atividades relacionadas à bovinocultura leiteira. O público acompanhou o funcionamento da unidade de beneficiamento de leite, conheceu técnicas utilizadas para diversificar e qualificar a produção, aumentar a produtividade e reduzir custos.
BOvinOcultura
25
O gerente da cooperativa, Samuel Ribeiro, explica que, através da organização e do trabalho conjunto, os/as produtores/as da cooperativa conquistaram benefícios como a valorização do preço do leite no mercado e a garantia de renda. “Ele não precisa mais vender o leite no balde, como antes, quando vendia às margens das estradas, um produto sem higienização adequada. Hoje o preço da venda do leite melhorou bastante, agora o produtor tem condições de comprar insumos agrícolas e também de fazer projetos através da associação”, conta. Atualmente o leite tem oferta em rede de supermercados e no comércio em atacado. Além da venda direta ao consumidor, a cooperativa destina parte da comercialização ao Estado e à Prefeitura, através de programas como o Fome Zero. Afora a produção de leite e derivados, há oportunidade de venda para a criação de frango, cultivo de hortaliças e legumes através da cooperativa. “Temos produtores e produtoras aqui que, além de criar o gado, já plantam macaxeira, banana, verdura e criam aves pra vender por um preço melhor para as escolas municipais, estaduais e federais, que por lei devem adquirir os produtos do agricultor. Só que pra isso os/as agricultores/as familiares precisam estar organizados/as, associados/as ou cooperados/as”, reforça Samuel.
26 BOvinOcultura Outra experiência exitosa acompanhada pelos/as produtores/as no Sítio Malhada foi a fossa ecológica, construída aos fundos na unidade de beneficiamento, na qual são reaproveitados pneus usados para o recolhimento e a destinação adequada dos dejetos da fábrica. A ideia da cooperativa é construir um equipamento semelhante nas residências da comunidade. Para que o trabalho alcance qualidade e reconhecimento, a cooperativa conta com o apoio e a parceria da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematerce), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), do Instituto Agropolos, do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e de prefeituras e universidades locais.
BOvinOcultura
27
enTEnDA A DIFEREnÇA EnTRE sILO, sILAGEM E EnsILAGEM Silagem: forragem verde, suculenta, conservada por meio de um processo de fermentação anaeróbica. Guardada em silo, a silagem é um alimento volumoso usado principalmente para bovinos. Nas estiagens, ela pode substituir o pasto. Na engorda em confinamento, ela é usada junto com os grãos e farelos. A silagem não é indicada para cavalos ou bezerros pequenos. Ensilagem: o processo de cortar a forragem, colocá-la no silo, compactá-la e protegê-la com a vedação do silo para que haja a fermentação. O valor nutritivo da silagem pode ser semelhante ao da forragem verde. A ensilagem não melhora a qualidade das forragens, apenas conserva a qualidade original. Portanto, uma silagem feita a partir de uma lavoura ou capineira bem manejada vai ser bem melhor que uma silagem feita com uma cultura ou capineira “passada” ou malcuidada. Silo: local onde é conservada a silagem. O mais utilizado é na horizontal, em formato de trincheira. Os silos devem ser construídos próximos do local onde serão alimentados os bovinos, evitando-se assim trabalho e custo com o transporte diário de silagem. ¹CARDOSO, Esther Guimarães; SILVA, José Marques da. Silos, Silagem e Ensilagem. Disponível em http://Ww.cnpgc.embrapa.br/publicacoes/divulga/GCD02.html
28 BOvinOcultura C B
B
SILO SUPERFÍCIE
B
C
SILO TRINCHEIRO
B
BOvinOcultura
29
UMA DICA DA OnG CHAPADA: CALCULAnDO A PRODUÇÃO DE FORRAGEM Para descobrir a quantidade de forragem a ser produzida para alimentar o rebanho durante o período de estiagem, que geralmente é de 8 meses a 1 ano, deve ser feito um cálculo considerando-se o peso vivo do animal. Fórmula para a produção da ração balanceada (forragem + matéria concentrada) 6% do peso vivo do animal + 1,2% de matéria concentrada a cada 100 kg do peso vivo do animal Exemplo: Peso da vaca: 400 kg • Cálculo para a produção de forragem/matéria seca: 6% de 400 kg = 24 kg • Cálculo para a produção da matéria concentrada/farelo: 1,2% de 100 kg x 4 = 4,8 kg Considerando que cada vaca tem que consumir diariamente 6% de forragem então uma vaca que pesa 400 kg deve ingerir 24 kg de forragem adicionada de 4 kg e 800 g de matéria concentrada/farelo/ração farelada (proteína + energia).
30 BOvinOcultura Produção para o período de estiagem No semiárido, ou no sertão, o período de estiagem geralmente é de 8 meses. Por esse motivo, muitos/as agricultores/as praticam a estocagem de alimento animal por meio da ensilagem, com o objetivo de garantir a sobrevivência dos animais de forma nutritiva e saudável. Para saber qual a quantidade suficiente de silagem que a família deve produzir e armazenar para durar 8 meses, o cálculo é simples (ver fórmula acima e comparar com o seguinte): 24 kg/dia + 4,8 kg/dia x 30 (dias do mês) x 8 (quantidade de meses) = 6.912 kg Portanto, o/a produtor/a necessita de um suporte forrageiro capaz de produzir em média 6.912 kg durante o período invernoso para alimentar diariamente uma vaca nos meses de estiagem.
BOvinOcultura
31
GALERIA DE IMAGEns F贸rum da Bovinocultura e da Conviv锚ncia com a Seca
32 BOvinOcultura Boas Práticas de Produção e Derivados de Leite
Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe