Projetar na colina

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TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃOI | JOSÉ TADEU FERREIRA JUNIOR ORIENTADOR ALESSANDRO CASTROVIEJO RIBEIRO | FAU MACKENZIE | DEZ 2014



_09 ENTENDER tradição Portugal (séc. XI a séc. XIV) Cidade Alta - Meia Encosta - Cidade Baixa O caso de Lisboa _27 APROXIMAR descrever Influência no Brasil Colônia Acrópole São Paulo _53 PROPOR interpretar Intenções Ações Proposta


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DEDICATÓRIA

Este trabalho resume e simboliza os últimos 5 anos, desde que um sonho começou. Sair de casa, mudar de cidade pra criar um novo futuro: aos meus pais Nilza e Tadeu, dedico todo o meu amor, que no fundo é reflexo de uma criação baseada na fé, humildade, honestidade e carinho, sabendo que um pai e uma mãe sempre estarão do seu lado. Aprender a dividir suas conquistas e abrir mão de suas vontades para ajudar o outro a chegar lá: às minhas irmãs Claudilene e Edilaine dedico todos os meus resultados, as minhas conquistas e o orgulho de ter essa família tão amorosa, unida e amada. Receber carinho e torcida daqueles que mesmo mais distantes tem o orgulho de ver um sonho caminhar: aos meus familiares, tios, primos, amigos de Dom Silvério-MG, amigos de SP e amigos de Lisboa dedico minha trajetória e o prazer de reconhecer minhas “raízes”. Crescer cada dia, dividir dúvidas, compartilhar alegrias, trocar ideias, o que é fonte para o desenvolvimento desse sonho: à Erika (chuchu), dedico a maior amizade sincera onde um é pelo outro. Em seu nome dedico também à todos os colegas da faculdade que estiveram ao meu lado. Entrar sem nada saber e aprender em 5 anos a ver tudo de outra maneira, a conhecer o nosso redor e ansiar mudança, e sair como um profissional seguro de sua capacidade: ao meu primeiro mestre de projeto e orientador final de TFG, Alessandro Castroviejo , dedico meu aprendizado. Em seu nome dedico também à todos os meus professores da FAU Mackenzie que me ensinaram um pouco cada um. Saber que o aprendizado não acontece só na sala de aula, e que sonhos tomam forma “fazendo”: dedico à Vera Lucia Domschke ,Marcos Carrilho e toda a equipe da VD Arquitetura o meu crescimento profissional. O que um dia era brincadeira de criança se viu tornar realidade, o que era desenho virou projeto, o que era curiosidade virou um Trabalho Final de Graduação, o que era sonho formou um Arquiteto e Urbanista. Por fim, dedico toda essa vida à Deus e Nossa Senhora, que colocaram todas essas pessoas na minha trajetória, onde o sonho se torna hoje realidade. São Paulo, Dezembro de 2014.

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A história urbana portuguesa e brasileira está intimamente ligada. Ao longo do processo de desenvolvimento histórico das duas nações, a arquitetura e o urbanismo, tanto portuguesa quanto brasileira, se beneficiaram grandemente nesta ampla troca de influências e de experiências realizadas ao longo dos séculos. Este Trabalho Final de Graduação procura oferecer uma visão geral dos primórdios da prática urbanística brasileira em seus primeiros assentamentos e o processo de construção da cidade, tendo como estudo de caso São Paulo, a partir de uma compreensão histórica da organização espacial e estruturação urbana tradicionais de ocupação das áreas de colina na fundação de novos aglomerados associados à tradição do urbanismo de matriz portuguesa. O estudo da urbanização do Brasil no período colonial é importante para a compreensão do processo histórico de estruturação da nossa cultura urbanística. Entender o nosso processo de desenvolvimento observando as suas características primordiais, nos fornece conhecimento para intervir nos núcleos urbanos históricos, buscando a sua valorização embasada em soluções mais adequadas a esses espaços muitas vezes frágeis de nossas cidades, de forma a preservar um modo próprio de fazer cidade.


PORTUGAL

A partir do século XI, com o fim das invasões dos muçulmanos, dos normandos e dos húngaros, o ambiente de relativa paz, aperfeiçoamentos técnicos e prosperidade econômica foram fatores que contribuíram para o aumento da população europeia. Em Portugal, principalmente a partir do século XIII com o fim da ocupação muçulmana, as regiões pouco habitadas receberam novos povoadores. Por iniciativa dos grandes senhores e ordens religiosas com a reconquista Cristã, que também atraiu guerreiros do norte da Europa que acabavam ficando em terras lusitanas, novos espaços foram ocupados. Os portugueses herdaram suas tradições construtivas das cidades de povos mediterrânicos, tendo destaque para o grande contributo dos mulçumanos, que ocuparam grande parte da faixa ocidental da Peninsula Iberica. As cidades portuguesas criadas entre os séculos XI e XIV, muitas delas surgidas a partir de ocupações de onde tinham sido expulsos os mouros, buscavam se estabelecer em sítios dominantes na paisagem, facilmente defensáveis e estrategicamente localizados (acrópole, castro, medina, cidadelade, alcáçova). Uma das principais características dos traçados urbanos portugueses é precisamente o que se pode classificar como “cultura do território”, onde se destaca a capacidade das cidades portuguesas de se articularem profundamente com as características físicas dos sítios em que são implantadas, nomeadamente com sua topografia. Tanto Marx (1991) como Teixeira (2000) mostram que as fundações portuguesas nos seus projetos de colonização, essencialmente baseados no comércio e na navegação, foram orientadas

pela seleção de locais topograficamente dominantes (topo de colinas) para fundarem os núcleos iniciais dos aglomerados urbanos, cujo difícil acesso permitia melhorar a defesa de invasores. Padrão esse, distinto da colonização espanhola nas Américas que se baseava na ocupação efetiva do território adotando um mesmo modelo urbano, sujeito a uma ordem racional Partindo dessa premissa, a geografia era o fator determinante para a ocupação do território que orientava o desenvolvimento urbano, imbricado com a paisagem a partir das condições geomorfológicas do sítio escolhido. Nas palavras de Manuel Teixeira, “as hierarquias do território estavam embebidas na estrutura urbana, sendo assim, cidades ‘naturalmente hierarquizadas’” (Teixeira, 2012: 43). Assim, o sítio fundacional privilegiava as partes mais planas do terreno elevado, situado muitas vezes no local de cota mais baixa do alto da colina para facilitar a comunicação com as partes mais baixas apresentando uma articulação dos traçados urbanos com as particularidades topográficas locais (ruas, largos, escadas, edifícios importantes).

(Sec. XI a Sec. XIV)

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CIDADE ALTA – MEIA ENCOSTA – CIDADE BAIXA

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Inicialmente, o desenvolvimento dos núcleos urbanos se dava pela associação da estrutura física do território, que determinava não apenas a escolha da localização do núcleo urbano inicial, mas também a demarcação do perímetro das fortificações, assim como a escolha dos locais de construção dos principais edifícios institucionais, civis ou religiosos. Ocupando uma situação dominante no espaço, o primeiro núcleo defensivo de ocupação primitiva, marcava o desenvolvimento do núcleo urbano inicial da acrópole. Simultaneamente desenvolvia-se a cidade junto ao mar, ao sopé da colina, com caráter funcional distinto voltada para atividades comerciais e portuárias. Com o tempo a estruturação fica mais clara organizando-se em núcleos distintos de acordo com sua funcionalidade. Passa-se então a ser bastante diferenciada a divisão entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa. A cidade alta, para além de corresponder ao núcleo defensivo, era o local do comando nos campos institucional e religioso, aí se localizando também o tecido habitacional com um estatuto mais elevado. Na cidade baixa desenvolvem-se as atividades de menor prestigio, correspondia fundamentalmente às atividades marítimas e comerciais, aos respectivos serviços de equipamentos – armazéns, alfandega, ferrarias, estaleiros – e aglomerados habitacionais de menor poder aquisitivo. Essa rela-

ção dicotômica baseada no suporte físico geográfico, organizando a cidade segundo a estrutura física natural do território, solucionava a sua organização funcional e também expressavam as próprias relações de poder na sociedade. Na acrópole implantavam-se os principais edifícios institucionais, nos sítios dominantes sempre em sintonia com a topografia, tornando-se polos do crescimento das cidades. Estes edifícios eram ligados por caminhos, que se tornavam frequentemente as principais ruas da cidade, ancorando a estrutura urbana como importantes elementos estruturadores em termos visuais e funcionais. A cidade baixa iria surgindo à medida em que as muralhas se estendiam ou com a diminuição de ataques inimigos. Sua implantação começava a desenvolver-se através de uma estruturação ao longo do mar. Era ao longo deste caminho que se construíam as primeiras casas do conjunto. Em momentos posteriores de desenvolvimento eram traçadas sucessivas ruas longitudinais, paralelas á primeira, e ruas transversais que as ligavam. As meias encostas, com relevo acidentado, apresentavam o traçado de vias estreitas e em diagonal – as ladeiras ou couraças – com pequena inclinação para permitir o tráfego de carros de bois ou burros. Para o acesso de pedestres, faziam-se os atalhos com inclinações mais elevadas podendo ser mais estreitos e perpendiculares às curvas de nível. Estes, mais tarde viriam ser transformados em escadarias.


O interesse secundário pelas áreas de encosta e a várzea nesse processo de ocupação, faziam delas áreas evitadas, sendo vistas como áreas mais expostas à contratempos vindos dos territórios situados nos planos inferiores, não podendo, por exemplo, ser protegidos por muros defensivos situados a jusante. Segundo José Geraldo S. Junior, “as encostas iam sendo ocupadas em um momento posterior ao estabelecimento do núcleo urbano “a partir do momento que a cidade ia se consolidando e as ligações viárias entre a parte alta e a baixa impunham a construção de ladeiras. Tais ladeiras podiam ser a pique, ou íngremes (perpendiculares às curvas de nível e transitadas unicamente por pedestres ou por sistema de elevação mecânica de cargas) ou por ladeiras mais suaves, vencendo diagonalmente as curvas de nível. Por estas últimas é que o trânsito de veículos transitaria, favorecendo assim a implantação de construções ao longo do trajeto e, desta forma, a ocupação da encosta.” (Simões Junior, 2014: 4). Tanto na cidade alta como na baixa, as fases iniciais de desenvolvimento faziam-se habitualmente sem o recurso a técnicos especializados. Muitas vezes orientados pelos próprios colonos, nalguns casos apoiados por agrimensores ou pilotos de navios que tinham conhecimento matemáticos e geométricos adequados a tarefas de arruação, os traçados resultavam em soluções que tendiam mais para se adaptar às características físicas dos locais de implantação do que garantir sua regularidade do ponto de vista geométrico.

estrutura urbana naturalmente hierarquizada

Em momentos posteriores de desenvolvimento, quando o tamanho ou a importância da cidade o justificavam, os traçados urbanos passaram a ser crescentemente regulares e geometrizados, a cidade acabou resultando num espaço mais uniforme submetido politicamente a regras gerais e tecnicamente a profissionais capacitados como os de engenheiros-militares ou outros técnicos detentores de uma formação e de um conhecimento teórico especializado. Nestes momentos a componente erudita vai se afirmando nas cidades portuguesas caracterizando uma racionalização dos traçados urbanos. Sobretudo entre os séculos XVI e XVIII, assiste-se essa racionalização dirigida por técnicos com formação teórica e inspirados por modelos eruditos. Esta crescente racionalidade observa-se desde os traçados urbanos modernos do século XVI, planejados com características de regularidade, mas ainda sem um total rigor geométrico, até aos traçados rigorosamente geométricos e ortogonais do século XVIII iluminista. A regularidade das formas urbanas foram decorrentes, da consolidação da formação teórica dos arquitetos e dos engenheiros-militares portugueses, os contatos com a teoria e a pratica urbanística da Renascença italiana, bem como, provavelmente, a influencia cultural espanhola, no período em que os dois reinos estiveram unidos (1580 a 1640), e a

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Lisboa, Portugal. Vermelho: ruas construídas sobre as linhas de cumeada, orientadas para edifícios ezm posições dominantes. Azul: ruas construídas sobre as linhas de vale.

influencia dos padres jesuítas, estes últimos que dedicaram-se no ensino das “regras da arte” relacionadas com a engenharia militar no Colégio de Santo Antão, além de exercerem o papel de engenheiros-militares do reino e de provavelmente terem intervindo no planejamento de alguns bairros associados aos seus colégios, como aconteceu em Lisboa, no Bairro Alto e em Salvador da Bahia. Até o século XV a localização de edificações importantes em locais dominantes na paisagem, que eram simultaneamente os locais de poder, era o que definiam sua implantação. A partir do século XVI, estes locais passaram a ser definidos em função da própria lógica do traçado. Neste momento surgem as praças como parte integrante de qualquer traçado. Até então, os locais que cumpriam papéis de praças eram espaços formalmente desestruturados, importantes pelas funções que neles se exerciam e pelos edifícios que neles se implantavam. Entre os séculos XVI e XVIII a praça torna-se elemento fundamental dos novos traçados, e é a partir dela que se estrutura toda a cidade e se define o traçado das ruas e a estrutura dos quarteirões de acordo com uma malha ortogonal. Segundo Manuel Teixeira (2004), “as praças, com uma forma regular e localizadas centralmente na malha urbana, assumiam o papel de elemento gerador do traçado: era nelas que se implantavam os principais edifícios institucionais da cidade [...] e era a partir delas que se definiam as principais direções e o traçado das ruas”. Para além das praças planejadas, definidas com um papel estruturante da malha urbana, haviam aquelas resultantes do entroncamento ou do cruzamento de caminhos, apresentando variadas formas de acordo com as condições topográficas ou o tipo de confluência a partir das quais se geraram. Outros espaços que com o tempo foram se consolidando também se tornariam praças: os terreiros localizados junto às portas da


cidade, no exterior, ou os pequenos largos adjacentes no interior, bem como os adros de igrejas e os terreiros de conventos. Uma característica importante das praças das cidades portuguesas é a multiplicidade de espaços destinados a funções distintas encontradas dentro do mesmo núcleo urbano. Outro aspecto importante presente na cidade de origem portuguesa é o modo como a arquitetura se articulava com a lógica dos traçados. Como já mencionado, a localização de edifícios singulares em sítios dominantes conferiam a esses elementos o papel de pontos de referencia, marcos na hierarquização da estrutura urbana, pontuando colinas, sendo componentes de importantes perspectivas, no alinhamento de ruas, nos centros ou laterais das praças, ou em diferentes combinações destas estratégias de composição. Manuel Teixeira (2004) considera que mesmo as cidades portuguesas baseadas em princípios eruditos incorporam na sua concepção, e nos seus planos, a capacidade de relação com o território. “Verdadeiramente, as cidades portuguesas não podem ser entendidas através das habituais dicotomias planejado/não planejado, ou vernáculo/erudito. Os traçados eruditos têm elementos vernáculos incorporados, enquanto os traçados aparentemente mais casuais e menos planeados tem uma dimensão de racionalidade e de geometrização”. Essa articulação de duas componentes distintas é uma das principais características do resultado do desenvolvimento da matriz urbanística portuguesa. Por um lado o embasamento erudito tem a ver com a ordem e regularidade que em todas as épocas se encontravam nas cidades portuguesas, e por outro, a componente vernácula tem a ver com a capacidade de o urbanismo português entender o território em que se implanta e de se moldar a ele. Ainda que se tenha como um ponto de

Óbidos Lisboa

Tomar

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Coimbra Lisboa

Viana do Castelo


partida um plano, ou uma ideia de plano, a cidade portuguesa é sempre projetada com o sitio atendendo às suas características físicas. O verdadeiro traçado é executado no sítio, partindo da compreensão das suas particularidades topográficas e tirando partido delas garantindo a sua organização funcional, as suas hierarquias e os seus principais elementos estruturantes mesmo que para isso seja necessário menos rigor geométrico. Estas componentes eruditas e vernáculas, realizada de diferentes formas e com diferentes ênfases ao longo do tempo, constitui uma das principais características do urbanismo português e foi amplamente desenvolvida nas cidades brasileiras dos séculos XVI a XVIII.

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Óbidos

Coimbra

Lisboa


Lisboa apresenta uma localização privilegiada: num litoral pouco recortado que dá acesso ao “estuário” do Tejo, vasto como um mar interior, com profundidades suficientes para grandes embarcações, o núcleo primitivo da aglomeração está situado precisamente sobre a mais declivosa e íngreme colina de uma faixa delas que se aproximam da costa. Segundo Orlando Ribeiro, Lisboa é “o último exemplo ocidental de um sítio mediterrâneo típico, combinando as vantagens de uma baía abrigada do vento e de um relevo fácil de defender, a partir de qual se pode vigiar o porto”. Existem vestígios de ocupação desde a pré-história na área onde hoje compreende a cidade de Lisboa. Sabe-se que nos primeiros séculos foi ocupada pelos Fenícios que a denominaram de “Alisubbo”. Já a ocupação romana ocorre a partir do século II a. C., sabe-se muito pouco acerca da cidade romana (Olisippo) cujos vestígios arqueológicos demonstram sua estruturação a partir de três núcleos: o oppidum no alto da colina com o sítio fortificado do castelo; o fórum ou centro cívico com seu teatro no meio da encosta; e o conjunto ribeirinho abrigando equipamentos portuários e de lazer. Após sucessivas invasões de povos como os Germanos, os Hunos, Alanos, Godos entre outros, por volta de 719 (José-Augusto França, 1997,

p.9) os Muçulmanos ocupam Olisipo. No inicio do século XII, a cidade árabe (Lichbouna) abrigava-se atrás de fortes muralhas e era coroada por um castelo construído com calcários amarelados. Este núcleo fortificado estava estabelecido na vertente que descia para o Tejo. Em 1170 ocorre a conquista por D. Afonso Henriques e em 1179 obtém o foral, mas só no século XIII Lisboa torna-se capital com a fixação da corte. A crescente população, logo extravasa as muralhas ocupando numerosos arrabaldes quase sempre localizados nas elevações em torno de conventos ou igrejas (do século XII ao XIV) caracterizando uma ocupação ao longo de linhas de colinas separadas por vales onde se desenvolviam culturas irrigadas. Ao longo da margem do estuário desenvolveu-se outra importante linha de crescimento, marcado pela vida marítima intensa. “É a oeste da colina do castelo, na Baixa, bairro que ocupa o fundo de um vale desembocando no Tejo, que, desde o século XV, se acumulam as atividades urbanas: comércio, banca, ministérios, serviços administrativos, distrações, que se concentram cada vez mais nesta espécie de City. Em alguns minutos podem-se alcançar os cais que se repartem ao longo da costa, onde desembarcam homens e mercadorias” (Orlando Ribeiro, 2013: 6).

Morro do Castelo a partir do Bairro Alto, Lisboa.

O CASO DE LISBOA

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Plano de reconstrução da cidade, 1758.

Lisboa, 1572

Nesta época, através da drenagem de terrenos lamacentos, o rei D. Manuel transferiu da colina do castelo para aí a sua residência voltada para o Tejo que era tanto um palácio como uma alfândega e um armazém, onde se acumulavam as riquezas vindas da Índia no “tempo das Descobertas”. A cidade se transforma em um centro cosmopolita entre as cidades mais célebre da Europa e cruzamento das rotas do Oceano e do Mediterrâneo que atraí numerosos estrangeiros aumentando o seu prestigio. Após o terramoto de 1755, no período de D. João V e do Marques de Pombal, obras de reconstrução marcaram modificações consideráveis na morfologia urbana da cidade, sobretudo na Baixa, onde o que restava das casas afetadas pelo sismo foi demolido a tiros de canhão. As ruas antes sinuosas passam a compor um traçado ortogonal do plano de Pombal, contudo as grandes praças do século XV persistiram: a Praça do Comércio, que se abre para o Tejo, e o Rossio de onde partiam todas as linhas de transporte inclusive de onde partiam as linhas férreas.


Tanto a Este como a Oeste o solo sobe até ao topo das colinas; ao norte do Rossio, o vale bifurca-se em Y, e ao longo dos dois ramos, avenidas, que retomaram em parte o traçado de antigos caminhos rurais, conduzem aos bairros periféricos.

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Esquema: Lisboa. A velha povoação estendeu-se primeiro pela vertente meridional da colina do castelo; depois a Baixa estruturou-se no vale situado a oeste, entre a Ribeira e o Rossio; a expansão às outras colinas é mais recente e é feita sobretudo a partir das igrejas conventuais.

Lisboa, assim como outros importantes exemplos de cidades portuguesas com núcleo fundacional no topo de colinas, como Óbidos e Coimbra, sustenta ainda hoje a sua rica relação entre ocupação urbana e meio físico. Embora tendo apresentado diversas modificações em sua estrutura urbana por advento de seu desenvolvimento e crescimento ao longo de sua história além de outros acontecimentos com destaque para o terramoto de 1755, ainda guarda resquícios de suas ocupações mais antigas, remontando à Idade Média. O bairro lisboeta de Alfama é certamente um dos mais importantes casos de estudo a considerar nesta pesquisa, sendo um dos mais antigos da capital portuguesa, permite encontrar ligações com a forma de ocupação urbana que caracterizava grande parte das cidades do tempo de ocupação árabe. Pode-se reconhecer no bairro, o traçado tortuoso das suas ruelas e becos, planta típica da cidade muçulmana na colina. Esta planta persiste até aos nossos dias uma vez que a reconstrução, após o tremor de terra de 1755, respeitou a implantação das casas arruinadas. Além disso, a presença próxima do Estuário do Tejo e das atividades portuárias inerentes, e a retirada do Palácio Real para a Baixa, que teria evitado grandes alterações próprias do período Manuelino, muito contribuiu para a manutenção dos seus traçados mais primitivos. Hoje em dia o bairro sustenta uma paisagem rica e diversa do ponto de vista cultural, histórico e, sobretudo dos seus traçados urbanos e de sua arquitetura que compõem variadas situações de planos, cheios e vazios, perspectivas, enquadramentos, situações que vão se alternando e compondo os mais variados percursos desde o Castelo, na cidade alta, descendo pelas encostas até chegar às cotas mais baixas, propriamente dito na cidade baixa e na ribeira do Tejo.


Durante o domínio muçulmano (711 a 1147) o bairro era dividido em dois de acordo com a localização e classe social predominante: situada na parte mais alta dentro da Cerca Moura, havia a população mais aristocrática, na região inferior ficavam os arrabaldes populares. No terceiro quartel do século XII são construídas as primeiras igrejas de São Miguel e de Santo Estêvão, elementos fundamentais da estruturação do espaço, que se apresentam hoje como marcos referenciais para a demarcação das áreas abrangidas pelas freguesias de São Miguel e Santo Estêvão. Alfama foi se alargando mais para leste, dois séculos mais tarde, entre 1373 e 1375, D. Fernando inicia a construção da “Cerca Nova” ou “Cerca Fernandina” e o Bairro passa a estar dentro de muros.

Em vermelho: Cerca Moura. Em preto: Cerca Fernandina.

Na Idade Média, com a transferência das classes mais abastadas para oeste da cidade atraídas pela nova zona de desenvolvimento da cidade e próxima da Corte, o bairro passou a abrigar uma população voltada para atividades marítimas como pescadores e marinheiros, situação que perdurou desde então, caracterizando-o como um bairro popular, de vida tranquila em volta das pequenas mercearias e tabernas. O século XX é um século marcado pelo crescimento de Lisboa e da sua área metropolitana, e o bairro, principalmente nos anos 80 passa a sofrer grandes mudanças sociais associadas à uma forte decadência. Segundo António Firmino da Costa, Alfama do século XX “não só se tornou um dos pontos principais de estadia quotidiana dos estivadores, nomeadamente nos períodos de espera por trabalho, como local de residência de muitos deles”. Para além da população local também se estabeleceram no bairro outras atividades como: “escritórios e armazéns” agentes de navegação, serviços alfandegários e despachantes, bem como tabernas e

restaurantes, cafés e leitarias, bares e casas de fado.” Apenas nos meados da década de 90, o Plano Estratégico de Lisboa busca a recuperação do bairro, melhorando a acessibilidade, revalorizando o ambiente e patrimônio, para reforçar os apoios e oportunidades sociais. De acordo com Manoel da Costa Lobo, atualmente, o processo de reabilitação do Bairro de Alfama é coordenado pelo Gabinete Técnico Local de Alfama e Colina do Castelo, sendo executadas obras voltadas para o campo habitacional, e nos espaços públicos de maneira a melhorar a qualidade de vida da população residente. A população de faixa etária mais jovem não encontrando condições para permanência no bairro busca novas zonas da cidade para moradia, caracterizando a população atual do bairro como uma população envelhecida com baixos recursos econômicos e baixo nível cultural.

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ALFA MA

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Tendo como tema a questão do assentamento urbano imbricado ao meio físico, Alfama é um ótimo caso de estudo. Como já citado antes, sua morfologia que resistiu desde os primeiros assentamentos na cidade de Lisboa, guarda testemunhos de uma estrutura morfológica de tipo orgânico com malhas geradas por processos empíricos e baseadas em modelos característicos da cidade medieval de tradição mediterrânica. Um dos aspectos que mais se destaca na localidade refere-se aos percursos do observador associado ao modo dinâmico como se vê o bairro, a partir de uma sucessão de quadros visuais que estimulam surpresas e revelações súbitas. Como descrito nas pesquisas de Cullen (1971), isto envolve sensações de domínio, pertencimento, proteção, territorialidade. São exemplos de temas do lugar que podemos observar em Alfama:

lisboa


“Alfama antiga dos nobres morada do velho Gama e da primeira nobreza hoje és o berço dos pobres mas mesmo assim velha Alfama mostras que és bem portuguesa” _fado Alfama, Henrique Perry

-“além”, qualidade da paisagem quando se tem a oportunidade de visualizar panoramas amplos e distantes.

-“expectativa” causada pelos trechos finais e desconhecido de quadros visuais

_23 -“saliências e reentrâncias” que dão diversidade ao espaço devido à sinuosidade que substitui alinhamentos de fachadas que são comumente monótonos -“desníveis” sensações de intimidade, inferioridade, ou de domínio e superioridade

-“acidentes” quebram monotonia

-“estreitamentos” que causam pressão e constrição


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Em Alfama predominaram os becos e as pequenas ruas, formando um conjunto labiríntico com um elevado número de soluções de desenho do espaço urbano. Encontramos soluções de como resolver o acesso às habitações, assim como a separação do público e privado e sua coexistência onde é possível perceber o espaço urbano sendo usado como uma extensão das habitações, como conciliar espaços verdes de desafogo numa área densamente povoada, e, sobretudo como resolver o assentamento dos percursos, eminentemente pedonal, vencendo as diferenças de níveis com ruas de declividades amenas paralelas à curvas de nível, becos e ruelas que atuam como corta caminhos e escadas para vencer os declives mais acentuados. Na estrutura urbana do bairro predomina claramente as formas empíricas dos seus assentamentos, os quarteirões surgem do aglomerado de casas que foram surgindo lado a lado, o interior acessível somente aos seus moradores, por vezes oferecem percursos em escada que os cortam permitindo a deslocação das pessoas de forma rápida. Entre essa estrutura densamente edificada, zonas de alargamento com várias entradas que surgem no interior da rede de arruamentos servem não só como acesso às habitações, mas também configuram praças e largos que servem de espaços de encontro, ordenam o território e abrem perspectivas para marcos arquitetônicos como Igrejas, das quais se destacam a de São Miguel e de Santo Estêvão, e chafarizes, como o Chafariz de Dentro. Além disso, Alfama possui um sistema de vistas privilegiado tanto sobre o patrimônio construído e o natural, sobre o rio Tejo, o que torna qualquer percurso estimulante para a percepção humana. Dos variados pontos em que se é possível ter uma perspectiva visual em cotas mais elevadas, destacam-se em Alfama os “miradouros”, de Santa Luzia, Santo Estêvão e o Portas do Sol.

Igreja e Miradouro de Santa Luzia

Igreja de São Miguel

Igreja de Santo Estêvão


Tomando como exemplo, o último se destaca como uma referência contemporânea de projetos de intervenção em áreas de meia encosta de interesse histórico. Situado no local de uma das portas da antiga Cerca Moura, o Miradouro Portas do Sol, na freguesia de São Miguel, é como uma “porta de entrada” para quem vem da Sé em direção à Alfama. Recentemente foi implantado em suas adjacências o projeto de um parque de estacionamento com um restaurante de autoria dos arquitetos portugueses Manuel e Francisco Aires Mateus. Desenvolvido na encosta da colina, a implantação do projeto amplia o chão da rua lançando-se como um novo mirante em direção ao Tejo sobre um segundo patamar em um nível inferior também projetado. Ambos os patamares ampliam a panorâmica sobre o tecido heterogêneo do bairro. O mais alto no nível da rua tem acesso direto e público, o mais abaixo configura uma esplanada que dá apoio ao Café localizado abaixo do primeiro. As plataformas de linhas simples e austeras marcam a horizontalidade e pairam sobre a inclinação

de destaque que desce em direção ao Tejo ao mesmo tempo em que contrasta com a imagem histórica do bairro, alcança um diálogo entre o novo e o velho perfeitamente resolvido. Uma rampa dá acesso discretamente ao parque de estacionamento automatizado abaixo das plataformas, e adjacente à ela escadarias permitem conexões de pedestres na topografia complicada do sítio. Podemos considerar o bairro de Alfama como um resultado de um processo de desenho interativo que se iniciou há vários séculos, onde cada elemento dessa trama (rua, beco, praça, largo, miradouro) é entendido como um sítio singular integrado numa paisagem, não apenas como elementos organizados, mas poéticos e simbólicos que falam sobre seus indivíduos, das aspirações e tradições históricas, um espaço urbano que transmite aos seus moradores a facilidade para reconhecer e organizar um ambiente favorecendo o que Lynch (1997) designa por “segurança emocional”, na medida em que permite “estabelecer uma relação harmoniosa entre si e o mundo exterior”.

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Influencia no Brasil Colonia

A partir do século XV, com as conquistas no “Novo Mundo”, a criação das novas colônias foi exigindo a construção de inúmeras cidades. Influenciados pela experiência que vinha do contato com os muçulmanos no período da Reconquista Cristã da Península Ibérica, a ocupação urbana portuguesa nas novas cidades construídas pelos portugueses no Brasil seguiram sistemas e lógicas muito próximas das que se praticava em Portugal. Podemos observar que a maior parte desses novos assentamentos urbanos ia sendo fundados em ilhas (Açores, Madeira, Cabo Verde, Guiné, Luanda, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Gôa), ora também preferência por penínsulas e promontórios pendendo para o mar, geralmente em terrenos de encosta, mais ou menos acidentadas (Macau, Málaca, Salvador, Olinda, Rio de Janieiro) demonstrando a preocupação com a facilidade de defesa territorial. O planejamento e ocupação urbana portuguesa se mostrou capaz de tirar proveito da diversidade de materiais encontrados pelos novos territórios conquistados, assim como as diferenças climatológicas, morfológicas e geotécnicas, para além das situações já experimentadas anteriormente, eram capazes de adaptá-los a cada caso e às novas tecnologias. Para isso se valiam do saber acumulado por outros povos, se baseavam em observação, bibliografia e contratavam profissionais de outros países. Segundo José Geraldo S. Junior, enfrentando essa variedade de situações em locais mais distintos e distantes, os portugueses formaram um processo de planejamento bem estruturado na hierarquia do poder e no escalonamento do saber dos sucessivos atores. Essas novas cidades (século XIV ao XVI) ainda eram essencialmente de colina, onde se implantavam muralhas para seu limite físico e proteção.

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A busca por áreas geograficamente mais protegidas orientou no interior do território a escolha de morros com pendentes suaves envoltos em terras férteis e com proximidade a um curso de água, que garantia a produção agrícola e a comunicação com o exterior. Os seus traçados apresentam princípios muito próximos as das cidades costeiras, com alguma variante de um modelo mais geral. As morfologias destas vilas seguiam as características físicas do território como base de seu desenvolvimento, sendo essa situação levada mais em consideração do que as preocupações com geometrização e o espírito disciplinador e racional. Tal fato é constatável ao se analisar os sítios históricos de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Olinda e até mesmo Salvador, onde se observa um ordenamento espacial marcado muito mais pela organicidade. Como ponto de partida de ocupação, em grande parte das novas fundações podemos observar a seguinte situação: o ponto topográfico dominante abriga o núcleo defensivo, desenvolvendo em torno de si um

pequeno núcleo construído. Na cota inferior, junto do mar ou do rio, desenvolve-se a primeira via estruturadora. Manuel Teixeira (2004) sublinha que, “uma vez ocupada a primeira via estruturadora do aglomerado urbano, assiste-se ao desenvolvimento de outras ruas paralelas a esta primeira via longitudinal, e de outras vias travessas, perpendiculares a elas. (...) Simultaneamente, observa-se a ocupação dos pontos dominantes do território por funções urbanas e por edifícios institucizonais significativos, civis e religiosos, e o desenvolvimento de ruas dirigindo-se para eles. (...) Nas fases seguintes de desenvolvimento, assiste-se à articulação da cidade alta e da cidade baixa. Geralmente, as ruas que se dirigem para os edifícios institucionais ou que articulam as várias ruas longitudinais são perpendiculares ao eixo original, mas em pontos onde, apesar da grande inclinação, a pendente é menor. Nalguns casos, estas perpendiculares são substituídas por diagonais, vencendo a inclinação do terreno de uma forma mais gradual.”

Ponta Delgada, Açores, Portugal - fases sucessivas de desenvolvimento urbano.

Salvador da Bahia, Brasil - traçados urbanos


São Luís, Maranhão, Brasil - 1789.

Como citado, os traçados das cidades quinhentistas, embora baseados em princípios de regularidade, eram ainda bastante articulados com as características topográficas dos seus sítios de implantação. Porém, ao longo dos séculos XVI a XVIII, podemos observar uma crescente regularidade dos seus traçados verificando-se cada vez mais a adaptação de uma geometrização no planejamento de novas cidades, o que se afirma principalmente nas cidades setecentistas, ou nos planos de extensão de cidades já existentes. Fundadas na segunda metade do Século XVI, podemos citar Salvador da Bahia e Rio de Janeiro e São Luiz do Maranhão e Belém do Pará, do inicio do século XVII. Essa crescente aplicação da componente erudita foi papel fundamental dos técnicos com formação teórica, como arquitetos e engenheiros-

-militares portugueses, e reflete a racionalização da cultura europeia desenvolvida nas utopias políticas e sociais dos séculos XVI e XVII, onde a organização e perfeição de uma sociedade desejada se expressava através de uma estruturação urbana que seguia princípios racionais de um plano regular. Com isso, as cidades brasileiras tiveram um papel importante no desenvolvimento e na consolidação dos princípios de regularidade do urbanismo português. A urbanização do Brasil, a partir do século XVI, corresponde ao período de afirmação da praça na cidade portuguesa. Por esta razão, nas cidades brasileiras observa-se desde o inicio a existência de praças como um dos seus componentes urbanos fundamentais. A praça é concebida como o centro simbólico, funcional e formal da cidade sendo a partir dela que se estrutura toda a cidade e se define o traçado das ruas. Existem praças geradas a partir da estrutura física do território, resultantes geralmente do entroncamento ou cruzamento de caminhos, e praças geradas a partir de ações planejadas geralmente de forma regular, retangulares ou quadradas. A influência da cultura cristã também foi importante par a consolidação das praças advindas progressivamente dos terreiros de conventos e os adros e largos de igrejas. Na construção das cidades e vilas brasileiras intervieram diferentes tipos de promotores, em que se incluem os donatários, o poder real, a Igreja e as ordens religiosas, as autoridades municipais e os próprios colonos. A permissão aos donatários para fundação de novas vilas se baseava na condição de que fossem construídas ao longo da costa ou na margem de rios navegáveis, ou separadas de pelo menos seis léguas se construídas no interior.

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No primeiro século de colonização, a Coroa, como órgão centralizador do poder, fazia a eleição da localização do núcleo urbano a se construir, mas ajustava sua escolha a partir da observação dos sítios alternativos, considerando questões de segurança, economia e enquadramento além de considerar as observações daqueles já estabelecidos na região, então conhecedores das circunstâncias específicas do local. Mas, segundo Manuel Teixeira (2004), a intervenção direta do poder real na construção de cidades faz-se sentir a partir de meados do século XVI, correspondendo a uma maior centralização do processo de colonização do Brasil. Entre 1532 a 1650 foram construídas 37 vilas e cidades no Brasil, das quais trinta foram da iniciativa dos donatários e sete foram fundadas pela Coroa. As cidades promovidas diretamente pela Coroa eram de maior dimensão e contavam com a participação de engenheiros militares no seu traçado, daí resultando cidades com regularidade mais afirmada. É importante destacar também que a fraca presença do governo português no Brasil ao longo deste primeiro século levou a Igreja, particularmente as ordens religiosas, a firmar uma grande influência no território colonial, não só pelo papel político e social, mas também na ordenação dos espaços urbanos. Muitos aglomerados urbanos tiveram a sua origem na criação de uma ermida ou capela, os edifícios religiosos – igrejas e conventos – tornaram-se habitualmente elementos polarizadores do crescimento da cidade, e os adros e terreiros religiosos a eles associados importantes elementos estruturadores dos espaços urbanos uma vez que muitos dos primeiros arruamentos originaram-se de caminhos que uniam os edifícios das distintas ordens religiosas (jesuítas, beneditinos, carmelitas, franciscanos, etc). Como um importante estudo de caso, podemos destacar a cidade de São Paulo.


ACRÓPOLE SÃO PAULO

Embora o que chegou até nós hoje da sua fisionomia original seja muito pouco, São Paulo foi um exemplar marcante de ocupação sobre colina segundo os moldes das fundações urbanas luso-brasileiras, que de vila à cidade apresentou características que remontam à tradição das “cidades de colina”.

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O seu núcleo fundacional, o que conhecemos hoje como “colina histórica” apropriou-se de uma das colinas dos baixos terraços fluviais e planícies de inundação do Rio Tietê e Pinheiros. Definidas como “colinas tubulares do nível intermediário” por Aziz Ab’Sáber (2007), que marcam o “nível intermediário mais bem definido e mais constante, existente no quadro de relevo do sítio urbano de São Paulo” (745-750m) (...) trata-se de largas colinas e patamares de colinas, de dorso tabular ou ondulado, dessecadas por uma rede não muito densa de pequenos afluentes paralelos ou rios principais” Em 1554, após a fundação, pelo Governador Geral Tomé de Sousa da vila de Santo André da Borda do Campo, onde no local já havia uma povoação formada por João Ramalho que viviam do comercio de escravos, padres jesuítas comandados pelo Padre Manuel da Nóbrega, que buscando uma aproximação com as tribos indígenas locais, constrói uma igreja e uma escola para meninos onde hoje se encontra o Pátio do Colégio. Em 25 de janeiro de 1554 foi rezada a primeira missa no local. O passo seguinte deveu-se ao Governador Geral Mem de Sá, que transferiu a câmara, o pelourinho e a população de Santo André da Borda do Campo para São Paulo em 1560. O núcleo populacional iniciado por Nóbrega e seus jesuítas prosperou amparado nas condições geográficas e naturais do território escolhido: com alguns trechos de matas e grandes várzeas cobertas de capim, em partes inundáveis, era uma área rica em peixes, aves e caças além de apresentar um clima adequado para a criação de gado europeu e para o cultivo de diversas plantas trazidas de Portugal, dispunha de fontes de água potável e era um ponto dominante na paisagem, facilmente defensável. Segundo Candido Malta Campos (2014) “não foi apenas a ação dos

jesuítas que determinou a consolidação de São Paulo. No âmbito da política especial de fortalecimento da presença portuguesa na fronteira de Tordesilhas, identificada por Janice Theodoro e Rafael Ruiz, a cabeça-de-ponte representada pela região de Piratininga, entrada para o sertão, rumo ao Paraguai e de Potosí, exigira uma fundação urbana estrategicamente situada e facilmente defensável. A forte intencionalidade por trás dessa medida é revelada pelo fato de constituir exceção na política colonizadora lusa, então preocupada em manter os núcleos litorâneos e desestimular, senão proibir, a interiorização dos colonos”. Sobre a colina de formato triangular, o terreno elevado escolhido para situar o colégio era um ponto a cavaleiro do rio, protegido por encosta íngreme das inundações frequentes que não atingiam a colina devido a diferença de nível de 25m de altura (725m e 745m), mas com facilidade de acesso às margens do rio Tamanduateí. A colina dominava visualmente a região, e a imposição de implantação do núcleo urbano no seu topo por questões de defesa tirava proveito da encosta abrupta que dominava a várzea do rio navegável. A preocupação em fortificar tal reduto também fazia parte da política adotada pelos primeiros governadores-gerais. São Paulo tinha uma ocupação que se limitava no altiplano interrompendo-se na borda da encosta. Foi certamente uma vila cercada de muros de taipa, com suas portas protegidas por baluartes dotados de artilharia, à semelhança das cidades medievais e renascentistas de Portugal, tal afirmação é confirmada pelas Atas da Câmera da época. Nestor Goulart Reis lança uma hipótese para o traçado dos muros descrevendo sua área de abrangência no que corresponde apenas à área entre o Pátio do Colégio e a Matriz (cujas obras foram iniciadas em 1598) com um núcleo de aproximadamente oito hectares. Por volta de


1580, o muro teria sido um pouco ampliado, chegando à altura do futuro Largo da Misericórdia, onde provavelmente ficava uma das portas.

Sobre o traçado primitivo das vias, podemos mencionar trilhas ou caminhos que adotaram preferencialmente ladeiras diagonais às curvas de nível, mais longas e com menor declividade, sendo acessíveis para os veículos de tração animal. Dessas podemos destacar a ladeira da Tabatingüera que levava à Serra e ao caminho para Santos e São Vicente, eixo de ligação com a Europa. Outro caminho levava ao Porto Geral que ficava aos pés da colina com alguns armazéns para guardar mercadorias. Este compreendia o eixo da atual Rua Quinze de

Novembro e virava depois pela atual Rua João Brícola, descendo pela Ladeira Porto Geral. Outros caminhos se fizeram de modo a cruzar as curvas de nível mais perpendicularmente como a Ladeira do Ouvidor e o Beco do Colégio. Este último era muito utilizado na vida cotidiana: mais íngreme e curto, ligava diretamente o Pátio do Colégio ao Tamanduateí, onde os moradores lavavam suas roupas e buscava boa parte da água utilizada na vila. Tornou-se conhecido como beco do colégio e ainda hoje existe como o único vestígio do urbanismo dos tempos da fundação de São Paulo. O crescimento da vila para além dos muros começou meio século após a fundação expandindo-se sobre o restante do topo da colina, onde, em sua parte plana, se desenvolveu o núcleo urbano propriamente dito. Aí encontrava-se a vida política e religiosa e residiam os classes dominantes dando origem à “cidade alta”; na várzea do Tamanduateí a “cidade baixa” marcava a vida material com as atividades comerciais e de navegação. As áreas de relevo acidentado e a várzea eram por via de regra evitadas, seja pelas inundações ou por serem cenário da informalidade. Na virada do século XVI para o XVII, estabeleceram-se fora do perímetro delimitado ini-

cialmente, as três grandes ordens religiosas: carmelitas (1592), beneditinos (1598) e franciscanos (1640-1644).

_35 A localização dos conventos respeitava a determinação papal de Júlio II, de 1509, estipulando que as ordens religiosas deveriam se instalar a pelo menos 140 vergas (aproximadamente 520 metros) umas das outras, portanto foram escolhidos pontos estratégicos nos vértices da acrópole triangular, definindo o que conhecemos hoje como “triângulo histórico”. Os templos religiosos contavam com terrenos amplos, a cavaleiro das encostas, facilmente defensáveis, ao lado das principais vias de comunicação que levavam à vila.


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As construções religiosas marcavam a paisagem urbana da acrópole e determinavam em termos espaciais e funcionais a sua ordenação inicial. Conforme o uso português, as primeiras vias nasciam, desembocavam ou confluíam em largos marcados por templos. Tais alargamentos irregulares do espaço público serviam às cerimonias religiosas, aos encontros e ao comércio. Com a intenção de organizar pessoalmente algumas entradas em busca de ouro e pedras preciosas no sertão, em 1599 o Governador Geral D. Francisco de Sousa se estabelece em São Paulo, o que repercute em um pouco de disciplina urbanística em contraponto à informalidade dos primeiros tempos. Diversas novas ruas foram traçadas neste período, porém não há informações precisas sobre quais teriam sido mandadas traçar por ordem do Governador. De acordo com Nestor Goular Reis, “podemos admitir que uma delas fosse a Direita, a partir de São Bento. Um detalhe importante é que a Rua Direita e a de São Bento se cruzam em ângulo reto, o que caracteriza a presença de um profissional especialmente treinado, no momento de traça-las. Ambas são ruas extensas para a época, com larguras uniformes, cruzando-se em ângulo reto. O fato chamava a atenção dos antigos moradores, que denominavam esse cruzamento de “quatro cantos”. O traçado dessas duas ruas organizou urbanisticamente todo um lado da vila e depois cidade, até final do século XVIII”. Em 1640, mais um acontecimento importante para o inicio da afirmação da ordem urbanística na colina, foi a obrigatoriedade da autorização da Câmara para inicio de obras de novas casas e quintais, as quais erma proibidas a sem o arruamento prévio.

O traçado das ruas somente será documentado pela primeira vez, mais de um século após a fundação da vila, no levantamento encomendado no governo de Morgado de Mateus (1765-1774). Tal levantamento realizado é conhecido como “Planta de Restauração” que coincide com a restauração da Capitania de São Paulo em 1765, revela a ocupação urbana existente no terceiro quartel do século XVIII. Além das ruas já citadas anteriormente, podemos destacar outras que demonstram mais ordem nos arruamentos, que apesar de não chegarem a constituir quadriculas regulares, demonstram uma preocupação com uma maior regularidade e racionalização do espaço urbano. Podemos citar a Rua da Boa Vista, aberta em trecho da acrópole adjacente à encosta do Tamanduateí, entre o colégio e o Mosteiro de São Bento. Seu nome sugere uma valorização dos terrenos situados a cavaleiro da encosta, que dispunham da vista sobre a várzea, e reproduz a denominação de uma Rua em Lisboa, dominando o Tejo. A Oeste as ruas Direita e de São Bento, perpendiculares entre si, organizavam todo um lado da colina onde os quarteirões eram longos e retilíneos. Ao Sul, o trecho mais alto e plano da colina foi ocupado de forma mais regular, com dois conjuntos de ruas paralelas, um formado pelas ruas do Carmo, depois da Boa Morte, e das Flores, desembocando na ladeira da Tabatingüera; outro formado pelas ruas de São Gonçalo, da Esperança e do Quartel, desembocando na Praça Municipal, esta, por sua vez, foi a primeira praça regular da cidade, de forma trapezoidal e dimensões amplas, onde se construiu a nova Casa de Câmara e Cadeia.

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Planta da Restauração (1775-1782). Principais ruas abertas a partir da linha dos muros da vila, provavelmente no século XVII.

As casas que preenchiam a borda da elevação da colina, apresentando uma ocupação bastante característica ocupando todo o alinhamento dos lotes, voltavam suas frentes para o interior da cidade e seus fundos para a várzea. Abaixo do nível da rua, porões ou andares de sustentação eram visíveis nos fundos para o vazio do vale. Os muros de divisa de lote desciam até o rio e fechavam-se no sopé, ao longo da margem. As encostas permaneciam livres, e as ladeiras ainda apresentavam pouquíssimas construções. Pátios, praças e largos apresentavam-se como espaços fechados, delimitados por casarios e focados nos edifícios religiosos. Segundo Nestor Goular Reis, “Com a restauração da Capitania, teve inicio um processo de expansão da produção agrícola e do comércio inter-regional. Os tributos arrecadados em todos os registros da capitania eram recolhidos à cidade de São Paulo, possibilitando o aumento dos investimentos em obras de interesse regional. A chegada dos governadores envolvia necessariamente a presença de profissionais com melhores qualificações, que eram consumidores importantes.” (REIS FILHO, 2004, p. 79). Após o mandato do Morgado de Mateus, outros governantes procederam a ampliação da área urbanizada amparados pela prosperidade da capitania graças à cana-de-açúcar e ao comercio de tropas. As intervenções urbanísticas teriam como propósito enquadrar a cidade nas diretrizes da Coroa. Em 1790, ao se iniciar a última década do século, sob administração de Bernardo de Lorena, o município contava com cerca de 8500 habitantes e o Governo da Capitania se empenhava em realizar obras públicas para atender à nova demanda econômica regional como estradas, pontes e chafarizes.


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SĂŁo Paulo vista da VĂĄrzea do Carmo, parte norte. 1821.


Durante os três primeiros séculos de sua fundação, a cidade de São Paulo se conteve nas adjacências do triângulo histórico. Foi somente a partir de meados do século XIX que a cidade e, consequentemente, o centro, começaram a desenvolver-se pelo advento da exportação do café o alto crescimento populacional decorrente da imigração europeia, iniciado em meados do século XIX. No início do século XIX, a cidade começava a sua expansão além Anhangabaú, o que só foi possível com a construção do Viaduto do Chá em 1892, como podemos observar na Planta da Cidade de São Paulo de 1810, que registra os novos traçados e ocupações. Sabe-se que a cidade, contava nesse tempo com trinta e oito ruas, dez travessas e seis becos, sendo a mais habitada a Rua São Bento com cinquenta e duas casas. O levantamento cartográfico evidencia mais a diante duas outras plantas do século XIX em que podemos identificar quadras com a divisão dos lotes, o que nas cartas anteriores não era registrado. A primeira delas é denominada “Mappa da cidade de São Paulo offerecido a Sua Magestade, O Imperador pelo Presidente da Província Manoel da Fonseca Lima e Silva”, datada de 1844-7 realizada pelo engenheiro civil Carl Abraham Bresser, tendo sido a segunda realizada pela Companhia Cantareira de Água e Esgotos em 1881.

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Planta da Cidade de S達o Paulo, 1810

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Mapa da Cidade de S達o Paulo ,1847

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Planta da Cidade de S達o Paulo Companhia Cantareira e Esgotos, 1881

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“São Paulo estava deixando de ser uma cidade de tropeiros. Agora, o café chegava a Santos mais rapidamente. A viagem da fazenda para a capital é rápida e confortável. Será possível, sem grande transtorno, passar parte do ano em São Paulo e talvez, por que não?, morar na capital. [...] O trem que desceu carregado de café pode, agora, subir com material de construção para se fazer uma casa igual àquela vista em alguma capital europeia.” (TOLEDO, 2007, p. 77). A cidade mantinha até então seu estilo de vida colonial, sem muitas mudanças, salvo em alguns aspectos, como a instalação da Academia de Direito, em 1827, cujo contingente de estudantes contribuiu para alteração dos costumes locais. Na segunda metade do século XIX, começam a surgir atividades que denunciam transformações na cidade. Surgem então os novos hotéis, as casas de diversão, o teatro e as atividades intelectuais. Mais mudanças ocorreram a partir da implantação das ferrovias, na década de 1860. Vários hotéis, segundo a pesquisa de Barbuy (2006), foram abertos nas ruas do Triângulo. Com a perspectiva de desenvolvimento que o período oferecia, amplia-se a demanda de infraestrutura e principalmente modos de regular o seu crescimento. Em 1875 foi aprovado o “Código de Posturas da Câmara Municipal de São Paulo”. Constituído de definições modestas, por vezes minuciosas, o Código definia regras para as ruas já existentes. “Os edifícios que estiverem fora do alinhamento recuarão ou avançarão quando forem reedificados, a fim de se conservarem em linha reta”. (Artigo 11). No que se diz respeito às tipologias de construções presentes nesta época, variavam entre uma boa quantidade de casas térreas e sobrados com a existência de alguns estabelecimentos comerciais.


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6 1. Largo do Capim (atual Largo S達o Francisco), Mosteiro de S達o Francisco ao fundo 2. Rua do Ros叩rio 3. Ladeira do Ouvido 4. Rua S達o Bento 5. Rua Direita 6. Faculdade de Direito 7. Rua da Imperatriz


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Com o passar do tempo, os estabelecimentos comerciais gradativamente passam a predominar nas ruas do Centro. A necessidade crescente de lojas mais amplas, armazéns e outros tipos de estabelecimentos levaram à ocupação de vários imóveis quase integralmente para esta finalidade, complementada, todavia pela oferta de conjuntos de escritórios, geralmente situados nos pavimentos superiores. O desenvolvimento do comércio e escritórios em São Paulo na passagem do século XIX para o XX trouxe a mudança de uso do solo no triângulo, e o aumento por essa demanda dá início ao processo de verticalização da cidade. Para estimular a construção de edifícios mais altos, mais imponentes e deixar o centro de São Paulo mais próximo dos padrões adotados nas principais capitais do mundo, em 1907 foi promulgada a Lei n. 1011, que concedia isenção de impostos por um período de cinco anos para proprietários que edificassem prédios com mais de dois pavimentos. Seguindo esses novos padrões de construção incentivados pela Câmara Municipal, interessada em reurbanizar São Paulo em moldes europeus, é possível observar por volta de 1914-1915 que as ruas principais do centro da cidade apresentavam-se praticamente re-

Vista da Rua São Bento a partir do Largo de São Bento, 1884 e 1910, respectivamente.

construídas, tendo passado por uma radical modificação da estética urbana. Como afirma Barbuy (2006): “se em São Paulo houve ‘três cidades em um século’, como mostrou Benedito Lima de Toledo, [...] ao final da década de 1900, estava erigida a segunda delas. O ecletismo vignolesco dominava as fachadas com suas colunas à antiga, os frontões triangulares sobre as janelas e as platibandas retilíneas com pináculos, às vezes encimadas por grupos escultóricos de pretensões monumentais. Eram pontuadas, aqui e ali, por exemplos de um art nouveau pouco arrojado”.

O século XIX foi marcado urbanisticamente por diversos planos que vieram dar nova conformação às mais importantes cidades europeias e das Américas. “O século XIX – o longo século XIX, estendido até 1914 – foi, assim, a era de ouro das reurbanizações planejadas. [...] Criava-se um modelo de ‘cidade moderna’, caracterizada pelas grandes avenidas ordenadoras do tráfego, linhas retas axiais, pela presença de esculturas monumentais e imponentes edifícios públicos, pelos parques e jardins também minuciosamente planejados, entremeando o tecido urbano”. (BARBUY, 2006, p. 72).


Em São Paulo, o poder público municipal não deixava de se referenciar nos principais modelos desenvolvidos pelo mundo. Diversas obras de remodelação do centro começaram na administração de Antônio Prado, 1898 a 1911, e prosseguiram no governo de Raymundo Duprat, 1911 a 1914, sendo desta administração o contrato do arquiteto francês Joseph Antoine Bouvard, que havia exercido a função de diretor do Serviço de Arquitetura, Passeios e Plantações da Cidade de Paris. O Plano Bouvard pode ser visto como um dos primeiros trabalhos com visão mais abrangente da capital paulista. Os Planos de Freire e Bouvard envolviam a remodelação do aspecto da cidade, afirmando o papel do centro histórico como área comercial e de serviços. Com propostas de projeto para as vertentes da colina, do lado oeste, voltado para o Vale do Anhangabaú para o qual a cidade “dava as costas” até então, propôs-se uma ligação entre a cidade e o vale por meio de um parque que os interligava pela meia encosta com um desenho paisagístico harmonioso com a arquitetura composto de bulevares e esplanadas. Agora a cidade voltava-se para os novos bairros residenciais das classes dominantes. Do outro lado da colina central, Bouvard pro-

põe transformar a área da várzea do Tamanduateí em outro grande parque (o atual Parque Dom Pedro II). Neste espaço já estavam previstos o novo Mercado Municipal e um pavilhão para exposições agrícolas e industriais (o atual Palácio das Industrias). Segundo Barbuy (2006), mais do que se preocupar com soluções de zoneamento e controle para os problemas sociais dos novos aglomerados urbanos, a realização dos planos urbanísticos para a cidade nessa época se deu pela necessidade de sua inserção no sistema capitalista mundial, a fim de fazer de São Paulo uma cidade-capital nos moldes das principais do mundo.

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Trecho de matéria do Estadão de 04 de janeiro de 1911.


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Em 1929 a cidade contava com aproximadamente um milhão de habitantes, a indústria encontrava-se em pleno desenvolvimento, causando alterações significativas no uso do espaço urbano. Neste mesmo ano, foi proposto um novo Código de Obras, por Sylvio Cabral Noronha e Arhur Saboya, que dispunha sobre regulamentação especial para construção na região central paulistana. Muitos dos edifícios existentes no Triângulo Histórico, hoje, foram em grande parte aprovados de acordo com esse código que estimulava a verticalização no Centro. Um exemplo é o Edifício Martinelli (1925 a 1929), com 25 andares e altura de 105 a 130 metros. De concreto armado foi um dos primeiros a romper com a horizontalidade da cidade, abrindo caminho para os arranha-céus do século XX.

Panorama da área central de São Paulo, 1932.

Graf Zeppelin sobrevoando a cidade de São Paulo, 1933


A última grande obra que resultou em drásticas modificações na configuração espacial do Centro Histórico, foi a abertura da Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô. Na última planta do século XX feita pelo GEGRAN – Grupo Executivo da Grande São Paulo – em 1972, podemos observar, por exemplo, a remodelação do Largo de São Bento recebeu uma das estações da linha Norte-Sul, a construção da estação Sé que acarretou na demolição de todo um quarteirão que separava a Praça da Sé da Praça Antiga Praça Clóvis Bevilácqua, fazendo com que fosse necessário repensar a concepção paisagística da praça, projeto liderado pelo arquiteto José Eduardo de Assis Lefèvre. Neste projeto, as duas praças foram unidas através de um novo desenho, de acordo com o projeto da estação. Nota-se nessa transformação uma profunda descaracterização do espaço público, que adquiriu uma escala desmensurada em relação ao seu desenho, tendendo assim a dispersar os usuários. Implosão do Edifício Mendes Caldeira, 1975

Das modificações mais marcantes na colina histórica, podemos observar que um dos arcos passa pela Praça da Sé e a partir dela segue para a Avenida Rangel Pestana. A ligação entre os dois trechos é feita através da Praça João Mendes e a Rua Anita Garibaldi, sendo aberta também a Praça Clóvis Bevilácqua, com o intuito de aliviar o tráfego nesse sentido. A Avenida Rangel Pestana cruzaria o Parque D. Pedro II e o canal do Tamanduateí, chegando à outra margem num encontro entre as avenidas do Estado e a porção leste da Avenida Rangel Pestana. No plano ainda era previsto o túnel conectando a Rua do Gasômetro à Avenida São João, que não foi executado, restando assim somente a Avenida Rangel Pestana como conexão contínua sentido Leste.

Construção de contenção e túnel entre as Ruas 25 de março e Frederico Alvarenga

Perímetro de Irradiação do Plano de Avenidas, 1930.

A verticalização no centro e a ocupação dos subúrbios aumentaram respectivamente o adensamento na região central e a mancha urbana. É nesse contexto que foi executado o primeiro plano viário mais abrangente, proposto pelo Engenheiro Prestes Maia, conhecido como “Projeto Grandes Avenidas”. Este plano, proposto por Prestes Maia e Ulhôa Cintra na década de 1930, previa uma estrutura radio concêntrica para o sistema viário de São Paulo. O projeto incluía um anel viário em torno do Centro, a partir do qual saíram as avenidas radiais. Esse anel, denominado “Perímetro de irradiação”, foi elaborado em três versões diferentes até sua implementação.

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A acrópole só deixa de figurar o primeiro plano do cotidiano da metrópole com o abandono do centro histórico pelas classes dominantes, principalmente após 1970. E entre as décadas de 1980 e 2000, o esvaziamento da área central foi intensificado pelos grandes investimentos públicos e privados no desenvolvimento de um “novo centro” metropolitano na zona sudoeste da cidade, próximo às margens do rio Pinheiros. Todas as intervenções pelas quais o núcleo central da cidade passou, desde as modernas, de várias vertentes do urbanismo, como o haussmaniano nos oitocentos às propostas sitteanas de 1910, passando pelo rodoviarismo exacerbado dos anos 1930 a 1960, e chegando às reformas modernistas que acompanharam a implantação do metrô e a pedestrianização do centro após 1970, alteraram profundamente o traçado, a morfologia, a volumetria, e as funções urbanas deste sítio. Por fim, a situação topográfica, antes evidente e clara, foi ocultada pelos vários viadutos, arrimos, aterros, e a situação protagonista da geografia da colina histórica se perdeu em meio aos arranha-céus.

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Tendo o estudo da matriz urbanística portuguesa e suas influências no território brasileiro, especificamente na cidade de São Paulo, como um ponto de partida para o entendimento de como o meio físico, o sítio, pode interferir e ordenar ações no campo da arquitetura e urbanismo, podemos observar como é importante um planejamento integrado com ocupação de maneira criteriosa respeitando as condicionantes espaciais, geográficas e de escalas. Estudar o processo de desenvolvimento urbano da cidade de São Paulo, e observar as situações que transformaram drasticamente não só a imagem, mas como também o meio físico do núcleo inicial de sua ocupação, nos faz perceber que se antes o ritmo menos acelerado (primeiros 300 anos) do crescimento urbano permitia uma adaptação progressiva ao meio natural, hoje, a rápida expansão da cidade tem levado à descontinuidades, fragmentações, barreiras, espaços residuais e conflitos de escalas. Ou seja, a lógica de uma economia extrema em primeiro investimento nos apresentou consequências negativas para custos urbanísticos, históricos, culturais e sociais. Sem uma compreensão mais a fundo dessa região e de seus primeiros traços, não poderemos identificar adequadamente seus remanescentes, nem propor as intervenções necessárias no sentido de reincorporar, ainda que parcialmente, a presença da colina na cidade.

projetar na colina


INTENÇÕES

O projeto surge como uma especulação, um ensaio de atuação em um sítio onde o suporte geográfico é uma questão definidora de partido projetual, de ações que busquem o entendimento do local e harmonia com o entorno. Além disso, esse trabalho procura entender descontinuidades e áreas residuais que surgiram ao longo do processo de evolução urbana da cidade de São Paulo, precisamente na Colina Histórica, identificando possibilidades de intervenção nesses espaços criando áreas dotadas de potencial transformador da dimensão pública aí presente, dando suporte à vida cotidiana, com atividades de recreação, lazer, capacitação profissional e formação cultural. Em visita à região, pode-se ter a impressão de que a condição histórica de transformação do uso e ocupação do topo da colina para quase a sua totalidade em uso comercial e de serviços, deixou nas “bordas” do Centro um contingente populacional que resistiu às mudanças drásticas da região que trouxeram desvalorização da área central e seu crescente desinteresse pelas classes dominantes. A “cidade alta” que um dia foi ocupada por edifícios singulares e residências, hoje é local de empre-

gos e atividades culturais com dinâmica quase que exclusivamente diurna. Já, na descida a caminho da várzea do Carmo, podemos perceber a inversão da predominância de uso, ali majoritariamente residencial, a “cidade baixa” contrasta nitidamente com a aparente degradação do ambiente urbano, com considerável presença de cortiços e construções em estado precário e falta de tratamento e qualidade dos espaços públicos, situação ainda mais agravante nas imediações da “Várzea do Carmo” e Parque Dom Pedro II. Com isso chegou-se à área de intervenção: localizada nas proximidades da Igreja da Ordem 3ª do Carmo, vértice leste do antigo triângulo histórico, o recorte específico, um terreno (de aproximadamente 13820m²) localizado na meia encosta da colina entre a Sé e a Várzea do rio Tamanduateí, abriga atualmente um estacionamento e uma pequena creche que prestam serviços para a Secretaria da Fazenda, entre as ruas Frederico Alvarenga, Rua das Carmelitas e Rua Alcides Bezerra, e é uma das poucas áreas de meia encosta da Colina Histórica que se apresenta ainda hoje parcialmente desocupada. Na área delimitada também estão presentes algumas construções de pequeno e médio porte (6 no total) que abrigam funções comerciais e habitacionais, sendo que dois deles apresentam-se desocupados. As desapropriações de imóveis definidas na área de intervenção foi assumida a partir do momento em que se entendeu que uma intervenção de caráter articulador da cidade com potencial renovador da região deve assumir as decisões que se julguem necessárias para que tenham força de reconversão deste espaço em um grande equipamento suporte do desenvolvimento urbano mais efetivo do que a atual situação que impõem entraves para um uso e ocupação mais plenos e atuante no contexto urbano.

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Está presente no entorno da área de intervenção importantes equipamentos locais e metropolitanos, como a já citada Secretaria da Fazenda no Palácio Clóvis Ribeiro, que também abriga o Poupatempo da Sé, atendendo diariamente cerca de 11 mil pessoas, a Casa da Solidariedade, que ocupa hoje o edifício do antigo Ginásio do Estado, onde se desenvolve projetos sociais para crianças e adolescentes em situação de risco social, o AMA Sé (Assistência Médica Ambulatorial), a Igreja da Ordem 3ª do Carmo e a Nossa Senhora da Boa Morte, além de contar com a proximidade com o terminal de ônibus Parque Dom Pedro II e um acesso à estação Sé do Metrô na praça Clóvis Bevilacqua. Ainda na Rua do Carmo, encontramos o SESC Carmo, que com fundação em 1960 é uma das mais antigas unidades em funcionamento. O seu papel na região é de extrema importância: é um dos principais pontos de apoio no centro da cidade para centenas de refugiados e solicitantes de refúgio provenientes majoritariamente do continente africano. Em parceria com a Fundação Cáritas Brasileira o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e o SENAC SP, oferecem curso básico de português, acesso à internet , alimentação e serviços de assistência social à essa população. Além disso, o SESC Carmo conta com outros serviços oferecidos aos comerciários e à população, como exposições temporárias, biblioteca e espaço de leitura, academia e sala de expressão corporal, espaço para o Projeto Curumim e oficinas/cursos, um pequeno auditório com 55 lugares, além de possuir dois restaurantes onde são servidas em média 4500 refeições diárias, sendo esse um de seus principais serviços prestados para a comunidade local e população flutuante.

1. Páteo do Colégio 2. Casa Numero 1 3. Solar da Marquesa 4. Terminal Parque Dom Pedro II 5. Catedral da Sé 6. Praça da Sé 7. Tribunal de Justiça do Estado 8. Praça Clóvis Bevilacqua 9. Igreja da Ordem Terceira do Carmo 10. Palácio Clóvis Ribeiro 11. Casa da Solidariedade 12. Acesso à estação Dom Pedro II do metrô 13. AMA Sé 14. Segundo Batalhão de Guardas 15. Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte

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Apesar de sua considerável atuação na região, o SESC Carmo tem como sede o edifício “Leônidas Moreira” à Rua do Carmo, 147. Construído em 1942, projeto do arquiteto Eduardo Kneese de Mello, abrigou inicialmente uma casa bancária até a década de 60, quando passou a receber instalações do SESC. Numa área construída de 1198m² (4 pavimentos), que teve de ser adaptada para receber suas instalações, as atividades promovidas pelo SESC Carmo acabam sendo limitadas para pequenos públicos, diferente das outras unidades dotadas de amplos anfiteatros e espaços expositivos. Isso faz com que a realização de atividades maiores se dê em outros espaços como praças e edifícios públicos da região.

Atual SESC Carmo

Com essas premissas, a estratégia de projeto para o sítio escolhido é uma ampliação para o SESC Carmo. A criação do programa parte da avaliação das suas atuais ofertas e quais seriam as suas necessidades de futuras demandas. O projeto prevê, sobretudo a ampliação das atividades do atual SESC e o número de pessoas atendidas, propondo áreas maiores para as atividades que já existem hoje e a incorporação de outras novas, que não são possíveis na atual unidade por falta de espaço e ambientes adequados. Assim, a proposta da ampliação conta com diversos e amplos espaços de convívio e multiusos, midiateca com maior área para leitura e acervo, uma nova loja, salas de ateliers e oficinas com salas de curso e áudio visual para apoio, uma nova academia e auditório com capacidade para 250 pessoas com uso independente, uma quadra poliesportiva e piscina semiolímpica, além de novos cafés e comedoria e área de exposições temporárias. Com a transferência de alguns usos para a ampliação, permanecerá no atual edifício todo o setor administrativo, de assistência social e o Projeto Curumim, que inclusive poderão ser ampliados; e os restaurantes que terão sua oferta am-

pliada, reafirmando essa importante função do SESC Carmo na região. Além disso, a partir de uma possível acordo, poderia ser estudada a hipótese da transferência da atual creche existente na área de intervenção para as dependências do atual SESC Carmo.

Atividades no atual SESC Carmo


AÇÕES A hipótese de uma atuação articuladora no território urbano, teve seu desenvolvimento a partir de uma possível leitura de projeto de arquitetura na condição urbana contemporânea: a ideia de projeto como “ações”. Seria o pensamento do projeto a partir de ações, que se materializem em forma de intervenção física no território objetivando desencadear num determinado contexto uma série de transformações, uma possibilidade de se atuar por meio da arquitetura em diferentes situações urbanas, porém de características semelhantes, possibilitando numa escala de território mais abrangente ampliar as frentes de transformação.

O posicionamento a partir do mirante nos faz observar que os dois territórios opostos, “cidade alta” e “cidade baixa” personificam hoje duas cidades, claramente definidas nas suas cotas típicas. Descrita por Aziz Ab’Saber (2007) como “cidade que salta de colina em colina”, São Paulo, desde o primeiro transpor de vale, avança sobre a várzea para ocupar novos patamares, servindo-se de pontes e viadutos reforçando a leitur das áreas de várzea como territórios excluídos. Tirando partido da meia encosta como uma possibilidade de, a partir do topo da colina, “mirar” a área da várzea e por meio dela criar uma

Vista a partir da estação Dom Pedro II

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As condições históricas do núcleo inicial de São Paulo que lhe deram uma configuração de ocupação introvertida, com prioridade para as questões defensivas do território, parecem ainda hoje procedimentos recorrentes. Os edifícios são construídos de modo a manter a mesma relação com a paisagem: eles se voltam para o núcleo histórico e dão as costas para a várzea, para a vista. O principal partido do projeto é ocupar a meia encosta da colina histórica de forma a conciliar a arquitetura e o suporte físico com a valorização mútua das duas componentes. A partir daí surge a primeira “ação”: Mirar.

arquitetura que sirva de suporte para o “transpor” entre a “cidade alta”e a “cidade baixa”, o mirante surge não só como olhar contemplativo, mas também como um gesto que indica a cidade que prossegue na extensão da vista, na paisagem da várzea, abaixo do patamar de terra firme. Recuperar a imagem de mirante a partir da condição geográfica induz a ruptura com as repetições automáticas de ocupação onde o emparedamento da vista feito pela soma de edifícios personifica uma cultura construtiva excludente.


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A partir da cota mais alta (750m) se dá a expansão da Praça Clóvis Bevilacqua. Estendendo-se até a cobertura do novo edifício, a nova Praça/Mirante maximiza o sua função de equipamento metropolitano, recebendo fluxos provenientes da parte alta da colina histórica e do restante da cidade a partir do metrô que possui aí um acesso para a Estação Sé. A nova Praça dá suporte para o Poupatempo da Sé, para o Novo SESC e ampliando o chão da “cidade alta”, lança-se sobre a “cidade baixa” criando um espaço público de livre convívio sobre uma vista valorizada da várzea do Carmo.

A descida para a parte baixa da cidade pelas ruas traçadas na pendente suave da colina é apoiada pelo escalonamento do território por meio das praças que se configuram como patamares (cota mais alta 750, cota intermediária 734 e cota mais baixa 730). No momento em que a R. Joaquim dos S. Andrade conflui com a R. das Carmelitas a Praça intermediária estende a calçada até o acesso independente do auditório do Novo SESC, criando aí uma segunda praça: a Praça de Esculturas.

A chegada à cota mais baixa é apoiada pela Praça de Equipamentos. A regularização do território permite o uso franco do espaço, inclusive abaixo da linha elevada do Metrô, sempre se relacionando com o Novo SESC que se conecta, também aí, com essa terceira praça recebendo os usuários e ao mesmo tempo abrindo para a cidade os seus equipamentos de maior porte: a quadra poliesportiva, a piscina semiolímpica e a comedoria.


A descida pela meia encosta da colina caracteriza a ação “Conectar”, pensar na ocupação dessas áreas como uma transição entre os espaços, uma continuidade espacial. Essa especulação de ocupação lançada neste projeto pressupõe o escalonamento do suporte físico aproveitando os recursos naturais do relevo disponível para viabilizar a implantação do projeto. A implantação de um volume edificado em terreno de meia encosta negando o escalonamento do seu perfil natural, criaria uma ocupação desajustada com grandes muros de contenção e em detrimento de uma escala volumétrica harmônica. Essa solução de escalonamento foi então explorada no projeto por meio das praças/mirantes, elementos tão presentes na constituição das cidades luso-brasileiras.

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A não existência de uma ligação contígua do prédio do atual SESC Carmo com o terreno previsto para sua ampliação implicou na escolha de uma solução de conexão entre os edifícios por meio de um volume longitudinal localizado ao lado do atual SESC, onde se conectam pelo térreo. Este volume, que além de receber a circulação direta entre os dois, serve também como um acesso direto à ampliação do SESC pela Rua do Carmo, na cota mais alta (750m). Maximizando o seu uso, abriga também áreas para exposições temporárias ao longo de seu percurso, onde os próprios layouts de exposição podem ora separar ou em outros momentos integrar os diferentes fluxos. Saindo da cota mais alta com frente para a Rua do Carmo, o volume longitudinal da área de exposições, mantém o nível 750m e como uma passagem aérea sobre a Rua Alcides Bezerra se apoia em sua outra extremidade marcando o eixo de circulação vertical principal como um volume externo anexo à fachada do projeto. Este eixo composto por elevadores e escada fixa, organiza a circulação em uma das extremidades do projeto, isto porque, o edifício implantado em posição longitudinal ao terreno, ocupando a sua maior largura, apresenta lajes de aproximadamente 100m de comprimento com isso se faz necessário um segundo eixo de circulação vertical na outra extremidade. Não menos importante, outro fator que define a necessidade de dois eixos verticais de circulação no projeto é a presença da linha férrea do metrô no terreno.

O projeto para a construção do metrô na década de 1970, foi um dos principais fatores que contribuíram para que o terreno permanecesse não ocupado em sua totalidade até hoje. Inicialmente, para a implantação da Linha 3-Vermelha sentido Leste a partir da Estação Sé previa-se uma via subterrânea (passando por baixo do canal do Tamanduateí), porém houve uma mudança de configuração que levou à opção por uma via elevada (até a estação Brás). A alternativa para a ligação entre as estações Sé (subterrânea) e Dom Pedro II (elevada) foi encontrada tirando proveito do desnível natural, logo atrás do Palácio Clóvis Ribeiro. As obras desviaram da Igreja da Ordem Terceira do Carmo e exigiram a demolição das edificações onde foi então aberta a Praça do Carmo (atual acesso ao Poupatempo da Sé) e construídas as contenções que hoje delimitam a área do estacionamento. Conforme apontado anteriormente, se antes a ocupação desse tipo de espaço era poupada, a construção do túnel do metrô que aí “desemboca” e lança os trilhos elevados sobre a área, efetivou a impossibilidade de ocupação convencional nesse local.


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No pavimento do projeto de cota mais alta, 742m, a laje sobrepõe-se à linha do metrô, um pavimento abaixo, 738m a laje é interrompida pela linha do metrô que passa dentro do projeto e se relaciona visualmente com o interior do edifício. Na cota 734m, os dois lados do edifício permanecem sem conexão pelo mesmo nível, e é aí que acontece o auditório com acesso independente pala Rua das Carmelitas. Um pavimento abaixo, na cota 730m, os espaços de ambos os lados voltam a se conectar, agora por debaixo da linha elevada. Cada um dos lados apresenta um dos dois novos grandes equipamentos do SESC Carmo: a quadra poliesportiva e a piscina semiolímpica polarizando dois acessos e fluxos de pessoas a partir da “cidade baixa”, e são finalmente conectados pela Comedoria que se abre pra grande Praça de Equipamentos. Neste momento, o projeto se embasa na “cidade baixa”, e cria uma diferente percepção do suporte geográfico, onde a observação de uma cota mais abaixo da colina faz realçar a diferença de nível existente, mas agora com uma meia encosta tratada como uma nova frente da “cidade alta” que deixa de dar as costas pra várzea e se debruça sobre ela oferecendo-se como um suporte para a vida urbana.

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A inserção desses espaços imbricados numa geografia preexistente, ressalta o potencial estruturador da arquitetura que serve de apoio para a cidade dotada de relações sociais diversas, dinâmicas variadas que necessitam de apoio para seus acontecimentos, manifestações e atividades imprevistas, garantindo aos seus atores espaços públicos participativos que se tornam em instrumento para o livre acesso à sua vida cotidiana, à práticas e valores produzidos livremente na cidade onde se pode entender, apreender e comunicar a própria cultura. Cultura essa também presente na história das tradições da formação da cidade que apresenta-se como documento vivo de um passado de grande significado, como reflexo das suas comunidades que se identificam com os seus espaços.

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ORIENTAÇÃO: PEDRO PAULO DE MELO SARAIVA

PROJETO PARA AMPLIAÇÃO DO SESC CARMO, SÃO PAULO-SP

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IMPLANTAÇÃO|COTA 750


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PLANTA|COTA 742


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PLANTA|COTA 738


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PLANTA|COTA 734


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PLANTA|COTA 730


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CORTE A|A


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CORTE B|B


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CORTE C|C


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CORTE D|D


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ELEVAÇÃO RUA FREDERICO ALVARENGA


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ELEVAÇÃO RUA DO CARMO


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ELEVAÇÃO RUA ALCIDES BEZERRA


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praรงa de equipamentos


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vista da meia encosta|praรงa de esculturas


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hall principal | acesso


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hall principal | acesso. Abaixo vista das oficinas e ateliers


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espaรงo de leitura | midiateca


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oficinas | ateliers


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volume do audit贸rio


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foyer do audit贸rio


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quadra poliesportiva


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museu | exposições | ligação do SESC ao anexo


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praรงa de equipamentos


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praรงa | mirante


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BIBLIOGRAFIA AB’SÁBER, Aziz Nacib. Geomorfologia do sítio urbano de São Paulo / Aziz Nacib Ab’Saber. – Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2007. 349 p.; BARBUY, Heloisa. A cidade exposição: comércio e Cosmopolitismo em São Paulo, 1860-1914. São Paulo, Edusp, 2006;

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CRÉDITOS DE IMAGENS p. 09 Olisipo, sive ut pervetusta lapidum inscriptiones habent, ulysippo, vulgo Lisbona florentissimum Portugallia emporiu – 1572 - Franz Hogenberg & Georg Braun. Disponível em: http://historic-cities.huji.ac.il/portugal/lisbon/maps/braun_hogenberg_I_1_1.html - Acesso em 15 de abril de 2014. p. 10

Lisboa Antiga. Painel de Azulejos localizado no Miradouro de Santa Luzia em Lisboa. Foto do Autor.

p. 14 Desenhos do autor, de acordo com análise de TEIXEIRA (2012), sobre: Olissipo quae nunc Lisboa, civitas amplíssima Lusitaniae ad Tagum, totiq Orientis, et multarum Insularum Aphricoeque et Americae emporium nobilissimum, Georgio Braunio, 1953, M. C. L.

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p.15

Praças em Portugal. Fotos do autor, 2012.

p.16

Vistas sobre as colinas de Óbidos, Coimbra e Lisboa. Fotos do autor, 2012.

p. 17

Vista da Colina do Castelo a partir do Bairro Alto, Lisboa. Foto do autor, 2012.

p. 18

Idem p. 09.

p. 19 Projeto escolhido para a reconstrução de Lisboa após o Terramoto de 1755. Planta topográfica da cidade de Lisboa arruinada também segundo o novo alinhamento dos architectos Eugénio dos Santos Carvalho e Carlos Mardel. (autoria datada de 12 de Junho de 1758). Imagem: Litografia colorida de autoria de João Pedro Ribeiro, 1947. Disponível em: http://www.museudacidade.pt/Coleccoes/Cartografia/CML_Pecas_Suporte/MC.GRA.0035%20copy.jpg – acesso em 17 de outubro de 2014. p. 20

Esquema de expansão da cidade de Lisboa. Disponível em: http://terrabrasilis.revues.org/docannexe/image/737/img-2.jpg - acesso em 17 de outubro de 2014.

p. 21 Delimitação da Muralha Velha e Cerca Fernandina de Lisboa. Desenho de autoria de Sebastião Elias Poppe, Guilherme Joaquim Paes de Menezes, 1761. Disponível em: http://www.museudacidade.pt/Coleccoes/Cartografia/paginas/Configuracoes-de-partes-das-fortificacoes-da-Cidade.aspx - acesso em 17 de outubro de 2014. p. 22

Delimitação do Bairro de Alfama, Lisboa, sobre imagem do Google Maps. Pelo autor.

p. 23

Imagens do Bairro de Alfama, Lisboa. Fotos do autor, 2012.

p. 24

Miradouro de Santa Luzia, Igreja de São Miguel e Igreja de Santo Estêvão no Bairro de Alfama, Lisboa. Fotos do autor, 2012.

p. 25

Miradouro Portas do Sol. Fotos do autor, 2012.


p. 27

Imagem do Centro de São Paulo e várzea do Tamanduateí vista a partir do Edifício Altino Arantes, Banespa. Foto do autor, 2011.

p. 30 Diagrama feito pelo autor, segundo Manuel Teixeira (2012) sobre: Planta da cidade de Ponta Delgada Tirada e Desenhada em Setembro De 1831 POR ANTONIO FERREIRA GARCIA D’ANDRADE, Antonio Ferreira Garcia de Andrade, 1831, B.P.A.D.P.D. Diagrama feito pelo autor, segundo Manuel Teixeira (2012) sobre: PLANTA DA RESTITUIÇÃO DA BAHIA, João Teixeira Albernaz, 1631, B.N.R.J. p. 31 [S. Luís de Maranhão], a.d., n.d., Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. Disponível em: http://www.sudoestesp.com.br/file/colecao-imagens-periodo-colonial-maranhao/675/ - acesso em 20 de novembro de 2014. p. 33

Monumento à Glória Imortal dos Fundadores de São Paul. Foto do autor, 2009.

p. 34

Corte esquemático da geografia de São Paulo feito pelo autor, segundo AB’SÁBER (2007).

p. 35

O primeiro traçado dos muros de São Paulo entre 1560 e 1580, os chamados “muros velhos”. In REIS FILHO (2004).

Localização dos conventos e delimitação do “Triângulo histórico” de São Paulo. Diagrama do autor sobre o desenho anterior In REIS FILHO (2004).

p. 36 Vista da cidade de São Paulo. DEZENHO POR ÎDEA DA ÇÎDADE DE SAÔ PAVLO, elaborado entre 1765 e 1774. Original pertencente à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. p. 38

Idem p. 35.

p. 39

Imagem sem título [Vista da cidade de São Paulo – parte norte]. Autoria de Arnaud Julien Pallière, 1821.

p. 40 Fotografia do Viaduto do Chá. Autoria de Guilherme Gaensly, 1892. p. 41 Planta da Cidade de São Paulo, 1810. Autor: Rufino José Felizardo e Costa – engenheiro-militar. Fonte: Original pertencente ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Cópia pertencente ao Museu Paulista. p. 42 Mappa da cidade de São Paulo offerecido a Sua Magestade, O Imperador pelo Presidente da Província Manoel da Fonseca Lima e Silva [1844-1847]. Autor: C.A.Bresser, Engenheiro Civil. Fonte: Original pertencente à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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p. 43 Planta da Cidade de São Paulo/Levantada pela Companhia Cantareira de Águas e Esgotos/Henry p. joyner E. I. C. E./engenheiro chefe, 1881. Autor: Henry P. Joyner – Engenheiro. Fonte: Exemplar pertencente ao acervo da Biblioteca Municipal Mário de Andrade. p. 45

Fotografias de São Paulo de autoria de Militão Augusto de Azevedo, 1860.

p. 46

Vistas da Rua São Bento a partir do Largo de São Bento (1884 e 1910, respectivamente). Autoria de Militão Augusto de Azevedo e Guilherme Gaensly, respectivamente.

p. 48 Panorama da área central de São Paulo (1932). Ed. Martinelli ao canto superior esquerdo. Fonte: imagem publicada em: TOLEDO, Benedito Lima de, São Paulo três cidades em um século. p. 175. Graf Zeppelin sobrevoando São Paulo. Disponível em: http://www.spinfoco.com.br/o-edificio-martinelli/ - acesso em 05 de novembro de 2014. p. 49 Perímetro de Irradiação, Plano de Avenidas, 1930. In: Toledo, 1996. Construção do Viaduto entre as Ruas 25 de Março e Frederico Alvarenga, 1930.

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Implosão do Edifício Mendes Caldeira, 1975. Disponível em: http://www.saopauloantiga.com.br/edificio-mendes-caldeira/ - acesso em 05 de novembro de 2014. p. 50

Idem p. 27.

p. 53

Foto da maquete física do Trabalho desenvolvido pelo autor. Foto do autor, 2014.

p. 56

Delimitação da área de intervenção e traçados de ligação com equipamentos importantes da região, sobre imagem do Google Maps. Pelo autor.

p. 58

Idem p. 56.

p. 59 Vista aérea do Centro de São Paulo. Autoria IzeKampus. Disponível em: http://www.panoramio.com/user/1910439?with_photo_id=43503740 – acesso em 05 de novembro de 2014. p. 60

Atual SESC Carmo e suas dependências. Foto do autor, 2014.

p. 61

Vista da Colina Histórica a partir da estação Parque Dom Pedro II do Metrô. Foto do autor, 2014.


p. 62

Diagramas explicativos de partido do projeto. Do autor, 2014.

p. 62

Croqui de autoria do autor.

p. 64

Linha elevada do metrô entre as estações Parque Dom Pedro II e Sé. Foto do autor, 2014.

p. 65

Croquis e fotografias de autoria do autor, 2014.

p. 66

Diagramas explicativos de autoria do autor, 2014.

p. 68 Desenhos técnicos e perspectivas do trabalho desenvolvido pelo autor (até p. 97).

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