Nov2015 "Aprender a viver"

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Novembro de 2015 Aprender a Viver


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Arthur Dambros arthur@taglivros.com.br Gustavo Lembert da Cunha gustavo@taglivros.com.br Tomás Susin dos Santos tomas@taglivros.com.br

COMERCIAL

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AO LEITOR Quando conversamos com nossos curadores a respeito de seus livros favoritos, costumamos ressaltar que um de nossos compromissos com os associados é a não especificidade de temas ou de linguagem. Por isso, não se preocupe: embora trate de filosofia, a obra indicada por Clóvis de Barros Filho não foi escrita para especialistas, mas para o público geral. Luc Ferry, assim como Clóvis de Barros Filho, “conversa” com seu leitor, e junto a ele constrói, através de uma linguagem acessível, um instigante panorama da filosofia. Depois de um mês macabro, com os contos de Edgar Allan Poe, Aprender a Viver chega para suavizar a leitura, mas para embaralhar a cabeça. Luc Ferry mergulha com o leitor no oceano da filosofia grega, e só vai emergir novamente ao chegar às praias da filosofia contemporânea. Para diversificar a experiência de leitura, desejamos a todos um bom mergulho! Equipe TAG


A INDICAÇÃO DO MÊS

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Intensidade e Qualidade de Vida O curador: Clóvis de Barros Filho O livro indicado: Aprender a Viver

ECOS DA LEITURA

18 20 22 24

Panorama Histórico Os Personagens e Suas Histórias Filmes para Filosofar O Cientificismo e a Literatura

A INDICAÇÃO DE DEZEMBRO

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Suzana Herculano



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INTENSIDADE E QUALIDADE DE VIDA Excerto do livro A Vida que Vale a Pena ser Vivida, de Clóvis de Barros Filho e Arthur Meucci, cedido pela editora Vozes à TAG.

Tenho uma oftalmologista. De confiança. Mulher amável. Tornamo-nos amigos. Por ocasião de uma consulta, perguntou-me o que eu fazia. Sou professor, confessei. (...) Pelo que ela tinha observado, eu só trabalhava. E, então, sentenciou convicta que eu tinha que me preocupar mais com a qualidade de vida. Observe, caro leitor. Não passou pela cabeça ilustrada da cientista dos olhos que a qualidade a que ela se referia pudesse estar ali mesmo, na sala de aula, no meio dos alunos, na descoberta dos clássicos, na discussão intra muros sobre as possibilidades de interpretação do texto de algum autor. Indaguei, então, o que ela sugeria. Prontamente convidou-me para passar feriado prolongado em um sítio ecológico conhecido. Numa destas serras da moda. Aceitei. Sempre intrigado com a prometida qualidade de vida, eldorado ao alcance de qualquer um. Antes que devaneiem no equívoco, informo que a doutora veio apanhar-me na faculdade – para que saíssemos rumo à felicidade – acompanhada de seu marido e de minha esposa. (...) Fui despertado por um jovem – guia ecológico – com pouco traje, que nos recebeu com entusiasmo. Quando me viu – em roupa de docente universitário paulistano – gritou para vencer a janela do carro, em tom de advertência: – Aqui, tudo é rústico. Olhei para minha esposa e perguntei-lhe se tínhamos morrido. Porque a imagem que faço do inferno é um pouco esta. Um lugar quente e rústico. (...) Fomos para a pousada. Entendi que rústico quer dizer ruim, em russo. Garanto-lhe, caro leitor. Não se tratava de frescura. Afinal, dos anos que passei em doutoramento na França, dormi mais noites no chão do que em cama. Não sou propriamente fresco. Mas sei o que é ruim. Talvez por ter, também, uma vaga ideia do que seja bom. Por exemplo, na hora de abrir a torneira, precisava segurar o cano da água, para que não girasse no mesmo


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sentido. Isto não é rústico. É ruim. (...) – Qualidade de vida é caminhar, sentenciou o profeta das matas. Proibido de argumentar, levantei-me e me apresentei batendo continência. – Mas você vai assim? Indagou fitando-me de alto a baixo. Entendi que a indumentária era inadequada. Que a tal qualidade de vida, como toda ideologia solitária, tinha um olhar uniforme sobre como deveria ser o mundo. Coerente com uma farda, um uniforme. Perguntei a minha esposa se ela tinha adquirido o uniforme da qualidade de vida. (...) Chegamos a um riacho. Mais mussoliniano que nunca, o guia determinou que entrássemos de uma vez. Garantiu que a água estava refrescante. Decidi ficar de fora. Mas essa decisão individual contrastava com o que estava previsto para o coletivo. Todos começaram a jogar água em mim. Gritando para que entrasse. Não tive outro remédio. (...) Perguntei se era necessário irmos até a cachoeira. Ele assegurou que sim. Argumentou que o nome do passeio era “da cachoeira”. E tive que me resignar. Ao chegar à cachoeira, minha tristeza era transparente. Perguntou-me, então, o Stalin do cipó, se eu não estava curtindo. Respondi que estava me adaptando. – Estando na Av. Paulista, o que você faz se sentir vontade de tomar um banho de cachoeira? Voltou à carga o insistente líder. Respondi que há 40 anos passeio pela referida avenida e nunca tinha me ocorrido tomar um banho de cachoeira. Que tinha sido minha primeira vez. E que agora mesmo que nunca me ocorreria semelhante ideia. Expliquei que somos corpos singulares. Que o mundo que o alegra não me alegra necessariamente. Que a alegria implica composição entre corpos. Que o mundo que me alegra é a Av. Paulista sem cachoeira, evidentemente. Mas que não tinha nenhuma pretensão de fazer disso um gabarito. Uma norma universal. Porque não tinha vocação para ser tirano. E que ele, guia tirânico, insistia em fazer da vida no mato um eldorado para qualquer um. Fazendo dos corpos discordantes um monstro. Desrespeitando a singularidade dos mesmos.


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O CURADOR: CLÓVIS DE BARROS FILHO Um dos mais importantes filósofos brasileiros da atualidade, Clóvis de Barros Filho destaca-se, também, pelo seu refinado senso de humor. Ao contar sua história de vida, recorda-se de como não conseguia encontrar seu lugar durante a infância. Seu pai levava-o ao Morumbi, para assistir aos jogos do São Paulo, e o garoto ficava descascando amendoim. Quando seu pai avisava: “Foi gol!”, ele levantava-se e gritava, fingindo comemorar. Até que seu pai o repreendia: “Gol do adversário, poxa! Não comemora, se não vamos apanhar!”. No momento em que ingressou na escola de artes, a professora foi conversar com seus pais: “Agora, com a entrada do seu filho, temos quatro tipos de alunos: 1) aqueles muito talentosos e que adoram a aula; 2) os que não têm tanto talento, mas se esforçam muito e ainda adoram a aula; 3) outros que não possuem talento algum e estão aqui apenas para se divertir; 4) seu filho – ele é de outro planeta, levem-no embora.” Até que, aos treze anos de idade, foi encarregado de apresentar um seminário sobre o petróleo em sala de aula. Ao subir ao palco onde ficava o professor, olhou para a classe e viu que estava apinhada de gente – como tinha fama de “esquisitão” no colégio, alunos de outras séries foram assistir à apresentação. Foi nesse momento que, pela primeira vez em sua vida, sentiu que estava onde queria estar. O garoto, que antes entrava na piscina da aula de natação torcendo para que acabasse logo, que chegava ao Morumbi esperando que o juiz apitasse o fim dos noventa minutos, agora, a partir do instante em que olhou para os colegas e começou a falar o que tinha preparado, sentiu que encontrara seu lugar – não queria que a apresentação acabasse. Na ansiedade de falar o que tinha estudado, entretanto, em quinze minutos finalizou o que deveria ter sido dito em cinquenta minutos de palestra. Clóvis conta que, naquele momento, seu corpo gritava “Ei! Treze anos de tortura! Agora que está bom, por favor, não saia daí!”. Percebendo que tanto os colegas quanto o professor estavam interessados, começou a inventar sobre


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o petróleo. Adicionando características que tinha lido nas Aventuras de Tintim, exclamou: “Até agora, tudo o que eu apresentei está no livro-texto, é só ler. A partir de agora, o que vou falar é extra, então anotem, que é importante!”. O professor fitava-o com olhos arregalados, visivelmente intrigado por desconhecer o que estava sendo apresentado. Até que o garoto volta-se para ele e diz: “Você sabia disso? Não? Então anota também!”. Nesse dia, Clóvis entendeu o que depois veio a estudar na filosofia grega: o momento de felicidade é aquele que você não quer que acabe. A profissão de professor tinha sido escolhida – ou melhor, o tinha escolhido.

É impressionante como eu me encanto com o que eu mesmo falo. As pessoas consideram isso arrogância. Mas pare para pensar: se você vai ter que conviver com você mesmo até o fim, se você vai ser seu espectador até o fim, é melhor que se encante com o que faz. -Clóvis de Barros Filho Atualmente um dos mais requisitados palestrantes do Brasil, suas aulas sobre ética já foram ouvidas por centenas de milhares de pessoas, em todos os estados do país, bem como no Uruguai, na Argentina, no México, na França e em Portugal. Nascido em 21 de outubro de 1966, na cidade de Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, Clóvis de Barros Filho formouse em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero com dezenove anos e em Direito na USP com apenas vinte. Posteriormente, obteve o doutorado em Direito na Universidade de Paris e em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Atualmente, é professor de Ética na USP, consultor de ética da UNESCO e palestrante – só no último ano, Clóvis subiu aos palcos mais de trezentas vezes. Em 2014, foi lançado seu mais recente livro, Devaneios sobre a Atualidade do Capital, em coautoria com Gustavo Daineze. Sua obra de maior sucesso intitula-se A Vida que Vale a Pena ser Vivida, lançada em 2010 com Arthur Meucci.


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E a vida que vale a pena? Só pode ser uma. A sua. Esta mesma que você está vivendo desde que nasceu. Mas com tudo. Seus encontros, certamente. Mas também seus sonhos, suas ilusões, seus medos e esperanças e, por que não, suas filosofias também. -Clóvis de Barros Filho Nesse livro, Clóvis não procura apresentar o melhor modo de cada um viver sua vida – pelo contrário, o autor ambiciona apenas apresentar ideias de filósofos antigos e contemporâneos, buscando auxiliar os leitores a resistir à tirania daqueles que pretendem empurrar goela abaixo a vida que deve ser vivida. Clóvis ainda adverte: “Deixe este exemplar para outro leitor. Menos esperançoso. Mais desconfiado dos programas de excelência existencial. Que, se funcionassem, já teriam erradicado a tristeza do mundo. Ele talvez intua que o sucesso não tem fórmulas secretas. Que se a liderança passo a passo fosse eficaz, todos já seriam líderes. Ele provavelmente se dá conta de que fórmulas indiscutíveis escravizam. De que a soberania para deliberar sobre a própria vida – com todos os riscos – é nosso verdadeiro patrimônio. Inalienável.” No instante em que estava em frente a seus colegas para apresentar o seminário sobre o petróleo, a vida tinha valido a pena, tinha se justificado por ela mesma. Quando questionado se sua aula não serve para nada, Clóvis orgulhosamente responde que não: “A aula que vale por ela mesma é soberana. Em contrapartida, a que serve para alguma coisa é simplesmente servil”. Com seus livros, o filósofo espera que cada um questione-se a ponto de encontrar o momento que não se quer que acabe, que se justifique por si mesmo.

Você nunca vive a tristeza das vidas que você não escolheu, mas apenas a da vida que escolheu. Você tem a impressão de que se tivesse escolhido diferentemente, teria vivido melhor. -Clóvis de Barros Filho


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O LIVRO INDICADO: APRENDER A VIVER No início dos anos 2000, os noticiários ao redor do mundo foram tomados pelas reivindicações muçulmanas frente à nova determinação do governo francês: proibir o uso de artigos religiosos nas escolas – ou seja, as meninas muçulmanas estavam proibidas de usar o véu. Um dos responsáveis pelo que ficou posteriormente conhecida como Lei do Véu foi o filósofo Luc Ferry, então Ministro da Educação do governo francês. Criticado por ir de encontro à liberdade de expressão e questionado se o estado laico não deveria permitir expressões religiosas, Ferry responde: “Temos em nosso território a comunidade muçulmana mais importante da Europa e o terceiro maior grupo judeu do mundo (depois de Israel e dos EUA). Depois da Segunda Intifada, em 2001, as crianças das duas comunidades começaram a brigar. Houve, entre 2001 e 2004, um aumento de 200% de ações antissemitas na França. O governo decidiu, então, proibir não os símbolos religiosos discretos, mas os agressivos, militantes.” Nascido em 1º de janeiro de 1951, filho de um construtor de carros esportivos e uma dona de casa, o filósofo Luc Ferry não é o que geralmente se associa a um intelectual francês. Escreve para o público geral, não apenas para outros filósofos ou estudiosos. Portanto, seus livros são de fácil leitura e figuram constantemente entre os dez mais vendidos da França. Os títulos lembram aquelas obras de autoajuda encontradas em lojas de conveniência, como O Que é Uma Vida Bem-Sucedida (2002), Aprender a Viver (2006), ou Famílias, Amo Vocês (2007), mas as semelhanças encerram-se por aí. Por trás dos títulos aparentemente banais, encontra-se um profundo resgate à história da filosofia. “Minha questão é saber como o ser humano pode viver


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Luc Ferry

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melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder”, afirma o autor. Formado em Filosofia pelas universidades de Sorbonne e de Heidelberg, e doutor em Ciência Política pela Universidade de Reims, a filosofia de Luc Ferry não se restringe aos livros que escreve ou às palestras que realiza. Como Ministro da Educação, anunciou medidas centradas em torno da luta contra o analfabetismo, e não fugiu das polêmicas: além da Lei do Véu, acusou um ex-ministro de pedofilia durante uma estada no Marrocos. Atualmente, Ferry é considerado o principal expoente do chamado humanismo secular. De maneira sintetizada, essa linha de pensamento difere do humanismo tradicional ao admitir que há, sim, algo transcendente, algo superior. Rejeitando os dogmas religiosos, Ferry defende que o sagrado, atualmente, é o outro, o próximo – um filho, um amigo, um ente querido. “Quem desejaria, nos dias de hoje, morrer por Deus, pela pátria, pela revolução? Não muita gente, ou pelo menos mil vezes menos do que no início do século passado. Esta é uma grande notícia!”. Essa linha filosófica é explorada no livro Aprender a Viver, indicado por Clóvis de Barros Filho à TAG. Vencedor do Aujourd’hui, em 2006, um dos mais conceituados prêmios para obras de não ficção da França, o livro traz um panorama da evolução do pensamento filosófico. De fácil compreensão para iniciantes, mas de maneira alguma pedestre para iniciados, o autor atesta que buscou ser tão claro na escrita quanto o é na fala. Dessa maneira, discorres sobre os grandes sistemas de pensamento de cada época, incentivando o leitor a conhecer por si próprio, posteriormente, as grandes obras da Filosofia. Começando pelos gregos, Ferry pauta a comparação entre cada escola da filosofia em três pontos principais: a teoria, a ética e a busca pela salvação. A partir daí, o autor conduz o leitor pela vitória do Cristianismo sobre a filosofia grega,


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ilustra a desconstrução das teorias precedentes realizada por Newton, Descartes e outros pensadores do Humanismo, passa por Nietzsche e seu pósmodernismo e acaba sua viagem na Filosofia Contemporânea, trazendo nomes como Freud, Heidegger, e apresentando sua própria linha de pensamento filosófico.

A exemplo do primeiro manual de filosofia escrito na história, o de Epicteto, este pequeno livro trata o seu leitor por você. Porque ele se dirige, em primeiro lugar, a um aluno ao mesmo tempo ideal e real que está no limiar da idade adulta, mas pertence ainda, devido a muitos laços, ao mundo da infância. Que não se veja nisso nenhuma familiaridade de baixo quilate, mas tão-somente uma forma de amizade, ou de cumplicidade, às quais só o tratamento íntimo convém. -Luc Ferry, trecho extraído do livro Ferry referencia não apenas filósofos importantes, mas também obras literárias de peso. Ao tratar da irreversibilidade da existência humana, o autor traz à tona o poema O Corvo, de Edgar Allan Poe, e seu célebre bordão nevermore, ou seja, “nunca mais”, presente na revista da TAG de outubro. Ao abordar o cientificismo, evoca o célebre escritor francês Júlio Verne, imortalizado por suas intrigantes obras literárias repletas de inovações científicas. Luc Ferry, assim como Clóvis de Barros Filho e Mario Sergio Cortella, que também foi curador da TAG, demonstra o gosto pela linguagem. Estudioso de etimologia, o autor francês nos leva a refletir, enquanto disserta sobre distintos assuntos, sobre a origem de expressões de nosso vocabulário cotidiano: a-creditar (dar crédito), a-teu (não-deus) ou respública (coisa do povo). Assim, ajuda-nos a melhor entender conceitos e significados perdidos ao longo das gerações. Em seus livros, Ferry objetiva trazer, mesmo às pessoas que nunca estudaram filosofia, uma ideia


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justa e profunda do que ela é verdadeiramente e o que pode oferecer em matéria de finalidade em educação. Nas escolas, ensinam aos nossos filhos que filosofia é desenvolver um pensamento crítico, argumentar, refletir. O francês discorda. Em sua opinião, muitas pessoas criticam, argumentam e refletem constantemente, mas nem por isso são filósofos: “Vocês acham que um biólogo não reflete? Que uma mãe de família não critica? Que um jornalista não argumenta? Isso não é uma qualidade específica da filosofia. A filosofia nada tem a ver com isso. Ela se interessa por uma questão fundamental, desde a Grécia, passando por Nietzsche e Heidegger, até a filosofia contemporânea: o que é a vida boa?”. Não é à toa, então, que o principal livro de Clóvis de Barros Filho intitula-se A Vida que Vale a Pena ser Vivida. Ferry vai ainda mais longe: “A finalidade da filosofia é ajudar os seres humanos a superar os medos que os impedem de viver bem.” Com Aprender a Viver, esperamos que Luc Ferry lhe ajude a superar os seus.

O projeto da filosofia e da psicologia é igual – salvar o ser humano dos seus medos. Mas os caminhos são bem diferentes. Acho que a psicologia nos diz “como” e a filosofia responde “por que”. A psicologia acalma e a filosofia mostra o sentido. -Luc Ferry


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Luc Ferry propõe uma visão de conjunto das ideias filosóficas pela história possibilitando situá-las umas em relação às outras. No livro, apresenta os momentos fortes da filosofia com rigor e didatismo, mas em uma linguagem e estilo adequados a um público de não especialistas. Ferry faz uma aproximação do repertório presumido do leitor por meio de exemplos pertinentes. Clóvis de Barros Filho


16 Ecos da Leitura

ecos da leitura


Ecos da Leitura

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Sócrates ou Platão? Sêneca ou Aristóteles? Nietzsche ou Heidegger? Às vezes, confundimos as ideias, os filósofos e as épocas. Para que isso não ocorra, o primeiro Eco deste mês ilustra o Panorama Histórico esboçado por Luc Ferry em Aprender a Viver. Se Aprender a Viver fosse um romance, quem seriam seus personagens principais? O segundo Eco nos responde! Não são apenas nos livros que as grandes questões da Filosofia estão presentes. Para você levar um pouco do kit deste mês para sua televisão, elencamos alguns Filmes para Filosofar. Para finalizar, em O Cientificismo e A Literatura, trouxemos alguns exemplos de clássicos literários que também sofreram influências dos filósofos de suas épocas. Equipe TAG contato@taglivros.com.br


18 Ecos da Leitura

Panorama histórico

A fim de situar o associado na História da Filosofia e facilitar a ambientação do leitor durante Aprender a Viver, trouxemos uma resumida linha do tempo com os períodos e alguns filósofos analisados por Luc Ferry ao longo do livro.

VI a.C. – II a.C

I a.C. – IV d. C

IV d. C. – XVII

Grécia Antiga

Estoicos

Cristianismo

Sócrates Platão Aristóteles Epicuro

Zenão Epicteto Sêneca Cícero

Santo Agostinho São Tomás de Aquino Pascal


Ecos da Leitura

XVII – XIX

XIX - XX

Humanismo

Pós-modernidade

Copérnico Newton Galileu Descartes Rousseau Kant

Nietzsche Marx Freud

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XX - hoje

Filosofia Contemporânea Heidegger Jean Paul Sartre Hannah Arendt Peter Singer Luc Ferry Andre Comte-Sponville


20 Ecos da Leitura

Os Personagens e suas Histórias

Sêneca

Conhecido também como “o Moço”, “o Filósofo”, ou ainda, “o Jovem”, Lúcio Aneu Sêneca nasceu no primeiro século depois de Cristo. Com apenas três anos de idade, foi enviado a Roma para estudar oratória e filosofia. Exilado na Córsega por cometer adultério com a sobrinha do Imperador Cláudio, nosso personagem passou a se dedicar à escrita. Sua obra é uma das mais importantes do estoicismo, e é tida como inspiração para o desenvolvimento da tragédia na dramaturgia europeia renascentista. Ao retornar a Roma, anos depois, Sêneca tornou-se conselheiro do Imperador Nero, até ser acusado de traição e obrigado a cometer suicídio.

Penso, logo existo.

Kant

Nascido em 1724, em uma modesta família de artesãos, Immanuel Kant foi professor de geografia em uma escola por um longo período. Mais tarde, veio a estudar filosofia, física e matemática na Universidade de Königsberg. Reza a lenda que Kant nunca saiu de sua cidade natal, integrante da então Prússia Oriental, hoje rebatizada de Kaliningrado e pertencente à Rússia. Em 1770, foi nomeado professor catedrático da universidade, levando uma vida simples e dedicada apenas aos estudos filosóficos. Suas contribuições para a filosofia são indiscutíveis, e inúmeros filósofos mais recentes admitem terem se inspirado no trabalho de Kant, como nosso curador Clóvis de Barros Filho.

Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar.


Ecos da Leitura

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Ao longo do livro deste mês, são apresentados diversos “personagens”: filósofos e pensadores que marcaram suas épocas e eternizaram suas ideias. Para que você chegue à leitura um pouco mais contextualizado, trouxemos curiosidades a respeito de alguns dos protagonistas de Aprender a Viver.

A vida é como uma história: não importa quão longa ela é, e sim quão boa.

Descartes

Considerado por muitos o pai da matemática, René Descartes nasceu em 1596 em La Haye, cidade francesa que posteriormente veio a ser chamada apenas de Descartes. Além de suas incríveis contribuições matemáticas, como o plano cartesiano e o sistema de coordenadas, o francês é tido como um dos fundadores do racionalismo. No frio da Suécia, Descartes passou a ministrar aulas para a Rainha às cinco horas da manhã. Fragilizado pela mudança de hábitos e pelo frio intenso, uma gripe acabou se transformando em pneumonia, doença que causou sua morte em 11 de fevereiro de 1650.

A felicidade não é um ideal da razão mas sim da imaginação.

Nietzsche

Nascido em 1844, na cidade de Rocken, na Alemanha, Friedrich Wilhelm Nietzsche é um dos mais importantes pensadores do século XIX. Reconhecido por sua fina ironia, o alemão escreveu sobre religião, moral, filosofia e ciência. Suas principais obras são Além do Bem e do Mal e Assim Falou Zaratustra. Esta última, juntamente a O Intruso, foi uma das indicações de Patch Adams à TAG para a edição de janeiro de 2015. Em 25 de agosto de 1900, Nietzsche faleceu, em estado de loucura.


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Filmes para filosofar A filosofia está presente nas mais diversas formas de arte, seja em livros, pinturas, filmes ou peças. Neste Eco, foi preparada uma filmografia que poderá lhe auxiliar a compreender melhor algumas das questões que afligiram os filósofos ao longo dos séculos.

Perfume de Mulher (1992)

Frank Slade (Al Pacino), um tenente-coronel cego, viaja para Nova York com o jovem estudante Charlie Simms (Chris O’Donnell), com quem resolve ter um final de semana inesquecível antes de morrer. Antes um militar bem-sucedido e agora um inválido transferido para a reserva, Frank decide pôr fim à sua vida. Em uma atuação que lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator de 1993, Al Pacino leva-nos a refletir sobre o suicídio, tema de discussão entre filósofos desde a Grécia Antiga.

Entre os Muros da Escola (2009)

Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, o filme retrata uma escola pública na periferia de Paris, que representa um microcosmo da França contemporânea, com o choque de culturas entre os alunos, filhos de imigrantes. Assistir ao filme é valioso, também, para entender melhor o contexto em que Luc Ferry proibiu a expressão religiosa entre os alunos.


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A Origem (2010)

Dirigido por Christopher Nolan, o filme nos traz a um futuro no qual a tecnologia permite a invasão de sonhos e o roubo de segredos do inconsciente. Cobb, interpretado por Leonardo DiCaprio, é contratado para penetrar na mente de um empresário e implantar a ideia de desmembrar o próprio império. Com o filme, podemos lembrar de Shopenhauer e a dicotomia sonho x realidade. “Nós temos sonhos; não é talvez toda a vida um sonho? Mais precisamente: existe um critério seguro para distinguir sonho e realidade, fantasmas e objetos reais?”

Além do bem e do mal (1977)

Com o mesmo título do célebre livro de Friedrich Nietzsche, o filme retrata a época em que o filósofo alemão viveu um triângulo amoroso com Paul Rée e Lou Andreas-Salomé. A interpretação de algumas ideias de Nietzsche são transpostas à película.


24 Ecos da Leitura

O CIENTIFICISMO E A LITERATURA Com o fim da Idade Média, marcada pelo teocentrismo e pela forte influência da Igreja em toda a sociedade, surge o humanismo renascentista e inverte-se o pensamento: agora o homem é o centro. O conhecimento deixa a esfera do divino para entrar na do racional, privilegiando as investigações científicas e o questionamento de tudo. O homem deseja desvendar o universo que o cerca. Por meio da observação e do uso da razão, Nicolau Copérnico revela que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário, como se acreditava. Johannes Kepler mostra que os astros descrevem uma trajetória elíptica e não circular. Galileu Galilei, além de ratificar a teoria heliocêntrica de Copérnico, prova que objetos leves e pesados caem com a mesma velocidade, discordando de Aristóteles. Em meio a esse contexto, em plena ebulição nos campos da Astronomia, da Física, da Química e da Biologia, nasceu Júlio Verne (1828 – 1905), um dos escritores mais traduzidos do mundo, renomado por inúmeras obras, como Viagem ao Centro da Terra (1864), Vinte Mil Léguas Submarinas (1870) e Volta ao Mundo em Oitenta Dias (1874). Seus livros já foram lidos em mais de cento e quarenta e oito línguas diferentes, e até hoje sua imaginação e capacidade de prever inovações tecnológicas espantam leitores do mundo inteiro. Em Aprender a Viver, ao trazer as ideias apresentadas pelos humanistas, Luc Ferry cita brevemente a influência do cientificismo nas obras de Júlio Verne. O submarino, as viagens espaciais e o advento da televisão, descritos em seus livros muito antes de existirem, só foram possíveis de imaginar graças às evoluções que a ciência revelava com crescente credibilidade. Não foram apenas as maravilhosas aventuras do francês, no entanto, que surgiram nesse período. Outras obras de valor inestimável para a literatura também foram publicadas enquanto o pensamento científico crescia a todo vapor, como Frankenstein, de Mary Shelley, e O Médico e O


Ecos da Leitura 25

Monstro, de Robert L. Stevenson, e refletem, assim como os livros de Júlio Verne, a tendência da época. Para quem pensava que a nossa indicação de novembro nada tinha a ver com romances, está aí a prova de como a literatura se inspirou e foi um reflexo da evolução do pensamento filosófico e científico.


26 Ecos da Leitura

Espaço do Leitor “Não sei se vocês pensaram em usar o Espaço do Leitor para manifestações mais extensas. De qualquer forma, deixo aqui uma resenha de livro, que fiz em 2012, sobre um livro muito interessante, que fala sobre o amor aos livros e o poder da Literatura. De certa forma, um texto que reflete o que me levou à TAG.” -Renata Sanches, associada.

Sim, Renata, nós não apenas podemos levar manifestações mais extensas ao Espaço do Associado, como fizemos com a sua!

“O ano da Leitura Mágica”, de Nina Sankovitch. As pessoas compartilham os livros que amam.(...) Somos aquilo que gostamos de ler, quando admitimos que adoramos um livro, admitimos que este livro representa verdadeiramente algum aspecto de nosso ser, seja o fato de sermos loucos por romance, ou por aventuras, ou secretamente fascinados por crimes. -N. Sankovitch

Adoro livros. Sim, de papel, celulose, capas coloridas, tamanhos diversos. Na minha vida, toda a tecnologia do mundo já foi instalada, mas nenhuma delas sequer passou perto de arranhar o fascínio que os livros exercem sobre mim. Ler sempre foi uma alegria. Grande. Todas as minhas melhores lembranças, de uma forma ou de outra, envolvem um livro. Faz parte da minha História e do meu habitat da mesma maneira que um perfume, uma cor, ou um sentimento. Fases compulsivas, em que um autor foi destrinchado em todas as suas obras, em curtíssimo período de tempo. E fases de pura baianidade-nagô, um livrinho degustado como chocolate raro, pedacinho por pedacinho,


sem pressa alguma. Mas nunca me organizei. Aqui e acolá, fazia comentários sobre o que estava lendo, indicava títulos para os amigos, era uma espécie de palpiteira free-lancer. Até que uma amiga me apresentou a obra de N. Sankovitch, que se auto impôs a leitura de um livro por dia, durante um ano, o ano mágico. Em época de resoluções de Ano Novo, por que não trazer a mesma magia pra parte sul do Equador? Não dispunha de tempo para encarar um livro por dia, mas com certeza, uma obra por semana era mais do que razoável. E assim, em apenas 3 dias, concluí a leitura delicada , honesta e lírica desse que é, sem dúvidas, uma celebração ao prazer de ler. Um resgate das epifanias cotidianas, em um mundo que nos cobra pressa, eficiência e consumo. Ler para escapar da dor, da ausência, do não-entendimento, como fez Nina. Ler para conhecer, para viajar, para rir, para sobreviver, para arejar, para registrar. Ler porque a capacidade de contar histórias é o que nos torna um pouco mais humanos. E é bom saber disso quando se tem um ano novinho pela frente. Renata Sanches, Reveillon de 2012.


de Dezembro 28 Indicação Ecos da Leitura

A INDICAÇÃO De DEZEMBRO

Depois de passar o dia tentando entender como cérebros são construídos e funcionam, deixar-me levar por ficção que se propõe apenas a contar histórias que desafiam a imaginação é deliciosamente refrescante. O autor que escolhi foi onde eu descobri o realismo fantástico. Borges até chega perto, mas é muito heterogêneo e mais duro. Esse era lirismo puro. Suzana Herculano, neurocientista de destaque no mundo inteiro

FOTO: BRUNO CECIM

Lançado no início dos anos 90 por um dos grandes escritores latino-americanos da contemporaneidade, o livro indicado por Suzana Herculano traz uma série de contos curtos, rápidos e envolventes, em que o autor lida com o fantástico, com a paixão, o amor e a loucura, e o fio condutor entre as histórias é o povo latino-americano em suas peregrinações em culturas diferentes. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, o escritor do livro de dezembro foi um dos responsáveis por levar a literatura latino-americana a ser reconhecida e apreciada no mundo inteiro. Nesses pequenos contos, escritos e reescritos por diversas vezes ao longo de dezoito anos, conhecemos um pouco de sua genialidade.

Informações completas a respeito do curador do mês e do livro recomendado podem ser encontradas em www.taglivros.com.br ou então na revista do próximo mês. Caso já tenha lido o livro, envie e-mail para contato@taglivros.com.br para conhecer as alternativas.


Ecos da Leitura 29

Esse foi o kit de maio de 2015, com a indicação da escritora Cintia Moscovich e uma coleção de porta-copos personalizados! Caso queira adquirir algum de nossos kits passados, envie e-mail para contato@taglivros.com.br.


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- RenĂŠ Descartes -


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