O PARQUE DAS IRMÃS MAGNÍFICAS
MAR 2022
O T
OLÁ, Olá, tagger TAGGER O
livro deste mês propõe um mergulho em um universo pouco evidenciado na literatura: o das travestis. Com a força da prosa da argentina Camila Sosa Villada, vencedora de importantes prêmios de língua espanhola, você irá acompanhar uma trama inspirada na trajetória da própria autora, travesti que saiu do interior de seu país para ganhar a vida na cidade de Córdoba. Indicado ao clube pela escritora brasileira Amara Moira, O parque das irmãs magníficas vai além, no entanto, de um “mero” relato autobiográfico. As aventuras e desventuras da protagonista ganham a forma de um romance literariamente potente, marcado por uma engenhosa construção formal, com personagens surpreendentes e doses de um realismo mágico todo único. Dos episódios dolorosos que marcam a infância da protagonista até o seu encontro com um grupo de travestis que frequenta o Parque Sarmiento, em Córdoba, não faltarão estímulos ao deleite literário e a um olhar mais sensível para uma realidade tão marginalizada pela sociedade. “A travesti ascende à condição humana em O parque das irmãs magníficas, permitindo que quem quer que a leia se veja nessas personagens”, avalia Amara Moira, que, além de conversar conosco e escrever um texto introdutório à obra, foi a responsável pela entrevista com a autora presente nesta edição. Esperamos que você aproveite também os outros conteúdos publicados a seguir, que incluem paralelos entre a obra e a realidade das travestis brasileiras, assim como a história de uma ativista que remete a Tia Encarna, personagem emblemática do livro. Boa leitura!
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Capa Gabriella Gouveia Erramos! As revistas de janeiro e fevereiro da TAG Curadoria foram publicadas com o logotipo da TAG Inéditos. Lamentamos a confusão.
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Experiência do mês Por que ler o livro O livro indicado Saiba mais Entrevista Amara Moira
posfácio
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guia de conteúdos
prefácio
Entrevista Camila Sosa Villada
Para ir além
Imersão
Próximo mês
Marque a cada parte concluída
riamos esta experiência para expandir sua leitura. Entre no clima de O parque das irmãs magníficas colocando a playlist especial do mês para tocar. É só apontar a câmera do seu celular para o QR Code ao lado ou procurar por “taglivros” no Spotify. Não se esqueça de desbloquear o kit no aplicativo da TAG e aproveitar os conteúdos complementares!
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JORNADA DE LEITURA
4 EXPERIÊNCIA DO MÊS
Inicie o livro e leia até a página 55
Até aqui, já deu para conhecer razoavelmente o grupo de travestis com o qual nossa protagonista passa a conviver no Parque Sarmiento e na casa de Tia Encarna. E não é que o encontro com O Brilho dos Olhos mexeu mesmo com a rotina delas? Leia até a página 72
É difícil não se sensibilizar com as dificuldades pelas quais Camila passou na infância e na adolescência, não é mesmo? Compartilhe as suas impressões no aplicativo. Leia até a página 128
A bruta realidade vivida pelas travestis ganha evidência na trama, mas o amor e o acolhimento também têm espaço. A celebração natalina que acaba de ocorrer é um exemplo disso.
Leia até a página 205
Uau! Numa mescla de realismo e fantasia, acabamos de testemunhar momentos de forte emoção. E aí? O que achou do livro? Não deixe de comentar no aplicativo. O parque das irmãs magníficas pode ter terminado, mas a experiência não!
Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ao lado e escute o episódio de nosso podcast dedicado ao livro do mês. No aplicativo, confira também a nossa agenda de bate-papos.
EXPERIÊNCIA DO MÊS
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projeto gráfico
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Desenvolvida pela designer Paula Cruz, a capa do livro busca reforçar o tom poético e afetivo do texto de Camila Sosa Villada. Na ilustração, toques oníricos e surrealistas remetem ao aspecto fantástico da obra. Emaranhadas em lírios e rosas, as mãos simbolizam a coletividade das travestis retratadas na trama. Já os outros materiais têm a assinatura da designer Gabriella Gouveia, que partiu de uma reflexão sobre a força e o caráter festivo das personagens. Para a luva, ela optou por uma composição com uma padronagem tipográfica e elementos da própria capa do livro. Para a revista, o desenho das mãos envoltas em flores foi criado para garantir coesão com o restante do kit.
Ao desbravar o livro que compõe o mimo deste mês, você terá a chance de conhecer mais sobre a vida de 30 personalidades pertencentes à comunidade LGBTQIA+. Idealizada por Débora Thomé, a obra traz histórias reais que revelam os desafios e as conquistas de figuras brasileiras como Rogéria, Madame Satã e Laerte. A edição é fruto de uma parceria com o selo Galera, do Grupo Editorial Record.
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O PARQUE DAS IRMÃS MAGNÍFICAS “O parque das irmãs magníficas abalou a paisagem literária latino-americana com a força de sua imaginação e a inventividade de sua narração.” Le Monde
“São raros os livros que dão uma sensação tão completa de 'nunca li nada assim antes'. A escritora argentina constrói essa história fantástica sobre um grupo de travestis, imbuída de graça e tragédia, a partir das próprias experiências [...]” Folha de S. Paulo
“Uma história repleta de magia, violência e ternura, narrada por uma jovem trans de sinceridade brutal.” El País
POR QUE LER O LIVRO Vencedor do prêmio literário Sor Juana Inés de la Cruz 2020, O parque das irmãs magníficas esquiva-se de classificações. Unindo autobiografia, ficção e doses de realismo mágico, a obra traz uma narrativa pungente sobre um grupo de travestis da cidade de Córdoba, na Argentina, jogando luz sobre uma realidade historicamente estigmatizada pela sociedade.
8 O LIVRO INDICADO
O milagre da existência travesti AMARA MOIRA*
Não subestimem o poder da autora, o poder de uma literatura que se reinventa a partir da travestilidade
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É travesti, feminista, doutora em Teoria e Crítica Literária pela Unicamp e autora dos livros E se eu fosse puta (hoo editora, 2016) e Neca + 20 poemetos travessos (O Sexo da Palavra, 2021).
ifícil lembrar de um livro que eu tenha anotado, sublinhado tanto quanto O parque das irmãs magníficas, essa obra espetacular da argentina Camila Sosa Villada. A travestilidade desnuda-se ali de forma complexa, abarcando tanto, por um lado, os aspectos mais dolorosos que costumam marcar nossa existência – como a presença incontornável da violência, o convívio quase cotidiano com a morte, a prostituição compulsória exercida em meio à precariedade e à vulnerabilidade, as intervenções corporais, no mais das vezes realizadas de forma clandestina e perigosa, só para mencionar alguns pontos já bastante conhecidos – quanto, por outro, os aspectos que mostram a nossa maneira peculiar de resistir e de existir neste mundo caótico que teima em nos querer mortas. Esse segundo lado talvez seja bem inesperado para quem tenha pouca familiaridade com a cultura travesti, o que fará com que a leitura do livro seja atravessada por inúmeras surpresas e estranhamentos. Pense-se, por exemplo, no deboche com que tão frequentemente nos tratamos umas às outras e que estará impregnado em várias das páginas desse romance. Deboche que fica no limiar entre a brincadeira e a brutalidade, deboche de que a própria protagonista se ressente em não poucos momentos, mas que ela mesma reconhecerá como uma das características mais emblemáticas do nosso jeito de (r)existir. E o que é mais incrível: ela aproveita tais episódios para refletir sobre os porquês por trás de muitos desses comportamentos, trazendo insights
"Como não acreditar em mágica após testemunhar o milagre da existência travesti?"
O LIVRO INDICADO
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preciosos sobre a nossa condição, mas também sobre a própria condição humana. É preciso ser forte para sobreviver a um dia que seja na pele de uma travesti e o deboche, neste mundo cruel, é uma arma poderosíssima, ajudando-nos inclusive a adquirir a couraça necessária para não surtarmos diante de tantas exclusões. Mas os estranhamentos não param por aí e acredito que o maior deles terá que ver com as transformações pelas quais vai passando a autora/ protagonista. Não uso aqui a palavra "transição", bem mais comum quando falamos de travestis, porque ela dá uma ideia por demais estática, algo que começou e terminou, ponto. As coisas nunca se dão tão bonitinhas assim na vida travesti e é esse um dos maiores ensinamentos do livro. Lembro-me sempre de uma frase dita por uma grande amiga, Diana Salu, ela também travesti e escritora como a Camila e eu: "a transição começa quando nascemos e não para até que a gente morra". Se é para falar de transição, então é dessa metamorfose ambulante permanente que nos constitui, com as cessões e resistências que nos acompanham desde que nos entendemos por gente até o momento em que a vida deixa de se fazer presente em nós. Martelam nas nossas cabeças, desde cedo, que o que nos dizemos ser é impossível, aí vai passando o tempo e o que parecia impossível se torna a mais pura realidade. Como não acreditar em mágica após testemunhar o milagre da existência travesti? Um clima de fantasia irá acompanhar toda a leitura, sem que tenhamos como dizer se aquilo é só uma figura de linguagem, uma hipérbole, metáfora da vida, ou se algo que efetivamente aconteceu mas ainda não temos elementos para compreender como isso foi possível. O conselho que posso dar, nesse ponto, é "deixe-se levar". Camila nos convida a viver, através das palavras que ela escolheu, sua história, nos dois sentidos da palavra "sua": a história de sua vida e aquela que sua escrita cunhou. Não subestimem o poder dessa travesti, o poder de uma literatura que se reinventa a partir da travestilidade. A obra
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é autobiográfica, isso não discutimos, mas por trás da autobiografia tem uma autora muitíssimo consciente dos mistérios da escrita literária. O que vocês terão pela frente não é um depoimento apressado dado a jornalistas e depois transcrito por alguém que o colocou dentro das normas gramaticais do mercado livreiro. Nada disso. A obra foi todinha forjada por Camila, ela experimentando formas de contar sua história (e a de pessoas com quem conviveu de perto) e, ao mesmo tempo, dando livre vazão à imaginação... E o quanto a imaginação não nos desnuda! O "nos" aqui é ambíguo, frise-se, pois a sensação é que, sejamos nós cis ou travestis, vamos nos entendendo melhor a partir da narrativa da Camila, vamos nos vendo nas dúvidas que ela enfrenta, nas suas descobertas, tristezas e prazeres. A travesti ascende à condição humana em O parque das irmãs magníficas, permitindo que quem quer que a leia se veja nessas personagens, se identifique com elas. Agora não é mais preciso ser travesti para entender que essas dores e alegrias nos dizem respeito, falam também de nós, independentemente de quem se esconda por trás desse "nós". Não à toa, a obra, publicada em 2019, conquistou alguns dos maiores prêmios da literatura de língua espanhola e já possui tradução para quase dez idiomas. O mundo finalmente se abre para a cultura travesti.
SAIBA MAIS
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Entre os afetos e o grotesco FRIDA PASCIO MONTEIRO*
Pesquisadora faz paralelos entre as vivências descritas em O parque das irmãs magníficas e a realidade brasileira
E
Mulher transexual. Licenciada em Letras Português e Inglês. Graduanda em Letras Português e Espanhol e em Pedagogia. Mestra em Educação Sexual e doutoranda em Teoria e Estudos Literários, ambas pela UNESP.
m O parque das irmãs magníficas, tanto Camila, a protagonista, quanto suas companheiras travestis são mutantes na construção de si mesmas, com um processo que se iniciou na mais tenra infância e foi moldando-as como mulheres monstras que inebriam, entorpecem, turvam, encantam e hipnotizam quem para elas olha, assim como Medusa ao olhar para as suas vítimas. Camila, desde pequena, já tinha em si uma feminilidade latente e pulsante, que escapava até mesmo das violências de seu pai, um homem alcoólatra e homotransfóbico. Para minha pesquisa de mestrado em Educação Sexual, que se transformou no livro Vivências afetivo-sexuais de mulheres travestis e transexuais (Pedro e João Editores, 2021), entrevistei oito colaboradoras — quatro mulheres transexuais e quatro mulheres travestis — e pude constatar que as mais diversas e plurais violências se fazem presentes desde muito cedo na vida delas. Em minha obra, a violência foi algo observado tantas e tantas vezes que tive de escrever o penúltimo capítulo apenas sobre as mais distintas violências que constituem a vida de corpas travestis (corpas referem-se a corpos, a corporeidades femininas, que se manifestam no mundo diferentemente dos corpos masculinos).
12 SAIBA MAIS
O tema da violência é notório em O parque das irmãs magníficas, obra que mistura autobiografia com doses mordazes de realismo fantástico ou mágico. A violência cometida pelo pai de Camila é semelhante àquela vivenciada por suas irmãs. Trata-se de uma violência que se multiplica e tem inúmeros tentáculos. Por mais que cortemos alguns deles, como ao cortarmos os de uma hidra, eles renascem e se multiplicam. A violência na vida das mulheres travestis, portanto, é como um monstro de inúmeros tentáculos que fere, aprisiona e agride. É uma violência que vem da família, da escola, dos parceiros, dos clientes, da polícia, da sociedade como um todo. Em minha pesquisa, pude constatar o desejo que as mulheres travestis despertam nos homens, um sentimento que pode se manifestar de muitas formas: como grandes paixões intensas e avassaladoras, mas também, muitas vezes, como um misto de receio e pavor, motivo pelo qual os homens envolvem-se com as travestis de maneira sigilosa e clandestina. Como muitas vezes não sabem lidar com os próprios desejos e têm medo do julgamento da família e da sociedade, eles extravasam esses desejos por meio das mais diversas violências: verbais, psicológicas, emocionais, físicas, sexuais e até com o assassinato de mulheres travestis, o transfeminicídio. À época das entrevistas, entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, constatei também que quatro das oito colaboradoras já haviam se prostituído e que uma se prostituía esporadicamente quando precisava de dinheiro para quitar as contas mensais. Nem todas tiveram acesso a um tipo de instrução formal ou acadêmica e também não mantinham relações salutares com suas respectivas famílias. A falta de amor e afeto, sentimentos que para elas são primordiais em um relacionamento e estão atrelados ao respeito, acaba por gerar violências, na medida em que elas não se julgam dignas de ser amadas ou merecedoras do direito de amar. Desse modo, em uma sociedade que nos ensina, desde muito pequenas, a odiarmos os nossos corpos, a nós mesmas e as nossas existências, ter a coragem de amar-se, permitir-se ser amada
"[...] o tema dos afetos e das violências é parte fundante e primordial nas vivências de mulheres travestis a um nível universal."
SAIBA MAIS
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e, mais ainda, ter a coragem de abrir-se para ser amada pelo outro é em si um ato revolucionário. Ensinaram-nos a nos odiarmos, mas nós resistimos e resolvemos amar-nos e amar aos outros. Tudo isso que investiguei e constatei em minha pesquisa, realizada ao longo de três anos, é algo que também podemos perceber nas linhas do romance de Camila Sosa Villada. São semelhanças que indicam que o tema dos afetos e das violências é parte fundante e primordial nas vivências de mulheres travestis a um nível universal. A dor, a beleza e a festa de sermos mulheres travestis e transexuais compõem uma realidade empiricamente comprovada e vivenciada globalmente. Desse modo, ao mergulharmos nas águas do mar travesti criado por Villada — um mar que nos encanta, hipnotiza e nos afoga em suas ondas de sal, mistérios e sortilégios travestis —, permitamo-nos deliciar-nos nessas vivências cheias de alegria, diversão, graça e gozo que é ser travesti. O parque das irmãs magníficas é uma epopeia, uma grande narrativa épica de transições, metamorfoses, dores, violências, humor ácido, ironia, consideração, reconhecimento, emancipação, superação e, acima de tudo, uma história sobre o Amor, os mais diversos, distintos, plurais amores que corpas travestis podem despertar nos outros e dentro de si mesmas.
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“Desde muito cedo, eu sonhava em ser escritora” Amara Moira fala de sua relação com os livros, destaca as qualidades da obra de Camila Sosa Villada e avalia a presença de produções trans no mercado literário
A
escritora e professora Amara Moira, nascida em 1985, traz a marca de seu envolvimento com a literatura no próprio nome — na Odisseia, as moiras eram três irmãs que faziam uso de um tear conhecido como “roda da fortuna” e tinham o poder de determinar o destino das pessoas e dos deuses. Na infância, Amara já sonhava em ser escritora e, como revela à TAG, decidiu estudar Letras para garantir um futuro em que os livros fizessem parte de sua vida. Com tese dedicada a James Joyce, Amara foi a primeira travesti a obter o título de doutorado na UNICAMP usando seu nome social. Sua trajetória também contempla a escrita dos livros E se eu fosse puta, de 2016, com relatos de sua experiência na prostituição, e Neca + 20 poemetos travessos, de 2020, com um monólogo no dialeto bajubá e poemas sobre vivências travestis. Ela ressalta que parte significativa de seu trabalho com a palavra foi aprendida ao ouvir as histórias contadas por suas irmãs travestis. Tal oralidade, aliás, é uma das principais qualidades que aponta na obra do mês. Para ela, O parque das irmãs magníficas é um relato poderoso que concede às travestis o “direito à universalidade”. A seguir, confira a íntegra da conversa.
ENTREVISTA
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"Camila traz para os holofotes conflitos que não são só nossos, mas da própria sociedade que nos criou."
Além de escrever livros, você é doutora em Teoria e Crítica Literária. Qual a importância da literatura em sua trajetória? Desde muito cedo, eu sonhava em ser escritora e, em determinado momento da vida, percebi que a maneira mais simples de assegurar esse destino era trabalhando com literatura. Fui fazer Letras, então, por dois motivos: primeiramente, para aprender a desmontar e observar por dentro as obras desses nomes incontornáveis da literatura mundial e, em segundo lugar, para poder fazer da crítica literária e do ensino de literatura o meu ganha-pão, permitindo, assim, que eu me dedicasse às minhas obras sem esperar que o meu sustento saísse delas. Como você entrou em contato com a obra de Camila Sosa Villada? Por que decidiu indicá-la ao nosso clube? Participei de uma feira literária na Argentina no final de 2019 e, lá, entrei em contato com várias publicações de autoria trans da América hispânica, entre elas a obra El viaje inútil, de Camila Sosa Villada. O livro é fascinante, uma espécie de primeira versão, curtinha, de O parque das irmãs magníficas, mas esta aqui é certamente a sua obra-prima. Aqui a gente tem um relato poderoso tanto da transição de Camila (que divide comigo um dos nomes de nascimento, aliás) quanto da sua inserção na comunidade travesti de Córdoba, a segunda maior cidade argentina. A maneira como ela costura essas duas tramas é sensacional. É uma obra que, sem sombra de dúvidas, será um marco das produções de autoria trans latino-americanas. Ao mesmo tempo que tem uma linguagem muito lírica — costurada ainda com doses de realismo mágico —, O parque das irmãs magníficas não deixa de mostrar toda a brutalidade vivida por aquelas travestis de Córdoba. Qual a sua visão sobre os efeitos dessa construção literária da autora? Ao contar a história de uma comunidade de travestis, Camila traz para os holofotes conflitos que não são só nossos, mas da própria sociedade que nos criou.
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A cisgeneridade se vê nua ali, exposta, o que talvez ajude a explicar o amplo reconhecimento que a obra tem obtido. Em O parque das irmãs magníficas, as travestis é como se conquistassem o direito à universalidade, ou seja, é como se quem não é nós passasse a ver-se nessas personagens, a sentir suas dores e alegrias e a não só ler, mas viver as palavras de uma travesti. Em resenha publicada na revista Quatro cinco um, você apontou como muitas pessoas, ao escrever sobre a obra, estariam usando a palavra “trans” mais facilmente que “travesti”, embora esta última apareça de forma predominante no livro de Camila. Você pode falar um pouco mais sobre isso? A palavra "travesti" existe nos principais idiomas europeus, remetendo inicialmente ao âmbito do teatro e das festas à fantasia e, depois, a figuras que têm fixação por vestir-se com roupas atribuídas ao outro gênero ("outro", se adotarmos a perspectiva cisgênera, vale lembrar). No Brasil, como na Argentina, esses sentidos ficaram obsoletos e, em seu lugar, a palavra passou a nomear toda uma comunidade de figuras que se recusavam a caber, de maneira definitiva, nos padrões binários de gênero da sociedade. Por esse motivo, foram perseguidas de maneira impiedosa pelo Estado, pela Justiça, pela Mídia e pela própria sociedade civil, precisando criar toda uma estratégia de resistência para sobreviver. A cultura travesti é produto dessa resistência e a ela pertencem, por exemplo, o bajubá e o carrilche, línguas de segurança que se forjaram no seio da comunidade travesti brasileira e argentina, respectivamente. E, por mais que vá surgindo um desejo de borrar as fronteiras entre o que separa a ideia de "mulher trans(exual)" da de "travesti", é importante que isso não se faça às custas da história travesti, inegavelmente a mais estigmatizada das identidades T. Assim sendo, se a Camila insistiu na palavra "travesti" ao longo de todo o romance, é importante que o sentido político por trás disso seja percebido pela crítica e por quem a leia.
ENTREVISTA
A curadora do mês, Amara Moira Cintia Antunes
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Em certo momento do livro, nós lemos sobre a importância da atriz argentina Cris Miró para as personagens e acompanhamos a comoção em torno de uma notícia sobre ela, já que era uma referência para todas. Como você avalia a presença dessas questões ligadas à representatividade no livro de Camila? Quando se pensa em vidas marcadas pela segregação, pelo estigma, pela violência, existirem figuras como nós que conseguiram driblar os obstáculos e se impor é algo que adquire um simbolismo enorme, um grande motivador. No Brasil, nomes como Rogéria e Roberta Close ou, mais contemporaneamente, Ariadna, Linn da Quebrada, Thammy Miranda representam algo parecido. No entanto, é preciso cuidado para não acreditarmos que a representatividade, por si só, acabe com as desigualdades, com esse sistema todo de discriminações. É importante que estejamos em todos os espaços, sim, mas é importante também tomarmos cuidado para não usarem o fato de uma de nós ter chegado lá para justificar as outras não terem chegado: "se ela conseguiu, você também podia, só precisava se esforçar mais" (e aí, se você não conseguir, é porque não se esforçou suficientemente).
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MINHA ESTANTE O primeiro livro que eu li: provavelmente algum do Tintim ou do Asterix e Obelix O livro que estou lendo: A origem dos outros (seis ensaios sobre racismo e literatura), de Toni Morrison O livro que mudou a minha vida: Ulysses, de James Joyce O livro que eu gostaria de ter escrito: A Princesa (depoimentos de um travesti a um líder das Brigadas Vermelhas), de Fernanda Farias de Albuquerque e Maurizio Jannelli O último livro que me fez rir: Stella Manhattan, de Silviano Santiago O último livro que me fez chorar: Amora, de Natalia Borges Polesso O livro que eu dou de presente: O menino do Gouveia, de Capadócio Maluco O livro que eu não consegui terminar: As guerrilheiras, de Monique Wittig
Você considera que o mercado literário brasileiro está mais receptivo à produção de autoria trans e travesti? Houve um boom de publicações nos últimos 5 anos, mas a maior parte dessas obras saiu em editoras pequenas ou alternativas. Isso significa que o público que atingimos ainda é bastante restrito, embora a procura por nossas obras venha aumentando. Antigamente era difícil alguém, mesmo da militância trans, conseguir citar cinco obras de autoria trans brasileiras, e agora já é mais fácil encontrar quem tenha cinco ou até mais nomes na ponta da língua. Meu único receio é que, na pressa de publicar o mais rápido possível essas obras, muitas delas possam acabar saindo antes de terem amadurecido o quanto poderiam e, com isso, o impacto que tais figuras poderiam causar fique prejudicado. Além de Camila, quais são as suas principais referências literárias hoje? Impossível não citar a bagunça que causou na minha vida o convívio, durante o meu mestrado e doutorado, com o Ulysses, de James Joyce. Eu não seria fagulha do que sou hoje se não tivesse lido e estudado essa obra. Junto com ela, aponto ainda Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, A filosofia na alcova, do Marquês de Sade, O caderno rosa de Lori Lamby, de Hilda Hilst, e, por fim, A Princesa, de Fernanda Farias de Albuquerque, em coautoria com Maurizio Jannelli. No entanto, não posso deixar de registrar que parte significativa do meu trabalho com a palavra eu aprendi ouvindo histórias contadas por minhas irmãs travestis, nessa oralidade radical que caracteriza a nossa comunidade e que é tão belamente apresentada por O parque das irmãs magníficas.
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este mês, a TAG firmou uma parceria com o Ateliê TRANSmoras. Concebida em 2013 pela estilista e ativista Vicenta Perrotta, a iniciativa consiste em um espaço de arte, moda e cultura dedicado à comunidade trans e travesti, localizado na Moradia Estudantil da Unicamp, em São Paulo. O projeto consolidou uma rede de lideranças sociais, costureiras e estudantes, impulsionando o seu empoderamento e sua autonomia a partir do compartilhamento de vivências e de um modelo sustentável de confecção têxtil. Antonia Moreira, líder de planejamento estratégico do coletivo, considera que O parque das irmãs magníficas estimula “a construção de novos imaginários acerca da travestilidade” e remete a um dos principais objetivos do TRANSmoras: que as travestis possam contar suas histórias por elas mesmas. Antonia reforça que a moda também se faz presente no livro de Villada, uma vez que a protagonista aproveita roupas usadas para construir a sua identidade. Além de elaborar a ilustração presente no verso desta página e reproduzida no postal enviado com o kit, o coletivo participará do nosso podcast deste mês.
Ilustração do mês Luara Souza de Oliveira, 21 anos, nasceu em Campinas. É artista visual, produtora de conteúdos digitais e membra da rede Ateliê TRANSmoras. Suas obras dialogam com as pautas do movimento trans e preto brasileiro a partir da sua própria experiência enquanto travesti negra. Com esta arte, provoca as pessoas a pensar em formas plurais de maternidade, que rompem com suas associações comuns, ligadas ao útero e ao sagrado feminino, inspirada na seguinte passagem do livro do mês: “Neste mundo, ninguém jamais adormeceu de verdade se uma travesti não lhe cantou uma canção de ninar”. Se você gostou da obra de Luara e quer conhecer e apoiar mais artes, serviços e produções trans e travestis, acesse: apoia.se/redetrans.
Se você ainda não leu o livro, feche a Revista nesta página. A seguir, você confere conteúdos indicados para depois da leitura da obra.
22 ENTREVISTA
"Nos colocamos de pé de vez em quando, mas estamos engatinhando."
Amara Moira entrevista Camila Sosa Villada Obras de autoria trans têm ganhado visibilidade nos últimos anos e, com isso, vem crescendo o desejo de se nomear essa produção como "literatura trans". Como você pensa essa categoria? Na sua opinião, O parque das irmãs magníficas pode ser visto como literatura trans? Não cabe às travestis sair por aí avaliando categorias quando a única categoria que abraçamos é a do travestismo, que é a derrota de uma categoria. O parque das irmãs magníficas é um livro trans porque não pode ser classificado, não há palavra para dizer o que esse livro é. Para fazer isso, se recorre a muuuuuuitas palavras: crônica, autoficção, autobiografia, conto de fadas, história de terror... Mas não podem usar uma palavra para dizer que tipo de livro é. Um livro livre, escrito sem a intenção de nada além da pura companhia da escrita. O que muda quando obras de temática trans passam a ser escritas por pessoas trans? Você acredita que é possível identificar pela escrita, se a autoria é cisgênera ou transgênera? O que acontece quando trabalhos escritos por pessoas trans falam sobre algo mais enorme do que a temática trans? Quando se aproveita a perspectiva travesti para desfiar o rosário do mundo? Quando falamos sobre os outros? Quando descrevemos o que vemos? Não sei se é possível
ENTREVISTA
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fazer "um teste de sabor", como quando se tentadiferenciar Coca-Cola e Pepsi. Não sei se essa discussão é relevante, exceto se, na comparação, a literatura escrita por travestis for melhor do que a velha escrita de sempre. Logo veremos. Ainda estamos engatinhando, nos colocamos de pé de vez em quando, mas estamos engatinhando.
A autora do mês, Camila Sosa Villada María Palacios
Pensando no caso brasileiro, publicações de autoria trans são conhecidas desde, pelo menos, a década de 1980 e, apesar de nos dedicarmos a vários gêneros literários, o autobiográfico certamente é o que sempre obteve mais destaque e reconhecimento. A situação na Argentina é parecida? Na sua opinião, por que pessoas trans enveredam tanto por esse gênero e por que, ainda hoje, ele é o que possui mais visibilidade? Por um conhecimento pequeno do mundo lá fora. Porque a cultura nos desprezou, então perdemos o acesso ao mundo que o resto teve. Nem as viagens, nem a escola, nem a universidade, nem os hospitais, nem os restaurantes, nem as conversas com as vizinhas. Apenas conhecemos nossa vida. Por outro lado, não sei se a autobiografia é eleita para ser autobiografia, mas sim como um simples exercício de escrita. O que se lê é uma autobiografia porque nos veem como uma massa sem forma. Não somos indivíduos. Somos a comunidade trans. Algo contra o qual, paradoxalmente, luto. Na Argentina, isso não acontece. No afã de colocarmos em circulação obras produzidas por figuras que não representem a hegemonia, corremos o risco de dar a entender que obras clássicas ou escritas por pessoas que encarnem essa hegemonia não têm nada a nos dizer/ensinar. Como você pensa esse conflito? Quem seriam as grandes influências da sua obra? Eu não estou nessa busca. Acho que mais do que não poderem nos ensinar algo, o que eles não podem é nos surpreender. Minhas influências: Federico García Lorca, Gabriela Mistral, Marguerite Duras, Sharon Olds, Carson McCullers, Svetlana Aleksiévitch, Doris Lessing, Frida Kahlo, Truman Capote.
"Me chamo de travesti porque é a palavra mais coberta de detalhes que fizeram para nossa história [...]"
24 ENTREVISTA
Ao longo de O parque das irmãs magníficas, percebe-se que você faz uso sistemático da palavra "travesti", evitando "mulher trans". Como se dão os embates entre as duas identidades na Argentina? O que seria a "fúria travesti", frase tão usada pela militância daí? Não digo "mulheres trans" porque não tenho o papel de me chamar de mulher, não mulher etc... Me chamo de travesti porque é a palavra mais coberta de detalhes que fizeram para nossa história: sêmen, sangue, sujeira, golpes, cuspe, álcool, cocaína, pílulas, saliva, pedras, fome, dinheiro, beleza, assombro, espanto. As denominações "mulheres trans" e "trans", sobretudo me parecem que lavam essa sujeira para nos assimilar. E eu acho que existem mulheres trans, é claro. Mas eu não sou. Você poderia nos contar um pouco mais sobre o carrilche, essa língua que se criou no seio da comunidade travesti da Argentina? Bem, isso não é um dado seguro, mas entendo que foi um jogo da linguagem que surgiu nas prisões, uma linguagem secreta, como uma geringonça impossível de aprender. Inclusive eu, que sou travesti, tenho muita dificuldade em compreender a lógica desse jogo. O carrilche é, antes de tudo, uma enganação e um desafio.
PARA IR ALÉM
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Uma Tia Encarna da vida real Conheça a trajetória de Brenda Lee, ativista que criou uma casa de acolhimento nos anos 1980 e ficou conhecida como "anjo da guarda das travestis"
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ocê sabia que o Brasil tem em sua história uma personagem que lembra a Tia Encarna, a personagem emblemática de O parque das irmãs magníficas? Pois é. Ela é Brenda Lee, a travesti que criou a primeira casa de acolhimento de pessoas trans em São Paulo, em 1986. Além do afeto e do amparo, a Casa de Apoio Brenda Lee oferecia suporte em questões de saúde, como o HIV. À época, a doença era ainda mais estigmatizada do que é hoje, e era comum famílias abandonarem e marginalizarem as pessoas soropositivas. Saída de Pernambuco, Brenda sofria diversas discriminações no ambiente de trabalho e sentia na pele a falta de oportunidades. Em dado momento, ela planejava suas próximas férias e a compra de um carro, mas acabou sendo demitida. Sem motivo. “Vou me prostituir. Não vou mais trabalhar para ninguém, porque já percebi que estou no caminho errado”, relembrou em uma entrevista em 1993. Então, primeiro, abriu um estabelecimento comercial. Depois, expandiu os negócios. Comprou carros, apartamento e a casa onde passou a cuidar de travestis e outras pessoas portadoras de HIV marginalizadas.
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Brenda chegou a conviver com 39 travestis em seu “palácio das princesas”, como chamava carinhosamente sua casa. Em 1988, diante da repercussão do trabalho, passou a receber apoio da Secretaria de Saúde do governo de São Paulo. Foi apelidada de “anjo da guarda das travestis”. Mas a trajetória seria interrompida por um crime em 1996: aos 48 anos, foi encontrada assassinada, com a marca de dois tiros, dentro de uma Kombi. O ex-policial militar José Rogério Felismino e um funcionário da Casa de Brenda, Gilmar Felismino, foram presos pelo crime. A motivação era financeira. Apesar do tempo passado, a criminalidade contra travestis no Brasil segue alta. O relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA) indicou que o país é o que mais mata transexuais no mundo — foram 175 mortes em 2020.
Brenda Lee prestava apoio a pessoas portadoras de HIV Reprodução
HOMENAGEM Após a morte de Brenda, a casa tornou-se uma ONG. Seu nome, sinônimo da luta pelos direitos trans no Brasil. Em 2019, no Dia da Visibilidade Trans, o Google dedicou um doodle (ilustração que enfeita o buscador em efemérides) à ativista. Em 2021, ela foi homenageada com uma peça de teatro produzida pelo Núcleo Experimental, de São Paulo. “É uma figura incrível, fascinante, que fez um trabalho importantíssimo na época”, contou a dramaturga e diretora musical Fernanda Maia, no making of do espetáculo Brenda Lee e o Palácio das Princesas.
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Fernanda buscou relatos de pessoas que trabalharam com Brenda na primeira casa de apoio do país. “Elas colaboraram para que existisse a primeira política pública de assistência e apoio a travestis no Brasil.” Para a peça, foram escolhidas seis atrizes travestis. “A gente hoje vê resultados do que ela fez, as casas de apoio se multiplicaram pelo país. Os coletivos de pessoas trans também”, concorda a atriz Marina Mathey. “Esse projeto é muito necessário para a sociedade. É preciso levar essa mensagem de que nós existimos, que nós vivemos, somos capazes e talentosas”, defende a atriz June Weimar no mesmo vídeo de making of da peça. “Tanta gente hoje usufrui de benefícios que foram conquistados lá atrás por essa mulher que é Brenda Lee. Não somente a galera LGBTQIA+, mas todo mundo que porventura tem alguma familiaridade com o HIV”, resume a atriz Verónica Valenttino, que interpretou a ativista. Brenda Lee não tinha medo da morte. Via como “um fato natural”. “Já perdi muitos amigos e amigas. Para mim, estão todos lá me esperando… ou sorrindo ou querendo conversar comigo. A hora que eu morrer, vou me juntar com todos eles e a gente vai ter uma outra vida”, declarou ela. Passados quase 30 anos, seu legado vive nas tantas vidas que impactou e no pontapé da construção de políticas públicas para travestis e transexuais em um dos países mais populosos do planeta.
Brenda Lee ao lado da apresentadora Hebe Camargo Reprodução
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Confira algumas iniciativas de acolhimento à comunidade travesti no Brasil Casa Chama – São Paulo (SP) A ONG foi criada em 2018 como ferramenta de articulação política e cultural para fortalecer pessoas trans com apoio nas áreas psicossocial, jurídica, cultural e financeira. Na pandemia, criou um fundo emergencial para apoio à comunidade. R. do Carmo, 54, Sala 303, Sé. Telefone: (11) 99448-2641. Site: www.casachama.org. Casa 1 – São Paulo (SP) O centro cultural Casa 1 oferece moradia e assistência social, além de cursos em áreas como bordado, ioga, teatro, costura, maquiagem, inglês e espanhol. Desde 2017, já atendeu mais de 40 mil pessoas e doou 120 mil peças de roupas. R. Adoniran Barbosa, 151, Bela Vista. E-mail: contato@casaum.org. Site: www.casaum.org. Grupo Arco-Íris – Rio de Janeiro (RJ) O grupo foi criado no Rio de Janeiro em 1993 para lutar contra a discriminação a partir da ação em áreas como saúde, educação, cultura e direitos humanos. Organiza desde 1995 a Parada do Orgulho LGBT em Copacabana e apoiou o poder público local a construir políticas de diversidade ao longo desses anos. R. da Carioca, 45, Centro. Telefone: (21) 2215-0844. Site: www.arco-iris.org.br. Casa Miga Acolhimento – Manaus (AM) É a primeira casa de acolhimento do Brasil a apoiar também imigrantes e refugiados. É também o primeiro espaço de apoio para pessoas trans na região Norte. Desde 2018, organiza eventos culturais, cursos gratuitos de idiomas, rodas de conversa, palestras, além de apoio com alimentos. Doações são fundamentais para o sucesso da iniciativa, que tem apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Endereço não revelado por questões de segurança. Telefone: (92) 98450-7199. Instagram: @casamigalgbt. CasAmor – Aracaju (SE) A ONG CasAmor Neide Silva foi constituída em 2017 como um centro de apoio à comunidade LGBTQIA+. Foi a primeira de Sergipe. O local funciona como moradia temporária, oferece capacitação em diversas áreas, como educação e saúde, e fornece assistência jurídica. A inspiração de sua criação foi o funcionamento de casas de acolhimento em São Paulo e no Rio de Janeiro. R. I, 214, Loteamento Rio Poxim, Inácio Barbosa. E-mail: casamorlgbt@gmail.com. Instagram: @casamorlgbtqi.
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Narrativas que (trans)formam No embalo de O parque das irmãs magníficas, aproveite para conhecer outras histórias com temáticas semelhantes
UMA MULHER FANTÁSTICA Escrito e dirigido por Sebastián Lelio, o filme chileno conta a história de Marina (Daniela Vega), uma garçonete transexual que tem como grande sonho se tornar uma cantora de sucesso. O longa venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018, e seu sucesso motivou discussões sobre uma lei de identidade de gênero no Chile.
VELHICE TRANSVIADA Escrito por João W. Nery pouco antes de sua morte, aborda a questão dos “transvelhos”, termo que o autor criou para se referir a transexuais e travestis que conseguiram ultrapassar a marca dos 50 anos de idade. Nery foi o primeiro transgênero masculino brasileiro a passar por uma cirurgia de redesignação sexual. Nessa obra, discute as dificuldades do envelhecimento quando não se tem direito à longevidade.
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MANHÃS DE SETEMBRO Produção original do Prime Video, a série conta a história de Cassandra (Liniker), que trabalha como motogirl em São Paulo e tem como maior sonho se tornar cover da cantora Vanusa. Tudo muda em sua vida quando a ex-namorada, Leide (Karine Teles), reaparece com um menino que diz ser seu filho.
TRANSFEMINISMO Presente na coleção Feminismos Plurais, coordenada pela filósofa Djamila Ribeiro, Transfeminismo, da autora Letícia Nascimento, traz ao público, de maneira acessível e didática, explicações necessárias sobre os conceitos de gênero, transgeneridade, mulheridade, feminilidade e feminismo.
UM APARTAMENTO EM URANO: CRÔNICAS DA TRAVESSIA Com textos produzidos na última década, Um apartamento em Urano: crônicas da travessia acompanha o processo de transição do autor Paul B. Preciado. O filósofo espanhol analisa também a política, a cultura, as violências masculinas, os Estados Unidos na era Trump, entre outros temas.
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vem aí abril
Estamos entusiasmados, e não é pouco... Uma das principais autoras da atualidade, a canadense Margaret Atwood será nossa curadora. Ela indica um livro de um autor de origem ameríndia que mostra a viagem de um casal por Praga, capital da República Tcheca. No percurso, surgem questões relacionadas à discriminação racial, à crise dos refugiados na Europa e também à saúde mental de um dos personagens. Para quem gosta de: diálogos envolventes, tramas sobre viagens, reflexões raciais
maio
Com indicação do escritor e editor Emilio Fraia, o livro de maio vem para mostrar como as relações familiares não são perfeitas. Escrito por uma autora que é expoente da literatura mexicana contemporânea, o livro explora e ressignifica os aspectos mais viciosos, inconfessáveis e corrompidos da maternidade. Para quem gosta de: literatura contemporânea, personagens femininas fortes, finais impactantes
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“Para nos castigar, dizem: não as desejarão. Mas a vida não poderia funcionar sem nossa presença ali, por fora de tudo.” – O PARQUE DAS IRMÃS MAGNÍFICAS, CAMILA SOSA VILLADA