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Olivro que você recebe agora contém uma estrutura formal inusitada. Ao descobrir seu título e iniciar as primeiras páginas, você talvez pense estar diante de uma obra de autoajuda. Não, a TAG Curadoria não mudou a sua proposta — a ficção segue reinando por aqui! É que o paquistanês Mohsin Hamid, autor de Como ficar podre de rico na Ásia emergente, ironiza todo o jargão do gênero para criar uma narrativa espirituosa (e comovente!) sobre um homem que tenta triunfar na cidade grande.
A indicação do livro foi feita pelo escritor brasileiro João Anzanello Carrascoza, que volta a ser curador do clube. Nesta edição da revista, você descobre o que motivou a sua escolha e encontra uma série de materiais que buscam elucidar a obra de Hamid, como uma reportagem de contextualização da Ásia emergente e uma análise crítica do romance.
Boa leitura!
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VAMOS LER COMO FICAR PODRE DE RICO NA ÁSIA EMERGENTE
Criamos esta experiência para expandir a sua leitura. Entre no clima de Como ficar podre de rico na Ásia emergente colocando a playlist especial do mês para tocar. É só apontar a câmera do seu celular para o QR Code ao lado ou procurar por “taglivros” no Spotify. Não se esqueça de desbloquear o kit no aplicativo da TAG e aproveitar os conteúdos complementares!
Leia até a página 45
As primeiras páginas já revelaram que você é o protagonista da história. Depois da mudança com a família para a cidade grande, não faltam novidades em sua vida, seja pela entrada na escola, seja pela paixão pela menina bonita. Sigamos na leitura!
Leia até a página 90
A universidade exige adaptação, e o envolvimento com os “idealistas” pode parecer inevitável. A batalha por dinheiro não cessa, ainda mais quando a demanda envolve uma questão de vida ou morte. Enquanto a tentativa de virar empreendedor começa a emplacar, uma importante pessoa do passado ressurge em sua vida. Compartilhe no app as suas impressões até aqui!
Leia até a página 136
Não é fácil lidar com os poderosos. Expandir os negócios exige pragmatismo, afinal, as forças exercidas pelos governos são poderosíssimas e, muitas vezes, é preciso sujeitar-se a elas. Em meio a isso tudo, é preciso proteger a si mesmo e a sua família (para a qual, aliás, nem sempre é fácil dar atenção). Além disso, as lembranças de uma pessoa do passado seguem presentes. O que será que vem pela frente?
Leia até a página 164
As tensões com os negócios se desdobram em problemas de saúde para você. Há quem se aproveite de seu tempo ausente para agir de má-fé, e as novidades que você recebe no hospital não são nada positivas. Paralelamente, outra personagem também passa por maus bocados. Talvez tenha chegado a hora de “concentrar-se no essencial”.
projeto gráfico
Pensando em um resultado luxuoso e, ao mesmo tempo, conectado à temática do livro, convidamos o ilustrador e designer pernambucano Gabriel Azevedo para produzir o projeto gráfico deste mês. Os trabalhos de sua autoria transitam entre a arte e o design e, assim, ele costuma privilegiar composições coloridas e detalhadas — exatamente o que vemos nos materiais que desenvolveu para a nossa edição, que se destacam pela inserção de uma exuberante padronagem.
mimo
O mimo deste mês é um tempero literário! O sal temperado da Black Flag, que você recebe agora, é super versátil — cai bem tanto naquela pipoquinha preparada para acompanhar a leitura quanto naquele almoço especial de fim de semana, quando, além da comida, você só quer saborear as páginas do livro que tem em mãos!
Como ficar podre de rico na Ásia emergente pode ter terminado, mas a experiência não!
Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ao lado e escute o episódio de nosso podcast dedicado ao livro do mês. No aplicativo, confira também a nossa agenda de bate-papos. OUVIR
Leia até a página 173 Quanto lirismo nessas últimas páginas! Ao final de uma longa jornada, as “inevitáveis estratégias de fuga” entram em cena. Você também se emocionou com o desfecho da história?
“Hamid reafirma o seu lugar como um dos escritores mais inventivos e talentosos de sua geração.”
Michiko Kakutani, The New York Times
“Uma versão globalizada de O grande Gatsby.”
Alan Cheuse, NPR
“Admirável e comovente.”
Por que ler o livro
Em formato inventivo, com a divertida aparência de autoajuda, Como ficar podre de rico na Ásia emergente apresenta uma narrativa envolvente acerca da trajetória de um homem que sai da zona rural para prosperar em uma metrópole asiática nunca nomeada. A história desse protagonista é contada com sensibilidade por Mohsin Hamid, autor paquistanês que já figurou na tradicional lista de indicações de Barack Obama. Lançado em 2013, o livro venceu o Premio Letterario Internazionale Tiziano Terzani e foi finalista do DSC Prize for South Asian Literature e do Internationaler Literaturpreis–Haus der Kulturen der Welt.
Passo a passo do sucesso
EDUARDO PALMA
Em forma de autoajuda e com o leitor como protagonista, Como ficar podre de rico na Ásia emergente retrata o êxodo rural e a busca por ascensão social
Não. O livro deste mês não vai te ensinar a ficar rico. Nem na Ásia, nem no Brasil. Vai, isso sim, mostrar as entranhas de um país em desenvolvimento sem regras muito claras ou estabelecidas, onde as pessoas estão dispostas a muito — ou quase tudo — para prosperar.
Como ficar podre de rico na Ásia emergente, publicado originalmente em 2013, é o terceiro livro do escritor paquistanês Mohsin Hamid. O protagonista dessa obra é você. Sim, você mesmo. Construída em segunda pessoa, a narrativa é dividida em capítulos com conselhos que formam uma espécie de “passo a passo” para sair da pobreza extrema e, como o título sugere, enriquecer na Ásia emergente.
“Mude-se para a cidade grande”, “Consiga um diploma” e “Aprenda com um mestre” são algumas das recomendações. No livro, encontramos uma mistura de autoajuda fake com muita ironia, sarcasmo e inventividade — características da escrita inovadora de Hamid, que antes já fizera sucesso com Moth Smoke, de 2000, e O fundamentalista relutante, de 2007. Algo que chama a atenção de imediato é que Hamid optou por não nomear nenhum personagem ou localidade. Acompanhamos a história de “você” abandonando o campo e buscando sucesso no sudeste asiático, passando por uma jornada nada simples. O livro também tem uma história de amor, com os caminhos do personagem principal se entrelaçando com os da chamada “menina bonita”.
A obra captura um momento histórico vivenciado por muitos países — o êxodo rural — e mostra como isso afeta grandes cidades, colidindo tradição com modernidade, pondo em xeque novos valores, destacando
o papel da imigração, da religião, da importância do casamento em sociedades conservadoras, do nepotismo, da corrupção, da evasão fiscal e do surgimento de um capitalismo “vale-tudo” em um contexto sem regras claras (leia mais sobre o assunto na página 14). Também não faltam passagens sobre os sentimentos e a natureza humana. Temas como a infância, o amor e o envelhecimento dos pais ganham destaque, refletindo algumas situações que Hamid vivenciava na época em que produziu o livro.
QUEM É MOHSIN HAMID?
O autor nasceu em 1971, em Lahore, no Paquistão. Devido à carreira acadêmica de seu pai, passou parte da infância nos Estados Unidos, retornando ao seu país natal aos nove anos de idade. Já adulto, para realizar seus estudos, mudou-se novamente para os EUA. Formou-se na Universidade de Princeton com um trabalho sobre energia sustentável no Paquistão. Na mesma universidade, recebeu lições literárias de figuras como Joyce Carol Oates e Toni Morrison. Após mais um período no Paquistão, retornou aos EUA para estudar Direito em Harvard. Em seguida, conciliou uma carreira como consultor de gestão com a dedicação à escrita. Publicou o seu primeiro romance em 2000, com excelente recepção crítica. Depois disso, morou na Inglaterra por oito anos, tornando-se cidadão britânico. Colaborador frequente de veículos como The New York Times, TIME e The Guardian, divide-se atualmente entre Lahore, Nova York e Londres. Traduzidas para mais de quarenta idiomas, suas obras já lhe renderam prêmios como o Asian American Literary Award e o LA Times Book Prize, além de indicações para o Booker Prize.
Curador do mês, João Anzanello Carrascoza avalia as qualidades da obra de Mohsin Hamid, indica semelhanças (e diferenças) com a sua produção e destaca autores de sua preferência
JÚLIA CORRÊA
Escritor, professor e redator, expoente da literatura brasileira contemporânea, João Anzanello Carrascoza (Cravinhos, São Paulo, 1962) fez a sua estreia literária em 1991. Desde então, já publicou dezenas de livros, entre contos, romances, obras infantis e de não ficção. Seu reconhecimento se traduz em honrarias como o Jabuti, do qual foi vencedor em três edições, e o Prêmio Literário Biblioteca Nacional.
Seu romance mais recente é Inventário do azul, lançado em 2022 pela editora Alfaguara. Com a prosa poética que lhe é característica, ele apresenta o arco de vida de um homem sem nome, desde seu nascimento até a meia-idade. Como avalia na entrevista a seguir, é possível encontrar pontos de contato desse livro com Como ficar podre de rico na Ásia emergente, mas há
“fundas diferenças”, afinal, brinca ele, sua obra poderia ser intitulada Como ficar pobre e velho na América decadente.
Esta é a segunda vez que Carrascoza atua como curador da TAG. Em 2019, recomendou ao clube A velocidade da luz, do espanhol Javier Cercas. Na entrevista a seguir, ele explica por que indicou agora a obra de Mohsin Hamid, destaca paralelos do livro com a realidade brasileira e também fala de referências e projetos atuais.
“A maravilha é constatar como o talento humano é diverso e frutifica em todas as partes do mundo”
Vilas
Como você entrou em contato com a obra de Mohsin Hamid? Já conhecia a produção dele antes de ler Como ficar podre de rico na Ásia emergente? Esse foi o primeiro livro que li de Mohsin Hamid e, no ato, notei a força, a criatividade e a alta voltagem narrativa de sua literatura. Busquei outras obras de sua autoria e li, depois, Passagem para o Ocidente, que também é um romance extraordinário. Em português, ainda é possível encontrarmos O fundamentalista relutante.
Em sua visão, quais são as principais qualidades do romance? Por que decidiu indicá-lo ao nosso clube? São muitos os diferenciais marcantes da obra, entre os quais o rompimento formal com o romance canônico, a crítica pontiaguda à sociedade capitalista, a dicção por vezes lírica, e sobretudo por ser (por que não?) a história de um amor (não uma história de amor).
Especificamente sobre a forma desse romance, como você avalia o uso da segunda pessoa e a emulação que o autor faz de livros de autoajuda?
O mimetismo formal de um livro de autoajuda é uma artimanha do narrador, uma estratégia irônica bem-estruturada, perceptível não apenas no título do romance, mas também nos capítulos (1. Mude-se para a cidade grande, 2. Consiga um diploma, 3. Não se apaixone etc.), que operam como passos para o leitor conhecer as etapas as quais o protagonista atravessa até chegar a ser quem ele se torna. O uso da segunda pessoa, igualmente, plasma a (falsa) interlocução que demarca o estilo das obras de autoajuda, problematizando a linguagem prescritiva dos influenciadores midiáticos.
Durante a leitura do livro, você identificou paralelos com a realidade brasileira, considerando os aspectos sociais e econômicos que aparecem à medida que conhecemos a trajetória do protagonista?
Sim, apesar de fatos específicos enfrentados pelo protagonista, ele se depara no plano geral com situações similares às vivenciadas por tantos brasileiros, como a penúria, a sujeição aos negócios espúrios, o subemprego, o preconceito étnico, a dificuldade de mobilidade social, a solidão na velhice.
Você lançou recentemente Inventário do azul , que parece ter alguns pontos de contato com o livro de Mohsin Hamid, como a exposição da trajetória de um personagem sem nome ao longo de décadas de existência. Você enxerga um possível diálogo entre as duas obras? De certa forma, o Inventário do azul, em relação a esse romance de Hamid, tem algumas semelhanças, mas também fundas diferenças, embora meu personagem tenha passado por experiências num país da Ásia (a Índia) que o transformaram, assim como o protagonista de Como ficar podre de rico na Ásia emergente. Nesse sentido, talvez minha história pudesse ser assim nomeada: Como ficar pobre e velho na América decadente
Pode nos contar de seus projetos atuais? Está com algum novo livro em andamento?
Sim. Estou terminando de revisar dois livros que serão publicados em breve: a coletânea de contos com fotografias Fronteiras visíveis (Maralto) e o romance
O céu implacável (Alfaguara) — continuação do Inventário do azul
Além de Mohsin Hamid, quais outros autores contemporâneos estrangeiros estão no seu radar? O que você tem lido nos últimos tempos?
A maravilha — o que me encanta na literatura, nas artes e nas ciências — é constatar como o talento humano é diverso e frutifica em todas as partes do mundo. Cito aqui alguns escritores estrangeiros que aprecio pela excelência de suas obras: Cormac McCarthy, Salman Rushdie, David Grossman, Javier Cercas, Rosa Montero, Andrea Jeftanovic.
O primeiro livro que eu li: Coração de vidro, de José Mauro de Vasconcelos.
O livro que estou lendo: Noite no paraíso, de Lucia Berlin.
O livro que mudou a minha vida:
Tao te king, de Lao Tsé.
O livro que eu gostaria de ter escrito:
O que ainda não escrevi.
O último livro que me fez rir: Dom Quixote, de Cervantes.
O último livro que me fez chorar: O ano do pensamento mágico, de Joan Didion.
O livro que eu dou de presente: Primeiras estórias, de Guimarães Rosa.
O livro que eu não consegui terminar: Muitos. Antes, podia contar nos dedos; agora, não mais.
Pelos caminhos tortuosos da Ásia emergente
Região retratada por Mohsin Hamid apresenta problemas sociais como a pobreza extrema, a falta de saneamento e o terrorismo
Se o século XIX teve o protagonismo econômico e político dos britânicos, e o XX, dos norte-americanos, vários sinais indicam que as digitais do século atual serão asiáticas. A ascensão da China não é mais uma promessa. A Índia terá a maior população do planeta ainda em 2023, com 1,4 bilhão de pessoas. E não há país que possa traçar uma estratégia econômica sem considerar as nações asiáticas.
Em Como ficar podre de rico na Ásia emergente, o paquistanês Mohsin Hamid conta com ironia e perspicácia a história de um jovem que abandona um vilarejo rural no sul da Ásia e ruma em busca de triunfo numa metrópole. Seu caminho retrata um movimento recorrente nas últimas décadas em nações como Índia, Paquistão, Bangladesh, Tailândia, Indonésia, Malásia, Myanmar e Filipinas.
Em nenhum momento, Hamid diz em que cidade ou país a história se passa. Pode ser Karachi ou Lahore, as duas maiores cidades do Paquistão. Talvez Nova
Délhi ou Mumbai, as metrópoles da Índia. Mas por que não falar os nomes dos locais? A resposta tem a ver com a origem de Hamid, que nasceu em Lahore, mas também viveu, estudou e trabalhou nos EUA e na Inglaterra.
O autor se via constantemente questionado pelos contrastes desses mundos. “Como humano, posso
Trem conecta os subúrbios de Calcutá, na Índia. Inchaço das cidades gera problemas no transporte público. Crédito: UN/Kibae Park
perceber as coisas sem ser constrangido por essa noção de haver um ‘Ocidente’ e um ‘Oriente’”, respondeu em entrevista à revista The Atlantic. “Foi minha tentativa de transcender isso ao não usar nenhum nome específico. Não há islamismo, cristianismo ou hinduísmo. Existem apenas seres humanos e cidades e lugares e outras coisas que estão acontecendo”, explica.
Uma viagem pelas diferentes realidades
O livro mostra a informalidade e a violência dessas sociedades com as lentes de diferentes classes sociais e regiões. Mostra desde os muito pobres do campo e da periferia até as elites, os militares e os burocratas do Estado. A pobreza extrema, a falta de saneamento básico, o terrorismo e a ausência de condições dignas para os fluxos de populações que chegam todos os dias ficam evidentes.
“Esse inchaço é o principal problema para as grandes cidades dessas nações. Formam-se favelas enormes e faltam habitações”, avalia o diplomata Fausto Godoy, que atuou no Paquistão, na Índia e em Bangladesh. “E, muitas vezes, o dinheiro que as pessoas ganham e enviam passa a ser o principal sustento de suas famílias no campo”, pontua ele. Com essa migração massiva, falta planejamento, orçamento e infraestrutura de
transporte, saneamento e até de eletricidade para milhões de pessoas, o que forma densas favelas superlotadas sem serviços básicos.
Vários desses países até contam com legislações adequadas, mas a dificuldade é aplicá-las e cumpri-las, uma vez que muitos cidadãos se submetem a qualquer condição porque precisam trabalhar. “Eles simplesmente aceitam, embora haja sindicatos que protestem”, afirma Godoy.
Outras características dessas economias são a informalidade e o crescimento ainda sem regras e institucionalidade. Um solo fértil para a corrupção. “No Paquistão ou em muitas outras economias emergentes, há menos regras. Então, há mais corrupção, mais violência, intimidação e violação de regulamentos”, disse Hamid em entrevista para a Rádio Nacional dos EUA (NPR). “Há uma posse desenfreada de armas, quase não há impostos e há um vale-tudo econômico, de certa forma.”
Nesse sentido, Godoy recorda-se de uma situação que o marcou logo que chegou a Islamabad, capital do Paquistão. Quando dirigiu rumo ao interior, impressionou-se com os produtos vendidos nas lojinhas de beira de estrada. Não, não eram souvenirs nem comidas típicas. “Armas e armas, uma atrás da outra. Se eu quisesse, teria comprado os fuzis Kalashnikov como se fossem uma dúzia de bananas”, relata o diplomata.
Curiosidades sobre o Paquistão
Terra de Mohsin Hamid, o Paquistão é o quinto país mais populoso do mundo, com 215 milhões de habitantes. A economia tem crescido nos últimos anos, mas continua dependente da produção agrícola, responsável por metade dos empregos e maior fonte de receitas com exportações. Godoy comenta que o setor de produtos têxteis ganha cada vez mais força.
Curiosidade: a maioria das bolas de futebol usadas na Copa do Mundo e em importantes campeonatos de futebol são feitas no Paquistão.
Outra fonte relevante de renda vem do dinheiro enviado por emigrantes — há quase 6 milhões de paquistaneses fora do país. As diásporas da Índia, Paquistão, Bangladesh e Filipinas estão entre as 10 maiores do mundo, somando 34 milhões de pessoas em
Falta de saneamento básico afeta países como Bangladesh.
Crédito: UN/Kibae Park
Contrastes sociais marcam cenário urbano da região.
Crédito: UN/Kirsten Milhahn
fluxo territorial. “Essas remessas são itens importantes da balança de comércio desses países e ajudam no desenvolvimento das comunidades e da qualidade de vida das pessoas que ficaram”, explica Godoy.
O Paquistão tem origem muçulmana e suas maiores cidades são Karachi e Lahore. A capital é Islamabad, construída e projetada para se tornar o novo polo de administração desde 1960. O movimento extremista Taleban tem influência no país, embora não o governe, como ocorre no vizinho Afeganistão. Nos últimos anos, uma das vozes mais influentes do país foi a ativista Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz em 2014, ela própria vítima do Taleban por lutar pelo direito à escolarização das mulheres em uma região paquistanesa controlada pelos radicais.
O maior rival do Paquistão é a vizinha Índia, com quem já travou três grandes guerras. Detentores de arsenais com armas atômicas, ambos os países disputam o território da Caxemira desde o fim da colonização britânica. Milhares de pessoas já perderam a vida nesse conflito, que não aparenta ter resolução no curto prazo.
País de origem de Mohsin Hamid, Paquistão é predominantemente muçulmano.
Crédito: Walled City of Lahore Authority
Um drama recente enfrentado pelo país são as consequências dos temporais ocorridos entre junho e setembro de 2022, durante a temporada de monções. As enchentes afetaram milhões de paquistaneses (um em cada sete habitantes) e deixaram mais de mil mortos. As autoridades consideram as piores inundações que já atingiram o país, com sérios danos em infraestrutura (telecomunicações, estradas e agricultura). No livro de Hamid, poças d’água originadas de chuvas provocadas por uma monção geram mosquitos e levam uma pessoa a morrer de dengue.
Ilustração do mês
Gabriel Renner é ilustrador freelancer e designer. Passou pelas redações de Zero Hora, Diário Gaúcho, ND Notícias e Grupo Editorial Sinos, além de ter ilustrado para as revistas Superinteressante, Mundo Estranho e Sexy. @rennergabriel
A pedido da TAG, o artista interpretou uma passagem do livro do mês: “No mesmo centro comercial trabalha a menina bonita. O pai dela, um notório beberrão viciado em jogo que raramente é visto durante o dia, despacha a esposa e a filha para ganhar de volta o dinheiro que ele perdeu na noite anterior ou vai perder na noite seguinte. A menina bonita trabalha como assistente num salão de beleza, onde carrega toalhas, mexe com produtos químicos, serve chá, varre cabelo do chão e massageia cabeças, costas, traseiros, coxas e pés de mulheres de todas as idades que ou são ricas ou querem parecer ricas. Ela também serve bebidas não alcoólicas para os homens que ficam esperando dentro de seus carros por suas esposas ou amantes. [...] O horário de trabalho dela termina mais ou menos na mesma hora em que o seu começa e, como moram em ruas adjacentes, vocês se cruzam com frequência no caminho para o trabalho e na volta para casa. Às vezes vocês não se cruzam, e aí você passa andando em frente ao salão, puxando a sua bicicleta, para tentar avistar a menina lá dentro”.
POSFÁCIO
Se você ainda não leu o livro, feche a Revista nesta página. A seguir, você confere conteúdos indicados para depois da leitura da obra.
Arquitetura da desesperança
Romance de Mohsin Hamid é uma crônica ácida sobre as expectativas do terceiro mundo versus a realidade implacável do capitalismo
Oprotagonista deste livro é você. E, quando ele começa, você está jogado no chão, tremendo, e sua mãe o olha. Décadas mais tarde, quando estiver doente de novo, de um jeito quase irreversível, os olhares serão diferentes. Mas, até lá, você vai protagonizar um livro que tenta mostrar às outras pessoas — milhões de vocês espalhados por aí — como é possível acreditar que há alguma chance de enriquecer sem se dar muito mal — ou fazer muito mal, o que dá quase no mesmo.
Terceiro romance de Mohsin Hamid, Como ficar podre de rico na Ásia emergente, traduzido por Sonia Moreira, é uma crônica ácida sobre as expectativas do terceiro mundo versus a realidade implacável do capitalismo. Ao emular guias de autoajuda, o romance continua o projeto estético de seu autor, tensionando as formas narrativas. O protagonista de fato é você, e essa opacidade é tudo que precisamos saber a seu respeito. Os nomes parecem não importar, porque a lógica do dinheiro não é uma lógica humanamente sensível, não leva em conta que só fica podre de rico quem tem coragem de se dessensibilizar e ignorar o custo social da riqueza.
Aqui, os poucos momentos de idílio são rapidamente subvertidos. Pense na primeira vez que você faz sexo: a menina bonita sabe mais, mas está sendo enganada pela estrutura que a cerca; ou então na ida à universidade: submetida a uma máfia chamada de organização, espécie de fraternidade devotada à terraplanagem dos indivíduos, o protagonista não encontra alternativa senão escapar após o câncer levar sua mãe e a tristeza não poder ser sentida.
Paralelamente, há beleza na forma como Hamid conduz a trama da menina bonita. Sua trajetória provoca o efeito contrário à “aparência que seria tradicionalmente considerada bela”: “A pele dela é mais escura do que a média e o cabelo e os olhos, mais claros [...]. Ela também é esguia, alta e reta como uma tábua, tendo seios, como observa sua mãe com desdém, do tamanho de duas pequenas mangas esmagadas, daquelas bem baratinhas”. O jantar no hotel, a fama que cresce aos poucos. A menina bonita se embeleza cada vez mais a cada mudança de sua vida, e o maior mérito dessa escolha narrativa reside em torná-la palpável. Se, no início, podemos pensar que se trata de uma paixão ocasional, conforme o romance avança, fica claro que sua história é tão importante quanto a do protagonista: você e a menina bonita são duas faces de uma mesma moeda, e o final, ainda que amargo, deixa isso claro. Uma das boas chaves de leitura para pensarmos o livro está na água. Há sensibilidade ao narrar a vida do protagonista e sua espiral de perversão pelo sistema. Se, no início, até simpatizamos com essa figura combalida na periferia do mundo, ao longo do texto, Hamid a deforma lentamente, estabelecendo uma cadeia de violências e atitudes extremas que a tornam um objeto amorfo, respirando o ar pesado do progresso a qualquer custo. Sai de cena o jovem que decodifica os hieróglifos na televisão ao final do programa musical — o único de sua família capaz de fazê-lo — e entra o executivo trapaceiro, ansioso por um futuro paradoxal: quanto mais próximo, mais distante, e quanto mais o tempo passa, mais a contaminação da água espelha sua contaminação e a do mundo ao redor, como se não fosse possível dissociar os horrores do consumo antiético.
“O que torna o romance de Mohsin Hamid certeiro em sua crítica é se apropriar da linguagem opressora. O jogo de suas mais de 160 páginas reside na cooptação de certa arquitetura da esperança para iluminar o que, desde sempre, não passou de um jogo de cartas marcadas.”
No quadro geral, tudo está inserido no contexto de um organismo monstruoso e vivo: a cidade, que se fagocita abrindo espaço e rompendo margens à procura de algo que continue a busca incessante pela riqueza — “Muitas vezes, uma única avenida separa vizinhanças abastadas de fábricas, mercados e cemitérios, os quais, por sua vez, podem ficar apartados das moradias dos pobres por uma simples vala de esgoto, uma via férrea ou uma viela”. A única saída da pobreza, Hamid parece dizer, não é conseguir ficar rico, e sim atropelar tudo como um burro diante de uma cenoura presa à vara, inatingível.
Porém não esqueçamos da autoajuda. Na realidade dos jovens da Ásia emergente em busca de uma vida melhor, esse tipo de literatura encontrou um filão rentável: coloca seus autores como gurus de quem não vai conseguir se desvencilhar da pesada âncora social e impõe o capitalismo como causa e saída, ainda que a primeira seja nublada por frases de efeito e todo o blá-blá-blá da meritocracia. O que torna o romance de Mohsin Hamid certeiro em sua crítica é se apropriar da linguagem opressora. O jogo de suas mais de 160 páginas reside na cooptação de certa arquitetura da esperança para iluminar o que, desde sempre, não passou de um jogo de cartas marcadas. Você, “um intruso no meio empresarial”, pode até enriquecer, mas sua origem o tragará de volta ao círculo de bodes expiatórios, “cínicas campanhas pró-responsabilidade administrativa lançadas periodicamente pelo establishment de sua cidade”, e você será “atirado à alcateia da opinião pública [...]. É muito natural que você seja sacrificado para que o resto da manada possa continuar a cabriolar”. Perde você. Ganha a literatura.
Unidos pela origem
JÚLIA CORRÊA
Conheça outros autores paquistaneses que representam o país de diferentes modos na literatura
TARIQ ALI
Escritor, jornalista, historiador e ativista, Tariq Ali nasceu em Lahore, em 1943, e mudou-se ainda jovem para a Inglaterra. Entre ficção e não ficção, sua produção inclui títulos como o "quinteto islâmico", reunião de livros sobre o Islã e seus conflitos com o Ocidente, e Duelo, em que aborda o cenário político do Paquistão e as tensões do país com os Estados Unidos.
NADEEM ASLAM
Nascido em Gujranwala, em 1966, o romancista mudou-se para a Inglaterra com a família depois de seu pai, um comunista, ter sido perseguido pelo regime do general Muhammad Zia-ul-Haq. Um de seus livros mais conhecidos é Mapas para amantes perdidos, de 2004, que aborda o amor e a intolerância religiosa a partir da história de um casal paquistanês cuja união informal ofende as leis do islamismo.
DANIYAL MUEENUDDIN
Paquistanês-americano nascido em 1963, o autor fez sua estreia literária com Em outros quartos, outras surpresas, com o qual foi finalista do Pulitzer e do National Book Award. O livro propõe um retrato do Paquistão em oito contos que revelam as desigualdades do país, com personagens interligados pela sujeição a um rico proprietário de terras.
UZMA ASLAM KHAN
Aos 54 anos, a autora é uma voz proeminente da literatura paquistanesa. Publicado no Brasil em 2008, Transgressões revela o peso das tradições de seu país a partir da história de Daanish, que vai estudar jornalismo nos Estados Unidos e, ao voltar ao Paquistão para o funeral do pai, envolve-se em um amor proibido, contra os valores de sua família.
NOSSA AUTORA DE MAIO DA TAG CURADORIA!
Sim, o Paquistão reaparece em nossa próxima edição! Escrito por uma autora que já figurou na Granta, o livro comprova que narrativas de escritores de uma mesma nacionalidade podem representar as mais variadas experiências. No caso, acompanhamos o drama de uma família de imigrantes que vive na Inglaterra. Com temas como identidade, amor, xenofobia e terrorismo, a obra propõe uma releitura contemporânea da peça Antígona, de Sófocles.
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Guia de perguntas sobre Como ficar podre de rico na Ásia emergente
1. O que você achou do formato de autoajuda proposto pelo autor?
2. Qual é a sua visão sobre a trajetória do protagonista? A partir da história dele, reflita sobre as noções de sucesso e riqueza suscitadas pelo livro.
3. Como você avalia a relação entre o protagonista e a “moça bonita”?
4. Você já havia se aprofundado nas questões da Ásia emergente? Leia a matéria da página 14 e discuta o modo como o livro contemplou os problemas sociais e econômicos da região.
5. Quais as suas impressões sobre o desfecho do livro?
Política, relações familiares e terrorismo são temáticas presentes no livro de maio, que propõe uma releitura contemporânea da peça Antígona, de Sófocles. O título foi indicado pela escritora brasileira Nara Vidal. Ah, não se preocupe: embora também tenha sido escrito por uma autora de origem paquistanesa, é um romance muito diferente do de abril.
Para quem gosta de: ficção contemporânea, autoria feminina, temas políticos
Indicado pela filósofa e escritora italiana Ilaria Gaspari, o livro de junho é um sucesso norte-americano dos anos 1950. Transformada em filme e em musical da Broadway, a obra apresenta uma narrativa irreverente em torno de um garoto órfão enviado para viver com sua tia em Nova York.
Para quem gosta de: literatura norte-americana, clássicos, comédias