"Igualzinho a você" - TAG Inéditos Dez/2021

Page 1

Igualzinho a você


taglivros contato@taglivros.com.br www.taglivros.com

TAG Comércio de Livros S.A. Tv. São José, 455 | Bairro Navegantes Porto Alegre — RS | CEP: 90240-200 (51) 3095-5200

dezembro de 2021

QUEM FAZ

RAFAELA PECHANSKY

JÚLIA CORRÊA

LAURA VIOLA HÜBNER

LUÍSA SANTINI JANUÁRIO

Publisher

Editora

Assistente

Assistente

ANTÔNIO AUGUSTO

LIZIANE KUGLAND

PAULA HENTGES

LAÍS FONSECA

Revisor

Revisora

Designer

Designer

PÂMELA MAIDANA

LUANA PILLMANN

GABRIELA BASSO

Estagiária de Editorial

Estagiária de Design

Estagiária de Design

Impressão Impressos Portão Capa Rafael Nobre


OLÁ, TAGGER O poeta israelense Yehuda Amichai nos lembra que "do lugar onde sempre estamos certos/nunca brotarão/ flores na primavera”. Se evocamos tais versos na abertura desta revista é porque parecem sintetizar o espírito do livro que chega agora às suas mãos. Em Igualzinho a você, Nick Hornby nos situa em uma Inglaterra polarizada, em pleno processo de votação do Brexit, termo pelo qual ficou conhecida a saída do Reino Unido da União Europeia. Em entrevista à TAG, o escritor britânico conta que a sua ideia com o romance era apresentar, nesse contexto de intensa polarização, um casal desafiado pelas diferenças. No caso, Lucy e Joseph têm visões políticas distintas, idades e origens sociais discrepantes, além de ela ser branca e ele, negro. Quando se envolvem, suas crenças e convicções são abaladas, e ao leitor caberá desvendar se algo brotará desse encontro com a chegada da primavera. Usada como metáfora por Amichai, a estação do ano é precisamente aquela em que o livro se encerra. Como destaca o jornalista Mateus Baldi em texto sobre a trajetória do autor — que sucede uma apresentação do livro feita por Luiz Maurício Azevedo —, Hornby é craque em criar figuras que “precisam atravessar o labirinto do cotidiano para encontrar algum sentido para suas vidas”. E, como acrescenta Iarema Soares na crítica publicada ao fim da edição, o autor faz isso com certo humor, “sem tirar o sabor acre que a vida também tem”. Boa leitura!


Unboxing

PROJETO GRÁFICO Ilustrado pelo designer Rafael Nobre (rafaelnobre.com), o projeto gráfico do kit deste mês coloca em foco a relação entre Lucy e Joseph, protagonistas da trama. Na capa, pensada pela designer Ale Kalko (@alekalko), o casal está entrelaçado em um abraço que demonstra certa tensão. As formas vetoriais e as cores quentes e frias, assim como os elementos circundando o abraço, representam a dinâmica criada entre os dois personagens: a de que os opostos se atraem apesar das diferenças. A mesma dualidade aparece na luva, que posiciona cada personagem em um lado antagônico de uma mesa de bar, como se estivessem em espaços totalmente distintos mas, ao mesmo tempo, complementares e iguais.

MIMO Ele está de volta! A última caixinha do ano traz um dos mimos mais amados do clube: o calendário de mesa 2022. Com o título “Qual tipo de tagger você é?” e ilustrado pela designer Renata Miwa (renatamiwa.com), o calendário homenageia a comunidade tagger. Cada mês evoca a representação de um tipo de leitor e leitora diferente — como os taggers viajantes, amantes do design, artistas, shakespearianos e muito mais.


SUMÁRIO 5 O livro do mês

8 O rei da cultura pop

11 Um reino nem tão unido

14 Entrevista com Nick Hornby

17 O inusitado em meio ao inconciliável

19 Retrospectiva

20 Próximo mês



O livro do mês

A SAÍDA FÁCIL Em Igualzinho a você, a própria ideia de amar parece um pouco deslocada em meio a tantas questões que se apresentam como maiores e supostamente mais urgentes

LUIZ MAURÍCIO AZEVEDO

Recorte da capa de Igualzinho a você Rafael Nobre

Nick Hornby é um escritor britânico, especialista em histórias que transformam as coisas que nos afetam em coisas que nos consolam. Seu primeiro livro, Febre de bola, é um conjunto de memórias sobre as agonias e as aleluias da relação entre um torcedor e seu time do coração (no caso, o Arsenal, da Inglaterra). Sua obra mais conhecida no Brasil, contudo, é Alta fidelidade. Nela, um homem de meia-idade procura entender o que deu errado em sua vida através de uma exploração sobre os amores pregressos. Ele chafurda na ideia de que olhar para trás é a melhor forma de seguir em frente, em uma luta contra si mesmo para não crescer. De certa forma, o tema do amadurecimento reaparece agora, nesse Igualzinho a você, romance de 2020 que aborda a vida de Lucy, uma mulher branca na casa dos quarenta anos, e Joseph, um homem negro, vinte anos mais novo que ela. Joseph acredita viver em um mundo no qual as tensões raciais têm pouca ou nenhuma influência em sua vida. Contudo os fatos expostos na narrativa sugerem o contrário. No mais expressivo deles, em uma tentativa de visitar a namorada, é vítima de um constrangimento exemplar sobre as dificuldades da socialização negra em países onde o aparato policial e jurídico tende a abraçar preconceitos e pressuposições racialistas. O episódio dá conta dos limites do relacionamento interracial dos dois. De um lado, Lucy parece pouco disposta a compreender as implicações sociais de ser negro. Do outro, Joseph ainda mora com a mãe 5


e parece estar mais interessado em um relacionamento passageiro do que em uma relação duradoura. Trata-se, portanto, de uma história de amor típica dos nossos tempos turbulentos e rápidos, nos quais a própria ideia de amar parece um pouco deslocada em meio a tantas questões que se apresentam como maiores e supostamente mais urgentes.

SUA OBSESSÃO PELAS COISAS POPULARES, PELA VIDA COTIDIANA DOS INDIVÍDUOS MÉDIOS, TRANSFORMOU SUA LITERATURA EM UMA ESPÉCIE DE CRÔNICA DA EXPERIÊNCIA HUMANA Igualzinho a você traz ainda um certo verniz de crítica social, pois aborda todo o processo de saída do Reino Unido da União Europeia. A história se passa durante um complicado período político, no qual o país estava dividido entre a vontade de declarar-se independente do resto do continente europeu e continuar a usufruir das vantagens comerciais de fazer parte do grande bloco econômico europeu. Embora o Reino Unido nunca tenha adotado o euro, tendo preferido manter sua moeda, a libra — em uma tentativa de assegurar todos os aspectos de sua autoproclamada autonomia política —, muitos viram em sua saída definitiva da União Europeia uma espécie de profissão de fé em sua arrogância e incapacidade de estabelecer laços sociais. Longe dessas questões menores, esse livro se concentra na narração de um romance que interessa muito mais porque se parece com a vida da pessoa comum que vemos toda vez que vamos a um espelho do que com grandes modelos intelectualmente montados

6


para explicar isso ou aquilo. Aliás, tanto Lucy quanto Joseph permanecem em nosso imaginário pessoal justamente porque são, de um modo muito bonito, pessoas imperfeitas vivendo a partir dos limites de suas imperfeições. Não se pode pedir deles heroísmo exacerbado, gestos largos ou magníficos. Eles são os representantes do que temos de comum, de ordinário, de humano. Muitos autores e autoras acreditam que esse tipo de personagem não deve ser levado em conta, mas Hornby não é um deles. Sua obsessão pelas coisas populares, pela vida cotidiana dos indivíduos médios, transformou sua literatura em uma espécie de crônica da experiência humana do final do século XX e dessas primeiras duas décadas do século XXI. Não por acaso, grande parte de suas histórias ganhou adaptações para o cinema. E todas miravam as pessoas comuns, suas dores e suas aspirações. Entretanto, há nelas a centelha de uma energia específica, capaz de acender pontos de conexão entre a vida ordinária e os grandes temas da humanidade. Em Nick Hornby, tudo aquilo que parece meramente pessoal é também profundamente político, sem ser enfadonho. Um livro pode contar várias histórias dentro de uma mesma história. Isso ocorre quando os autores e as autoras conseguem, através do talento, embutir nos enredos pequenas belezas ambíguas, que funcionam como instigantes figuras que, a depender do modo como olhamos, mostram uma coisa ou outra. Temos a habilidade de ver aquilo que podemos ver, da maneira como conseguimos enxergar. Nada do que não podemos suportar nos é possível. Nenhuma história pode ser contada sem que tenhamos condição de suportar a força de seu desenrolar. Somos nós os limites de nós mesmos, no Brasil, no Reino Unido ou na Lua. Igualzinho a você procura nos ensinar a difícil lição de permanecer em movimento, sempre em frente, lado a lado com o que, apesar de não se parecer conosco, é a parte mais importante de nós mesmos.

7


Trajetória

O REI DA CULTURA POP Nick Hornby é craque em criar personagens que precisam atravessar o labirinto do cotidiano para encontrar sentido em suas vidas

UM GRANDE TORCEDOR

MATEUS BALDI

8

Quando Nick Hornby nasceu, em abril de 1957, o rock ‘n' roll ainda era uma novidade da juventude e Elvis Presley, seu rei maior. A Invasão Britânica, capitaneada pelos Beatles, parecia algo distante: não havia nem sombra da profusão de ritmos que o Rob Fleming de Alta fidelidade viria a idolatrar. Em Febre de bola, de 1992, o escritor inglês recorda a infância como um tempo de frustração ao torcer para um time que ficou um bom tempo na fila de títulos. É o caldo dessa formação cheia de estímulos vindos de todos os lados que vai aparecer de forma incontornável em seus livros. Consagrado como um dos nomes que melhor soube capturar o que chamamos de cultura pop, Nick Hornby é craque em criar tipos comuns, pessoas que precisam atravessar o labirinto do cotidiano para encontrar algum sentido para suas vidas. Quando lançado, Febre de bola se tornou um best-seller imediato, vencendo o prêmio William Hill Sports Book of the Year. O livro, registro bem-humorado da relação do escritor com o Arsenal, foi adaptado duas vezes para o cinema: em 1997, com Colin Firth e roteiro do próprio Nick Hornby, e em 2005, dirigido pelos irmãos Farrelly, contando com Jimmy Fallon e Drew Barrymore como protagonistas. Nesta última, a ação foi deslocada para Boston, onde o protagonista é fã de beisebol. Em 2012, Febre de bola entrou para a coleção de clássicos modernos da Penguin.


ALTO SUCESSO

Rob e Barry em cena do filme Alta fidelidade Divulgação

O sucesso estrondoso viria com Alta fidelidade, primeiro romance de Hornby, publicado em 1995. Nele, sai de cena a Londres espetaculosa e entra a cidade do dia a dia, onde Rob Fleming mantém uma loja de vinis. Dividindo-se entre a paixão por música e uma vida amorosa desastrada, ele toca seu negócio com o auxílio de Barry e Dick, dois nerds musicais sem nenhum traquejo social. Quando o livro começa, encontramos Rob manifestando as características que o acompanharão pelas próximas 300 páginas: neuroses cavalares, forte inclinação para listas aleatórias e muitos, muitos problemas com o mundo à sua volta. A partir de um top five de “términos de namoro mais memoráveis de todos os tempos”, aqueles que levaria para uma ilha deserta, Rob nos coloca dentro da sua mente. Não demora muito para sermos tragados para uma mistura mezzo surrealista, mezzo kitsch de referências musicais, culturais, problemas familiares, opiniões controversas, listas, uma dicção aceleradíssima e — por que não? — muito mais listas. Se Barry e Dick servem de espelho distorcido para Rob, tornando-o agradável aos nossos olhos, é a presença magnética de Laura, sua ex, o elemento que nos fornece a lente ideal para acompanhá-lo. A ingenuidade diante do mundo, os comentários ácidos que denotam a falta de maturidade, a comicidade das situações em que se mete: Rob é um retrato do que aconteceu à geração dos anos 80 quando as festas acabaram e a rotina se impôs. É quase impossível não gargalhar com suas tiradas tentando imitar Philip Marlowe, protagonista de O sono eterno, um dos seus livros preferidos. No fundo, ele

9


é a personificação de um Holden Caulfield tardio, o herói forjado nos anti que sua geração precisava e não sabia. No fim das contas, manter a Championship Vinyl não significa apenas resistir; trata-se de encontrar um modo de sobreviver. Alta fidelidade foi adaptado para o cinema em 2000 e se tornou um filme cultuado de Stephen Frears. A exemplo de Febre de bola, também se passa nos Estados Unidos, na cidade de Boston, e conta com John Cusack e Jack Black como Rob e Barry respectivamente. Em 2020, foi adaptado para a televisão, dessa vez com Zoë Kravitz interpretando Rob. No filme, a mãe de Kravitz, Lisa Bonet, interpretou a cantora Marie de Salle, que chega a Londres e tumultua o coração do protagonista.

Capa Alta fidelidade Divulgação

10

UMA LONGA PAUSA O livro seguinte de Nick Hornby, Um grande garoto, foi outro grande sucesso levado às telonas, com Hugh Grant como Will Freeman. Na trama, um homem inventa filhos para frequentar reuniões de pais e se aproximar das mães. Nos anos 2000, Hornby publicou quatro romances, livros de ensaios e coletâneas das suas colunas na revista The Believer. Ele passou a década seguinte atuando como roteirista. Seus roteiros mais famosos são Educação, baseado nas memórias da jornalista Lynn Barber, e Brooklyn, baseado no livro homônimo do escritor irlandês Colm Tóibín. Ambos renderam a Nick Hornby indicações ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Seu único romance publicado nos anos 2010, Funny Girl, narra a história de uma jovem que sonha ser comediante na Inglaterra dos anos 1960, traçando um divertido panorama da televisão britânica e da efervescência cultural no período.


Para ir além

UM REINO NEM TÃO UNIDO Conheça mais detalhes do Brexit, acontecimento político que é pano de fundo da trama de Nick Hornby

EDUARDO PALMA

O que é o Brexit? Quando o Big Ben soou pela primeira vez em 2021, foi oficializado o divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia depois de quase 50 anos. Brexit, a abreviação de British exit, foi o termo popularizado para definir a saída do país do bloco de integração europeu, composto por 27 países. Apesar de ser um dos principais grupos de integração econômica, social e cultural do planeta, promovendo a livre circulação de cerca de 450 milhões de pessoas, bens, serviços e capitais, os benefícios dessa união não foram suficientes para sustentá-la. Agora, entre o otimismo e o arrependimento, os britânicos se dividem após a histórica decisão e reconstroem os termos da relação com o continente — e com o mundo. O resultado Depois de quase quatro anos de intensas disputas políticas, prazos adiados, quedas de governo e tentativas de acordo frustradas, a saída do Reino Unido passou a valer nas primeiras horas de 2021. A decisão de deixar a UE foi resultado de um plebiscito realizado em 23 de junho de 2016. Na ocasião, 52% dos cidadãos — ou 17,4 milhões — optaram pelo Brexit. Outros 16,1 milhões votaram pela permanência.

11


Resultados do plebiscito - por região

62,0%

55,8%

58,0% 53,7% 57,7%

O plebiscito Chamar o plebiscito foi uma aposta arriscada do então premiê David Cameron para tentar acalmar os ânimos e encerrar o assunto que ganhou popularidade no debate político em 2015 e 2016. O pano de fundo da questão eram as discussões sobre o aumento da imigração, com o número recorde de 329 mil no saldo migratório de 2015, além da proteção das fronteiras, a soberania nacional e a identidade cultural. “Cameron colocou a votação para resolver a questão. Achava que não ia passar e fez campanha contra o Brexit”, explica Carlos Poggio, professor de relações internacionais da FAAP.

58,8% 52,5%

59,3% 56,5% LONDRES

52,6%

59,9%

48,1% 51,9%

51,8%

Com a derrota por mais de 1,2 milhão de votos, Cameron renuncia. Sua sucessora, Theresa May, ficou três anos no poder, mas foi marcada por apostas que falharam, segundo Poggio. “Ela chama uma eleição fora de hora porque julgava que conseguiria mais apoio e fortaleceria seu partido. Mas as eleições são um desastre e o processo fica muito mais complicado.” Após derrotas seguidas, May deixa o governo e dá lugar ao populista Boris Johnson, ex-prefeito de Londres e apoiador do Brexit. Ele foi o responsável por liderar as negociações concluídas com a cúpula da União Europeia em 2020. 12

Sair Permanecer


Quem apoia o Brexit? Embora seja difícil rotular apoiadores da decisão, o professor Carlos Poggio enumera algumas características. Em geral, são pessoas do interior, com menos escolaridade, menos acesso a oportunidades econômicas e mais velhos. O resultado da votação no mapa (confira na imagem anterior) mostra a capital, Londres, rodeada por um “oceano” de pessoas que optaram pela saída da União Europeia. Além de Londres, apenas Escócia e Irlanda do Norte optaram pela permanência. Apoiadores do Brexit também são, em geral, mais conservadores e mais adeptos ao discurso nacionalista. “São pessoas apegadas ao local, à terra, às tradições, e que têm uma sensação de que aquele local está mudando, está sendo transformado e elas não têm para onde ir”, diz Poggio.

Quem é contra? Em geral, são os habitantes das grandes cidades, mais jovens e mais cosmopolitas. Tendem a gostar de ter conexões multiculturais, ter amigos de outras nacionalidades e mais possibilidades de desfrutar da integração com os outros 27 países europeus, como no caso de intercâmbios, estudos em universidades estrangeiras e viagens ao exterior. “São pessoas que se veem como cidadãos globais."

Consequências Poggio avalia que é cedo para identificar consequências da saída, mas em 2021 já houve sinais visíveis, como desabastecimento nos supermercados, aumento da inflação e longas filas em postos para estocar combustível. Em setembro, o país foi obrigado a conceder 10 mil vistos para caminhoneiros e trabalhadores da indústria de carnes para evitar uma crise no setor alimentício. Por outro lado, sem a burocracia da estrutura da União Europeia, a vacinação avançou com mais fluidez no território britânico do que nos países europeus.

13


Entrevista

"SERIA DESONESTO DIZER QUE MINHAS ÚNICAS INFLUÊNCIAS SÃO LITERÁRIAS" Nick Hornby conta sobre o processo de escrita de Igualzinho a você e destaca que suas referências vão além dos livros

JÚLIA CORRÊA

14

Lucy e Joseph são muito diferentes entre eles, a começar pela idade, mas passando também por origens sociais e visões políticas. O que te motivou a criar um casal com tantas diferenças assim? Esse foi o ponto de partida. Nosso país estava muito dividido na época em que escrevi o livro — ainda está! —, e eu queria criar duas pessoas essencialmente boas que parecessem estar muito distantes uma da outra e fazê-las superar cada obstáculo, ou tantos quanto eu conseguisse criar. A idade acabou sendo o maior problema.


Você ponderou, de alguma forma, a decisão de criar uma personagem mulher branca, de um lado, e um homem negro, de outro, considerando as vivências específicas de cada um? Nesse sentido, teve alguma hesitação ao reconstruir situações de preconceito racial, como a abordagem policial sofrida por Joseph? Não, eu fiquei muito mais nervoso com todo o resto! Eu sei que muitos dos amigos negros do meu filho são frequentemente abordados pela polícia, então isso me pareceu uma premissa segura. Culturalmente, fiquei mais inseguro. Pedi que algumas pessoas lessem. Mas realmente quero escrever sobre TODO o meu país, não só sobre as partes que se parecem mais com a minha.

O autor, Nick Hornby Sigrid Estrada

O Brexit é um tema bastante presente em Igualzinho a você. Há quem diga que a sociedade britânica não se divide mais entre conservadores e trabalhistas, mas entre defensores e opositores do Brexit. Como se deu o processo de transpor essa polarização para uma obra literária? Considera um desafio abordar um tema tão recente e controverso? Não foi um desafio, na medida em que apresentei o tema como uma questão do presente — que é o que ele é. Há elementos do Brexit que são universais e permanentes. O importante foi evitar que soasse como algo definitivo, como se fosse do passado. Esse tema não morreu. Nem é passado. É possível notar certa solidão vivenciada pelos personagens. Inclusive em momentos de interação social — seja Lucy na fila do açougue com a amiga, seja Joseph na festa com pessoas da idade dele —, os protagonistas parecem sempre hesitantes, imersos em divagações. Mesmo personagens secundários sofrem com o vício em drogas, com a impotência sexual e com a insatisfação conjugal. Como você avalia esse aspecto em sua obra? Isso faz parte da vida na cidade. Todo mundo tem uma história, e geralmente essa história inclui dificuldades. Seria loucura fingir que QUALQUER pessoa tem exatamente a vida que gostaria de ter. 15


A ESTANTE DO AUTOR

Além da literatura, você tem uma série de projetos audiovisuais. Em Igualzinho a você, encontramos referências do universo televisivo — Lucy e Joseph assistem juntos a Os Sopranos, por exemplo. Pode nos falar um pouco da importância disso em sua produção? É algo secundário ou ocupa o mesmo espaço que a literatura? Filmes e séries televisivas são uma inspiração relevante para você? Filmes e programas de TV sempre foram uma inspiração, em toda a minha vida. Eles me ensinaram a escrever, assim como os livros me ensinaram a escrever. Minha geração cresceu com a televisão, e alguns programas são tão inteligentes e bem escritos quanto um livro. Seria desonesto dizer que minhas únicas influências são literárias. Tradução

O primeiro livro que eu li: Provavelmente Janet and John, uma série de livros da época em que eu estava na escola. A maioria do que eu lia era história em quadrinhos. O livro que estou lendo: Unquiet, de Linn Ullmann. O livro que mudou a minha vida: Mystery Train, de Greil Marcus. Foi o primeiro livro que eu li que colocava a música em um contexto cultural importante. O livro que eu gostaria de ter escrito: Não gostaria de ter escrito um livro de outra pessoa. Eu adoro ler. Adoro ler grandes livros. Fico feliz de não ter tentado escrever um. Mas gostaria de já ter escrito meu próximo livro.

Ana Beatriz Fiori

O último livro que me fez rir: Sorrow and Bliss, de Meg Mason.

O livro que eu dou de presente: Boom Town, de Sam Anderson. É sobre a história de Oklahoma City. Ninguém sabe que quer esse livro, e todos adoram.

16


Crítica

O INUSITADO EM MEIO AO INCONCILIÁVEL Trama não deixa de lado a densidade de um relacionamento interracial inserido em uma sociedade racista

IAREMA SOARES

O sistema em que estamos inseridos nos força a olhar para o amanhã, para o que está por vir, para como estará a nossa vida daqui a um punhado de anos. Uma série de ferramentas nos auxilia a planejar o futuro, mas o prazer do agora vem sendo deixado de lado em nome do cumprimento da próxima meta. A ansiedade constante pelo novo gradativamente torna opaca a fruição do que se tem. Na contramão dessa aceleração, está um dos pilares de sustentação da relação entre os protagonistas de Igualzinho a você: o desfrute da vida que há no presente. Publicada em 2020 pelo escritor inglês Nick Hornby, a obra é sobre dois habitantes de áreas distintas de Londres. Joseph tem 22 anos, é negro, tem uma série de trabalhos de meio turno e sonha em ser um DJ conhecido. Já Lucy é uma mulher branca de 42 anos, divorciada, diretora do departamento de inglês de uma escola e mãe de dois meninos. O romance passa por atravessamentos esperados, oriundos de duas pessoas de idades e de classes diferentes que desenvolvem um enlace. Porém não é deixada de lado a densidade de um relacionamento interracial inserido em uma sociedade racista, que enxerga o negro como um inimigo, como alguém a ser abatido.

17


Outro elemento que traz sabor e tensão à trama é o momento político no qual ela está inserida, o Brexit — plebiscito que definiria a saída do Reino Unido do bloco econômico europeu. Pano de fundo da narrativa, esse elemento constantemente permeia os diálogos e atritos entre as personagens principais e secundárias. Mas, em meio ao caldeirão sociopolítico, o que ganha força no decorrer das páginas é a história de Joseph e de Lucy, dupla essa que empresta fôlego ao enredo por ser carismática e humana. Assim como na vida real, ambos não são compostos por cores opostas, não apresentam características estereotipadas e enrijecidas. Pelo contrário, uma vasta paleta de cores ajuda a compor a identidade de cada um deles. A trajetória dos dois é permeada pelo humano, pelos erros, pelas decepções, pelas falhas e pelas pressões sociais. Os protagonistas ocupam exatamente a posição oposta de um em relação ao outro. São sujeitos de classes, de culturas, de idades e de raças diferentes. Entretanto algo os conecta, mas até quando esse elo aguentará tamanhos encontros e desencontros? Igualzinho a você tem um sabor doce, contudo amargo. Passeia pela comédia, sem tirar o sabor acre que a vida também tem, e chega ao âmago do que o bem-querer pode provocar em vidas pacatas. A obra versa sobre a possibilidade de aproximação do outro, mesmo quando isso parece improvável e, ao mesmo tempo, inevitável; sobre a impossibilidade do amor-romântico, do desastre que pode estar atrelado ao par perfeito; e sobre o que realmente faz uma pessoa querer estar com outra. Por meio de conversas cotidianas, mas recheado por diálogos potentes, percebemos com maior afinco que todos entendem e sabem onde estão pisando. Não há segredos ou palavras não ditas; o que é sentido é verbalizado, independentemente do custo que isso tenha.

18


Tagger, É o amor pelos livros que nos une aqui. E não foi diferente em 2021. Aliás, eles foram essenciais para nos manter próximos quando a pandemia parecia não nos dar sossego, quando a necessidade de isolamento era uma realidade que parecia interminável. Ainda bem que a literatura raramente falha em nos oferecer companhia, em nos conectar com outras pessoas e em nos ajudar nas travessias mais difíceis. E foi ao lado de personagens instigantes e de taggers incansáveis que enfrentamos um dos momentos mais desafiadores da nossa história. Entre tantas páginas memoráveis, pudemos lembrar que, apesar dos obstáculos, a vida pode ser bela e colorida. Não foi assim com o romance sobre Frida Kahlo enviado em janeiro? Nos meses seguintes, atravessamos longos e claros rios com nomes como Liz Moore. Imaginamos vidas possíveis com Matt Haig e sua biblioteca cheia de magia. Sonhamos com futuros mais dignos ao lado de uma garota que não quis se calar. Também redescobrimos o poder da amizade com figuras encantadoras como Lenni e Margot. 2021 chega ao fim e dá espaço agora a um novo ano, a novos sonhos, a novos amores. E, no período que está por vir, esperamos que essas narrativas continuem a encantar, gerar reflexões e, claro, a despertar a sua vontade de embarcar conosco em mais aventuras. Vamos juntos? Um abraço forte, Equipe TAG

19


Próximo mês

VEM POR AÍ JANEIRO Para abrir 2022 em grande estilo, convidamos o associado da TAG a viajar até a cidade de Jaipur, na Índia. Também será uma viagem no tempo: seremos transportados para os anos 1950 para acompanhar a história de duas irmãs tentando navegar a vida de luxos e intrigas de uma sociedade presa no meio do caminho entre tradição e modernidade. As protagonistas terão de responder: o que você seria capaz de sacrificar pelo seu bem mais precioso? Até onde você iria pela sua independência? Para quem gosta de: outras culturas, protagonistas mulheres fortes, intrigas e fofocas

FEVEREIRO O segundo livro do ano enviado pela TAG apresenta um enredo sensível sobre a busca de sentido para a vida na terceira idade. Escrita por uma autora britânica, a história gira em torno de uma senhora que se entusiasma com uma expedição que está sendo realizada na Antártica, local que lhe proporcionará a oportunidade de abrir o seu coração e repensar os seus afetos. Para quem gosta de: ficção contemporânea, histórias delicadas e acalentadoras

20


21


“O senhor… Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.” – João Guimarães Rosa 22


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.