"Somos todos adultos aqui" - Revista TAG Inéditos Jun/21

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Somos todos adultos aqui 1


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junho de 2021

COLABORADORES

FERNANDA GRABAUSKA

RAFAELA PECHANSKY

LAURA VIOLA HÜBNER

Editora-chefe

Publisher

Assistente

SOPHIA MAIA

CAROLINE CARDOSO

PAULA HENTGES

Assistente

Revisora

Designer

KALANY BALLARDIN

GABRIELA BASSO

Designer

Designer

Impressão Impressos Portão

Capa Paula Cruz


OLÁ, TAGGER Somos todos adultos aqui é um livro sobre uma família e sobre uma cidade. Como os afetos se distribuem ao longo de nossa vida? De que forma nos escondemos pelas ruas da cidade em que nascemos e daqueles que tanto amamos? A história dos Strick é a história de muitas famílias: parece que nunca é hora de mudar de rumo – mas sempre é hora de mudar de rumo. Nesta edição, você conhecerá a história do livro do mês e de sua autora, a deliciosamente estranha Emma Straub. Você conhecerá a simpática Clapham, cidade fictícia aonde vivem os Strick, linhagem que, parente por parente, também é explicada a você. Um dos temas centrais da obra de Emma Straub é a questão da identidade. Em Somos todos adultos aqui, a transgeneridade aparece de uma forma que pode parecer inusitada para muitos: a partir de uma personagem criança. Por isso, conversamos com uma especialista a respeito da urgente naturalização da questão da identidade de gênero. Boa leitura!


UNBOXING MIMO

O mimo deste mês emoldura momentos especiais em família. Trata-se de um conjunto de dois porta-retratos magnéticos para fotografias 10x15cm. Acompanha um conjunto de ímãs colecionáveis com ilustrações da designer Gabriela Basso que retratam os personagens da obra de junho.

PROJETO GRÁFICO

A designer + ilustradora Paula Cruz inspirou-se nas ilustrações da revista The New Yorker e na vibração visual das capas de outras obras de Emma Straub para compor o projeto gráfico do mês. A composição da capa do livro mostra os personagens quase em uma ciranda, no intuito de simbolizar tanto a questão do afeto familiar tão presente ao longo da história quanto o entrelaçamento de vidas em uma comunidade. Paula Cruz é mestra em Design pela PUC-Rio, onde pesquisa novas formas de leitura. Baseada no Rio de Janeiro, é professora de design e de ilustração no Crehana e na Miami Adschool, além de ser sócia-fundadora da Farpa, "uma editora de publicações pontiagudas". Conheça mais o trabalho de Paula em paulacruz.com.br.


SUMÁRIO 5 O livro do mês

8 A que se destaca na multidão

11 Com vocês, a família Strick

14 A pequena e charmosa Clapham

16 Quem vai cuidar da criança queer?



O livro do mês

UMA CAIXA CHEIA DE ESCURIDÃO DÉBORA SANDER

Recorte da luva de Somos todos adultos aqui Paula Cruz

Alguns episódios que marcam nossas vidas acontecem cedo demais para lembrarmos – como o seu primeiro encontro com sua mãe ou o dia em que você aprendeu a caminhar. Outros se repetem na nossa cabeça ao longo dos anos como cenas de um filme – você se lembra do dia em que conheceu seu melhor amigo? E de quando você pegou seu filho ou seu irmãozinho no colo pela primeira vez? Enfim, há aqueles acontecimentos que, sem que pudéssemos prever, acabam transformando nossa forma de ver o mundo - você já pegou um livro sem saber muito bem o que esperar e, de um jeito insuspeitado, ele acabou influenciando profundamente a maneira como você se relaciona com a vida? Em Somos todos adultos aqui, a escritora norte-americana Emma Straub abre a narrativa descrevendo o acontecimento que fez a personagem Astrid Strick, uma matriarca de 68 anos, colocar o próprio passado em perspectiva, revisitar sua relação com os filhos e se encher de coragem para assumir um romance há muito escondido. Após presenciar a trágica morte de uma conhecida com quem não tinha proximidade ou pela qual sequer nutria qualquer simpatia, Astrid toma a decisão de contar aos filhos sobre seu relacionamento e de assumir uma atitude mais vulnerável 5


e afetiva com sua família, tentando deixar para trás a rigidez e a postura crítica que caracterizavam seu comportamento até então. Quando Astrid pensa estar pronta para assumir essa nova conduta, nem tudo sai como planejado. Ela descobre que tornar-se uma mãe mais amorosa e aprender a acolher seus filhos adultos em suas emoções, dúvidas, ressentimentos e falhas é um processo longo, por vezes frustrante e sem muito espaço para o orgulho. Além das próprias limitações, Astrid esbarra nos traumas de seus filhos Elliot, Porter e Nicky, cada um deles mergulhado em sensações de insuficiência, inadequação e incompreensão em relação à mãe, aos irmãos e aos próprios filhos. Nos agradecimentos de Emma Straub ao final de Somos todos adultos aqui, a autora menciona a importância da poesia de Mary Oliver para que ela pudesse compreender melhor a trama que estava escrevendo. No poema The Uses of Sorrow (Os Usos da Mágoa, em tradução livre), publicado em 2007, a poetisa norte-americana, ganhadora do Prêmio Pulitzer, diz:

"ALGUÉM QUE AMEI UMA VEZ ME DEU UMA CAIXA DE ESCURIDÃO. DEMOREI PARA ENTENDER QUE ERA, TAMBÉM, UM PRESENTE." No transcorrer das páginas de seu livro, Emma Straub desenha com delicadeza caminhos que se entrecruzam e indicam que lidar com as sombras daqueles que amamos pode nos tornar pessoas muito melhores - e mais felizes. Ao avançar no livro deste mês, repleto de passagens bem-humoradas e irônicas, mas também de profundidade, você vai mergulhar em um espaço convidativo para um encontro com seus próprios ressentimentos – o que minha família foi capaz de fazer de mim? – e com 6


A escritora Emma Straub Melanie Dunea

Quer mais motivos para ler a obra do mês? Acesse nosso app pelo QR code abaixo:

suas culpas – o que eu fui capaz de fazer com pessoas que eu gosto? Se há alguma conclusão possível, é esta: em uma família, a regra geral é que todos estão tentando fazer o melhor que podem, dentro dos limites de seus próprios medos, enrijecimentos e mecanismos de defesa, e é claro que saber disso não protege nenhum de nós de ser magoado nem de magoar. Dentro desta temática abrangente, a narrativa de Somos todos adultos aqui alterna entre os pontos de vista de toda a família, tocando de forma sensível em assuntos como sexualidade, identidade de gênero, autoestima, parentalidade, amizade e amadurecimento - que, diferentemente do que pensamos quando somos adolescentes, é um processo que nunca termina, se desenrolando vida afora. Passamos todos os nossos anos de vida aprimorando quem somos para nos tornarmos uma versão mais suave, gentil e consciente de nós mesmos e das nossas próprias falhas, procurando transmutar essas faltas em algo que nos alimente. Esperamos que esse livro lhe ajude a percorrer esse caminho. 7


Perfil

A QUE SE DESTACA NA MULTIDÃO Crescida no caos e na agitação da cidade grande, Emma Straub olha para o mundo ao seu redor e cria personagens deliciosamente problemáticos

HENRIQUE SANTIAGO

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Emma Straub organizou dezenas de seus livros lançados no exterior em uma prateleira com três divisórias. Há edições em português, alemão e polonês, todas separadas por idioma e em uma composição harmônica de cores. Mania de escritora-livreira ou descoberta de funções na quarentena? Bem, talvez os dois. A nova-iorquina de 40 anos lançou seu último livro, Somos todos adultos aqui, no começo da pandemia de coronavírus, em maio de 2020. Semanas antes, em março, ela teve que fechar a livraria Books Are Magic (Livros são mágicos, em tradução literal), cujo sócio é o marido, Mike. Emma se divide entre a divulgação do seu novo romance na frente da tela de um computador, as preocupações com o seu negócio independente e a educação dos dois filhos pequenos. É uma vida aparentemente longe de ser enlouquecedora, que se assemelha à realidade vivida por grande parte das pessoas.


Somos todos adultos aqui é uma obra que, assim como Amantes modernos ou Os veranistas, livros anteriores de Emma, apresenta vários personagens, todos muito característicos. Nesta edição lançada pela TAG nos deparamos com conflitos geracionais a partir da crise existencial da protagonista, Astrid Strick, uma senhora com quase 70 anos. Imagine, então, que loucura seria transpor essas mulheres e esses homens, todos com suas ambivalências, manias e peculiaridades, para dentro de uma casa com total isolamento social do mundo lá fora. Entendida no assunto, Emma relaciona a maternidade com o casamento, mostrando que ambos só funcionam se o questionamento de valer a pena ou não surgir com muita frequência. A escritora se define como alguém que age primeiro para depois pensar nas consequências, ou seja, um tanto destemida – comportamento típico de um personagem criado por ela na ficção.

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É incitante pensar o que se passa dentro de sua cabeça na hora de criar um protagonista ou um coadjuvante de um romance. Aliás, livros e imaginação foram materiais físicos e mentais que nunca faltaram à pequena Emma Straub. Ela cresceu em meio aos livros e, não curiosamente, é filha de um autor de sucesso do gênero de terror, Peter Straub, e de uma professora de educação infantil. Refletir sobre seus muitos personagens dentro de uma trama é voltar os olhos para o que se sabe do cotidiano dela. Emma cresceu em Manhattan, no coração de Nova York, uma cidade com mais de oito milhões de habitantes - o dobro se expandir para a região metropolitana, e hoje vive no não menos agitado e cosmopolita Brooklyn, onde também está a Books are magic. Como toda cidade grande, Nova York pode ser um refúgio para aqueles que querem ser anônimos em meio à multidão. Para escritores, observar as ações de estranhos que se perdem no horizonte é uma oportunidade para criar. E não necessariamente precisa ser nas ruas da megalópole onde se passa Somos todos adultos aqui. Encontrar “o” alguém ideal pode estar no entra e sai de uma livraria, enquanto se arruma os seus livros de acordo com o idioma.

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Reportagem

COM VOCÊS, A FAMÍLIA STRICK Frida Kahlo e as ores da vida

A abundância de personagens e o espaço que Emma Straub dá a cada um deles em Somos todos adultos aqui é certamente um aspecto decisivo para que possamos compreender a teia complexa de sentimentos e memórias que costuram a história. Para ajudar você a se localizar em meio a tantos pontos de vista, fizemos uma breve apresentação das cinco figuras principais.

ASTRID STRICK

Recorte da capa da revista de Somos todos adultos aqui Paula Cruz

Matriarca da família, Astrid é viúva há vários anos e vive sozinha na grande casa onde criou seus três filhos com seu marido, Russell. Aos 68 anos, ela é uma das pessoas mais engajadas da cidade no movimento “Think Local, Shop Small”, e procura passar aos filhos e netos suas ideias de defesa dos pequenos comércios da cidade. Rígida e pouco habilidosa em demonstrar seus sentimentos, Astrid vai assumindo uma personalidade mais doce e afetuosa depois de mudar os rumos da sua vida romântica. Apesar de Somos todos adultos aqui ter vários protagonistas, já que a narrativa alterna os pontos de vista da família, Astrid é quem conduz muitas das reflexões mais significativas da história, que colocam em perspectiva as transformações pelas quais passamos ao longo da vida. 11


ELLIOT STRICK

O primogênito de Astrid e Russell é o filho que mais absorveu o comportamento pouco afetivo da mãe. Em várias passagens do livro percebemos a resistência de Elliot em manifestar seus sentimentos – mas não duvidamos de que eles estão lá. Atormentado pela obrigação de ter uma carreira de sucesso, ele leva uma vida bastante convencional ao lado de seus dois filhos pequenos e cheios de energia, os gêmeos Aidan e Zachary, e de sua esposa Wendy – a quem Elliot delega os cuidados com as crianças sem grandes constrangimentos enquanto passa a maior parte do seu tempo trabalhando na Strick Brick, uma empresa de construção.

PORTER STRICK

Já a filha do meio foi quem puxou de Astrid a coerência com a defesa dos negócios locais. Ela própria administra uma criação de cabras para produção de queijo e vende os produtos Clap Happy nos mercados da cidade e de Nova York. Após anos procurando um parceiro amoroso para realizar seu desejo de ser mãe, ela toma uma atitude decisiva para realizar seu sonho. Vulnerável aos julgamentos da mãe sobre sua decisão e não tão conformada assim com a ideia de criar um filho sozinha, Porter passa vários capítulos do livro caindo em atitudes impulsivas e um tanto adolescentes para lidar com suas inseguranças.

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“Quem diria que a viver? Tinta, O que faria eu sem o absurdo e o fugaz?” –

da Kahlo


NICKY STRICK

Visto como o favorito dos pais por seus dois irmãos mais velhos, Nicky mora em Nova York com sua esposa Juliette, onde leva uma vida comum depois de desistir da fama que conquistou no início da vida adulta, quando interpretou o protagonista de um filme popular. O caçula é afetivo, espontâneo e comunicativo e aprecia a vida sem grandes ambições, diferentemente de seu irmão Elliot. A insegurança de Nicky está na criação de sua filha Cecília, marcando uma das temáticas centrais de Somos todos adultos aqui: os equívocos que os pais cometem com os filhos mesmo quando estão fazendo o melhor que podem.

CECÍLIA STRICK

A neta de Astrid e filha de Nicky e Juliette, se muda para Clapham para morar com a avó após um incidente na escola onde estudava no Brooklyn. Contrariada e sentindo-se injustiçada com a imposição dos pais, mas aberta a se relacionar com sua família expandida em Clapham, aos 13 anos Cecília parece representar o perfeito equilíbrio entre a infância e a adolescência: demonstra querer ser cuidada e apoiada por seus pais, mas cultiva uma maturidade e uma autonomia que nem todos os adultos da trama conseguem alcançar. Do ponto de vista de Cecília, acompanhamos passagens simbólicas que fazem lembrar situações que todos vivemos no início da adolescência.

Frida K 13 as ores d


A PEQUENA E CHARMOSA CLAPHAM Emma Straub cria uma cidade encantadora para situar seus personagens

A história de Somos todos adultos aqui é ambientada na pequena cidade ficcional de Clapham, situada no vale do Rio Hudson, cerca de duas horas ao norte de Nova York. Algumas cidades reais aparecem na narrativa e nos dão uma ideia de onde a cidade estaria no mapa, como Rhinebeck, New Paltz e Tivoli. Durante a leitura, você possivelmente vai se sentir como um turista sendo levado por um morador local a percorrer as ruas de Clapham. Na narrativa, Emma Straub não poupa detalhes sobre as rotinas dos moradores da cidade, os pequenos comércios no centro de Clapham e as coordenadas que conduzem o caminho da casa de Astrid até as casas de seus filhos, a estação de trem ou o salão de beleza. Segundo Astrid, Clapham é uma cidade LGBTQIA+ friendly habitada por pessoas que seguem as regras, fazem o bem e mantêm seus gramados aparados. Segundo sua neta Cecília, também é uma cidade onde todos deixam suas portas destrancadas. É o típico lugar onde, ao sair para dar uma volta, fazer compras ou comer fora, você correria o risco de encontrar seu chefe, seu professor de yoga, sua avó, seu ex-namorado do Ensino Médio e seu desafeto da adolescência. Também é o lugar 14


"Pelo menos a Pizzaria do Sal, na porta logo ao lado, era encantadora, com suas paredes de ladrilho branco e vermelho e suas caixas com um retrato impresso do proprietário bigodudo." onde sua melhor amiga poderia facilmente ser professora da sua sobrinha, e onde quase todos os adultos frequentaram o mesmo colégio na infância. Apesar de pequena, Clapham é uma cidade cheia de personalidade: seus moradores defendem as iniciativas locais e buscam proteger a região das grandes cadeias de lojas, mantendo os negócios sob a gestão de quem mora na cidade. “Think Local, Shop Small” é quase um slogan de Clapham. O receio toma conta dos comerciantes locais quando um prédio situado no centro da cidade é vendido e ninguém sabe quem foi o comprador. O mistério sobre o tipo de comércio que vai se instalar no lugar ameaça os negócios dos pequenos empresários - se foi algum morador da cidade que adquiriu o prédio, por que a pessoa estaria mantendo segredo? Rapidamente você vai se familiarizar com os lugares favoritos dos moradores de Clapham e, quem sabe, até vai se imaginar tomando café da manhã no Spiro’s Pancake House, cortando o cabelo no Shear Beauty, comprando seu queijo de cabra Clap Happy e garimpando roupas na Secondhand News. Desejamos boas-vindas e boa leitura! 15


Entrevista

Quem cuida da criança QUEER? Em Somos todos adultos aqui, questões de gênero e sexualidade são abordadas a partir das perspectivas dos próprios personagens. Além de Astrid, que, após uma vida se entendendo enquanto heterossexual, inicia um relacionamento amoroso com outra mulher, outra personagem da trama traz para a narrativa questões importantes sobre identidade de gênero conforme ela assume, ainda no início da adolescência, que se entende como uma menina trans. Muitas pessoas trans afirmam que sabiam desde crianças que se identificavam com um gênero diferente daquele atribuído no nascimento - muitas outras, no entanto, vivenciaram suas transições na adolescência, na vida adulta ou na maturidade. As experiências são múltiplas, mas a discussão sobre transgeneridade na infância, por envolver sujeitos que não têm autonomia sobre seus corpos, tornou-se um campo de disputa de narrativas. Para lançar luz sobre esse assunto tão em voga, entrevistamos a doutora em Psicologia Social Rafaela Vasconcelos Freitas. 16


Rafaela Freitas:

“O PROCESSO É DA CRIANÇA.” De que maneira uma criança pode manifestar a categoria gênero? As experiências da infância são de aprendizado e experimentação. É uma fase de vivenciar e absorver aquilo que está sendo vivido e de, aos poucos, entender de que forma aquilo faz sentido pra você. Essa busca por coesão e conformidade tem muito mais a ver com o nosso olhar normatizador enquanto adultos do que com a experiência da criança. Os pais podem fornecer informações, deixar a criança saber que existem diferentes formas de ser menino ou menina, para permitir que ela gradativamente dê sentido para aquilo. É importante que a família respeite e contribua para esse percurso, mas sem atropelar um processo que é da criança. Se ela solicita, por exemplo, ser chamada por outro nome, por que não conversar com a escola para que esse desejo seja respeitado? Isso é uma forma de reconhecer e respeitar a identidade que ela entende como sua, que pode ser algo temporário ou pode ser para a vida toda.

É recomendado que os pais que percebem diferenças na expressão de gênero dos seus filhos busquem 17


algum atendimento psicológico para auxiliar a criança? O atendimento psicoterápico pode ser bom para qualquer pessoa, mas tudo depende da maneira como essa questão é abordada. Independentemente se essa transição acontece na infância ou na vida adulta, a transição envolve todo mundo: os pais, os irmãos, namorado ou namorada. Essa pessoa possivelmente vai passar por transições no corpo, no nome, nas vestimentas, em um certo lugar social. Todo um entorno passa por transformações. Então a psicoterapia pode ser eficiente se alguém, seja a própria pessoa ou algum familiar, apresenta um sofrimento psíquico acarretado por essas transições. Mas a forma como as transexualidades têm sido tratadas, em especial na infância, é muitas vezes como se fosse algo que demanda uma intervenção urgente, como se fosse um problema a ser resolvido. Em geral, a gente não pensa em levar ao psicólogo um menino que começa a repetir as piadas machistas do pai, ou que começa a ser mais violento com a irmã, porque a gente acredita que menino é assim. Mas se uma criança por acaso escolhe brinquedos que você achava que ela não deveria escolher, parece que na hora você quer procurar ajuda, seja psicológica ou médica. Então o questionamento não é se a psicoterapia funciona ou não, mas para que a gente está acionando esse caminho? Por que a gente tem que lidar com essa experiência, que poderia ser muito mais diversa, sempre via psicologia ou via medicina? Muitas vezes isso pode engessar inclusive as formas de ser mulher ou de ser homem, dependendo do profissional que você encontrar.

Ao acompanhar infâncias que apresentam expressões de gênero não-normativas, é relevante que os pais busquem um diagnóstico de transgeneridade? Acredito que se deve olhar com cuidado para essa questão, porque lidar com crianças que começam a manifestar diferenças quanto à sua expressão de 18


gênero não significa engessá-las dentro de um diagnóstico. Mas, na sociedade em que a gente está, em que o processo de saúde é muitas vezes vinculado ao diagnóstico, chega uma hora que as pessoas vão acabar utilizando essa via para poder garantir uma negociação com a escola ou com outras instituições que só reconhecem uma certa gramática médica, como se a verdade fosse apenas aquilo que está atestado naqueles manuais diagnósticos. A voz dos sujeitos, o que essas pessoas relatam ou mesmo as experiências delas acabam sendo apagadas, e o diagnóstico se torna maior do que elas. Não existe espaço para reflexão quando se pensa em diagnóstico de uma forma protocolar.

LEIA MAIS Crianças Trans: Infâncias Possíveis – Sofia Favero Viagem solitária: A trajetória pioneira de um transexual em busca de reconhecimento e liberdade – João W. Nery Nem ao centro, nem à margem! Corpos que escapam às normas de raça e de gênero – Megg Rayara E se eu fosse puta? – Amara Moira Nem tão bela, nem tão louca – Ruddy Pinho Muito prazer, Roberta Close – Lucia Rito Um apartamento em Urano: Crônicas da Travessia – Paul B. Preciado

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Próximo mês

VEM POR AÍ JULHO No mês do nosso aniversário, chega em primeira mão na TAG Inéditos um best-seller delicioso do escritor Matt Haig. Nele, vida e morte se encontram em um cenário mais do que propício: uma biblioteca infinita. E, na nossa festa, quem ganha o presente sempre é você: prepare-se para um mimo mais do que especial! #vidaspossíveis #prêmiogoodreads #livrosobrelivros

AGOSTO Uma amizade das mais inusitadas se forma em uma ala de cuidados paliativos. Frente à certeza da morte, duas mulheres encontram na arte uma maneira de reviver bons momentos e de deixar uma marca no mundo. #emocionante #amizade #arte

Quer descobrir ainda mais? Acesse a seção "próximos kits" na estante do aplicativo de Somos todos adultos aqui e saiba mais sobre as surpresas a caminho!

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Loja

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“Aprendi que é suficiente estar com aqueles de quem gosto.” – Walt Whitman 22


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