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Caminhos cruzados

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Em O que resta de nós, a francesa Virginie Grimaldi une com habilidade e sutileza a rotina de três personagens solitários

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Acerta altura de O que resta de nós, romance da escritora best-seller Virginie Grimaldi, uma personagem anda pelas ruas de Paris e reflete: “As calçadas estão cheias, é a hora em que as pessoas voltam para casa, algumas mais apressadas que outras. Dizem que dez milhões de pessoas vivem sozinhas na França. Observo as pessoas ao meu redor e me pergunto quais fazem parte desse grupo”.

A solidão, não demoramos a descobrir, é o motor do livro que temos em mãos. As primeiras páginas nos apresentam, em uma alternância de pontos de vista que se estende a toda a narrativa, três personagens que precisam lidar de maneira bastante solitária com seus dramas individuais.

As passagens iniciais são comoventes: ao longo delas, conhecemos Jeanne, uma senhora de 74 anos que está vivenciando um processo de luto. Ela perdeu o marido, Pierre, grande amor de sua vida, e as recordações dos momentos ao lado dele, dos primeiros pedidos de casamento até o seu funeral, são descritas de modo sensível por Grimaldi, que mescla habilmente a descrição dos dois rituais, o do matrimônio e o da morte, de modo a intensificar a exposição da dor da personagem.

Na sequência, lemos o relato de Théo, um rapaz prestes a fechar um curioso negócio: em pleno expediente na confeitaria onde trabalha como aprendiz, ele decide comprar um carro velho de um homem que lá entrara para anunciar a venda do automóvel. Percebemos, então, a precariedade de sua rotina — afinal, o jovem não comprou o carro para dirigir pelas ruas da capital francesa, mas para ter um lugar para dormir que não fosse uma estação de metrô.

A terceira personagem que enfim conhecemos é Iris, uma cuidadora de idosos e doentes. Sua apresentação é, no mínimo, instigante: o que lemos é uma enumeração de machucados e cicatrizes colecionados por ela ao longo da vida. Se a lista começa com acidentes e enfermidades banais, como uma queda de patins e uma apendicite, termina sugerindo um trauma mais profundo, uma dor que, como testemunhamos ao longo da leitura, ainda abala sua rotina. Em meio ao luto pelo marido, uma preocupação prática impõe-se a Jeanne: ela percebe que, apenas com a sua renda, não terá como pagar todas as contas. A solução encontrada é justamente aquela que permitirá o encontro textos. Trabalhou por anos, no entanto, como assistente comercial. Foi a partir de 2009, quando criou um blog no qual escrevia sob o pseudônimo de Ginie, que obteve popularidade a ponto de conseguir publicar seu primeiro livro.

Em entrevista dada às redes do grupo editorial Hachette Livre, Grimaldi declarou: “Se não fosse escritora, eu certamente seria menos feliz, porque faço exatamente o que eu quero fazer. Me sinto no meu lugar”. Na sequência, confirma que, para ela, um livro considerado ideal é aquele que evoca fortemente as emoções: “Há muitos livros que eu acho muito bem escritos, com uma prosa magnífica, uma história que me arrebata, mas se não sinto arrepios, se minha garganta não dá um nó, se não sinto frio na barriga, isso me faz falta”. Um exemplo de autor que lhe agrada é o francês de origem lituana Romain Gary, especialmente seu livro A vida pela frente, por unir “o humor, o trágico, a lucidez e a poesia”.

Grimaldi é conhecida pela leveza de seus livros, dotados de tiradas espirituosas, mesmo quando aborda temas profundos. Não é de se estranhar a declaração, dada ao mesmo portal, de que, se pudesse ser uma personagem da ficção, seria Phoebe, da série Friends, “sobretudo porque ela tem uma forma de ingenuidade, de alegria, de estranheza que me tocam muito e que eu amaria ter. Eu amaria ver a vida com os olhos dela”.

Ao falar de seu processo criativo em entrevista à Paris Match, Grimaldi afirma trabalhar exaustivamente em cada frase “até soar verdadeira”. Diz ficar totalmente reclusa, sem pensar em mais nada, e que considera difícil ler qualquer outra coisa enquanto está produzindo um livro, embora leia muito no resto do tempo: “Gosto muito de me deixar levar por uma história, de não querer fechar o livro, de ter pressa para reencontrá-lo”, contou ao blog Carobookine.

Apesar dessas declarações públicas pontuais, suas entrevistas são bastante raras, e a autora evita falar sobre si mesma. Seu primeiro editor, Frédéric Thibaud, da City Éditions, chegou a declarar: “Nem todos os autores que vendem bem são estrelas. Ela não é e não precisa ser”.

FLAVIA LAGO, RESPONSÁVEL PELA EDIÇÃO DOS LIVROS DE VIRGINIE GRIMALDI NO BRASIL, CONVERSA COM A TAG SOBRE A PRODUÇÃO DA AUTORA

Quais foram as suas primeiras impressões ao entrar em contato com a obra de Virginie Grimaldi?

Tempo de reacender estrelas foi o primeiro livro dela que li e foi uma experiência incrível. O senso de humor aliado à sensibilidade fazem de Virginie Grimaldi uma das minhas autoras favoritas. Sua escrita reflete muito a vivência feminina, como profissional, mãe, esposa, criança, adolescente, e seus personagens são capazes de criar conexões profundas com os leitores. Ela pode até trazer uma temática mais leve, mas as histórias revelam tantas camadas que, quando menos esperamos, estamos rindo, chorando, nos emocionando muito com cada detalhe.

O que explica o sucesso de Virginie Grimaldi? É possível identificar alguma “fórmula” em comum entre seus livros?

Acredito que a mágica da Virginie está em seu talento para criar personagens tão reais e, ao mesmo tempo, tão cativantes. Além do seu humor inconfundível, claro!

Por que você acha que O que resta de nós vai conquistar os leitores brasileiros?

Porque O que resta de nós é um livro profundamente verdadeiro, em que os leitores vão conseguir se identificar com cada personagem e cada situação vivida. Esse foi um dos livros mais emocionantes que li nos últimos tempos, de tirar o fôlego e guardar para sempre.

Teve algum personagem com quem você se identificou em especial?

Acho que me identifiquei com os três, mas Jeanne foi a personagem que mais me marcou, por sua força e pela maneira como ela vai deixando novas pessoas entrarem em sua vida e a transformarem, por mais difícil que pudesse parecer.

Podemos esperar novas obras da autora em breve por aqui?

Certamente! Já estou de olho no novo lançamento dela, que acabou de sair na França. Se for tão bom quanto os anteriores, em 2024 já estará nas livrarias daqui.

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