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Um lar em Paris

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Encontros da vida

Encontros da vida

Personagens do livro do mês enfrentam as dinâmicas do mercado imobiliário na capital francesa. Théo chega a dormir em estações de metrô e a comprar um carro velho para passar as noites; Iris, por sua vez, tem de lidar com um proprietário implacável que a obriga a deixar, de uma hora para outra, o apartamento onde vive. À TAG, um jovem brasileiro que mora em Paris, Ricardo Pechansky, fala de sua experiência e conta suas impressões sobre o tema

“Eu moro em Paris desde 2019. Vim para fazer um mestrado em Economia na Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Sou apaixonado pela cidade, e morar aqui é um privilégio enorme. Mudar-se em Paris, porém, é algo muito complexo. Praticamente a cidade inteira foi gentrificada, então tudo é disputado. Eu dei sorte porque quis me mudar durante a pandemia, em julho de 2020.

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Ao longo desse período, muitas pessoas optaram por sair da capital e morar no interior por causa do espaço e dos aluguéis mais baixos. Nesse momento, então, o mercado imobiliário esfriou um pouco. Normalmente, ele é muito competitivo: os apartamentos são muito velhos e, apesar disso, têm muita procura, mesmo quando os prédios estão quase desabando. Por causa disso, o poder de barganha é zero: a lógica é ´se tu não quer, tem quem queira´. Quando um apartamento fica disponível, é necessário ligar para a imobiliária em uma ou duas horas no máximo, pois, depois disso, a agenda de visitas acaba lotando. Não há flexibilidade, é a imobiliária que diz quando você vai poder visitar. Se não puder ir naquele horário por qualquer motivo, perdeu. No momento da visita, é preciso chegar com um dossiê: vários documentos mostrando toda a sua vida financeira, se você tem um fiador (não se aplica a todos, mas se aplicava a mim enquanto estudante), uma carta de apresentação. É praticamente um caso que você apresenta explicando por que é a pessoa certa para aquele apartamento. Também é muito importante que o agente imobiliário vá com a sua cara.

O meu apê tem 30m², o que para um jovem em Paris é ótimo: muitos amigos meus moram em lugares com menos de 20m². É um loft e todo canto é muito bem aproveitado. Morar em Paris envolve uma série de recalibrações de padrões. Você se acostuma com um serviço de transporte público excelente, por exemplo, e um lugar de 30m² se torna espaçoso. Eu moro no 11e, um bairro perto da Bastilha, onde sempre quis morar: é meio conhecido por ser uma zona "cool" e boêmia. Uma vizinhança mais jovem se comparada ao resto de Paris, não tanto a casa de boneca onde vive a Emily em Paris. Não vejo limitações, sou claramente um apaixonado pelo bairro. Acho que o único ponto negativo que poderia dizer é: se você busca uma vizinhança absolutamente serena, em que as paredes não tenham pichações, esse não é o bairro para você. O meu prédio foi construído em 1860 e não tem nenhuma estrutura: não tem saída de incêndio nem elevador, como a grande maioria em Paris. Falando sobre outros bairros, o 16e é muito caro porque é a zona das famílias ricas por excelência, onde morava a aristocracia francesa, onde ficam as embaixadas etc. É uma zona chique residencial. O 7e é outro muito caro porque é onde está a Torre Eiffel e fica muito perto de pontos como a Champs-Élysées. O meu apartamento em um desses bairros, por exemplo, custaria uns 1300 euros por mês, o que provavelmente é inviável para alguém que está em início de carreira em Paris. Em 2020, quando consegui um trabalho numa organização internacional e minha renda aumentou um pouco, resolvi sair da residência universitária onde morava. Depois de visitar seis ou sete lugares, visitei o apartamento onde estou hoje. Eu tinha bebido vinho no almoço, então me soltei um pouco mais na hora da visita, fui mais amigável que o normal, e o agente imobiliário gostou de mim. Também dei sorte porque o agente vinha do sul da França, ele era mais caloroso e foi com a minha cara por ser brasileiro. Só na hora em que visitei o lugar, tinha mais duas pessoas comigo, uma delas era uma mulher aparentemente bem-sucedida de 40 anos, e pensei que esse seria o meu fim. Fiquei surpreso quando o agente me ligou dias depois falando que o apartamento era meu. Talvez um dia eu busque um lugar maior, mas, por ora, estou satisfeito por poder pegar uma bicicleta e chegar no centro em 15 minutos, ter espaço suficiente para as minhas seis plantas e sentar à janela para observar, dois andares abaixo, uma rua diversa, musical, sempre cheia de vida.”

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