Multiplicar as vozes das narrativas que escutamos é um jeito de tornar nosso mundo um pouco maior a cada nova história, uma forma de enxergar, sentir, pensar e caminhar mais longe. É por acreditar na força da literatura para abrir as janelas dessa sensibilidade ampliada que, a cada caixinha, a gente busca descobrir novos territórios — seja no sentido geográfico, sociocultural, existencial ou tudo isso ao mesmo tempo, como no livro deste mês.
A voz das águas nos leva ao Sudão de fins do século 19 pelos olhos de uma menina cativante e audaciosa que é vendida como escrava em um período coletivamente turbulento da história do país. A autora, Leila Aboulela, faz um movimento fundamental de recuperação narrativa sobre um episódio que sempre escutou por um viés colonial. O país estava sob o domínio do Egito, então parte do Império Otomano, quando, em 1880, um autoproclamado sucessor de Maomé mobilizou a população sudanesa, já plena de insatisfações, numa frente contra o governo imperial.
Explorando os pontos de vista de sete personagens com vozes e características muito particulares, este romance visibiliza de forma ao mesmo tempo lúcida e apaixonada as percepções de um povo sobre a própria história.
Boa leitura!
mergulho emocionante na história do Sudão pelo olhar vencedora do Prêmio Caine de Literatura Africana.
Experiência do mês
OUTUBRO 2024
Sudão, 1890. Uma revolução contra o domínio do Império Otomano começa a fervilhar, liderada por um homem se autoproclamou o profeta redentor enviado por Alá. meio a esse conflito sangrento que marcou a trajetória país, o destino de sete pessoas será interligado de maneiras inesperadas enquanto tentam encontrar maneiras de sobreviver a uma violência que escapa aos olhos da história e se manterem fiéis àquilo em que acreditam.
Seu livro além do livro: para ouvir, guardar, expandir, crescer.
voz das águas, Aboulela tece uma inesquecível narrativa pessoas que lutam batalhas ao mesmo tempo pessoais coletivas — e que, no fim, refletem desejos semelhantes: a por liberdade, por segurança e pela possibilidade de amar.
“Deslumbrante… Uma história sobre amor que perdura.”
The New York Times
Mimo
Até pode ser possível sobreviver sem livros, embora essa existência pareça bem sem graça. Mas sem água parece que não dá mesmo. O mimo do mês é um incentivo para garantir uma sobrevivência feliz aonde quer que você vá, com um livro debaixo do braço e uma garrafinha na sua ecobag exclusiva. Para não esquecer de manter o corpo hidratado e a alma alimentada de boas histórias.
LEILA ABOULELA a voz das águas
Projeto gráfico
Akuany percorre extensos caminhos ao longo da narrativa de Leila Aboulela. Na capa desenvolvida pela designer Paula Hentges, uma ilustração retrata de forma emblemática a amplidão e os elementos geográficos dessa trajetória acidentada, cenário de peregrinação da personagem. A forte presença dos cursos d’água demarca a centralidade afetiva do rio na história.
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Por
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Bons motivos para você abrir as primeiras páginas e não parar mais
Universo do livro
Livros, séries, filmes que orbitam o livro do mês
Sobre a autora
Um retrato caprichado e uma entrevista com quem está por trás da história
Vem por aí
Para você ir preparando seu coração
Dor de amor? Dúvidas na vida? Nosso consultório literosentimental responde com dicas de livros 04 06 08 13 14 16
Da mesma estante
Livros que poderiam ser guardados na mesma prateleira do livro do mês
Madame TAG responde
“Deslumbrante...
Aboulela escreveu um romance sobre guerra, amor, fé, feminilidade e — essencialmente — a luta por narrativas públicas verdadeiras.”
New York Times
“Aboulela lança um olhar meticuloso e perspicaz sobre os motivos dos líderes religiosos e das forças coloniais, e enriquece a narrativa com uma rica mistura de idiomas e culturas.”
Publishers Weekly
Por que ler este livro
Listado entre os melhores romances históricos de 2023 pelo New York Times, A voz das águas deixa uma pergunta precisa: quais experiências persistem às margens dos livros de História? O livro da premiada escritora sudanesa Leila
Aboulela articula em uma escrita multifacetada reflexões sobre colonialismo, diáspora, pertencimento, identidade cultural e religiosa. Uma trama fascinante que demarca com firmeza o lugar das mulheres e das pessoas comuns nas grandes narrativas históricas e literárias.
Universo do livro
Livros, séries, filmes que orbitam o livro do mês
A VOZ DAS ÁGUAS
livro de Leila Aboulela que explora questões de diáspora e migração sob múltiplos pontos de vista, bem como Estado zero
1 2
minissérie ambientada em um centro de detenção de imigrantes na Austrália e que visibiliza uma situação crítica de desamparo social, bem como Superação
3
autobiografia de Stephanie Land que inspirou a série Maid, retratando uma conexão forte e cativante de parentalidade em meio a um contexto dramático, bem como Aftersun
romance de Sue Monk Kidd que traz reflexões sobre o silenciamento das narrativas femininas ao longo da história, bem como
A VOZ DAS ÁGUAS, de Leila Aboulela
4
5
minissérie com uma protagonista que sofre com um contexto familiar opressivo, bem como O livro dos anseios
filme de Charlotte Wells que é ambientado na Turquia, bem como 8 em Istambul
LEILA ABOULELA, a autora do mês
Leila Aboulela percorreu longas distâncias territoriais, profissionais, afetivas e simbólicas até que a força de sua expressão desaguasse na escrita. Filha de mãe egípcia e pai sudanês, a autora de A voz das águas nasceu e cresceu no Sudão. Na capital do país, Cartum, ela construiu vínculos, concluiu uma graduação em Estatística, casou-se e tornou-se mãe. Aos 26 anos, migrou para a Escócia com o marido e os dois filhos, um deles com quatro anos de idade, outro nascido poucas semanas antes.
E, como a vida é sempre alimento da ficção, a história pessoal de Leila atravessa profundamente sua obra, marcada por temas como diáspora, migração e pertencimento, a partir da construção da identidade de mulheres muçulmanas. Autora de seis romances e dois volumes de contos, ela transita entre o mundo interno e as circunstâncias sociais, políticas e religiosas de suas personagens, desafiando as lentes reducionistas com que pessoas de fé muçulmana costumam ser retratadas em um Ocidente imerso na tradição cultural cristã.
A mudança de país nos anos 90 foi um divisor de águas para Leila. Somavam-se à complexidade intrínseca da adaptação uma crise de carreira e muita angústia em acompanhar de longe o conturbado ambiente sociopolítico do Sudão, que acabara de sofrer um golpe de Estado. E, como a ficção também é alimento para a vida, ela encontrou nos livros um refúgio e uma via de investigação para lidar com os sentimentos confusos de um futuro nebuloso.
A sudanesa passou a frequentar a biblioteca de Aberdeen e a participar de cursos de escrita na universidade. Pouco a pouco, com estudo, prática e crescente proximidade da comunidade literária do país, o que era um hobby tomou conta de outros espaços. A cena literária escocesa vivia um momento
favorável, com uma leva de escritores do país conquistando boa visibilidade — como Irvine Welsh com Trainspotting, seu livro de estreia, que foi posteriormente adaptado para o cinema.
Entre os altos e baixos que aquela década trouxe a Leila, os discursos islamofóbicos eram cada vez mais frequentes na imprensa ocidental a partir da Guerra do Golfo, aflorando os impasses e contrastes de identidade cultural e religiosa que ela sentia na pele. O tema pessoal tornou-se inevitavelmente a matéria-prima criativa de seus textos. Seu romance de estreia, The Translator (1999), é protagonizado por uma mulher muçulmana vivendo em Aberdeen que, após ficar viúva, se apaixona por um acadêmico escocês de tradição secular. A cada livro, a autora dá novos contornos à questão e amplia também o alcance de sua obra, hoje traduzida para 15 idiomas e listada três vezes para o Women’s Prize for Fiction, um dos mais prestigiados reconhecimentos literários do Reino Unido.
“Segurar em minhas mãos uma escritura de venda, com um valor monetário real e os nomes das pessoas envolvidas, foi chocante.”
A autora do mês conta como entrelaçou fatos e pessoas reais a uma história inventada em A voz das águas
No seu livro, você intercala os pontos de vista de sete homens e mulheres, abrindo espaço para a legitimação de diferentes formas de experienciar um acontecimento histórico. Qual a importância de contar histórias do ponto de vista das margens?
A história dominante da África foi escrita a partir de uma perspectiva europeia. A ficção histórica é uma maneira de descentralizar a experiência europeia e defender a perspectiva africana. Ao mesmo tempo, eu queria mostrar que entre os próprios sudaneses havia visões opostas e interesses conflitantes. Também desejava destacar a experiência das mulheres que foram marginalizadas. O romance começa com a história de Rabiha, uma pessoa real, geralmente representada apenas como uma nota de rodapé nos registros históricos. É realmente emocionante e fascinante explorar vozes e histórias das margens. A literatura vai estagnar se só contar as mesmas histórias sobre as mesmas pessoas e se destinar aos mesmos leitores. Precisamos do que é novo e diferente.
Você nasceu no Egito, passou sua infância e início da vida adulta no Sudão e hoje vive na Escócia. De que forma o processo de pesquisa e escrita de A voz das águas movimentou seu olhar para a história do Sudão e para sua própria condição de imigrante?
Meu bisavô foi funcionário do governo colonial em Cartum. Ele era veementemente contra a revolução nacionalista de todas as maneiras possíveis. Minha família, portanto, era politicamente conservadora e cresci com essa narrativa. Ao pesquisar para A voz das águas, comecei a entender mais claramente o ponto de vista dos muitos sudaneses que se levantaram contra o domínio otomano/egípcio/britânico. Por ser bilíngue, não fiquei limitada às fontes britânicas para minha pesquisa — muitas das quais tinham um tom imperialista. Dediquei bastante tempo a textos primários em árabe, que foram muito esclarecedores quanto à vida das pessoas comuns e como elas experienciaram esses eventos históricos. Pessoas como meu bisavô eram atraídas a apoiar as instituições das quais dependiam para seus meios de vida. Mas muitas outras pessoas foram oprimidas por essas mesmas instituições.
Nos agradecimentos do seu livro, você conta que Akuany foi uma personagem construída a partir de um documento antigo que você encontrou na Universidade de Durham, que procurava por uma menina escravizada que havia fugido, certo?
Como essa história te afetou, estimulou sua imaginação e te levou a criar essa personagem? Eu sempre soube que a escravidão era praticada no Sudão do século 19, mas ver a escritura de venda nos arquivos ainda assim foi um choque. Eu cresci conhecendo pessoas descendentes de escravos. Quase toda família sudanesa tem um ramo descendente de uma mãe escravizada, mas também há um legado de vergonha e esses assuntos raramente são discutidos na sociedade sudanesa. Segurar em minhas mãos uma escritura de venda, com um valor monetário real e os nomes das pessoas envolvidas, foi chocante. Também encontrei nos arquivos uma petição detalhando o caso de uma mulher escravizada que escapou com uma peça de roupa roubada de sua senhora. Ela havia retornado ao seu antigo mestre, e foi contra ele que a petição foi levantada. Achei essa situação intrigante e complexa o suficiente para querer preencher as lacunas com a ficção. Eu conseguia “ver” Akuany e queria criar uma história sobre ela. Comecei a pesquisar a escravidão no leste africano, sua extensão, em que sentido era diferente da escravidão transatlântica na costa oeste e como o Sudão do século 19 era uma porta de entrada para os mercados lucrativos do Cairo e de Istambul.
Qual foi o maior desafio de escrever A voz das águas?
Foi importante para mim transmitir da forma mais precisa possível a narrativa histórica. A história era tão emocionante quanto qualquer ficção. Então o desafio foi moldar a ficção
para se adequar à história. Foi por isso que alternei entre as perspectivas de diferentes personagens. Cada personagem passa o bastão da história para o próximo. Isso significa que o personagem mais adequado precisa ser posicionado em um determinado momento e lugar para viver o episódio histórico. Isso precisava ser feito de um modo que parecesse o mais natural possível, sem forçar ou depender de coincidências. As correntes dos dois fios — a história do Sudão e as vidas dos personagens — precisavam se misturar e avançar de forma harmônica.
Quem são suas grandes referências literárias?
Quando jovem adulta, encontrei minhas identidades sudanesa e egípcia refletidas e nutridas nas obras de Tayeb Salih e Naguib Mahfouz. Quando me mudei para a GrãBretanha, na casa dos vinte anos, e comecei a escrever, fui influenciada por outras escritoras que haviam percorrido jornadas semelhantes. Ahdaf Soueif, Buchi Emecheta, Jean Rhys e Doris Lessing. Em particular, o romance Voyage in the Dark, de Jean Rhys, sobre uma jovem do Caribe passando por dificuldades em Londres, teve uma grande influência no meu romance Minaret . As mulheres machucadas, outsiders e flutuantes de Rhys me parecem familiares, e sou assombrada por sua prosa pura e urgente, e como ela transmite sentimentos de uma maneira extraordinária. Mesmo em A voz das águas, que se passa no Sudão, Akuany também é uma outsider, movendo-se de um lar para o próximo.
MINHA ESTANTE
O primeiro livro que li: Não me lembro do primeiro livro infantil. O primeiro livro adulto que li foi Rebecca, de Daphne du Maurier. Eu tinha dez anos e estava com minha família em um safári no Parque Nacional Dinder, no leste do Sudão. Selvas, leões, girafas e a experiência de dormir em uma cabana — tudo isso foi desperdiçado comigo. Tudo o que eu queria fazer era ler.
O livro que estou lendo atualmente: Amor, de novo, de Doris Lessing, uma das minhas escritoras favoritas de todos os tempos. E esse é um que eu já li antes.
O livro que mudou minha vida: Pele negra, máscaras brancas, de Frantz Fanon. Talvez não tenha mudado minha vida de forma óbvia, mas mudou e moldou meu intelecto. Tornei-me consciente de como o colonialismo e a ocidentalização afetaram as aspirações e a autoestima de pessoas como eu. Essa consciência permaneceu comigo e influenciou minha visão sobre as situações.
O livro que eu gostaria de ter escrito: O desertor, de Abdulrazak Gurnah. Romance, beleza e dor. Eu amo esse romance, especialmente as personagens femininas.
O último livro que me fez rir: Mrs. Palfrey no Claremont, de Elizabeth Taylor. Um retrato terno e nostálgico da velhice que também é extremamente engraçado.
O último livro que me fez chorar: Autobiografia de Malcolm X. O capítulo em que ele faz a peregrinação a Meca é incrivelmente emocionante.
O livro que dou de presente: Meu próprio livro, o mais recentemente publicado. Amigos e familiares não deveriam pagar para ouvir minha voz.
No próximo mês
Encontre as 9 PALAVRASque dão dicas do spoiler do próximo mês.
Em novembro, na Inéditos, a TAG vai enviar um best-seller do New York Times que promete virar sua cabeça e seu coração. Prepare-se para ser envolvido por uma história surpreendente e impossível de largar. Uma narrativa que celebra os laços entre mulheres, regada por magia e elaborados mistérios.
Da mesma estante
Livros que poderiam ser guardados na mesma prateleira do livro do mês, para quem quiser continuar no assunto
MIKAIA,
Taiane Santi Martins
Record 272 pp.
Uma dançarina de balé sofre uma amnésia súbita e vai atrás da história das mulheres de sua família, três gerações que fugiram da guerra civil moçambicana. Sobre corpo, identidade cultural, trauma, silêncios que atravessam o tempo, esquecimento e a insistência da memória.
A ILHA SOB O MAR,
Isabel Allende
Bertrand Brasil 476 pp.
Uma menina escravizada no Haiti colonial do século 18 encontra poderosas frestas de afeto, resistência e afirmação na conexão com a ancestralidade e nas relações com seus iguais. Um retrato delicado da luta por liberdade em meio a um turbilhão histórico e emocional.
GARANTA SEUS LIVROS AQUI:
Lá no site, além de aproveitar seu desconto de associado TAG, você tem mais informações sobre os livros — e muitas outras dicas!
CORREIO NOTURNO,
Hoda Barakat
Tabla 160 pp.
Cartas não enviadas revelam as trajetórias entrelaçadas de migrantes árabes, seus segredos e desejos. Uma narrativa confessional de múltiplas vozes sobre o desamparo, as complexidades humanas e as consequências de escolhas feitas em meio à devastação.
TEMPO DE MIGRAR PARA O NORTE, Tayeb Salih
Planeta 176 pp.
A memória de um intelectual sudanês que partiu de sua aldeia às margens do rio Nilo em busca de oportunidades no exterior. Colonialismo, identidade, alteridade, violência e encontros conflituosos entre diferentes tempos, territórios e tradições culturais.
Madame TAG responde
Bom dia! Saudações do sul de Minas Gerais, Madame TAG.
Amo ler e amo mais ainda falar de livros nas redes sociais. Acontece que não consigo tanto alcance e fico ansioso quando meus vídeos encalham antes das 100 exibições. Como levar meus hobbies de maneira mais leve e sem cobranças por números?
Ass.: um leitor entusiasmado e um criador entusiasta.
Querido mineiro criativo e entusiasmado,
Observe com cuidado e verá que a resposta para a angústia que toma conta de seu coração está contida na própria questão que você me apresenta. Você ama ler e ama falar sobre livros. Bem, há muitos excelentes motivos para devorar livros, mas o melhor deles, se me permite ser taxativa, é o prazer, sentimento que, se bem cultivado, nos conduz graciosamente para o território do amor. E não é essa a matéria-prima dos hobbies?
Não permita que a dureza dos números o afaste do entusiasmo da criação. É um eterno paradoxo: criamos por prazer, mas nosso anseio pelo olhar dos outros nos afasta dele. Seus vídeos são, por si sós, manifestos de amor à literatura. Cada um deles tem o poder de abrir novos caminhos dentro do seu mundo e, quem sabe, nos mundos de outras pessoas também. Números altos podem impressionar, mas não dão conta de algo muito mais complexo, valioso e incalculável: o infinito que se movimenta em cada conexão humana. Não deixe de ler e criar, e valorize a troca com quem aprecia o que você tem a dizer. Em caso de ansiedade, o melhor antídoto é sempre um bom livro!