Nov2020 "Jardim de bronze" - Inéditos

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O jardim de bronze


novembro/2020 TAG Comércio de Livros Ltda. Rua Câncio Gomes, 571 | Bairro Floresta Porto Alegre - RS | CEP: 90220-060 (51) 3095-5200

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Edição Fernanda Grabauska Redação Laura Viola Priscila Pacheco produto@taglivros.com.br Revisão Caroline Cardoso Impressão Gráfica Eskenazi Projeto Gráfico e Capa Kalany Ballardin Paula Hentges design@taglivros.com.br 2


Olá, tagger! Você tem à sua frente um mistério vertiginoso como poucos. É sério: parece que, a cada edição desta revista, falamos de "uma história como nenhuma outra". É a nossa intenção mandar livros únicos e apaixonantes, mas, desta vez, a máxima está bem perto da verdade. O jardim de bronze é uma história com todos os elementos que tornam um mistério ab-so-lu-ta-men-te enlouquecedor – e, por isso mesmo, impossível de largar. A chegada desse thriller à sua casa marca, também, a primeira incursão da TAG Inéditos pela literatura latino-americana! Por isso, esta edição da revista traz um pouco dos dois: você vai entender alguns elementos da desesperada busca de Fabián por Moira e vai, de quebra, aprender sobre a literatura argentina e sua tradição de romance policial. Preparado para adentrar esse labirinto? Boa leitura! 3


Este mês na sua caixinha "Papéis pintados, frascos de perfume, lenços coloridos, um enfeite dourado em forma de aranha em sua teia, um jogo da memória incompleto. Por que esses objetos foram guardados com tanto cuidado por Moira?"

Projeto gráfico: a ideia para a capa foi trazer referências visuais botânicas, remetendo ao jardim de bronze que nomeia o livro. Teias de aranha se entrelaçam com a flora, em uma alusão à passagem do tempo e à ausência de mudanças, além de representarem graficamente as amarras de uma trama. A escolha de tons azuis e alaranjados foi para representar tanto Buenos Aires quanto o bronze, material das estátuas do jardim. Mimo: no livro de novembro, acompanhamos a resiliência de um pai que busca incansavelmente sua filha, cotidiano similar ao de muitos latino-americanos que ainda procuram seus desaparecidos. Os segredos e a falta de informação contribuem para que a situação permaneça silenciada, ressaltando a capacidade das palavras de fazer a diferença. Esse potencial não é novidade para os taggers, que confiam no poder transformador da literatura. Por isso, o mimo de novembro é um convite para aproveitar a postura contraventora latino-americana e extrapolar o uso das palavras, divertindo e desafiando.

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Sumário 04

O jardim de bronze

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Conheça o autor

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Pelas ruas de Buenos Aires

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Uma pergunta interminável

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O romance policial na Argentina

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Próximo mês

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O livro enviado

O jardim de bronze A polícia não encontra respostas para o caso de Fabián Danubio. Com a filha desaparecida já há meses e ainda sem pistas mais concretas que possam indicar o que aconteceu, Fabián está cansado e começa a perder as esperanças. É quando entra em cena César Doberti, um detetive particular disposto a ajudar no caso. O que ele poderia oferecer que a polícia já não tivesse?, Fabián se pergunta. “De fato, há algo essencial que eu tenho e os que trabalham no caso não têm”, é a resposta, “tempo”. Muito tempo: A disponibilidade para se dedicar e estudar detalhes pode ser o diferencial em um caso que parece sem solução. Pouco tempo: Poucos segundos são o suficiente para mudar completamente uma vida. Ou muitas vidas.

Texto: Priscila Pacheco 6

A influência do tempo sobre o destino das vidas humanas, ligadas umas às outras em uma rede de conexões de que muitas vezes sequer temos conhecimento, é uma das premissas de O jardim de bronze, livro deste mês da TAG Inéditos. Escrito por Gustavo Malajovich e publicado na Argentina em 2012, o romance policial conta a história de Fabián Danubio. A vida e a rotina do arquiteto de 29 anos muda radicalmente a partir do desaparecimento repentino de sua filha Moira, de quatro anos. A menina sai com a babá, que a levaria a uma festa de


aniversário, mas as duas somem sem deixar rastros e a polícia não consegue chegar a resultados conclusivos. É quando Fabián conhece Doberti e se inicia a jornada dos dois em busca de Moira. O suspense de Malajovich nos conduz por essa busca junto ao protagonista. Ao longo de mais de 400 páginas, o autor é hábil em transmitir as emoções e sensações de seus personagens usando apenas o ritmo da escrita: a angústia pela falta de respostas, a dor da espera, o sofrimento pela ausência e o desespero diante da possibilidade de reencontrar a filha. A narrativa intercala momentos mais pausados, de análise e especulações, com outros rápidos e dramáticos. Nas cenas de maior adrenalina, uma escrita rápida e frenética, em blocos curtos e mudanças velozes, faz com que percamos o fôlego junto com os personagens – nossos olhos avançando, acelerados, para as linhas seguintes na expectativa de saber o que acontece.

Buenos Aires: cenário e personagem Em qualquer narrativa, o cenário é elemento fundamental. É nele, afinal, que se desenrolam as diferentes tramas, relações entre personagens, acontecimentos e circunstâncias. O cenário pode exercer maior ou menor influência no desfecho das situações, mas dificilmente será neutro. É o que comprovamos lendo O jardim de bronze. Ambientado em Buenos Aires, o romance encontra nas ruas da cidade a sustentação para o desenvolvimento da trama. A capital argentina é o pano de fundo da busca de Moira, o tabuleiro por onde se movem as peças envolvidas no crime, como referido por Doberti:

“Um crime, seja o que seja, um roubo, um assassinato, um sequestro, mexe com peças da realidade. (...) Há elementos que são colocados de certa forma, e quando ocorre um crime, mudam de posição.” 7


Quem sabe os mistérios que as ruas de uma cidade guardam? Pode-se dizer que a cidade quase desempenha o papel de um personagem. Pela narração de Malajovich, ao lado de Fabián e Doberti, percorremos de um lado a outro as ruas e esquinas da capital argentina. Construções, bairros, avenidas, o sistema de metrô, parques e praças são descritos por um olhar atento ao ambiente. São essas ruas que escondem sem esconder os caminhos e as respostas para o desaparecimento de Moira.

Romance policial: a visão periférica e o não previsto Doberti, o detetive que ajuda Fabián, cria para o caso a lista chamada dramatis personae. No teatro, a expressão é utilizada para elencar os personagens que participam de uma peça no palco, organizados em uma lista. Em uma tradução simplificada do latim, são as pessoas envolvidas no drama que, aqui, remonta ao seu sentido original, de “ação”. Ou seja, para melhor compreender o caso, ele é transformado em história, narrativa. Quem são os envolvidos, em quem devemos prestar atenção? Para perceber, é preciso estar atento – quase como se lêssemos ou ouvíssemos uma história. Ou ainda, como Fabián percebeu em determinado momento da trama: usar a visão periférica. Não basta olhar apenas à frente, é preciso atentar também para os lados. Os leitores de O jardim de bronze acompanham as investigações e tentam desvendar o caso junto com Fabián. Porém, se em algumas vezes conseguimos acertar o palpite, em outras, o autor nos surpreende com reviravoltas e acontecimentos inesperados. Nem sempre nossa visão periférica é capaz de captar movimentos não previstos. E esse, como bem já apontou Chesterton em suas análises do romance policial, é um dos trunfos do gênero. O escritor e crítico literário inglês considera que o romance 8


policial “difere dos outros pelo fato de o leitor só ficar satisfeito se sentir que foi enganado”. É o efeito do não previsto – o que estava ali e não percebemos. A relação singular estabelecida entre os leitores e as narrativas policiais também já foi estudada por um célebre escritor argentino, também leitor confesso de ficção policial: Jorge Luis Borges. Borges fala a respeito dos romances policiais que criam “um tipo diferente de leitor”, responsável por garantir a própria significação da obra.

Depois da leitura A trama de Gustavo Malajovich foi tão bem construída que, não muito tempo depois de publicado, o livro foi adaptado para a televisão. A primeira temporada da série homônima foi ao ar em junho de 2017 no canal pago da HBO na América Latina e teve boa recepção do público. O autor do livro também foi um dos responsáveis pelo roteiro da série, filmada em Buenos Aires com atores de língua espanhola. A adaptação de livros para o cinema ou para a TV já é uma prática recorrente no mundo do entretenimento. De um lado, um presente para os leitores, que têm a oportunidade de assistir a produções baseadas em seus livros favoritos. De outro, pode ser um estímulo para atrair novos adeptos ao hábito da leitura. Algumas produções recentes baseadas em livros incluem: → Handmaid’s Tale (O conto da aia, de Margaret Atwood) → Game of Thrones (da série de livros homônima de George R. R. Martin) → Anne with an E (Anne de Green Gables de Lucy Maud Montgomery) → Outlander (da série de livros homônima de Diana Gabaldon) → My Brilliant Friend (A amiga genial, da Tetralogia Napolitana de Elena Ferrante)

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Sobre o autor

Conheça Gustavo Malajovich

Fotografia: Alejandra López 10

O protagonista de O jardim de bronze, Fabián Danubio, é arquiteto. Conforme avançamos a leitura, descobrimos também um pouco da arquitetura de Buenos Aires e as características dos bairros, ruas e avenidas por onde se movem seus personagens. Conhecemos, por exemplo, o Palacio Barolo, o edifício comercial na Avenida de Mayo inspirado na Divina Comédia, de Dante Alighieri, e dividido em blocos que representam o inferno, o purgatório e o paraíso. Andamos pelas avenidas Álvarez Thomas, Flores, Rivadavia e Triunvirato. Caminhamos pelos bairros de Villa do Parque, Chacarita, Bajo Flores e Palermo. Talvez os detalhes dedicados à arquitetura da cidade não sejam uma coincidência, já que o autor, Gustavo Malajovich, 57 anos, também é arquiteto. Ele mudou de rumo em 2002, quando foi convidado a trabalhar no roteiro da série de comédia Los Simuladores, considerado um marco na ficção da tevê argentina. Na nova área, trabalhou no programa Todos contra Juan e no longa Encarnación. Argentino residente em Buenos Aires, Malajovich atualmente concilia o trabalho de roteirista com a escrita e as aulas que dá no Centro Cultural Rojas, na Escola ORT, no Laboratório de Roteiro de Guión e nos cursos de roteiro e direção da Escola do Centro de Pesquisa e Experimentação em Vídeo e Cinema de Buenos Aires (CIEVYC). O jardim de bronze, lançado na Argentina em 2012, é seu primeiro livro – e o primeiro de uma série protagonizada por Fabián Danubio.


Pelas ruas de Buenos Aires Famosa por suas livrarias e cafés, ao longo da sua história, Buenos Aires já foi lar, de grandes nomes da literatura. Cortázar costumava escrever no London City Bar, na Avenida de Mayo. Borges viveu em Palermo, que aparece em muitos de seus trabalhos. Silvina Ocampo vivia com o marido, Adolfo Bioy Casares, na Calle Posadas. Alguns entre tantos que deixaram suas contribuições para a literatura direto da capital portenha. Conheça a Buenos Aires dos escritores:

Julio Cortázar Autor do célebre O jogo da amarelinha, que, em algumas passagens, também invoca as ruas de Buenos Aires, Cortázar narra a cidade em livros como Bestiário e Os prêmios. Quando jovem, o escritor viveu no bairro Agronomía, que aparece retratado no conto “Ônibus”, em Bestiário. Os personagens pegam o ônibus saindo do bairro, quase em frente à casa onde Cortázar viveu, e percorrem a cidade até a praça San Martín, no bairro do Retiro. No caminho, são mencionados alguns pontos da cidade, como o cemitério da Chacarita, que também aparece no romance de Malajovich. A história de Os prêmios começa em um bar no centro da cidade, onde um grupo de pessoas se encontra para comemorar a vitória em uma premiação. O bar é justamente o London City, que Cortázar também frequentava para escrever. 11

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Roberto Arlt Em 1929, Arlt publicava Os sete loucos. Considerado um dos mais importantes romances argentinos do século XX, conta a história de Erdosan, que corre contra o tempo para devolver uma quantia à empresa onde trabalha. A Buenos Aires que aparece aqui é uma cidade à margem, obscura, de figuras também marginalizadas. Arlt é conhecido por ser um dos autores a usar o lunfardo, espécie de gíria ou dialeto falado nas comunidades periféricas de Buenos Aires. Ernesto Sabato Sabato figura também entre aqueles cujas obras estão estreitamente associadas à capital portenha. Era frequentador do Café Tortoni, foi professor da Universidade de Buenos Aires, nasceu e morreu na capital argentina pouco antes de completar cem anos. Em 1961, publica um de seus livros mais famosos: Sobre heróis e tumbas. O romance, dividido em três histórias, narra a decadência de uma família aristocrática, a fuga dos apoiadores do general Juan Lavalle depois de sua morte e o caso curioso de uma seita de cegos. O livro traz uma passagem sobre o Parque Lezama, localizado no bairro de San Telmo, também bastante presente na obra. Alfonsina Storni Em 1969, Mercedes Sosa canta Alfonsina y el mar. A música foi uma homenagem do pianista Ariel Ramíres e do escritor Félix Luna a Alfonsina Storni. Nascida na Suíça, emigrou com os pais aos quatro anos para a Argentina, onde viveria até a morte. A relação de Buenos Aires com a obra de Alfonsina é primordial: foi quando se mudou para lá que começou a escrever seu primeiro livro de poemas. Alfonsina adota um eu lírico feminino para abordar temas que vão desde a exposição e os desejos corporais até versos dedicados ao ambiente ao seu redor. É o caso de Languidez, por exemplo, no qual estão poemas sobre Buenos Aires, o rio da Prata, as áreas de subúrbio e temáticas sociais. 12


Uma pergunta interminável “Cada desaparecido é o início de um grito que já não se contém. A morte é algo mais liberador, é algo que tristemente dá uma resposta. Mas alguém que desaparece é uma pergunta interminável.”

Texto: Priscila Pacheco

A frase presente em O jardim de bronze descreve o sentimento de lacuna que se instala após o desaparecimento de alguém próximo. Uma ausência física que também é ausência de respostas, que não permite o luto e que deixa a vida em suspenso. Uma espera pelo que não se sabe se é factível esperar. O desaparecimento de pessoas é um problema às vezes pouco abordado, mas latente, e que pode se estender por anos ou até mesmo décadas. Para as pessoas que convivem com esse tipo de perda, a vida se torna uma espécie de busca e espera constantes. Em geral, os desparecimentos são classificados como voluntários, involuntários ou forçados. Esta última possibilidade, obviamente, é a mais temida, mas qualquer uma impõe um sofrimento profundo e contínuo. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) coleta e processa informações relativas a desaparecimentos em diversas partes do mundo, atuando para preveni-los, além de amparar as famílias e determinar o paradeiro dos desaparecidas. Até o fim do primeiro semestre de 2019, mais de 145 mil casos eram acompanhados pela entidade. 13


Pessoas desaparecidas na Argentina Um relatório divulgado no ano passado pelo Ministério de Segurança da Argentina mostrou que, entre 2016 e 2019, mais de 21 mil casos de desaparecimentos foram registrados no país. Conforme indica o relatório, a maioria das pessoas aparece dentro de 72 horas e metade delas já foi encontrada – outras 10,6 mil, porém, continuam desaparecidas. Do total de casos, 54% são mulheres e 46%, homens. A divisão entre faixas etárias também é equilibrada: adultos representam 51% e menores de 18 anos, 49%. A maior parte dos casos foi registrada na província de Buenos Aires (24%), seguida por Córdoba (15%) e pela cidade de Buenos Aires (15%). Esses dados foram possíveis graças ao Sistema Federal de Busca de Pessoas Perdidas e Desaparecidas (Sifebu), criado pelo governo argentino em 2016 para registrar e compilar informações das pessoas desaparecidas no país. Para trabalhar na análise dos dados e facilitar o trabalho de busca, o órgão conta com uma equipe multidisciplinar de profissionais envolvendo advogados, psicólogos e sociólogos. O sistema só anula uma busca quando a pessoa é encontrada ou quando uma pessoa de identidade desconhecida é identificada. Um dos principais obstáculos identificados pelo relatório é a ausência ou o atraso na atualização do andamento dos casos por parte das autoridades federais ou das províncias. No Brasil, os números também são expressivos. Segundo dados do CICV, apenas em 2018 foram registrados 82 mil casos de desaparecimentos no país. Considerando o período de 2007 a 2018, são 858.871 registros de pessoas desaparecidas: uma média de oito desaparecidos por hora. Mesmo expressivos, há razões para acreditar que os números estão subnotificados. A ONG Mães da Sé, que atua no registro e na busca de pessoas desaparecidas, aponta como fator para a subnotificação a falta de um cadastro de abrangência nacional atualizado e efetivo, além do eventual desconhecimento, por parte de algumas famílias, da necessidade e do direito de fazer o registro. 14


O romance policial na argentina

Texto: Priscila Pacheco

Jorge Luis Borges tem uma definição curiosa para os leitores de narrativas policiais: somos uma invenção de Edgar Allan Poe. Considerado por muitos como pioneiro do gênero, em 1841 Allan Poe escreveu o conto que marca o nascimento das narrativas policiais: Os assassinatos da Rua Morgue, no qual ganha vida um dos famosos detetives da literatura, Auguste Dupin. O crime, a investigação e a solução do mistério estão no cerne da estrutura narrativa do gênero policial, que, em seu formato mais clássico, preza pela verossimilhança absoluta. Do conto de Poe aos dias de hoje, esses elementos se mantêm, em maior ou menor medida, como uma constante – mas é possível observar variações que, de país para país, conferem ao gênero diferentes usos e atributos. Na Argentina, a tradição policial remonta ao século XIX, quando foram publicados os primeiros contos do gênero. As boas taxas de alfabetização no país contribuíram para que nas décadas de 1910 e 1920 já fossem populares revistas com séries policiais. Uma das marcas do gênero policial na argentina, a paródia, teve início pouco depois, nos anos 1930 e 1940, com Conrado Nalé Roxlo. Sob o pseudônimo de Chamico, o escritor ironizou nomes famosos, como Chesterton, Conan Doyle e até seu conterrâneo Borges. 15


Borges, por sua vez, também foi ele próprio um dos nomes do gênero policial em seu país. A morte e a bússola, conto que publica em 1944, tornou-se um dos ícones da narrativa policial. No conto, Borges subverte os princípios do gênero ao mesmo tempo em que os eleva ao máximo, em uma narrativa labiríntica cuja solução do crime é sua própria causa. A participação de Borges na história do gênero policial na Argentina não para por aí. Em 1945, ele e Adolfo Bioy Casares lançam a coleção El séptimo circulo, dedicada a publicar romances policiais clássicos e que seria mantida até 1983. Sob o pseudônimo de Bustos Domecq, os dois escritores também publicaram Seis problemas para Don Isidro Parodi, consolidando a paródia como traço definitivo da narrativa policial na Argentina. Pouco depois, em 1953, Rodolfo Walsh publica a que é considerada a primeira antologia do conto policial argentino, as Variações em vermelho. Os contos da coletânea seguem o esquema clássico (crime, investigação, solução) – a “variação” fica por conta do perfil do detetive de Walsh. Diferentemente do investigador tradicional, Daniel Hernández é revisor de livros e parte dos conhecimentos que a atividade lhe proporciona para solucionar os casos. Na década seguinte, durante o período da ditadura argentina, as coisas mudam um pouco. O gênero policial no país assume um caráter mais duro, violento, em consonância com o contexto do momento. São dessa época os títulos que retratam o temor provocado pelo poder estatal, como Loteria em Babilônia, de Borges, e a Série negra, com tradução de Ricardo Piglia. Reconhecido estudioso e crítico literário, Piglia também deixa seu nome no cânone do gênero policial na Argentina: em 1997, publica Dinheiro queimado. Baseada em fatos reais, a obra conta a história de um roubo a um banco em Buenos Aires ocorrido em 1965 e foi vencedora do Prêmio Planeta (Argentina) no ano em que foi publicada. 16


“O crime, a investigação e a solução do mistério estão no cerne da estrutura narrativa do gênero policial, que, em seu formato mais clássico, preza pela verossimilhança absoluta.” Ao percorrer a evolução da literatura policial na Argentina ao longo do último século, é possível observar que boa parte da produção é feita não por escritores dedicados exclusivamente às narrativas policiais, mas por autores que operam espécies de incursões no gênero, citando-o, parodiando-o, fundindo-o a outras produções. As coleções também exerceram papel importante – e até hoje ocupam uma posição de destaque no que diz respeito à profusão do gênero policial no país. São os casos, entre outros, da coleção Negro absoluto, organizada por Juan Sasturain, dedicada a publicar romances policiais passados em Buenos Aires, e da Extremo negro, liderada por Carlos Santos Sáez. Hoje, além do bom desempenho de coleções como essas, concursos e festivais contribuem para movimentar as produções policiais na Argentina, com alguns títulos do gênero aparecendo nas listas de mais vendidos do país. Certo apelo comercial, aliado à característica de retratar, muitas vezes, o contexto político e geográfico dos locais onde se passam, também são fatores importantes. No ensaio intitulado “Sobre o gênero policial”, Ricardo Piglia refere-se ao gênero como aquele que “move seus protagonistas a um lugar diferente, capaz de promover profundas e rápidas transformações íntimas”. A afirmação, talvez, ajude a explicar por que, quase dois séculos depois dos seus primeiros registros, as narrativas policiais continuem vivas e atraindo leitores. 17


Próximo mês Duas histórias de amor e de pertencimento se misturam nesse romance comovente sobre o Oriente Médio. A família de uma cartógrafa retorna à Síria em busca de suas raízes após a morte do patriarca nos Estados Unidos, apenas para encontrar-se sem ter para onde ir quando a guerra estoura no país. Oito séculos antes, uma garota se disfarça de menino para se tornar aprendiz de um homem cuja missão é criar um mapa do mundo. Entre história e afeto, entre coragem e medo, presente e passado se misturam na mesma rota.

“A obra conecta, vívida e urgentemente, a Síria e os Estados Unidos.” —The New York Times Book Review

“Este poderoso e lírico romance de estreia é para a Síria o que O caçador de pipas foi para o Afeganistão.” —The Providence Journal


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“(...) quem é que sabe, afinal, o que há de verdadeiro nas coisas que a gente lembra?, e que verdade se esconde nas coisas que a gente pensa que está inventando agora?” – Maria Valéria Rezende


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