"Aprender a falar com as plantas" - Revista TAG Curadoria Out/21

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Aprender a falar com as plantas

PREFÁCIO



OLÁ, TAGGER Foi o escritor russo Anton Tchekhov quem escreveu, em um de seus contos, que “o coração alheio é floresta espessa” — uma bela imagem para traduzir a complexidade dos sentimentos humanos e o desafio de compreendê-los em sua totalidade. O livro que chega às suas mãos este mês envolve uma narrativa potente sobre perda e luto, experiências comuns a tantos indivíduos, mas que, nesse enredo, ganham uma camada intrigante. Para a protagonista de Aprender a falar com as plantas, romance de estreia da catalã Marta Orriols, a ausência do marido se desdobra em um sentimento dúbio e perturbador: horas antes de morrer em um acidente, ele revelara à personagem que a deixaria para viver com outra mulher. Paula Cid, médica bem-sucedida, vê seu mundo desabar. Não se preocupe, Tagger, pois a descrição acima não traz nenhum spoiler — essa é a premissa do livro, explicitada pela autora logo nas primeiras páginas. O mais importante da trama é o modo como Paula reagirá ao episódio e dará sequência à sua rotina. O mais cativante são as pistas fornecidas por Orriols a nós, leitores, para tentarmos desvendar a densa floresta interior da protagonista, seus tormentos, dilemas e anseios. Neste prefácio, você será introduzido à obra da autora catalã, indicada pela curadora Socorro Acioli. Poderá também conhecer uma tradição de escritores que, assim como Orriols, dedicam-se à elaboração literária (por vezes, íntima) do luto. Como uma boa obra contemporânea, o romance traz questões caras ao nosso tempo, para além da dor da perda. Por isso, você encontrará também uma reportagem sobre mulheres semelhantes a Paula, que optam voluntariamente por não ter filhos.


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outubro de 2021

COLABORADORES

RAFAELA PECHANSKY

JÚLIA CORRÊA

LAURA VIOLA HÜBNER

Publisher

Editora

Assistente

LUÍSA SANTINI JANUÁRIO

ANTÔNIO AUGUSTO

LIZIANE KUGLAND

Assistente

Revisor

Revisora

PAULA HENTGES

GABRIELA BASSO

LAÍS FONSECA

Designer

Designer

Designer

Impressão Gráfica Ipsis Diagramação Ana Clara Miranda Capa Luísa Zardo


SUMÁRIO prefácio

5 O livro indicado

8 O luto retratado na arte

12 Orriols discute imposição da maternidade



O livro indicado

APRENDER A FALAR COM OS MORTOS

TATIANA CRUZ

Ilustrações: Shutterstock

Capa do livro Aprender a falar com as plantas Luísa Zardo

Aprender a falar com as plantas carrega no título a potência dialógica do romance de estreia da catalã Marta Orriols. Você inicia a leitura com uma médica conversando com uma bebê prematura que não respira, dizendo à pequena que é preciso que ela reaja porque, se tem uma coisa que vale a pena na vida, essa coisa é o mar. E você é colocado na cena. Na tensão da cena de uma UTI neonatal de um hospital em Barcelona, onde Paula Cid usa as mãos para reanimar uma criança nascida antes do tempo. Você a conhece atuando na força da mão e na força do pensamento, porque não se tem certeza se ela fala de verdade ou se fala apenas em sua mente, para dentro. E esse não é um mero detalhe, porque essa médica respeitada e apaixonada pelo trabalho, absorvida em plantões de hospital, alheia a manifestações de afeto gratuitas, somando 42 anos de vida e um casamento sem filhos, essa médica vai ter sua concentração de rotina e comedimento atravessada por um acontecimento duplamente trágico: saber-se traída 5


e abandonada pelo marido horas antes desse marido ser morto em um atropelamento. Shakespeare já dizia que era preciso dar palavras ao sofrimento: “a dor da perda não fala, murmura dentro do coração dolorido e o faz partir-se”. Aprender a falar com as plantas é esse murmúrio escapando de um corpo que volta de uma guerra. Quando se perde um amor com morte e abandono e se ganha um luto duplo e um segredo, como se anda para a frente? Para quem leu Joan Didion em seu O ano do pensamento mágico, é impossível não colocar a jornalista, roteirista e escritora americana em conversa com a protagonista de Orriols. “A vida muda num instante. Você se senta para jantar e a vida que você conhecia acaba de repente” - é assim que Didion começa a narrativa de sua experiência real de luto com a perda repentina do marido, o também escritor John Gregory Dunne, que sofreu um infarto fulminante um dia antes da noite de Ano-Novo. Paula perde o marido na ficção, mas o diálogo que estabelece sobre identidade feminina, reconstrução, luto e relações humanas parece atuar como um olhar indiscreto nas vidas íntimas de quem a assiste tentando se reerguer. Humana, cheia de arestas, em um début literário que remete à inteligência narrativa de Didion se apegando a todos os detalhes ao redor para dar, como pede Shakespeare, “palavras ao sofrimento”. Não é incomum psicólogos e terapeutas compararem a dor da separação à da morte. Não é à toa que a palavra luto é usada para descrever as cinco etapas do processo que acompanha o desfecho de uma relação: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Quando a decisão é unilateral, é impossível não enxergar o acontecimento como um desaparecimento abrupto, uma morte em vida, com o acréscimo perturbador de que, ao contrário da morte, que é definitiva, para a qual não há recursos, argumentos ou esperanças, a separação deixa um vão por onde se veem corações em luto, de outra maneira. “A morte se parece com a primavera. A morte repara o irreparável. É irreparável e a tudo maquia”. Por mais que se apresente como uma mulher modelada pelos outros, pelo externo, dando a entender que é muito flexível, Paula, na verdade, é uma pessoa muito prática e 6


A autora, Marta Orriols Ariadna Arnés

que tem muita dificuldade em se abrir com o pai, também viúvo, com as poucas amigas ou os colegas. A perda de Mauro finaliza o casamento sem que os outros saibam da traição, e é no diálogo dela com o marido morto, com as memórias que a espreitam nos recantos da casa, que saltam de gavetas, que a narradora de Marta consegue liberar seu lado mais frágil, humano, amargo e, ao mesmo tempo, doce, colecionando um relicário de imagens poéticas em seus pensamentos-conversas: “As bombas são sempre bombas, um projétil indiscriminado incapaz de golpear com precisão. O impacto arrasa tudo. Inclusive sua própria condição”. O pai da psicanálise, Freud, em seu livro Luto e melancolia (1917), diz que é importante no processo de luto “deixar o outro ir e deixar-se perder”. Deixar-se perder no sentido de uma nova identificação, não aquela velha identidade estabelecida na relação com o outro. Em Aprender a falar com as plantas, vamos encontrar Paula às voltas com as plantas, mas não as plantas dela, e sim as plantas de Mauro, que ela esqueceu de regar. Pé ante pé, no silêncio da casa em luto, o coração fala com o marido que falava com as plantas, investiga seus recantos mais íntimos, examina a mulher que ele passou a amar, abre a tela do celular dele, que ela passou a consultar como forma de, ao redescobri-lo, redescobrir a si própria: “deslizei o dedo pela tela e se levantou o telão da sua vida, a sua vida sem mim”. Ao aprender a falar com as plantas (ou seria com os mortos?), ela foi aprendendo a falar com ela mesma, abrindo-se a uma nova Paula, mesmo que o resultado dessa descoberta sejam pequenas alegrias e prazeres que chegam perturbadores e inquietantes: “a alegria e o prazer parecem voltar mutilados, como soldados desta guerra minha”. 7


Para ir além

O LUTO RETRATADO NA ARTE JÚLIA CORRÊA

Ilustrações: Shutterstock 8

Em entrevista concedida à revista Life em 1963, parte de um perfil assinado pela jornalista Jane Howard, o escritor americano James Baldwin sintetizava, em uma sentença singela, mas potente, um importante efeito da literatura: “você acredita que a sua dor e a sua tristeza não têm precedentes em toda a história do mundo, mas então você lê”. O autor de O quarto de Giovanni (1956) e Terra estranha (1962) explicava, na sequência, que foram autores como Dostoiévski e Dickens que lhe ensinaram que as angústias que mais nos atormentam costumam ser, precisamente, aquelas que nos conectam com a humanidade como um todo. A perda de uma pessoa querida é uma dessas experiências dolorosas que encontram eco em manifestações artísticas as mais variadas, como a própria literatura, às quais podemos recorrer para compreender — e, quem sabe, atenuar — as nossas aflições. Mesmo para aqueles que não comungam desta fé, é difícil não pensar em como certas representações cristãs povoam o imaginário ocidental acerca do luto. De uma escultura como a Pietà, de Michelangelo, a uma obra-prima musical como A paixão segundo São Mateus, de Bach, expressões artísticas relacionadas à morte de Cristo nos permitem enxergar, não necessariamente por crença


religiosa, mas por empatia, a dor e a fragilidade de seres não menos vulneráveis do que nós. Afinal, como não nos compadecermos de uma mãe, como Maria, que chora sobre o corpo do filho? Isso não quer dizer que o luto seja uma experiência vivenciada univocamente pela humanidade. A própria literatura nos permite desvendar diferentes formas de desolação diante da morte. Aliás, muito antes do estabelecimento da iconografia cristã, artistas da Antiguidade já criavam narrativas relacionadas à dor da perda. Representada pela primeira vez em 441 a.C., Antígona, uma das grandes tragédias deixadas por Sófocles, mostra o empenho da personagem que dá nome à obra em sepultar devidamente o seu irmão, Polinices. Confrontando as determinações do rei Creonte, que proibia a realização do ritual funerário, a heroína não abriu mão das “leis divinas”, não escritas e inevitáveis, de conceder honras aos mortos. “Não é de hoje, não é de ontem, é desde os tempos mais remotos que elas vigem, sem que ninguém possa dizer quando surgiram”, diz ela a certa altura da peça. Dessa mesma ideia de que a morte impõe suas próprias leis, advém uma das cenas mais comoventes de toda a literatura, que nos remete ao século VIII a.C.. A cena se dá nos versos finais da Ilíada, de Homero, quando Príamo suplica a Aquiles, assassino de seu filho Heitor, pelo direito de conferir a ele as devidas honras fúnebres. “Respeita os deuses, ó Aquiles, e tem pena de mim,/ lembrando-te do teu pai [...]”, argumenta o ancião, na esperança de poder vivenciar seu luto de forma digna. Com a concessão de Aquiles, o conflito entre Aqueus e Troianos é interrompido para dar espaço às cerimônias dedicadas ao guerreiro Heitor. Sobretudo com Antígona, podemos identificar uma experiência de luto na qual quem permanece no mundo precisa concretizar certos ritos para, então, seguir adiante e levar a vida a despeito da dor. No entanto, em certas obras literárias, encontramos personagens para os quais a perda de alguém próximo obstrui qualquer possibilidade de ação. É uma paralisia visível, por exemplo, em Hamlet, figura que dá título a uma das mais conhecidas tragédias de Shakespeare. Diante da morte do pai, assassinado por 9


seu tio, Cláudio, o príncipe da Dinamarca busca vingança, mas é constantemente atormentado por suas angústias. Feridas únicas Entre os registros literários do luto, é possível notar que diversos autores apoiam-se na própria escrita quando se encontram, eles mesmos, desalentados pela morte de um ente próximo. Sobretudo na contemporaneidade (em que, não por acaso, a ideia de autoficção ganha força), escritores utilizam frequentemente a literatura como veículo privilegiado de elaboração — para usar aqui um termo psicanalítico — de suas perdas. A filósofa e ativista francesa Simone de Beauvoir não apenas escreveu um romance motivada pela morte precoce de uma amiga, As inseparáveis, de 1954, como também, em Uma morte muito suave, de 1964, produziu um relato pessoal bastante sensível sobre a passagem de sua mãe. Por sua vez, em O ano do pensamento mágico, de 2005, a jornalista e ensaísta americana Joan Didion nos lembra da fragilidade humana por meio de uma narrativa sobre a morte súbita de seu marido, o roteirista John Gregory Dunne, vítima de um enfarte. O livro, como ela mesma afirma, é uma tentativa de entender o período que se seguiu ao fato, os meses que desfizeram “qualquer ideia fixa sobre a maneira como as pessoas lidam ou não com o fato de que a vida acaba”. Em Blue Nights, de 2011, tido como uma continuação da obra anterior, Didion relata outra dor vivenciada por ela: a perda da filha única do casal, Quintana Roo Dunne, que estava internada inconsciente em uma UTI quando o pai morreu e que faleceria pouco menos de dois anos depois. Citado por Marta Orriols na epígrafe do livro que a TAG envia este mês, o inglês Julian Barnes descreveu, em Altos voos e quedas livres (2013), a consternação sentida por ele após a morte de sua esposa, que o deixou “totalmente fora de si”. Trata-se de mais um exemplo, tornado material literário, de uma experiência em que o luto corrói a ação de quem sofre pela ausência de um ser amado, em que a volta da alegria e do prazer revela-se sempre frágil. Já na literatura lusófona, um relato delicado a respeito do luto marcou a estreia do português José Luís Peixoto. 10


Na obra Morreste-me, publicada em 2000, o autor presta homenagem ao pai em páginas carregadas de uma prosa poética, ao longo das quais ficamos a par de uma terra que se lhe faz cruel diante da ausência da figura paterna, de um tempo entristecido em que o mundo deixa de ser para apenas existir. Peixoto cria uma profusão de imagens representativas de um luto em que a ausência se faz sempre presente, em que a memória do pai está permanentemente dentro da sua, por meio de uma ligação sugerida já no título, com a junção pouco usual (e reveladora) daquele verbo e daquele pronome oblíquo. Mais recentemente, a escritora brasileira Noemi Jaffe trouxe um caso exemplar de uma ausência que ganha potência pela memória (e pela palavra). O livro O que ela sussurra, lançado no ano passado, gira em torno de Nadejda Mandelstam, escritora russa que memorizou os poemas de seu marido, Óssip Mandelstam, poeta perseguido, censurado e morto pelo regime soviético, de modo que não fossem esquecidos no decorrer da história. Voltado propriamente ao tema da perda, o mais novo livro de Noemi, Lili: novela de um luto, traz um relato da autora sobre a morte da mãe, sobrevivente do Holocausto, que partiu em 2020, aos 93 anos de idade. Se a escrita serve mesmo a tantos autores para a elaboração de suas perdas e se o contato com a dor alheia pode abrir caminho para a compreensão das nossas angústias, a escritora espanhola Rosa Montero parece ter sintetizado essas possibilidades em A ridícula ideia de nunca mais te ver, de 2013. No livro, os diários da cientista Marie Curie, com anotações sobre a perda do marido, servem-lhe de mote para retomar, pela escrita, o “nexo com a vida”, perdido, segundo ela, após a morte daquele que fora seu parceiro durante 21 anos. Como bem observou Montero, parece ter sido a esses registros íntimos que Fernando Pessoa se referiu ao dizer que o poeta "chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente”. É válido destacar, no entanto, que a abundância de relatos sobre o luto dificilmente implica falta de originalidade. É que, embora possamos encontrar precedentes para a nossa dor, conforme sugeriu Baldwin, nossas feridas serão sempre únicas — dignas, por vezes, de narrativas vigorosas.

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Reflexão

ORRIOLS DISCUTE IMPOSIÇÃO DA MATERNIDADE PAULA SPERB

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“Um filho, se eu quiser, quando eu quiser”. As palavras de ordem ganharam popularidade na voz das mulheres francesas que, na década de 1970, reivindicavam o direito de decidir se queriam ser mães. A luta feminista delas, portanto, passava pelo acesso a métodos de controle de natalidade — a pílula anticoncepcional o principal deles — e também o aborto. Elas batalhavam para que a maternidade deixasse de ser uma imposição social para ser uma escolha livre e consciente. Justamente a maternidade é um tema caro à escritora catalã Marta Orriols. Recentemente, a autora publicou Dulce introducción al caos (Lumen, 2021), ainda inédito no Brasil, sobre um jovem casal que precisa lidar com uma gravidez não desejada. A mulher tem planos profissionais e pessoais e não deseja ser mãe. O aborto, tema tabu no Brasil, acaba sendo uma escolha da personagem. Mesmo diante de um procedimento legalizado, ela precisará lidar com julgamentos. A maternidade como uma opção é abordada de forma menos explícita no livro do mês, Aprender a falar com as plantas, lançado originalmente em 2018 na Espanha. Porém, o tema da maternidade afeta delicadamente toda a trama da obra que os taggers têm em


mãos. A começar pela profissão da personagem principal e também narradora da história, a médica Paula. Ela não é, todavia, qualquer tipo de doutora. Paula é, especificamente, uma neonatologista. Ou seja: é especializada em cuidar de bebês recém-nascidos que exigem cuidados extras por apresentarem condições complexas de saúde, como o nascimento prematuro e suas implicações. Durante a leitura do livro, descobrimos um interessante contraste produzido por Orriols. Enquanto Paula dedica-se diariamente a salvar e a manter vivos inúmeros bebês em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), ela própria decidiu não querer ser mãe. Pode ser que tal condição seja uma aparente contradição, mas não seria Paula um pouco mãe de muitas em vez de ser mãe de uma única criança? A neonatologia, especialmente como apresentada pela autora, é um ofício que exige imensa dedicação, com exaustivos plantões. Teria Paula, então, abdicado da vida pessoal em nome da profissão? As questões são subliminares e não são colocadas por Orriols em primeiro plano. Mas a cobrança sutil pela maternidade aparece em diversos momentos da história. Mauro, o companheiro de Paula, morre em um acidente. Ela tem 42 anos e se vê sozinha em seu apartamento, tendo que “aprender a falar com as plantas” do ex-companheiro. Paula descobriu, pouco antes da morte, que ele a traía com uma mulher mais jovem. A narradora se pergunta, em dado momento, se a nova parceira seria alguém que realizaria o desejo dele de se casar em uma cerimônia — algo que ela não quis — e lhe dar filhos, o que ela também não desejava. Após a morte de Mauro, a mãe dele telefona para Paula querendo lhe deixar a herança, já que não tinha herdeiros. Mais uma vez, a ausência dos filhos do casal por decisão de Paula. Seja pela sua idade ou condição de independência econômica, Paula acaba se encaixando no perfil das mulheres que tratam a maternidade como uma opção e não uma obrigação. Logo, é como se não atendesse à expectativa social do que é o "feminino" e a "condição" de mulher. 13


A antropóloga Miriam Pillar Grossi, professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) dedicada ao estudo das questões de gênero, explica que esse ideal feminino está ligado a dois aspectos, principalmente: a mudança da visão sobre a infância, que passa a ser uma fase que exige proteção e cuidados (nem sempre foi assim!), e a ideia da maternidade como um “dom” de amor incondicional. “É uma construção cultural, paralela ao conceito de infância como algo especial. Constrói-se esse modelo do feminino que entende a maternidade como uma experiência obrigatória, como uma etapa fundamental para uma mulher se tornar adulta. Mas se torna um peso e uma demanda social muito grande”, explica Grossi. De acordo com a pesquisadora, a partir da segunda onda de movimentos feministas, pós-maio de 1968, a maternidade começa a ser discutida como um fator de desigualdade de gênero. Às mulheres, cabia abrir mão da educação e independência financeira em nome de cuidar do lar e dos filhos, enquanto, aos homens, cabia ocupar os espaços públicos de liderança. “Vários autores vão discutir a maternidade como um dos espaços de opressão das mulheres, da opressão patriarcal. Filhos não podiam ser uma obrigação, mas precisavam ser desejados como parte do projeto de vida. 14


As transformações tecnológicas, como a própria pílula anticoncepcional, trazem a possibilidade de controlar a reprodução”, analisa a professora. No livro de Orriols, Paula observa as filhas da amiga Lídia e chega a imaginar suas próprias filhas. “Minhas filhas hipotéticas teriam que recordar, cada manhã, que sou mãe”, diz a narradora. Na festa de Natal que passa com a família, ela troca as fraldas dos bebês, filhos de suas primas, com naturalidade. Ela os compara com os bebês que cuida no hospital. Os das primas são “grandes” e saudáveis, enquanto aqueles internados na UTI são os “pequenos”. Na escolha pela maternidade, há também um recorte não apenas de gênero, mas também de classe social. Em diversos momentos, Paula se coloca conscientemente como uma mulher branca e privilegiada de 42 anos. Bem diferente da sua faxineira, por exemplo. A doméstica que limpa seu apartamento eventualmente é descrita como uma imigrante latino-americana, com esmaltes descascados, que precisa trabalhar para sustentar seus filhos, que, segundo Paula, “saem de baixo de pedras”, expressão que indica que são muitos. De acordo com Grossi, se o movimento feminista reivindicou o direito de decidir sobre a maternidade, atualmente se vê também uma maior reivindicação para que sejam dadas condições de igualdade para mulheres que querem ser mães sem abdicar da carreira.

Ilustrações: pch.vector / Freepik 15


Atenção! Para começar a leitura da segunda parte da revista, vire-a de cabeça para baixo e feche-a. Comece a ler a partir da contracapa.

Ilustração do mês Jônatas Moreira, 22 anos, é artista visual nascido e criado na Baixada Fluminense (RJ). Cursa Pintura na UFRJ e explora diversas possibilidades de produção. Em suas obras, busca trazer reflexões sobre a nossa interação com a natureza, além de exaltar a beleza preta. Mas não se limita a isso: a base do seu trabalho é a experimentação com materiais e, principalmente, com as cores — uma das características mais marcantes de suas criações. @jonatxs.art A pedido da TAG, Jônatas interpretou uma passagem do livro do mês: “Mas agora, rodeada de plantas deterioradas e desvalidas, me sinto um ser miserável. O Mauro por quem eu me apaixonei acreditava que somos apenas uma parte da criação do planeta, que o reino animal, mas também o mundo vegetal, merece a mesma atenção que a que dedicamos aos humanos”. 16




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Aprender a falar com as plantas

POSFÁCIO


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OLÁ, TAGGER Se, ao descobrir o título do livro deste mês, você logo o associou às plantas que tanta gente passou a cultivar em casa durante a pandemia, saiba que não foi o único a fazer isso — a curadora desta edição, a escritora e jornalista Socorro Acioli, conta em entrevista publicada neste posfácio que foi o que lhe ocorreu quando seu amigo Itamar Vieira Junior lhe recomendou a obra. Afinal, ela mesma passara a cuidar de samambaias, jiboias, espadas-de-são-Jorge... Mas, lendo o romance de Marta Orriols, você certamente percebeu, assim como Acioli, que o enredo vai muito além disso. O que o leitor acompanha, na verdade, é a história de uma mulher que tenta se reerguer após a perda dupla, por assim dizer, do marido — uma perda que envolve, primeiro, o abandono e, depois, a morte. Como bem destaca nossa curadora, a elaboração do luto da protagonista marca, inclusive, sua rotina de trabalho em uma UTI neonatal. A certa altura da trama, Paula atende um bebê recém-nascido com dificuldades respiratórias e passa a enumerar, como se a criança pudesse ouvi-la, motivos pelos quais a vida vale a pena. A fala, notoriamente, volta-se também para ela. O dia a dia de neonatologistas, por sinal, ganha evidência na narrativa de Orriols. Pensando nisso, entrevistamos uma médica da área para descobrir como é a experiência real de profissionais que exercem essa especialidade cheia de desafios e alegrias. Boa leitura!


“TALVEZ O PRÓPRIO EU SEJA UM BOM LUGAR PARA ONDE RETORNAR.” Marta Orriols


SUMÁRIO posfácio

4 Entrevista Socorro Acioli

12 Entrevista Danielle Ventura

16 Unboxing

17 Vem por aí


Entrevista

UMA ANTIANESTESIA SENTIMENTAL TATIANA CRUZ

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Uma conversa entre amigos, um interesse em cultivar plantas em meio à pandemia global… Foi assim, meio despretensiosamente, que nasceu a ideia da publicação, em língua portuguesa, do livro que você tem em mãos agora nesta edição inédita da TAG. Acontece que o papo em questão se dava entre dois grandes nomes na literatura brasileira contemporânea, Socorro Acioli, nossa curadora convidada deste mês, e Itamar Vieira Junior, autor do premiado Torto arado. “Me chamou a atenção o título. Porque aconteceu comigo o que aconteceu com muitas pessoas nesta pandemia, de estar trancada em casa e ficar com vontade de começar a comprar e aprender a cuidar de plantas”, conta Acioli. Jornalista, mestre em Literatura Brasileira e doutora em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense, a autora dos elogiados romances Vende-se uma família, A bailarina fantasma e A cabeça do santo trouxe Aprender a falar com as plantas para este lançamento ciente de que não entregaria ao leitor um manual de jardinagem ou algo que aludisse à febre de “mães e pais de planta” que se proliferou durante o distanciamento social


Socorro Acioli Fabio Lima

da covid-19. Não há tristeza a ser poupada, e ela saúda isso na boa literatura. “O livro é uma mulher expondo sua ferida, expondo todos os detalhes dessa ferida, onde dói. E, de fato, o tempo da leitura do texto literário é diferente do tempo do consumo das redes sociais e da presença das redes sociais em geral. Mas, nesse caso, essa obra literária traz uma antianestesia (...), essa necessidade de se compreender que os momentos difíceis, que precisam ser superados, estão também contidos na vida”. Leia a seguir a íntegra da entrevista: TAG - Aprender a falar com as plantas é o primeiro romance da autora catalã Marta Orriols, uma historiadora da arte que até então havia se aventurado apenas em narrativas curtas. Como você descobriu a autora e a obra? Quais os atributos do livro que, a seu ver, o transformaram no sucesso que foi na Europa e neste lançamento com sua curadoria aqui na TAG? Socorro Acioli - Eu conheci o livro da Marta Orriols por causa do Itamar Vieira Junior (também escritor, autor de Torto arado). A gente costuma conversar sobre o que 5


Livros de Socorro Acioli

está lendo e ele me falou desse livro porque foi editado pela mesma editora dele, a Maria do Rosário Pedreira, da Leya, de Portugal. E eu li no começo da pandemia. Me chamou a atenção o título. Porque aconteceu comigo o que aconteceu com muitas pessoas nesta pandemia, de estar trancada em casa e ficar com vontade de começar a comprar e a cuidar de plantas. Para algumas pessoas, foi o começo de uma relação com samambaia, com jiboia, com espada-de-são-jorge. As plantas mais comuns. E o título me chamou a atenção, a princípio, por isso. Mas o livro é muito profundo e eu acho que o motivo do sucesso na Europa, e que eu espero que também seja o mesmo sucesso aqui no Brasil, na publicação pela TAG, se deve, primeiramente, pela qualidade de escrita da autora. Marta escreve muito bem, é um texto muito bom. Ela é clara. Eu li em espanhol, e ela tem uma clareza muito grande na forma como conta a história. Mesmo a história não tendo uma linearidade, a princípio, ela consegue deixar o leitor presente pelos detalhes dos personagens, dos gestos, por esse fluxo constante para os pensamentos da Paula, da protagonista, que está ali tentando elaborar uma dor profunda. Ela está o tempo todo tentando elaborar essa dor, e a gente acompanha essa mulher nessa elaboração. Outra coisa que eu acho que é um dos grandes pontos do livro é a identificação que a gente consegue fazer de cara com ela. É uma personagem que gera um sentimento de 6


identificação, de empatia, muito rapidamente, como se estivesse de fato ouvindo o relato de uma amiga. Isso é um efeito muito difícil de provocar na literatura, construir uma personagem tão humana. E eu imagino que isso vai acontecer também na tradução para o português, na edição brasileira, porque, no geral, está falando de coisas que acontecem a todos nós, que é a necessidade de se reerguer depois de alguma grande tristeza.

Anatomia das distâncias curtas Marta Orriols

Tanto no romance de Orriols quanto em seus contos presentes no livro anterior, Anatomia das distâncias curtas, há uma relação inegável dos personagens com o ambiente doméstico, as plantas, os objetos, os sons da casa, relação essa que aparece de forma dialógica, em narrativas que parecem se converter em imagens poéticas. Pensando no contexto da pandemia e do distanciamento social, você diria que Aprender a falar com as plantas também coloca a casa, bichos, plantas e seres inanimados em condição de personagens? O que isso nos diz sobre a necessidade humana de se comunicar em tempos tão distópicos? Tem uma coisa muito bonita no livro sobre uma relação a dois, sobre duas pessoas que vivem juntas, que é o quanto a casa onde essas pessoas vivem se torna parte da vida delas e da relação. Isso vai ficando claro, por 7


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exemplo, quando a protagonista volta para casa depois que tudo aconteceu. Ela vê as plantas, os objetos da casa, as coisas que lembravam deles. Recorda de cenas, cenas sobre estar jantando e passar o azeite um para o outro... Ela traz muitos detalhes da relação, ela fala de momentos em que eles estavam assistindo a um filme e vendo notícias. Ela não superdimensiona grandes eventos que tenham acontecido com o casal. Ela justamente relembra as pequenas cenas do cotidiano, e são as pequenas cenas do cotidiano que constroem de fato a verdade de uma relação. Esse é outro grande mérito da obra: o quanto ela consegue nos fazer sentir dentro do ambiente, dentro do apartamento. É sentir-se como alguém que está muito perto desse casal e consegue ver os dois nos detalhes.

Socorro Acioli Renato Parada

Falando em dor e luto, Aprender a falar com as plantas é inegavelmente um livro triste. No entanto, é um livro bonito. Um paradoxo que remete ao relato da escritora, jornalista e roteirista americana Joan Didion, em O ano do pensamento mágico, sobre a morte repentina do marido na noite anterior ao Ano-Novo. Na sua opinião, o que faz com que haja essa sensação, nessas narrativas, de haver uma certa beleza na tristeza? A própria Marta Orriols deu várias entrevistas sobre o livro, nas quais ela falou disso, de como a gente está em um tempo em que as pessoas estão tentando mascarar a dor de qualquer maneira. Seja pelo excesso de positividade, pelo excesso de medicamentos ou pela busca de 9


soluções rápidas para a dor, para as dores emocionais. E ela fala nessas entrevistas e isso está dito no livro também, lá dentro, diluído no texto, na fala da personagem: da necessidade de viver o processo da dor seja qual for o luto, da morte e os outros tantos que toda vida tem. A gente passa por diversos lutos durante a vida, como sair de um emprego de que se gosta, por exemplo, mudar de um lugar para o outro. São formas de luto também e ela ressalta muito isso. Por isso, eu concordo com você: o livro é triste e bonito, e bonito e triste. Porque não aparta a morte da vida. O livro coloca a morte como uma parte da vida e como uma parte que pode ser superada em uma vida que pode continuar e que vai continuar apesar da experiência da morte. Tem uma cena no livro que, para mim, foi a que me ganhou. Logo no início, quando a Paula, que é neonatologista, está atendendo uma criança que nasce com dificuldades respiratórias. Paula começa a falar com essa recém-nascida, como se a convencesse a viver, falando de alguns motivos que fariam a vida valer a pena. E ela parece estar falando também consigo mesma, perguntando a si mesma se vale a pena viver, lidando ela mesma com a vida dela. Nessa hora, ela diz para a criança que vale a pena viver por causa do mar. E a criança reage e respira. E o livro é, todo o tempo, isso. Tem a tristeza, e algumas pessoas evitam ler coisas tristes como se fosse possível evitar a tristeza na vida. Para finalizar, ainda pensando no luto e na dor, gostaria de saber qual o papel, na sua opinião, da literatura diante dessas questões em tempos de felicidade instantânea nas redes sociais. O consumo da dor na literatura, com o tempo que ela requer, diferente do das redes sociais, não estaria ameaçado pela pressa da felicidade? Isso é uma coisa que a literatura faz pela gente, chegar perto da tristeza e olhar pra ela para aprender a passar 10


Socorro Acioli Renato Parada

por ela e não fazer de conta que ela não existe. Isso, para mim, é a grande beleza desse livro, estarmos perto de alguém observando todos os mecanismos que essa pessoa usa para se reerguer. E, nesse sentido, o livro é, em alguns aspectos, justamente o oposto do que as redes sociais têm trazido. Primeiro, porque as redes sociais impõem essa necessidade de mostrar a felicidade e mostrar os motivos dessa felicidade, sejam materiais, sejam outras coisas. E o livro é uma mulher expondo sua ferida, expondo todos os detalhes dessa ferida, onde dói. E, de fato, o tempo da leitura do texto literário é diferente do tempo do consumo das redes sociais e da presença das redes sociais em geral. Mas, nesse caso, essa obra literária traz uma antianestesia, que é uma opinião da própria autora com a qual concordo totalmente, essa necessidade de se compreender que os momentos difíceis, que precisam ser superados, estão contidos na vida também.

Ilustrações: Shutterstock 11


Entrevista

ROTINA REAL JÚLIA CORRÊA

Paula, protagonista de Aprender a falar com as plantas, é uma médica que vive uma rotina exigente de trabalho em uma UTI neonatal. Na entrevista a seguir, a pediatra neonatologista Danielle Ventura, paulistana que hoje atua na cidade de Bento Gonçalves (RS), conta como é a experiência real de médicos que exercem essa especialidade. 1. Se for possível resumir, como é o seu cotidiano como neonatologista? O neonatologista pode atuar tanto dentro da UTI neonatal, como plantonista ou rotineiro, quanto em consultório e ambulatório. No momento, trabalho como rotineira da UTI neonatal e como plantonista. Como rotineira, vou todos os dias para a UTI. Faço um turno em que tenho uma visão longitudinal dos pacientes — eu os vejo todos os dias, tenho uma ideia de como vem sendo a progressão deles, faço um planejamento para o tratamento, para o tempo de antibiótico, para quando vamos começar uma alimentação ou outra. Como plantonista, faço outros horários (às vezes de tarde, às vezes de noite, em fins de semana…), e aí sou responsável por resolver as intercorrências desses pacientes nesses momentos. Dá para dizer que é uma rotina bem pesada.

Ilustrações: Shutterstock 12

2. Quais os maiores desafios e alegrias do seu trabalho? Os maiores desafios são quando temos perdas. Pelo fato de estarmos dentro de uma UTI, já imaginamos que teremos muitos casos graves, mesmo falecimentos, mas esse


momento pós-nascimento é tão idealizado pela família, é para ser um momento de muita alegria, então, quando tem situações muito graves ou de malformações sérias que acabam evoluindo para óbito, é muito difícil não nos colocarmos no lugar dos pais, não pensarmos em todos os planos que fizeram, todas as expectativas e desejos… Por outro lado, as alegrias são imensas. Trabalhar com bebês pode ser muito prazeroso, porque vemos mágicas acontecerem em situações muito, muito graves, que não diríamos que um adulto teria chance de superar, mas às quais eles podem responder muito bem. Vemos crianças nascidas com 500, 600 gramas que respondem ao tratamento e saem bem da UTI, mamando no seio da mãe. 3. Lembra de alguma história marcante na sua trajetória? Existem várias, mas teve uma criança em especial da qual eu nunca vou esquecer, que para mim é um sinônimo do que é a neonatologia. Era uma bebê prematura extrema que, na primeira semana de vida, teve uma infecção intestinal, uma enterocolite, que perfurou o intestino dela em diversos pontos. Na primeira cirurgia — foram várias —, ela pesava em torno de 500 gramas. Era uma situação muito difícil, pois, por um lado, ela poderia ficar sem

Danielle Ventura, pediatra neonatologista Arquivo pessoal

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intestino nenhum, por outro, não se podia fechar muita coisa porque havia o risco de obstruir. A nossa expectativa era de que ela iria falecer, mas a mãe dela era muito, muito, muito confiante, dizia ter certeza de que a filha iria melhorar. E foi algo impressionante, pois essa criança passou por diversas cirurgias, teve várias infecções graves, mas ela se recuperou e ficou muito bem, indo contra tudo o que a gente estuda, lê e vê na nossa experiência. Hoje, ela está ótima, tem um desenvolvimento super legal, caminha, brinca, fala. Para mim, mostrou como a gente precisa confiar nelas, por mais difícil que seja, pois a gente não consegue selar o destino de ninguém, vai muito de cada criança, de como ela vai se desenvolver. 4. Em uma das cenas de Aprender a falar com as plantas, a protagonista se irrita com uma enfermeira e pede para ela não parecer derrotista na frente dos bebês. A impressão que dá é que aquele ambiente depende muito do bom convívio entre a equipe. Como você avalia essa questão? É mesmo um fator determinante para que tudo proceda bem? Eu diria que é fundamental para que as coisas possam dar certo. Dentro da UTI, tem pacientes críticos, cuja situação muda muito rápido e demanda condutas ágeis. Para que isso aconteça de forma legal, é preciso que a equipe esteja muito bem entrosada. É impressionante, mas os bebês sentem a negatividade do ambiente, sentem quando tem alguém que acha que não vai dar certo, que não coloca fé. Então faz muita diferença uma equipe confiante no que está fazendo, que confie nos bebês, e em que cada um confie no outro para fazer o melhor trabalho possível. Um ambiente saudável assim faz diferença tanto para os bebês quanto para as famílias. Na UTI, não estão só as crianças, mas os pais também. Quando há um clima de desavenças, isso é muito perceptível para eles, que já estão em um momento extremamente vulnerável. Por isso, é importante ser positivo — e realista, claro —, para que seja um ambiente agradável para eles também. 5. É possível identificar um avanço nessa área, como nas dinâmicas de uma UTI neonatal, em relação a décadas anteriores? A ciência tem avançado no sentido 14


de proporcionar mais chances para bebês prematuros, por exemplo? A ciência, com certeza, mudou muito com relação aos prematuros. Nos últimos 30 anos, eu diria, é outra medicina dentro da UTI neonatal. Anos atrás, esses prematuros de 25, 26 semanas não sobreviviam e hoje eles têm uma chance de sobrevivência grande; em centros mais especializados, têm uma sobrevida muito boa. Mudamos o modo de ventilar essas crianças, mudamos tratamentos, mudamos os cuidados que temos não só de fazer sobreviver, mas de garantir uma qualidade de vida muito melhor do que se tinha antigamente, evitando a chance de sequelas lá no futuro. São mudanças que continuam acontecendo e que têm proporcionado, cada vez mais, um desfecho muito melhor para esses bebês prematuros. 6. No livro, é curioso notar como a protagonista é superprotetora com aqueles que atende. Você poderia comentar um pouco essa questão da relação médico-paciente? Existe margem para o desenvolvimento de um afeto? Com certeza, a gente desenvolve um carinho pelos pacientes e pelas famílias. Boa parte desses bebês acaba ficando internada por muito tempo. Especialmente os prematuros chegam a ficar dois, três, quatros meses internados até que possam ter alta. Em geral, envolvem famílias presentes, que vão todos os dias ao hospital. Assim, a gente tem todo um vínculo de cuidado com essas crianças, de ir acompanhando o desenvolvimento delas dia após dia, seja um bebê que não conseguia respirar sozinho e agora respira, seja um que não conseguia mamar e agora mama… Essas vitórias deles a gente acaba comemorando junto com as famílias, então, sem dúvida nenhuma, a gente se apega.

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Unboxing

PROJETO GRÁFICO Podemos dizer que, desde o título, Aprender a falar com as plantas é um livro poético. Por isso, assim como a história, queríamos trazer uma narrativa lírica para o processo criativo do projeto gráfico. Foi assim que Luísa Zardo, designer responsável pelo kit, testou algo que nunca havia feito antes e que sequer imaginava ser possível: pintar (literalmente) com plantas. “Pensando em toda a significação que as plantas têm no livro, pareceu justo usá-las de uma maneira ativa. Quem sabe, podemos até dizer: deixar elas falarem. O que fiz, então, foi utilizá-las como material — tanto como “pincel” quanto como textura ou até usando elas próprias na composição”, conta a designer. Para desenvolver a ideia, Luísa percebeu que precisaria utilizar plantas mortas — só assim poderia levá-las para casa, prepará-las e adicionar a tinta. A solução foi buscar plantas que já estavam soltas e secas, todas caídas ao chão. Nesse momento, o projeto gráfico fez ainda mais sentido com o enredo: as plantas esmaecidas representam a morte de Mauro, tornando-se uma metáfora para o relacionamento dele com Paula.

MIMO Simbolizando o ciclo natural da existência, um dos principais temas de Aprender a falar com as plantas, o mimo do mês é um kit de sementes de girassol, celósia plumosa e melissa. Cada uma das plantas representa não apenas elementos importantes do livro, mas também a reinvenção e o crescimento vividos pela protagonista (e por todos nós frente aos obstáculos cotidianos). Desenvolvemos o kit em conjunto com a Isla Sementes, parceira do clube, como um convite à celebração da vida e dos pequenos momentos. Na Estante do App, você encontra mais conteúdos, como vídeos e fotos, sobre o processo criativo do projeto gráfico e do mimo! Ainda não utiliza o App? Baixe no link https://bit.ly/AcessarAppTAG ou aponte a câmera do seu celular para o QR Code ao lado.

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Próximo mês

VEM POR AÍ

Novembro É oficial: mês temático à vista! Estamos preparando mais um momento de celebração na história da TAG: livros inéditos serão apresentados em primeira mão aos associados, além de eventos e um mimo especial, em homenagem à literatura negra. Na Curadoria, enviaremos a obra de uma premiada escritora haitiana. Ela revela um mosaico de trajetórias que vão colidir a partir do desaparecimento de uma pequena menina de um vilarejo. Para quem gosta de: leituras e experiências imersivas, personagens profundos, relações parentais

Dezembro Para fechar 2021, teremos Clarice Falcão como curadora! Ela indica a história de duas amigas outrora inseparáveis que estão há muitos anos sem se falar. Madison se tornou a esposa rica de um político proeminente e é mãe de um menininho adorável, enquanto Lillian sofre pelo passado e parece completamente sem rumo na vida. Madison convida a amiga para ser uma espécie de governanta dos enteados, gêmeos excêntricos do primeiro casamento do marido. O detalhe é que as crianças, por quem Lillian desenvolve sentimentos maternais inéditos, têm um segredo que colocará a vida de todos em risco. Para quem gosta de: leituras leves, acontecimentos explosivos, histórias de amizade

Clarice Falcão Pedro Pinho

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