Fev2018 "O alforje"

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Ao Leitor Você já ouviu falar da Fé Bahá’í? Pouco conhecida no Ocidente, essa religião de origem persa contabiliza cerca de cinco milhões de seguidores ao redor do mundo. Um de seus ensinamentos mais notáveis é a crítica a todo tipo de preconceito, seja religioso, étnico, racial, social ou econômico – a Fé promove a convivência entre todos os povos, idealizando uma comunidade mundial e diluindo diferenças identitárias. A iraniana – quase inglesa – Bahiyyih Nakhjavani, autora do livro enviado neste mês, é uma das mais proeminentes seguidoras da Fé Bahá’í. Sua obra vale-se dos preceitos religiosos da melhor forma possível: sutil, subjetiva e fugindo de doutrinas, levando a sério o poder da literatura, como se essa fosse uma forma de religião que apregoa, em sua essência, nossa capacidade de questionar. Nakhjavani integra a diáspora iraniana e, na condição de imigrante, busca provocar reflexões por meio da abordagem de diferentes experiências humanas – um dos temas mais evidentes em O alforje. Coincidência ou não, a obra nos chega por indicação de outro cidadão do mundo: argentino naturalizado canadense, cuja infância foi vivida em Israel, Alberto Manguel descobriu logo na infância que o mundo da literatura seria o mais próximo do que ele poderia chamar de lar. O escritor, que era amigo de Jorge Luis Borges e cultivou uma biblioteca com mais de trinta e cinco mil livros, propõe ao associado da TAG que se permita viajar pelo Oriente Médio em uma narrativa de alcance e sentido tão universais que poderíamos chamá-la de fábula moderna. Boa leitura!

Equipe Tag


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A A indicação do mês

O curador Alberto Manguel

B Ecos da Leitura

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Entrevista com Bahiyyih Nakhjavani

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L

Leia depois de ler “Já é de manhã, meu senhor!”

Letícia Wierzchowski

r!

Spoile


Sumário A INDICAÇÃO DO MÊS

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O livro indicado O alforje

ECOS DA LEITURA

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Religiões no Irã & literatura iraniana

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Entrevista com Rubens Figueiredo

ESPAÇO DO ASSOCIADO

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Projeto Despertar

A PRÓXIMA INDICAÇÃO

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A curadora de março: Natalia Polesso


Luiz Munhoz


A

O curador Alberto Manguel

Todos os dias, há mais de dez anos, Alberto Manguel dedica-se a um tipo diferente de ioga. Sua prática é realizada lentamente, de preferência pela manhã e em pequenas doses, para que a concentração e o fascínio pelo momento sejam máximos. Entretanto, em vez dos mantras e exercícios físicos complexos, a meditação reveladora de Manguel acontece por meio da leitura dos cantos da Divina comédia (1472), de Dante Alighieri. Um dos mais insaciáveis leitores de que se tem notícia, Manguel é movido pela inquietação que o desconhecido provoca. Em Uma história natural da curiosidade (2016), o autor divide em dezessete capítulos perguntas que exploram, entre outras questões, o conflito entre nosso natural desejo pelo conhecimento e as confortáveis certezas e dogmas que construímos ao longo da vida. Manguel encontrou na obra de Dante a inspiração necessária para abordar questões universais da humanidade e seguir homenageando o singular ato da leitura, tema que norteia sua obra. O ensaísta, editor, tradutor e romancista é também um dos mais destacados historiadores culturais da atualidade. Chamou a atenção da crítica pela primeira vez com o livro Uma história da leitura (1996), que se tornou best-seller mundial. Além de mais de quarenta livros publicados – que abarcam majoritariamente a não ficção –,

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nosso curador contribui regularmente para jornais e revistas do mundo inteiro. Nascido em 1948, o argentino Manguel teve uma vida itinerante que fez dele um homem do mundo. Por conta de compromissos do pai, primeiro diplomata da Argentina a assumir a embaixada do país em Israel, viveu a primeira infância em Tel-Aviv, onde aprendeu inglês e alemão. O retorno a Buenos Aires ocorreu aos sete anos de idade, mas o ofício do pai manteve a família em trânsito constante, o que acabou por desorientá-lo ainda muito jovem. Foi neste momento de vulnerabilidade que a leitura começou a lhe servir como conforto: “Regressar à noite aos livros que conhecia, abri-los e constatar com imenso alívio que o

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mesmo conto continuava na mesma página, com a mesma ilustração, dava-me uma certa segurança e um certo sentido de lar”, contou ao periódico português Público. Durante a adolescência, trabalhou em uma biblioteca de Buenos Aires e conheceu ninguém menos do que Jorge Luis Borges, o qual, além de ser um dos pais do realismo fantástico e um dos mais importantes escritores latino-americanos de todos os tempos, era frequentador assíduo do local. Acometido por uma cegueira que progredia lentamente, elegeu o jovem Manguel como um de seus “leitores em voz alta” para sessões que se repetiam diversas vezes ao longo da semana, na casa do próprio Borges. “Eu era um adolescente que, com aque-


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la arrogância típica da juventude, acreditava estar fazendo um favor a um velho cego e não me dava conta de quanto eu aprendia lendo para Borges.” Os quatro anos de convivência deixaram profundas marcas na percepção e na produção literária de Manguel. Em junho de 2016, foi eleito diretor da Biblioteca Nacional de Buenos Aires – mesmo cargo que Borges exerceu entre 1955 e 1973. Ainda jovem, partiu para a Europa e passou anos morando em países como França, Inglaterra e Itália. Depois de uma longa trajetória como editor, tradutor e crítico literário, publicou sua primeira obra, Dicionário de lugares imaginários (1980), um fascinante guia de viagem aos espaços criados pela literatura universal, como Oz, Atlântida, o País das Maravilhas e Pasárgada. Se não havia encontrado um senso de pertencimento geográfico até então, Alberto Manguel teve uma grata surpresa quando chegou ao Canadá, no início dos anos 1980. Deslumbrado com o funcionamento da democracia do país, estabeleceu-se lá por quase vinte anos e tornou-se cidadão canadense – até hoje faz questão de identificar-se como tal. A partir dos anos 2000, mudou-se para a França e comprou, com seu companheiro, um presbitério medieval, onde montou uma fantástica biblioteca, que contava com

cerca de trinta e cinco mil volumes. Infelizmente, hoje os livros já não se encontram lá – foram recentemente embalados e retirados, em um processo tão profundo e melancólico que fez Manguel escrever Mientras embalo mi biblioteca (2017, sem tradução para o português), seu último lançamento. O sofrimento não poderia ser mais esperado, tendo em vista que, assim como seu mentor Borges, é muito provável que Manguel visualize o paraíso como “uma espécie de biblioteca”. Dentre os inúmeros livros que Manguel já leu em sua vida, podemos confiar que sua indicação para a TAG é produto de um olhar criterioso e experiente. O escritor se lembra vividamente do impacto que sentiu ao ler O alforje, de Bahiyyih Nakhjavani, e da relevância dessa leitura em uma reflexão sobre questões pertinentes tanto ao Islã atual quanto a valores universais.

“É um retrato profundo da nossa humanidade, onde quer que nos encontremos. Especialmente hoje, quando os conflitos são cotidianos, a obra de Nakhjavani afirma a possibilidade de convivência”, ele nos explica.

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O O livro indicado O alforje

Desde 1979, quando a Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini tornou o Irã a primeira república a combinar teocracia com democracia parlamentar, milhões de iranianos, temerosos de repressão, optaram pelo exílio. Ao mesmo tempo em que as tradições e o imaginário nacionais, até então mais pendentes para o Ocidente, sofriam mudanças, a diáspora iraniana tornava a questão identitária ainda mais fragmentada. O que significa, afinal, ser um iraniano? Como um imigrante assimila seu lugar no mundo? Que limites diferenciam as pessoas e suas culturas? O que a humanidade ganha com essa diferenciação? Por sorte, temos a literatura, não para responder, mas para questionar, explorar diferentes interpretações e atenuar as fronteiras. Bahiyyih Nakhjavani, autora integrante da diáspora iraniana, exerce importante papel decifrando assimilações e experiências das comunidades exiladas por meio de seus livros. Nascida no Irã em 1948, mas criada fora do país, Nakhjavani é ex-professora e atualmente escreve ensaios e romances. Toda sua obra é inspirada na cultura, história e “personalidade” iranianas, o que demonstra engajamento com as questões de sua terra natal. Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido, em seu discurso a respeito da saída de seu país da União Europeia

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(Brexit), disse que um “cidadão do mãe e suas duas filhas, descreve mundo” é cidadão de lugar nenhum. as experiências do imigrante de Ao ouvir isso, Nakhjavani sentiu um origem persa no Ocidente. À época forte aperto no peito. “Ser acusado do lançamento, a autora descreveu de não ter ligação a este planeta e a o enredo como sendo universal: “É seus povos pode ser surpreendente sobre comunidades migrantes, sopara uma considerável camada dabre todos os refugiados e todas as queles que nasceram em um país, pessoas exiladas, seja por escolha, foram criados em outro, educados seja por necessidade. Colocamos em um terceiro, casaram-se, tiverótulos para sinalizar os limites de ram filhos e enterraram seus entes nosso conhecimento, a extensão queridos em um quarto, um quinde nossa ignorância, mas, como to e um sexto país. E ainda aos que diz Aminatta Forna [escritora de viveram e trabalharam em sete ou origens africanas e britânicas], ‘os oito outros países e agora podem rótulos podem, também, limitar ser obrigados a pedir naturalização quem nós somos”. em um nono lugar devido ao Brexit. Pode, também, Nakhjavani enser novidade para tende que contar A autora todos nós que sua história de fomos forçados vida é dispena fugir, desespesável. Em enrados, de nossos trevistas, poupaíses de origem co explora sua em consequência trajetória, que de guerra, fome, começou no Irã, doenças, terromas se desenrorismo, perseguilou inteiramente ção e desastres fora de lá. Carrede ordem tanto ga um forte sonatural quanto financeira.” Seu intaque britânico, que denuncia sua cômodo diz respeito à necessidade formação, e também passou pelos de rotulação e estereotipagem exEstados Unidos, Chipre, França cludentes que marginalizam, incene Uganda, país da sua primeira e tivam nacionalismos exacerbados e “idílica” infância. Seus pais foram a consequente violência que deles ao país africano professar a Fé provém. Ela suspeita, ainda, que Bahá’í, uma religião de princípios essa necessidade tenha íntima relaislâmicos que, à época, crescia no ção com “o tribalismo e o marketing”. mundo. A escritora manifesta a religiosidade, herança dos avós, Com esses questionamentos em até hoje. mente, a autora escreveu Us&Them (2017), seu último lançamento, no A Fé Bahá’í é uma religião monoqual, por meio da história de uma teísta que defende a igualdade ra-

Bahiyyih Nakhjavani

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cial, cultural e a união espiritual de toda a humanidade. Os Bahá’ís acreditam que as principais religiões da atualidade possuem a mesma fonte espiritual e partem do mesmo Deus, mas com mensageiros diferentes, como Moisés, Jesus, Maomé, Krishna e Buda. Os ensinamentos dessa religião priorizam a unificação da humanidade em um presente de animosidades religiosas e políticas. Embora imaginasse que as crenças estariam presentes, mesmo que discretamente, em seus livros, Nakhjavani não esperava descobrir que elas também influenciariam a estrutura narrativa. Para ela, foi excitante perceber que os conceitos de relatividade, continuidade e da natureza progressiva da verdade religiosa, pilares da filosofia Bahá’í, encontravam-se em seu primeiro romance, que viria a se tornar

um best-seller internacional. Esse romance intitula-se O alforje, originalmente escrito em inglês, cuja inédita tradução em português chega exclusivamente para o associado da TAG.

“O estilo de Nakhjavani parece mais uma adaptação de contos folclóricos do século XIX do que uma ficção original, e essa qualidade diferencia a obra do restante da ficção literária contemporânea, aumentando imensamente seu charme.” -Publishers Weekly

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O alforje nos transporta para meados do século XIX, no deserto do Oriente Médio, mais precisamente no trecho entre as cidades sagradas de Meca e Medina (território que hoje pertence à Arábia Saudita). Uma caravana transporta uma noiva rumo ao casamento. Envolvidos com a peregrinação estão nove personagens com religião, passado, cultura e interesses completamente distintos, cujas histórias e perspectivas são apresentadas uma a cada capítulo. O que os une, no entanto, não é apenas o fato de estarem no mesmo lugar, mas a presença de um misterioso alforje – espécie de pequena bolsa – que influencia significativamente a vida do grupo. O Ladrão, o Líder, a Noiva, o Cambista, a Escrava, o Peregrino, o Sacerdote, o Dervixe e o Cadáver – os personagens enfrentam os mistérios da morte, felicidade, desgraças e o encontro com o divino e o inexplicável, capazes de trazer uma verdade universal para cada um deles. Quando reconta em seus capítulos os mesmos acontecimentos sob diferentes perspectivas, o romance mantém-se envolvente, adicionando novos e inesperados detalhes, capazes de transformar a percepção do leitor e de lembrá-lo de que o julgamento prematuro sobre alguém pode ser falho e desumanizador. Em outras palavras, O alforje, assim como a Fé Bahá’í, parece querer nos dizer: tudo é relativo. Além disso, chama a atenção no romance seu alto teor imagético

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levando o leitor a visualizar cada detalhe dos cenários, das vestimentas e das características físicas dos protagonistas: são os tons de peles castigadas pelo sol, a textura das barbas empoeiradas pela areia ou mesmo o brilho de cabelos que subitamente ganham tons avermelhados. O deserto, implacável e infinito, funciona como um personagem à parte, na medida em que está sempre presente e suas intempéries influenciam o comportamento de todos. Escrito com uma linguagem sensorial e poética, a obra de Nakhjavani apresenta diversas referências, sendo duas constantemente lembradas pela crítica literária. Uma delas, o livro Os contos de cantuária, escrito no século XIV por Geoffrey Chaucer e uma das obras responsáveis pela consolidação do inglês como língua literária, é um conjunto de histórias em prosa e verso narradas por diferentes personagens de um mesmo grupo de peregrinos. Outra inspiração foi The Dawn-Breakers, livro que reconta as origens da Fé Bahá’í, cujo sétimo capítulo contém uma breve passagem na qual um alforje é roubado de Báb, fundador do babismo e um dos últimos profetas, segundo a religião Bahá’í. Nakhjavani foi bem-sucedida com sua fábula oriental, conquistando a atenção da crítica mundial e recebendo traduções para diversos idiomas. Até publicar Us&Them, passado na atualidade, a escritora só havia abordado tempos distan-


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tes do Irã, ou seja, a antiga Pérsia do século XIX. Em Paper (2005), um ambicioso escriba busca a superfície de papel mais pura e perfeita para escrever sua obra-prima. Já em The woman who read too much (2015), Nakhjavani narra, em forma de romance, a vida da poeta Tahirih Qurratu’l-Ayn, mulher que chocou as forças governamentais de seu povo pelo simples fato de ler muito, em uma sociedade na qual as mulheres muitas vezes sequer eram alfabetizadas, e de questionar convenções políticas e religiosas.

Iraniana, imigrante e cidadã do mundo, Bahiyyih Nakhjavani entende o quão problemática pode ser a criação de fronteiras na sociedade contemporânea e globalizada. Sua obra é um respiro de lucidez que enfrenta corajosamente a teocracia de seu país e os nacionalismos que surgem, gradual e lamentavelmente, em diversos cantos do planeta. A escritora, que costuma classificar sua cidadania como “a língua inglesa”, afirma que poderia explicar suas verdadeiras origens por meio de uma analogia curiosa.

Sou membro de uma tribo ancestral, de uma raça venerável que, dizem alguns, está ameaçada de extinção. Ainda há muitos de nós por aí, ainda que, como acontece com outros grupos antropológicos cujo sistema de crenças vai contra o da maioria, tendemos a ser invisíveis. Altas instituições financeiras nos ignoram. A política quase falha em reconhecer nossa existência, embora já nos tenha temido.

Estamos espalhados por cinco continentes e viemos de diferentes criações, de diferentes culturas e gerações, mas todos compartilhamos uma fé comum, uma causa universal. Chamamo-nos ‘leitores’.” – Bahiyyih Nakhjavani

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B

Entrevista

Bahiyyih Nakhjavani

TAG – Você afirma que O alforje tem uma relação de intertextualidade com livros sagrados de diferentes religiões. Como você pesquisou esse material?

Bahiyyih Nakhjavani – Pesquisei como se pesquisa qualquer outro assunto: através da leitura, investigando textos, absorvendo o máximo possível dos livros sagrados de diferentes religiões. Para essa história em particular, pesquisei especificamente as palavras “autênticas”, a mensagem “espiritual” atribuída a seus fundadores, porque eu sempre estive mais interessada em misticismo do que em teologia, no compartilhamento de princípios morais do que em diferenças entre doutrinas. Criada em 14

uma família Bahá’í, fui encorajada desde a infância a ver as aparentes contradições entre religiões como diferentes expressões de uma mesma verdade, como caminhos diferentes que levam ao mesmo destino. Em O alforje, quis transmitir a diversidade de tradições religiosas no mundo e o âmago espiritual comum a todos. Além do mais, eu estava fascinada pelo tema recorrente do juízo final nas escrituras sagradas, pela noção de que há um dia para acertar as contas. Eu me perguntei “e se” esse dia fosse como qualquer outro, que a maioria de nós nem perceberia que estivesse acontecendo? “E se” ele fosse desencadeado por uma coincidência, afetando um personagem após o outro em um mesmo lugar no curso


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de 24 horas, como uma reação nuclear? Todas as histórias são aquele “Dia” para os personagens que as protagonizam e, como muitos escritores, eu estava, para todos os efeitos, brincando de Deus! Espero ser perdoada! O alforje é narrado a partir múltiplos pontos de vista. Você pode explicar sobre esse mecanismo e como ele funciona para você? Bahiyyih – O uso de ponto de vista caracteriza o enredo e o clima de diferentes romances. Eu escrevi O alforje sob a perspectiva do narrador onisciente, usando a chamada “terceira pessoa ilimitada” para resumir o passado, entrar nos sentimentos do presente e ainda sugerir o futuro de nove personagens. No meu segundo romance, Paper, o protagonista tem um ponto de vista dominante, e no meu terceiro, The woman who read too much, há quatro perspectivas emblemáticas dos papéis da mulher como mãe, filha, irmã e esposa. Cada personagem narra sua visão da figura central da história. Os personagens são inspirados em quatro pessoas reais do Irã do século XIX, que viveram na época de Fatimeh Baraghani. Porém, meu último romance, Us & them, é uma sátira contemporânea sobre a diáspora iraniana nos dias de hoje, e, nele, a voz do “nós” aparece em conjunto com a narrativa do “ela/ele”. Há monólogos coletivos sob o ponto de vista do “nós” para espelhar as múltiplas facetas da psiquê persa ao redor do mundo. Sou fascinada pela maneira com que esse mecanismo ajuda a escrever histórias, a ver nuances de per-

sonalidades e a projetar diferentes luzes em diferentes tempos. Fale mais sobre a situação das pessoas de seu credo – a Fé Bahá’í – no Irã. Bahiyyih – A situação dos Bahá’ís no Irã é, de fato, complicada, e contraditória. Essa comunidade é a maior minoria religiosa não reconhecida no país: começou no Irã, tem suas raízes no Irã, e seu vasto corpo de literatura é enriquecido pela cultura persa. E, mesmo assim, por causa tanto de sua visão global quanto de seus princípios modernistas, é considerada pelo atual regime um anátema, uma apostasia, uma implantação estrangeira. Como resultado, os Bahá’ís no Irã têm o direito à educação negado, passam por estrangulamento econômico e são presos ou mortos com base em acusações errôneas. Mas, enquanto a liberdade é restrita e a vida, comprometida, a situação Bahá’í também é clássica. Há grupos perseguidos em todo o mundo, infelizmente. Minorias como os Yazidis, os curdos e os Rohingyas, apenas para nomear alguns, suportam “complicações” aterradoras. O problema é endêmico: minorias têm sido sujeitadas a violência, opressão e preconceito cego em todos os lugares ao longo da história. Em outras palavras, a situação dos Bahá’í não é única. Você acha que a intolerância religiosa afeta a produção literária em seu país? Bahiyyih – Esses desafios são um teste para a coragem e a honesti15


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dade de todos os iranianos, dentro e fora do país. Qualquer pessoa familiarizada com o “novo” cinema iraniano, por exemplo, pode ver o nível de beleza e sutileza que ele mesmo sob censura. E, enquanto certos escritores copiam gêneros ocidentais ou sensacionalizam sofrimento e tortura de modo a representar o Irã como uma prisão, outros têm a coragem de destacar uma história diferente. Shabnam Tolouie, atriz Bahá’í exilada, dirigiu em 2016 um filme poético e objetivo sobre a coragem e a visão de Tahirir Qurratul’-Ayn, que foi completamente erradicado da história persa atual. Mais e mais artistas, ativistas e mesmo clérigos iranianos estão se posicionado pelos direitos dos oprimidos no Irã, seja por meio de arte e filme, seja por reportagens e livros. Eles têm sido extraordinariamente bravos ao apontar essas injustiças. E, se eles conseguirem transmutar intolerância em confiança, se, em vez de privilegiar a vitimização, o trabalho deles consegue ser livre de amargura, ressentimento ou desejo por vingança, isso certamente é um sinal de alto nível de criatividade; é prova do poder da surpresa artística latente em uma cultura. O conceito de relatividade, pilar da filosofia Bahá’í, pode ser reconhecido na estrutura do livro. Você pode falar como sua fé influencia sua arte? Bahiyyih – Não vejo diferenças entre minha fé e minha arte. Os dois estão juntos, como o ar e a água que ambos precisam para

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sobreviver. E, já que qualquer fé que vale a pena tem a ver com o que você faz, não com o que você diz, a estrutura daquilo que escrevo reflete invariavalmente os conceitos Bahá’í. Um conceito que definitivamente me influenciou foi a noção de relatividade, de continuidade da verdade e de sua natureza progressiva. A perspectiva Bahá’í sobre o relacionamento das diversas religiões no mundo é paralela à fundação da narrativa linear para mim. Metaforicamente falando, religiões diferentes são como capítulos subsequentes em um livro que nunca termina. Isso é particularmente apropriado em O alforje, em que cada capítulo explora uma tradição religiosa diferente, uma interpretação religiosa diferente dos mundos descobertos pelos protagonistas. Outro conceito Bahá’í, muito satisfatório para um escritor, é como percebemos a verdade. A verdade é tão vasta, tão imensa, que somente podemos percebê-la de forma parcial e, mesmo assim, de pouco a pouco. Longe de admitir uma miríade de “verdades” contraditórias, a ideia Bahá’í é que há, em vez disso, uma míriade de perspectivas diferentes e aparentemente contraditórias sobre a verdade. O lugar, o tempo, os eventos do dia e da noite são os mesmos em O alforje, mas todos os personagens “leem” o enredo de maneira diferente. Tão logo reconhecemos diferenças como expressão não de limitação, mas de riqueza e de variedade, podemos sentir pelos personagens, nos sentimos atraídos por eles mesmo que sejam corruptos. Sem essa atração,


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sem a habilidade de se identificar com essas ficções, quem gostaria de ler o livro? A lei do amor governa a todos, das estrelas à sintaxe, e, se a escrita pode inspirar amor para a humanidade em vez de desgosto, inspirar amor pelo planeta em vez de cinismo, amor pelo mistério que é a fonte criativa de ambos, em vez de negação – há chances de uma história funcionar. Então, será que minha fé influencia minha arte? Ou será que ela é, na verdade, intrínseca a ela? Eu não sei. Tudo o que sei é que pensar muito a respeito disso produz propaganda em vez de literatura! Sua ficção trata os temas de imigração, exílio, identidade e diásporas. O que você pensa da atual situação de imigração iraniana? Bahiyyih – Há um velho adágio: escreva sobre o que você sabe. A maior parte de meus romances é ou sobre jornadas, viagens e movimento, passados em fronteiras e cruzamento de limites, ou abrangem liminaridade, transformação, os desafios da mudança nas vidas dos indivíduos, das famílias e da sociedade. Meu histórico familiar tem muito a ver com desenraizamento e enxerto cultural; fomos nômades, imigrantes, exilados por gerações. Alguns de meus ancestrais fugiram primeiro da Pérsia na dinastia Qajar pela perseguição religiosa e foram banidos para a colônia penal do Império Otomano, na Palestina, no século XIX. Mas, ao contrário de meus compatriotas que deixaram o Irã em décadas recentes por razões políticas ou

econômicas, a migração em minha família foi uma escolha espiritual, uma decisão de promover o ideal do mundo como se fosse um país apenas e a humanidade, seus cidadãos. Minha obsessão literária com a liminaridade, por sua vez, tem menos a ver com a situação dos iranianos fora do país do que com o fato de que a imigração se tornou uma das questões críticas do nosso tempo. Escrevo sobre suas várias manifestações porque quero enteder mais o impacto da imigração e do exílio em nossas sociedades, porque quero testemunhar sobre assuntos como inclusão e exclusão de forma mais completa. Imagine que mais de 20 mil brasileiros receberão esse livro ao mesmo tempo. O que você gostaria de dizer a ele neste momento? Bahiyyih – Primeiramente, obrigada, queridos leitores: obrigada pelo seu tempo, sua confiança, sua vontade de suspender a descrença apenas o tempo suficiente para abrir estas páginas. E, em segundo lugar, eu espero que vocês gostem dessa história: eu espero que ela os introduza a almas estranhas mas inesquecivelmente familiares, a aquela amável, leve, elevada sensação que por vezes vem ao nosso encontro em sonhos, vindo de mundos muito distantes. Histórias que são como uma pessoa oferecendo a mão para outra, dizendo “venha comigo”, “vamos a outro lugar”, “vamos caminhar juntos”. Para mim, será uma grande honra caminhar por essas páginas na companhia de vinte mil brasileiros!

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ECOS DA LEITURA

Religiões no Irã A religião predominante na antiga Pérsia, que passou a ser chamada oficialmente de Irã em 1935, era o zoroastrismo. A invasão árabe da região, que em seus primórdios era habitada por povos gregos, alterou esse contexto, introduzindo o islamismo de forma progressiva entre a população.

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ECOS DA LEITURA

literatura iraniana Quem diria que publicar um romance poderia incomodar os dirigentes de um país? Ou, ainda, que um mesmo livro pudesse ter dezesseis traduções diferentes? Essas e outras curiosidades sobre a literatura produzida e publicada no Irã estão presentes nas páginas a seguir, formando um breve panorama que abrange desde a língua persa a quadrinhos.

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ECOS DA LEITURA

O zoroastrismo, religião da Noiva, personagem do livro O alforje, é uma crença monoteísta ainda presente no Irã, com cerca de 30 mil seguidores. Durante um casamento, que pode se prolongar por até sete dias, os noivos colocam um lenço sobre a cabeça um do outro e, em seguida, costuram-nos, simbolizando a comunhão do casal. As construções sagradas para os zoroastristas são os templos do fogo, situados principalmente no Irã e na Índia.

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O islamismo tem cinco vertentes, sendo as principais o sunismo e o xiismo. Os sunitas estão presentes em maior número ao redor do mundo, sendo o Irã um dos poucos países onde os xiitas predominam. Após a morte do profeta Maomé, em 632, os xiitas designaram Ali, seu sobrinho, como sucessor legítimo. Por outro lado, os sunitas escolheram Abou Bakr, companheiro do profeta e primeiro califa islâmico. Instaurado como religião oficial do Estado iraniano em 1501, o xiismo duodecimano crê na existência dos doze imãs, sucessores espirituais e políticos de Maomé.


Desde a outorga da constituição de 1979, o Irã tem um modelo de democracia único no mundo, em que o parlamento é influenciado diretamente pela Assembleia dos Peritos, constituindo um sistema teocrático de governo. A autoridade máxima do país e do clero é representada pelo aiatolá, título concedido por merecimento a um descendente direto de Maomé, nomeado por outro aiatolá ou por aclamação direta. O judaísmo com 50 mil seguidores, o cristianismo com 100 mil e o zoroastrismo com 30 mil seguidores, religiões consideradas minoritárias no país, possuem cinco das duzentos e noventa cadeiras no parlamento iraniano. De acordo com os peritos religiosos da lei islâmica, a representação pictórica da figura de Maomé, principalmente de forma desrespeitosa, é proibida. Nas mesquitas muçulmanas, por exemplo, não são encontradas imagens do profeta, pois o trabalho do homem, longe de ser equiparado a Deus, criador do universo, nunca seria fidedigno o bastante.

Na sociedade iraniana, os praticantes da Fé Bahá’í são marginalizados nas instâncias políticas e governamentais. O Bahaísmo é a segunda maior religião iraniana e agrupa cerca de 400 mil pessoas, consideradas apóstatas. Suas origens remontam ao fim do século XIX, quando o profeta, Bahá’u’lláh, veio à Terra buscando a igualdade entre os sexos e uma fé universal que reunisse os povos. Contudo, para a religião muçulmana, o último profeta foi Maomé. Por isso, segundo a legislação islâmica, os Bahá’ís não podem ter acesso à educação superior nem têm direito a emprego, aposentadoria e heranças. Quando um membro desta fé é assassinado, a Justiça não enxerga crime. No Brasil, a comunidade Bahá’í possui 65 mil seguidores, de acordo com dados próprios, e teve início em 1921, quando a americana Leonora Holsapple começou o trabalho de divulgação da fé por aqui.

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QUE LÍNGUA É ESSA? A língua oficial do Irã é o persa, língua do tipo “sujeito-objeto-verbo”, isto é, a frase “Eu leio livros”, em persa, seria “Eu livros leio”. O persa contemporâneo, também conhecido como farsi, utiliza o alfabeto árabe-persa. TEXTOS ANTIGOS Ferdusi (940-1020) foi autor da epopeia persa Shahnameh, ou Livro dos reis (circa séc. X, sem tradução para o português), um poema com cerca de sessenta mil dísticos (versos de duas estrofes). A obra narra a história da mitologia iraniana desde a criação nacional até a conquista dos árabes no século VII. A epopeia, que demorou trinta anos para ser escrita, é responsável pela consolidação da língua persa no Irã. Além do texto escrito, a literatura persa é marcada por oralidade entre gerações. Laila & Majnun (1188) é uma das histórias mais contadas entre as famílias no Irã e foi registrada pelo poeta Nimazi no século XII. A adaptação escrita possibilitou a difusão da lenda no Ocidente, inspirando outros artistas a retratar histórias de amor impossíveis, como Shakespeare, que teria se inspirado no texto persa ao criar Romeu e Julieta (1597). A FATWA DE RUSHDIE Quem diria que um escritor poderia ser condenado à morte no fim do século XX? O autor indo-

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-britânico Salman Rushdie, ao publicar seu terceiro romance, Os versos satânicos (1988), é a prova de que sim. Na época, diversos países proibiram o livro, alegando que blasfemava a vida de Maomé. No ano seguinte, a intolerância só aumentou, levando o aiatolá Ruhollah Khomeini a emitir uma fatwa – pronunciamento jurídico – decretando a morte de Salman Rushdie. O Irã oferece uma recompensa de quase quatro milhões de euros para quem executar o autor. Não à toa, ele vive, desde então, sob proteção policial. Além das ameaças ao escritor, pessoas relacionadas ao livro sofreram atentados, como o tradutor japonês Hitoshi Igarashi, assassinado em 1991. QUADRINHOS COMO FORMA DE RESISTÊNCIA Em 2009, a população iraniana rebelou-se contra os resultados da eleição presidencial. O movimento ficou conhecido, sobretudo, pelas redes sociais, sendo apelidado de Revolução do Twitter. Desde então, o recurso da imagem se impôs como um veículo de contestação e resistência em oposição ao governo. Muitos artistas iranianos vêm produzindo quadrinhos críticos, como a escritora Marjane Satrapi, consagrada pela obra em HQ Persépolis (2007), vencedora do Prêmio Revelação do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, em 2001, premiação francesa considerada a mais importante do gênero.


ECOS DA LEITURA

MERCADO EDITORIAL IRANIANO O Irã não faz parte de nenhuma convenção internacional de direitos autorais, ou seja, autores estrangeiros não recebem proteções legais sobre suas obras. Khaled Hosseini, por exemplo, autor de O caçador de pipas (2005), teve dezesseis traduções persas publicadas do seu romance O silêncio das montanhas (2013). Essa desregulamentação do mercado editorial torna os tradutores tão populares quanto os escritores, principalmente quando aqueles obtêm permissões de publicação, como o caso de Ali Qane’, um dos seis tradutores do romance Em águas sombrias (2017), da autora do best-seller A garota no trem (2016), Paula Hawkins.

Trecho de Persépolis, de Marjane Strapi

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ECOS DA LEITURA

R Entrevista Rubens Figueiredo

TAG – O alforje retrata uma cultura muito diferente da brasileira, fazendo alusão a outras referências, como aos textos atribuídos a Buda, Confúcio, à religião hindu e à Fé Bahá’í. Você poderia nos contar como ocorreu o processo de tradução do livro e quais elementos chamaram mais sua atenção? Rubens Figueiredo – O romance se passa em meados do século XIX, entre as cidades de Medina e Meca. Trata-se da rota de peregrinação obrigatória para muçulmanos, pelo menos uma vez na vida. Os personagens têm origens diversas: ára-

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bes, persas, indianos, etíopes, ingleses, etc. Se o pano de fundo comum é a religião muçulmana, em primeiro plano se destacam, como você diz, elementos de diversas culturas, por vezes alheias ao Islã. Talvez o que me chamou a atenção tenha sido a linguagem. A autora parece querer retomar uma espécie de estilo poético e metafórico que remete antes à recriação da literatura oriental processada pelos colonizadores (britânicos e franceses) do que à literatura real daqueles povos (Pérsia, Índia, Império Árabe). Refiro-me a livros como o famoso Rubayat, do intelectual persa Omar Kayan (1048-1131),


ECOS DA LEITURA

mas na tradução do poeta romântico britânico do século XIX Edward Fitzgerald, bastante modificada, em relação ao original. Anton Tchekhov ficou surpreso quando foi traduzido para o francês, pois seus livros teriam sido pensados especialmente para os leitores russos, não fazendo sentido à realidade francesa. Você acha que O alforje é um livro de uma iraniana para iranianos? Rubens – São situações muito distintas. Tchekhov quase não saiu de seu país. Bahiyyih Nakhjavani quase não viveu no Irã. Ela foi criada em Uganda, nos primeiros anos da infância, depois foi estudar na Inglaterra e nos Estados Unidos e fixou residência na França, onde mora. Acho que ela escreveu esse livro para um público europeu e americano. O romance não contém uma visão realista ou histórica. A tônica é o exotismo romântico, com toques de misticismo moderno. Desde o início da sua carreira como tradutor, você já verteu autores muito distintos uns dos outros, como é o caso de Liev Tolstói e Philip Roth. Quais seriam os principais desafios que as línguas russa e inglesa trariam para o ofício da tradução?

quência. Mas o principal desafio não está nas outras línguas, e sim no português, na exploração de suas possibilidades, sempre renovadas. Quero dizer: é o nosso idioma que prevalece, no final, e ele é tudo o que o leitor vê, tudo o que ele tem. Ser tradutor implica uma relação muito específica do sujeito com sua língua materna. Quais foram as imbricações dessa relação, ao longo dos seus mais de vinte anos como professor de português da rede pública de ensino? Rubens – Meus alunos empregavam um linguajar peculiar. Sabiam traduzir com extrema perícia sua experiência social e histórica, sua complexa relação com o ambiente em que viviam. Sua linguagem não era a minha, tinha de ser traduzida. Os alunos sabiam muito bem disso e nem pensavam em trocar de linguagem. Demorei para entender que a eficiência, a maleabilidade e a capacidade de se renovar que descobri na linguagem dos meus alunos garantiam a expressão de uma autêntica cultura, de uma tradição recalcada, mas poderosa e de raízes profundas, que não está presente na escola nem nas bibliotecas. Mas que os ajuda a se defender e sobreviver.

Rubens – Minha resposta deve parecer estranha para quem não se mete a fazer traduções com fre-

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ESPAÇO DO ASSOCIADO

D Projeto Despertar

No final de 2017, convidamos nossos associados para uma missão muito especial: indicar livros de literatura infantojuvenil que marcaram sua infância e que contribuíram para o desenvolvimento do seu hábito de leitura. Em novembro, essa parceria deu resultado, e queremos compartilhá-lo com vocês! Entre milhares de indicações, selecionamos A bolsa amarela (1976), de Lygia Bojunga, para estrelar a caixinha da nossa primeira ação social, o Projeto Despertar, que busca levar a experiência de clube de leitura para quem tem acesso restrito ao mundo dos livros.

Para a primeira edição, fizemos uma parceria com o Instituto IDE Brasil, de Belo Horizonte (MG), que atende, diariamente, cerca de oitenta crianças, com idades entre 2 e 17 anos. A instituição, mantida exclusivamente por intermédio

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de doações, oferece oficinas de leitura, artesanato, educação ambiental, reforço escolar, prática de esportes, atendimento psicológico às famílias atendidas, bem como eventos de integração e valorização da comunidade. O grupo de jovens que participou do projeto tem entre 11 a 17 anos. A partir dos kits literários enviados pela TAG com o livro indicado pelos associados, foi realizada uma leitura acompanhada da obra durante o mês de novembro e, em dezembro, um evento literário de discussão do livro com a presença de um facilitador, com a missão de analisar de maneira leve e descontraída as questões presentes no livro. Esta foi a primeira de muitas iniciativas de leitura que a TAG está preparando! Contamos com a ajuda de vocês para que as próximas sejam tão bem-sucedidas como esta.


ESPAÇO DO ASSOCIADO

Janaína Moura Fotografia

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LEIA DEPOIS DE LER

Spoiler! Este espaço foi pensado para você retornar à leitura da revista depois de ter terminado o livro. Aqui, mensalmente, um dos colunistas do nosso blog - taglivros.com.br/blog - irá produzir um texto especialmente para você analisar de forma mais complexa a obra.

“Já é de manhã, meu senhor!” Letícia Wierzchowski

Aa dolorosa consciência de que delícia da leitura traz consigo

nunca poderemos ler todos os bons livros - por mais dedicados que sejamos, a maior parte da literatura jamais nos passará pelas mãos. Creio que seria esse o caso de Bahiyyih Nakhjavani - escritora iraniana que cresceu na Uganda, foi educada na Inglaterra e hoje vive na França - se não fosse a TAG e as suas caixinhas geniais. Eu nada sabia sobre Nakhjavani e, como li O alforje numa impressão caseira (a TAG estava fazendo as últimas revisões deste belíssimo livro que agora você tem nas suas mãos), confesso que achei que ela,

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Bahiyyih, fosse um homem, pois a combinação de letras do seu nome me soou masculina. Mas, então, comecei a ler O alforje e uma voz misteriosa, uma voz tão antiga quanto o tempo, parecia narrar a história da caravana que seguia de Medina para Meca sob os pontos de vista de variados personagens. E todas essas histórias, tão únicas, tão diversas, cada uma delas sob uma pele, um sexo, uma casta, me fizeram lembrar de As mil e uma noites. Nakhjavani soou-me uma Sherazade, e a sua narrativa - tantas vezes recontada pelos integrantes dessa caravana que atravessa o terrível deserto assolado por bandi-


LEIA DEPOIS DE LER

dos de toda sorte - transportou-me para aquele palácio persa das tardes da minha infância. A cada capítulo terminado, eu parecia ouvir a voz de Sherazade a dizer ao rei Shariar: “Já é de manhã, meu senhor”. Erico Verissimo se dizia um contador de histórias. No fundo, nós, escritores, somos todos contadores. Contar uma história com excelência, com magia e vivacidade, talvez seja um dos grandes mistérios desta vida. E Bahiiyyih Nakhjavani é uma contadora de histórias por excelência: sob o seu encanto, minhas horas correram no seu eterno deserto (Já é de manhã, meu senhor!), e a sua fábula coloriu os meus olhos. Traduzido para o português pela TAG, O alforje conta um dia nesta perigosa travessia do planalto de Najd pelos olhos de nove personagens impressionantes - o Ladrão, o Líder, a Noiva, o Cambista, a Escrava, o Peregrino, o Dervixe, o Cadáver e o Sacerdote,

“aquele que nunca ti-

nha amado na vida, e que não soube como

Pois um simples saco de couro, nas areias de Bahiyyih, poderia trazer a morte, a revelação da vida eterna ou o amor. Por todos estes personagens misteriosos, passará um alforje que transforma as suas existências. Naquele deserto, assim como na vida, cada um vê o que quer. O alforje é um romance cheio de encaixes, frágil como se fosse de areia, a areia imemorial das tempestades no deserto, mas vigoroso e cruel também. E Bahiyyih Nakhjavani é uma Sherazade naquilo que a rainha persa tinha de mais espantoso: a capacidade de criar mundos absolutos com palavras, mundos tão inteiros e perfeitos que conseguem frear o tempo, gastar as noites, estancar o sono e aplacar até o mais cruel dos espíritos. Em O alforje, experimentamos essa fantástica aventura que é a empatia, talvez a mágica das mágicas que apenas os grandes narradores conseguem tirar da sua cartola ficcional.

aquilo lhe aconteceu”.

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A PRÓXIMA INDICAÇÃO

N

A curadora de março Natalia Polesso

A curadoria do livro de março ficou por conta de Natalia Borges Polesso, escritora gaúcha em ascensão na cena literária do país. Agraciada com o prêmio Jabuti 2016 pelo livro Amora, na categoria Contos e Crônicas, superou autores consagrados com uma prosa lírica e poética.

Sua indicação será um deleite para os apaixonados por música, fotografia e poesia. Uma jovem destemida embarca rumo à Nova York dos anos 1960, perseguindo o so-

“Com linguagem simples e direta, a autora consegue recontar os dias junto de seu amigo de um jeito espirituoso, magnetizante e poético. Um leitura cheia de humor e ternura!” 30

nho de se tornar artista. Sem um tostão no bolso, dá início a uma jornada que fará dela não só um dos maiores ícones da música de todos os tempos, como também lhe proporcionará uma paixão intensa – o homem a quem ela dedica este emocionante livro de memórias. A obra, um sucesso da literatura contemporânea, virá em um kit especialíssimo: além da edição exclusiva, enviaremos outro livro, ainda não lançado no Brasil, da mesma autora – um mimo-livro inédito!


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