Revista trama

Page 1

MAIO 2014


Imagem disponĂ­vel em: http://www.pinterest.com/pin/144537469263701891/




06 PRIMEIRAS PALAVRAS 07 FICHA TÉCNICA 08 REPORTAGEM | “Maloca Dragão” 16 ARTIGO | Jéssica Barboza 21 EDITORIAL | “Sonhos tupiniquins” 39 ARTIGO | Mariana Santana 44 ENTREVISTA | Gabriela Penna 48 ARTIGO | Tainan Fernandes 53 ILUSTRAÇÃO | Bruno Dourado 59 ENTREVISTA | Lana Benigno


PRIMEIRAS PALAVRAS |

Caro leitor,

Concretizar uma história não é uma tarefa fácil. Envolver o público num enredo e fazer o artista entrar/encarnar (n)o personagem depende de uma grande pesquisa e muito, muito trabalho. A obra dos figurinistas brasileiros inspirou a equipe da revista Trama a produzir essa edição, fruto de um trabalho para a disciplina Moda e Cultura no Brasil do curso Design – Moda da Universidade Federal do Ceará, ministrada pela professora Francisca Mendes, para mostrar que nos bastidores, existe um mundo repleto de tecidos, lantejoulas, linhas e agulhas que modela o que aparece no palco das mais diversas manifestações artísticas brasileiras. Abordando o forró, o carnaval e o cinema brasileiro, três artigos vão explicitar a função do figurino em diferentes aspectos da realidade brasileira, assim como a reportagem sobre o evento “Maloca Dragão”, que trouxe a tradição das vestimentas cearenses para o palco em Fortaleza, Ceará, sede desta revista. As entrevistas com Gabriela Penna e Lana Benigno refletem, respectivamente, a obra do artista gráfico e figurinista Alceu Penna, bem como o cenário de atuação para quem trabalha com figurino na cidade de Fortaleza. Os editoriais desta edição mostram o traço do artista Bruno Dourado representando os arquétipos dos mais diversos tipos nordestinos, e a personalidade de personagens que marcaram o teatro brasileiro ao longo dos anos. Esperamos que folhear essa revista seja como estar presente em todos os espetáculos aqui relatados, vivenciando a grandiosidade passada através dos figurinos. Boa leitura! Jéssica Barboza Mariana Santana Tainan Fernandes


Ficha técnica

Direção Geral Jéssica Barboza, Mariana Santana, Tainan Fernandes

Artigos Jéssica Barboza, Mariana Santana, Tainan Fernandes Reportagem Mariana Santana, Tainan Fernandes Entrevistas Jéssica Barboza, Mariana Santana, Tainan Fernandes Fotografia Pérola Castro, Paulo Winz (CCDM), Tainan Fernandes Edição de fotos Rafael Parente, Tuan Roque Modelos Rebeka Feitosa, Emanuela Assunção Ilustrações Bruno Dourado Assistente de produção Máxson Lopes Diagramação Tainan Fernandes Impressão Original Graph Agradecimentos Natal Lânia, Dorgival Fernandes, Lana Benigno, Victor Hudson, Gabriela Penna, Fred Oliveira, Breno Braga - Figurarte UFC e equipe Lixúria (Flávia Rodrigues, Laura Nefitali, Natássia Maia, Karine Matos, Mayrla Canafistula e Meiriane Nascimento).


REPORTAGEM | MALOCA DRAGÃO

Maloca Dragão

As expressões da cultura popular cearense sempre fizeram parte da programação do Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza e, para a comemoração de 15 anos de atividade da instituição, nada mais justo que uma programação especial voltada à essa identidade cultural do estado, com um show de beleza e tradição representado pelos artistas locais. Por Tainan Fernandes e Mariana Santana


MALOCA DRAGÃO | REPORTAGEM

O “Maloca Dragão”, apresentado no Espaço Rogaciano Leite, entre 30 de Abril e 4 de Maio de 2014, sempre a partir das 18 horas, foi aberto ao público em geral – sem censura de idade e sem cobrança de ingresso, e trouxe como atração bandas, companhia de teatro e de dança, brincantes e capoeiristas, como os Irmãos Aniceto e Filhos, Maracatu Vozes da África, Mestre Zé Pio e Boi Ceará. O figurino foi um espetáculo a parte no evento, que se destacou por trazer a vertente popular do vestuário tradicional para o palco, presenteando o público com uma rica identidade visual que traduzia a essência das manifestações artísticas cearenses. Bordados, babados, couro e balangandãs traduziam a diversidade mostrada no evento ao longo desses cinco dias de festa.


REPORTAGEM | MALOCA DRAGÃO

Fotos: Tainan Fernandes

Irmãos Aniceto

As festividades foram iniciadas no dia 30 de Abril pela banda cabaçal dos irmãos Aniceto, grupo centenário formado por agricultores do cariri cearense. O grupo é composto de dois pífanos, pratos, zabumba e caixa, e apresentaram danças e brincadeiras inspiradas pela própria vida rural: comportamento dos animais, causos populares, atividades de trabalho e outros. Segundo eles, o figurino continua fiel ao planejado pelo fundador do grupo, em 1835, composto por um terno (no período, o traje mais elegante à disposição dos brincantes e por isso mesmo o escolhido para as apresentações artísticas) que varia apenas em cor, sandália de couro e chapéu preto. Não há o trabalho de um figurinista: os próprios integrantes compram tecidos e têm a ajuda de uma costureira para confeccionar as roupas das apresentações, numa maneira simples de trabalhar o que será usado em cena.


MALOCA DRAGÃO | REPORTAGEM

Apresentou-se ainda nesse dia o grupo Maracatu Vozes da África, sob responsabilidade do carnavalesco Márcio Santos. O cortejo com música em reverência a uma rainha negra e sua corte real foi o espetáculo mostrado pelo grupo, tradição trazida por escravos africanos que perdura até os dias de hoje como forma legitima de miscigenação, já que consiste numa manifestação cultural negra, mas que sincretiza em seu figurino influências tanto da realidade africana como do vestuário do século XVI europeu e ainda do adornamento indígena brasileiro. A produção do figurino para o desfile do maracatu é especifica para cada personagem do cortejo seguindo as normas de vestuário que definem cada papel desempenhado, mas trabalhando-se a temática escolhida anualmente, para o carnaval, através de cores e detalhes. De acordo com o jornal O Povo (07/02/2014), no maracatu cearense a personagem principal é a rainha que, pela tradição, é interpretada por homens por causa do grande peso do figurino, que leva uma roda de ferro na saia e um esplendor de plumas. Pelo desfile passam índios, negros, príncipes, princesas, reis, escravos, balaieiros, pretos velhos, corte, bateria e algumas alas que mudam de acordo com o tema, sem nunca deixar de pintar o rosto com tinta preta (com exceção dos índios) para caracterizar o negro.

Maracatu Vozes da África Fotos: Tainan Fernandes


REPORTAGEM | MALOCA DRAGÃO

Fulô da Aurora O segundo dia do evento trouxe a banda Fulô da Aurora, que mescla influências de banda cabaçal numa proposta contemporânea. O grupo formado por três mulheres e quatro homens, não conta com o trabalho de um figurinista, apesar de compor um figurino baseado no lugar-comum do que se percebe do vestuário popular do interior do estado. Todas de vestido, as mulheres apresentaram roupas trabalhadas com bordados, sandália de couro, acompanhados de arranjo de floral preso no cabelo, associando a figura feminina à flor do sertão. Os rapazes por sua vez, utilizaram camisa de botão, calça social, sandália de couro e chapéu, representando com fidelidade a figura interiorana. Os integrantes acrescentaram um caráter dinâmico em sua apresentação com a rotatividade de instrumentos entre todos os componentes, variando os sons da zabumba, rabeca, triângulo, do ganzá e outros, dançando também brincadeiras características da expressão artística cabaçal.

Fotos: Tainan Fernandes


MALOCA DRAGÃO | REPORTAGEM

A pluralidade cultural foi característica marcante do terceiro dia. A Cia Vatá expôs o espetáculo “Bagaceira, Cana e Engenho”, dirigido por Valéria Pinheiro e com mote na poesia de Ascenso Ferreira, que passeia pelo sertão do Nordeste com muito humor. O show compilava diversos ritmos e danças numa apresentação que, através de múltiplas linguagens (sapateado, dança contemporânea, música e canto popular), explorava o lúdico do povo brasileiro presente nas danças brincantes como cocos, maracatus, sambas, lamentos e poesias. O figurino desse espetáculo viaja por diversas referências do vestuário e do cenário tradicional interiorano brasileiro, aliado ao toque vanguardista do primoroso trabalho do estilista cearense Lino Villaventura. Nesse figurino, observaram-se alusões à indumentária do cangaceiro, do vaqueiro, do Mateu (personagem do reisado), bem como bordado à maneira tradicional do couro e fitas coloridas.

Cia. Vatá

Fotos: Paulo Winz


REPORTAGEM | MALOCA DRAGÃO

Boi Ceará O último dia de festa trouxe o mais antigo mestre de bumba-meu-boi em atividade em nosso estado, o Mestre Zé Pio, e seu grupo, o Boi Ceará. O figurino do grupo, elaborado pelo filho do mestre, é desenvolvido respeitando a tradição do festejo, que divide os brincantes em dois grupos, o cordão azul e o encarnado. O figurino é renovado uma vez por ano, sofrendo poucas transformações, para marcar o inicio do novo ciclo dos festejos do boi que se dá sempre no fim do ano. O festejo é a encenação de um lenda popular que conta a história de um boi que é morto por um vaqueiro em homenagem à São Sebastião, e depois é ressuscitado. A opereta divide-se em dois cordões para sinalizar a luta entre o vaqueiro (cordão vermelho) e um capitão (cordão azul) descontente pela matança do boi. A roupa do Mestre é caracterizada pela figura de um vaqueiro estilizado, composto por calça, gibão e chapéu de vaqueiro adornado, tudo em vermelho. Existe ainda a figura do capitão, sempre azul; dos índios, composta por penas e saia de palha; outros vaqueiros, com vestuário mais simplificado e as demais pessoas que compunham o cenário rural onde a lenda se firmou, que se agrupavam para observar a reanimação do boi. Fotos: Tainan Fernandes


MALOCA DRAGÃO | REPORTAGEM

Capoeira Água de Beber

Fotos: Tainan Fernandes

Finalizando a programação, o grupo Capoeira Água de beber, apresentou o espetáculo Orquestra de Berimbau e Maculelê, uma apresentação criativa que mistura elementos fortes da herança cultural negra, como a capoeira, o maneiro-pau e o samba de roda. O figurino feminino era objeto determinante para cada parte da apresentação: no primeiro momento usaram saias de chita (simbologia da mulher popular) na hora da dança, executando o maneiro pau com leveza e, no segundo momento, a calça branca tradicional da capoeira para posteriormente ser resgatado uso da saia durante o samba de roda. Os homens por sua vez, não tinham essa rotatividade de figurino, permanecendo com a roupa típica da capoeira (camisa de algodão e calça de tecido grosseiro) ou com traje de referência tradicional negra: bata, calça e filá.


ARTIGO | JÉSSICA BARBOZA

Forró e Figurino Uma análise sobre a relação entre os diferentes tipos de forró através do figurino. Por Jéssica Barboza

O objetivo desse estudo é entender a partir de qual momento o figurino do forró deixou de remeter-se às origens, no caso, o Nordeste brasileiro, e passou a ser um dos elementos de extrema importância para os novos espetáculos, onde o corpo da mulher é supervalorizado, no sentido de erotizado, através dos paetês, lantejoulas, tops, e como essa mudança de figurinos refletiu no publico. Ao iniciarmos esse artigo, primeiramente temos que compreender um pouco as mudança e as renovações do forró que serão transmitidas através dessas roupas. Começaremos com uma breve história sobre esse ritmo. Segundo MATTOS (2008), de fato, conforme o tempo vai passando acontecem mudanças nos gêneros musicais que muitas vezes dão vida a novos estilos. É importante compreendermos essa passagem do tradicional “trio do forró” até os conjuntos musicais denominados “bandas de forró”. Como gênero musical, o forró é derivado de outro: o baião, que no passado, já vinha mostrando a que veio escrevendo sua história, e, consequentemente, a da música nordestina. As transformações ocorridas neste gênero nos últimos anos têm sido reprovadas por muitos tradicionalistas, por um lado com o forró elétrico, um estilo de forró mais comercial, e de outro com o forró universitário que surgiu no sudeste como movimento de resgate da música nordestina. Mesmo com uma rápida passagem de olhos na história do forró vê-se que as modificações que este tem sofrido, ao longo do tempo e do espaço, parecem fazer com que certas características se diluam e, com o tempo, se percam.


JÉSSICA BARBOSA | ARTIGO

De acordo com FREIRE (2012), o forró divide-se em três categorias principais: tradicional, universitário e eletrônico. O Forró tradicional surgiu em meados da década de 1940 e caracteriza-se pela criação artística do universo do homem sertanejo. Tem como seu principal difusor Luis Gonzaga, “o rei do Baião”. Atualmente o forró tradicional não tem tido muito destaque na mídia por não serem reconhecidos como produtores de grandes sucessos, isto é, com forte “retorno comercial”. Já o Forró Universitário surgiu a partir de 1975 (1ª fase), mas consolidou-se na década de 1990 (2ª fase). É fruto da junção do forró tradicional com a musicalidade do pop e do rock. A fusão da linguagem regional do forró com a linguagem popular urbana, fazendo um mix dos atributos do rock e do forró tradicional, gerou um novo estilo de forró que ganhou adeptos e apreciadores de várias classes sociais. O Forró eletrônico por sua vez foi surgindo a partir do início da década de 1990, tendo por sua característica principal a linguagem estilizada, eletrizante e visual, com muito brilho e iluminação, empregando equipamentos de ponta, com maior destaque para o órgão eletrônico, que aparentemente “substitui” a sanfona. A partir desse momento um novo nome passou a ser utilizado “as bandas de forró”. O forró eletrônico tem sua linguagem própria, que inclui além de modismos, como gírias, a figura masculina como dominante sexual. Ele recebe diversas acusações, entretanto, apresenta-se como um dos mais vendáveis. Apesar de compartilharem de um universo cultural comum, seus principais artistas se diferenciam social e historicamente. Agora analisaremos o figurino de cada uma dessas ramificações: FREIRE (Ibidem) destaca ainda o fato de Luís Gonzaga perceber que havia um espaço na indústria fonográfica brasileira para a música regional e passou a usar a indumentária do homem sertanejo, cantando e tocando em festas e rádios pelo Brasil. O ritmo, originado do trio zabumba, sanfona e triângulo, chegavam aos nordestinos migrantes como uma lembrança da terra natal. Assim ele se utilizava desse figuro, desses elementos identitários, como a vestimenta, linguajar e ritmo divulgando o sucesso do forró no Sudeste do país, primeiramente entre os migrantes e depois para as classes mais altas.

“Até o figurino foi escolhido a dedo. Gonzaga costumava se apresentar nos programas de calouros da época, que aconteciam nos auditórios das rádios. Munido de sua sanfona, vestia roupas comuns: calça e camisa, de vez em quando um terno. Ele percebeu que vestindo o gibão de couro e o chapéu enfeitado dos vaqueiros – que lembravam também a indumentária dos cangaceiros da época, muito difundida nas fotos dos jornais –, atrairia muito mais atenção pelo exótico da sua figura. E estava certo.” (BRAULIO, 2008, p.1) IGLECIO e ITALIANO (2012) abordam o ato de vestir como uma forma de linguagem própria, uma forma de comunicação não verbal composta por elementos que funcionam como uma espécie de “vocabulário” cujo léxico é composto por cores, formas, tecidos, textura, volumes e modelagens como meio de expressão. O figurino, além de um elemento comunicador, é um elemento comportamental absolutamente indispensável, sendo uma extensão daquilo que o artista quer mostrar, representar. Conforme defende SILVA (2003), os principais artistas representantes do forró tradicional são Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Carmélia Alvez, Marinês, Dominguinhos, Osvaldinho do Acordeon, Sivuca, dentre outros. Suas músicas trazem uma linguagem tipicamente rural e dão enfoque a um universo saudosista, nostálgico. Nesse sentido o sotaque do homem sertanejo e o figurino, refaz o ambiente social e familiar deixado pelo imigrante nordestino é fato que em 1940, ainda se vivia conforme uma política nacionalista do então presidente Vargas, o culto aos costumes e as tradições regionais foram bastante valorizadas e muito bem transmitidas através da indumentária, que contemplavam as aspirações sociais e culturais da época, desse modo desde o início do forró tradicional, muitos artistas passaram a adotar trajes típicos da região .


ARTIGO | JÉSSICA BARBOSA

Já o sucesso do forró eletrônico é dado pelos espetáculos visuais onde as pessoas param para assistir as dançarinas e cantar os sucessos do momento. “Do ponto de vista cenográfico, o forró elétrico é espetacular, pois é executado em grandes espaços para um público de milhares de pessoas, envolvendo muita iluminação e presença de dançarinos executando cenografias de forró no palco − inspiradas em danças como a salsa e a lambada”. (SILVA. 2012, p. 26) Diversos “efeitos especiais” são utilizados como a iluminação, fumaça de gelo seco e telões sem contar o figurino. “Casais de bailarinos com dezenas de figurinos diferentes, coreografias que misturam passos de jazz, balé clássico e danças de salão. Roupas com decotes, saias e shorts curtíssimos, que deixam à mostra nádegas femininas, véus, adereços como chapéus, boás, bonés, capas, chicotes, tudo de acordo com o que a música exige. Se a música é mais romântica, com tema de amor, paixão, vale abusar de brilhos e lantejoulas. Porém, se o tema é traição ou rejeição amorosa, normalmente com uma carga a mais de dramaticidade, as vocalistas mulheres usam espartilhos de renda, cintas-ligas, meias de seda, aludindo a um clima da intimidade de um casal em conflito. (...) No forró eletrônico, há uma grande quantidade de vocalistas, entre homens e mulheres, que se caracterizam, além da troca constante de figurinos, e por interagir com o público. Os cantores apresentam menor variação de figurino, sempre com calças (jeans ou de couro)justas ao corpo, camisas baby look, ,uso de camisas abotoadas até a metade deixando parte do tórax e alguma corrente, geralmente dourada, á mostra, como sinal de virilidade.” (SILVA,2012,p.26- 29) Esses exemplos mostram como a escolha e a diversidade de figurinos é fundamental para o bom andamento do show de uma banda de forró eletrônico. ALFONSI (2007) complementa que toda essa produção de figurino e cenário é importante na opinião dos músicos e espectadores dos shows, para transmitir a emoção e os sentimentos cantados pelas canções. A ideia do esbanjamento de riqueza de elementos, da pujança da exibição é primordial para quem produz, participa e aprecia uma banda de forró eletrônico. Segundo FREIRE (2012) ao analisarmos shows de forró percebemos que a maioria das roupas e acessórios denota um grande apelo a sensualidade, o corpo espetacularizado acaba funcionando como auxílio nas apresentações, esse padrão de vestuário é observado em todas as dançarinas e/ou bailarinos dessas bandas.

Fonte: Freire, 2012, p 27.


JÉSSICA BARBOSA | ARTIGO

De acordo com ALFONSI (2007) o oposto, contudo é visto em uma banda de forró universitário cujos integrantes vestem um mesmo figurino do começo ao fim, não há esbanjamento, mas contenção, nada pode atrapalhar o que realmente interessa: a música, o som q sai a partir dos três instrumentos básicos. Os figurinos utilizados são saias e vestidos com estampas florais, roupas no estilo hippie, sapatilhas, rasteiras. Músicos e frequentadores não se diferenciam pelo figurino. “Os seguidores desse estilo usam peças classificados como hippie e também do surfware, para meninas saias, batas e regatas, de cores e estampas variadas, a tiracolo uma pequena bolsa que não precisa ser tirada do corpo durante a dança, no pé as sapatilhas chinesas, calçado de pano com solado baixo, fabricado muitas vezes de borracha, que facilita o deslizamento no chão.[...] Para os meninos bermudões, regatas, camisetas(geralmente com o logotipo de alguma banda ou fã-clube de forró), no pé sandália de tiras, tênis ou nada” (ALFONSI, 2007,pág .120) Apesar do forró universitário ter como base o “resgate” as raízes do forró tradicional que estava desaparecendo, isso não foi de todo possível(afinal eram jovens sulistas e não nordestinos ,como pregariam assim saudade do nordeste?)outra diferença que poderíamos destacar seria o fato de ser outra geração, vivendo de outros modos, de outra cultura. O modo como conseguiram fazer alguma referência ao forró tradicional foi dada por meio do figurino, que apesar de simples estavam lotados de significado, seja na simplicidade remetendo ao nordeste ou em algum adereço específico como por exemplo nas sandálias unissex largamente utilizadas que lembram as usadas antigamente no sertão. Esses trajes continuam até hoje como uma tradição. Algo que age no subconsciente e no momento em que pensamos em forró universitário esse tipo de figurino específico é logo lembrado.

Concluímos, portanto através dessa breve comparação dos três segmentos do forró, que os “forrós” têm algo em comum (apesar de suas completas diferenças) ambos estão imbuídos de estratégias mercadológicas: tanto a vestimenta de Luiz Gonzaga como as dançarinas do forró eletrônico e os cantores do forró universitário foram colocadas para gerar experiências com a música, formar identidades, remeter à cultura, e claro, manter o seu público, cada um a seu modo. Através dos escritos de FREIRE (2012) podemos dizer ainda que o corpo mostrado pela dança e ornamentado pelas roupas, é um importante instrumento de comunicação. Nos bailes de forró, algumas peças de roupa são ,dessa maneira, emblemáticas em relação ao tipo de forró frequentado. Não podemos deixar de levar em consideração os fatores determinantes como a época e o contexto histórico onde foi formado cada “tipo de forró”. Além da influência política, existem sempre os interesses econômicos que acabam sendo mais visíveis no forró eletrônico, a verdade é que se falarmos de som (música), não há semelhança alguma entre esse forró e o tradicional, porém ao falarmos de figurino esse sim, é um ponto comum, que não está no seu aspecto visual (são completamente diferentes) mas em seu objetivo, que há uma razão de ser, não estão ali por simples acidente ou acaso, podemos entender assim o quão grande é a importância do figurino, tudo o que ele representa. Principalmente nessa ramificação do forró (o forró eletrônico). O motivo real de esse forró ser o que é ,tem sua causa na industria fonográfica que vinha perdendo lucros por causa da pirataria ,desse modo, tivera que pensar em algo novo, que deveria gerar mais renda, e assim surgiram os shows cheios de efeitos que conhecemos hoje, (atrair pessoas para os shows para faturar na bilheteria). Desse modo foi possível, Através dos efeitos especiais, das dançarinas e por meio desse importante meio (o figurino) é possível, embelezar, dar uma carga de significado, ilustrar e representar muito bem aquilo que está sendo feito no palco, ou melhor ,tocado. Desse modo o figurino sendo o espelho do “forró” não fica difícil situá-lo dentro de seu tempo e de seu contexto.


ARTIGO | JÉSSICA BARBOSA

Referências Bibliográficas ALFONSI, Daniela do Amaral. Para todos os gostos: Um estudo sobre classificações, bailes e circuitos de produção do forró. Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção de título de mestre em Antropologia Social. São Paulo,2007. FREIRE, Libny Silva. Forró eletrônico: Uma análise sobre a representação da figura feminina. Dissertação (Mestrado em estudos da mídia )-Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia, Natal, 2012. IGLECIO, Paula. ITALIANO, Isabel.C. O figurinista e o processo de criação de figurino. Colóquio de Moda/GT09/comunicação, Rio de Janeiro, 2012 MATTOS, Márcio. Experiências Musicais. Organizado por Francisco José Gomes Damasceno. Fortaleza: Prefeitura Municipal de Fortaleza – PMF/EDUECE, 2008. SANTOS, Climério de Oliveira. Forró por Forró: Discursos, Polarizações e Diversidades Num Campo Musical. Universidades Federal do Rio de Janeiro UNIRIO/PPGM. Doutorado em Etnomusicologia. SIMPOM: Subárea de Etnomusicologia, Rio de Janeiro, 2012.

SILVA, Expedito Leandro. Forró no asfalto: mercado e identidade sociocultural . São Paulo: Annablume /Fapesp, 2003. TAVARES, Braulio. Revista de História Online, Regional e Pop. 2008. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/regional-e-pop. Acesso em 28 mai 2014.


SONHOS TUPINIQUIN S | EDITORIAL

Fotos: Pérola Castro Edição de Fotos: Tuan Roque | Rafael Parente Styling: Tainan Fernandes | Mariana Santana | Jéssica Barboza Assistente de estilo: Máxson Lopes Modelos: Rebeka Feitosa | Emanuela Assunção Figurino: Acervo Figurarte | Acervo Tainan Fernandes | Coleção Lixúria


EDITORIAL | SONHOS TUPINIQUINS

Jorge Amado, Chico Buarque, Clarice Lispector, Nelson Rodrigues... Em comum, o apuro poético na construção de personagens icônicos. Por variedade, suas colaboração no delineio de um cenário literário/cênico brasileiro permeado de personagens diversos, que nos colocam em análise e nos deleitam em seus romances, comédias e dramas. Um editorial que se propõe a conceituar um figurino teatral para protagonistas de obras clássicas brasileiras.


SONHOS TUPINIQUIN S | EDITORIAL

DONA FLOR


EDITORIAL | SONHOS TUPINIQUINS

Professora recatada que sofria nas mãos do marido boêmio, casa-se novamente ao ficar viúva, com um simples farmacêutico. Mas as lembranças e o desejo por seu falecido esposo trazem a tona o lado fogoso e bígamo da mulher que dá nome ao livro de Jorge Amado, “Dona Flor e seus dois maridos”.


SONHOS TUPINIQUIN S | EDITORIAL

ROSINHA


EDITORIAL | SONHOS TUPINIQUINS

Flor do sertão, Rosinha adoça a obra de Ariano Suassuna com toda a delicadeza nordestina. Filha de coronel, em “O Auto da Compadecida”, enfrenta o pai para viver o amor nos braços do pobre Chicó.


SONHOS TUPINIQUIN S | EDITORIAL

MACABÉA


EDITORIAL | SONHOS TUPINIQUINS

Macabéa( A hora da Estrela, Clarice Lispector) é uma menina simples, pobre alagoana que mudase para o Rio de Janeiro para morar com a tia e trabalhar, mas não abandona seu viver medíocre, sem emoções ou grandes prazeres, aceitando sua existência banal, com saudade da vida glamourosa que nunca teve.


SONHOS TUPINIQUIN S | EDITORIAL

IRACEMA


EDITORIAL | SONHOS TUPINIQUINS

“A virgem dos lábios de mel” caracteriza de imediato “Iracema”, protagonista do romance homônimo de José Alencar, que conta a vida de uma índia tabajara e seu envolvimento com um estrangeiro, pelo qual brigou com sua tribo para salvar-lhe a vida e com ele, vivenciar o amor.


SONHOS TUPINIQUIN S | EDITORIAL

MAX OVERSEAS


EDITORIAL | SONHOS TUPINIQUINS

Max é o cafetão bom vivant de “A ópera do malandro”, que representa, com sua esposa, a história escrita por Chico Buarque sobre as as malandragens e boemia de um cabaré no Rio de Janeiro.


SONHOS TUPINIQUIN S | EDITORIAL

CAPITU


EDITORIAL | SONHOS TUPINIQUINS


SONHOS TUPINIQUIN S | EDITORIAL

Os “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” descrevem Capitu, a icônica e misteriosa personagem Machadiana de “Dom Casmurro”, que desencadeou as desconfianças de sua fidelidade ao seu marido, que intrigam até hoje os leitores do mundo inteiro.


EDITORIAL | SONHOS TUPINIQUINS


SONHOS TUPINIQUIN S | EDITORIAL

ALAÍDE E LÚCIA


EDITORIAL | SONHOS TUPINIQUINS

A peça “Vestido de Noiva” é composta por três planos: realidade, alucinação e memória, e retrata de forma densa , os momentos finais da vida de da personagem Alaíde. Após ser atropelada na realidade, a personagem alucina fatos ocorridos no passado, como sua lembrança da prostituta Madame Clessi, e enfrenta a memória de ter casado com o noivo da irmã, Lúcia, que aparece na obra de Nelson Rodrigues como “ A mulher de véu”.


MARIANA SANTANA | ARTIGO

Entre fantasia e realidade: uma análise sobre o vestuário carnavalesco no Brasil Por Mariana Santana Dias de fantasia. Tempo de inventar um personagem, um novo roteiro. Única chance de ver um país parar sua realidade para se debruçar em melodias e festas frutos de seus desejos mais íntimos. O carnaval é para o Brasil o momento de uma troca rápida de papéis, numa festa popular que tem como objetivo esquecer obrigações e regras de uma sociedade hierárquica e desigual. O desejo de se divertir é observado em todos os lugares, quando não há a exigência social de um comportamento moral apropriado, ou indumentária correta. Enquanto durante todo o ano, a roupa deve harmonizar com a situação social, financeira, a idade e outras condições daquele que a veste, no carnaval, a composição do vestuário sobrepõe-se a todas essas regras simplesmente pela permissividade que o período proporciona neste quesito, criando no folião a liberdade de determinar quem ele será naquele dia apenas por vestir uma fantasia. Em outro momento do cotidiano, ou em outra data significativa do calendário brasileiro, o uso de fantasia poderia ser visto como algo inadequado, como a interpretação aleatória de um personagem, em uma atitude burlesca de alguém que não aceita o papel que lhe foi imposto na sociedade, ou uma pessoa longe de suas plenas faculdades mentais. Entretanto, no período carnavalesco, toda a sociedade volta seus olhares para a projeção de um corpo vestido por uma imagem que todos reconhecem ser falsa, mas que é justificada e aceita por todos devido ao momento do ano em que ela é usada.


ARTIGO | MARIANA SANTANA

Piratas, marinheiros, bailarinas, reis, rainhas, policiais, astros do cinema, da música e televisão, baianas, colombinas, pierrôs, palhaços, todos podem se divertir numa festa que rompe momentaneamente barreiras sociais, quando olhadas de longe. “Os personagens do carnaval não estão relacionados entre si por meio de um eixo hierárquico, mas por simpatia e por um entendimento vindo da trégua que suspende as regras sociais do mundo da plausibilidade: o universo do cotidiano” (DaMatta, 1997, p.63). A rotina, que é encarada na sociedade brasileira pelos hábitos mecânicos e cansativos realizados diariamente, tem no final de semana um evento desejado em nosso país como uma momentânea pausa no cotidiano infeliz, enquanto a segunda-feira é odiada por trazer de volta todos às suas atividades. Sendo assim, os feriados que permeiam nosso calendário configuram-se muito além de seu objetivo central (como as homenagens ao país do no dia da Pátria ou o fator religioso no feriado natalino), mas refletem um momento de descanso ou de liberdade de atividades, não sendo necessário o cumprimento de obrigações trabalhistas. Apesar do foco aqui não ser questionar a validade dos momentos de folga trabalhista na nossa sociedade, é importante observar a influência desses momentos na mudança de indumentária brasileira, mesmo que durante pouco tempo. Analisando mais diretamente o feriado representado pelo carnaval, a folga momentânea do trabalho alia-se uma liberdade moral que o período proporciona. O motivo de tal liberdade é respondido com a busca pelo prazer antes de um longo período de jejum e penitências, que justifica a origem do carnaval, o que numa sociedade majoritariamente cristã (86,8%, IBGE 2010) como a brasileira, toma contornos ainda mais expressivos. A festa antecede a Quaresma, o supracitado período penitencial anterior à Semana Santa, o que aponta o caráter libertino da festa, como um tempo de aproveitar a vida, para que na quarta-feira de cinzas tudo volte a sua rotina, aos bons costumes. Sendo o carnaval um evento extraordinário da rotina dos brasileiros, nada mais evidente do que uma mudança no vestuário para receber essa data, como relata Cynthia Luderer no trecho abaixo:

Assim, os trabalhadores encontram-se nas mesmas condições das pessoas as que vão assistir ao espetáculo ou participar dele, ou seja, possuem também o desejo de experimentar um mundo divertido e cheio de cores para descansar seus corpos da condição que as mantêm como máquinas no cotidiano (LUDERER, 2007, p.7). Podemos separar o vestuário utilizado no dia-a-dia como um vestuário que condiz com as atividades rotineiras a serem realizadas. Todos os dias, é necessário criar uma nova combinação, mas que continue harmonizando com as usadas anteriormente, formando assim um padrão de roupa a ser seguido por determinada classe trabalhista, idade e local. O conjunto resultante das roupas usadas por uma população determina a indumentária daquele momento histórico, que irá caracterizá-lo quando se falar de sua época. É como se cada pessoa criasse seu estilo pessoal individualmente, mas obedecendo as regras vigentes em sua sociedade.


MARIANA SANTANA | ARTIGO

Durante o carnaval, observamos que existe a liberdade da criação, uma quebra na ordem vigente de elaboração do vestuário. Não é mais necessário seguir regras de decoro. Homens se travestem de mulheres (e vice-versa) nos blocos de ruas, e escolhem suas fantasias seguindo desejos pessoais aleatórios. As camadas economicamente baixas da sociedade utilizam fantasias caras, adquiridas com muito esforço, de reis, rainhas, nobres, em desfiles de escolas de samba. Ou seja, ocorre sobretudo uma inversão de papéis, quando o oposto da função e/ou personalidade que se existe no dia-a-dia é trocada por algo oposto (DaMatta, 1997). Para compreendermos melhor a ligação intrínseca que a fantasia possui com a construção do momento de carnaval, podemos analisar um das partes mais importantes de qualquer feriado ou festa que possa existir: a música. Em sua versão brasileira, o carnaval é constituído de uma pluralidade forte de ritmos e letras, e é aceita em sua realização a presença de sambas, axés, frevos, maracatus, as características marchinhas, e até Musica Popular Brasileira. Podemos nos atrever a dizer que todos esses ritmos possuem alguma música que faça referência direta ou indireta do uso de fantasia durante o carnaval, representada, sobretudo, como algo usado para maquiar a verdadeira origem daquele que a veste. A música “Noite dos Máscarados” de Chico Buarque é uma das composições que preenchem esse vasto repertório de músicas brasileiras ligadas ao carnaval, mais especificamente falando sobre a fantasia. Na letra, ele anuncia que não importa quem você é, pois o figurino carnavalesco inibe a revelação da personalidade de seu possuidor. O que interessa é o personagem que está sendo representado e a liberdade que a festa proporciona aos que a frequentam.

“Mas é Carnaval! Não me diga mais quem é você! Amanhã tudo volta ao normal. Deixa a festa acabar, Deixa o barco correr. Deixa o dia raiar, que hoje eu sou Da maneira que você me quer. O que você pedir eu lhe dou, Seja você quem for, Seja o que Deus quiser!”. Para ilustrar essa ideia de representação de um personagem, lembremo-nos de François Boucher, quando este separa as vestimentas como peças ligadas a condições materiais como clima, saúde e produção têxtil, e o vestuário como decorrente de fatores mentais como crença religiosa, sociedade, estética. Ele afirma que este último também suprimia os desejos de representação de quem veste: Enfeitar-se com adornos era identificar-se a outra criatura: animal, deus, herói ou homem. Essa identificação, real nos primitivos, é mítica nos seres evoluídos: o teatro, que se originou das representações sagradas, é a expressão fundamental desse sentimento; a criança não seria, dessa forma, levada a se fantasiar a fim de se adaptar ao mundo que a cerca? (BOUCHER, 2010, p.13).


ARTIGO | MARIANA SANTANA

A partir deste pensamento podemos fundamentar a ideia de que aquele que produz uma fantasia de carnaval, seja um carnavalesco para um desfile de escola de samba com pompa e luxo ou um folião qualquer de um bloco de rua, está desenvolvendo um figurino como seu vestuário, e sendo figurino, ele será utilizado para representar um personagem, uma história diferente da vida real contada no dia-a-dia. A construção do figurino de carnaval se daria diante de um enredo sem script, onde o ator/folião atravessa a avenida como se a mesma tivesse se tornado um palco, para que ele, munido de sua personalidade representada pela fantasia, interaja com os demais foliões, que são seus colegas de cena e público ao mesmo tempo. Aquele que frequenta as festas carnavalescas age como afirma o figurinista Samuel Abrantes em seu livro “Heróis e Bufões”: “recombinando formas, entrelaçando-as, colocando-as, tingindo-as, envelhecendo-as, busco a criação de um código capaz de permitir a comunicação direta com o mundo da cena”. Contudo, é necessário verificar que mesmo com toda a liberdade e fantasia dos festejos carnavalescos, o período ainda é caracterizado como um rito, ou seja, “momentos especiais construídos pela sociedade. São situações que surgem sob a égide e o controle do sistema social, sendo por ele programadas” (DaMatta, 1997), possuindo ainda regras que limitem as ações dos foliões nesse curto período de tempo, mesmo que esse controle não seja tão evidente, sendo a própria liberdade algo programado pela sociedade para que aconteça apenas durante o carnaval. Tal restrição velada ocorre porque o ritual não se caracteriza como algo fora da sociedade, mas algo planejada pela mesma, permitida e vigiada, ainda que pareçam dias fora do controle. Como afirma novamente DaMatta, “o clima do ritual é dado não por meio de transformações essenciais do mundo e das relações sociais, mas por meio de manipulações dos elementos e relações desse mundo”, nos fazendo concluir que mesmo com as peculiaridades do período carnavalesco, este é constituído de características resultantes da sociedade em que acontece, neste caso, a brasileira. Não existe uma nova sociedade formada durante alguns dias de festa, mas a mesma ordem social, vista sob uma ótica que aparenta criar uma visão diferente da realidade, mais permissiva e despojada, para que o objetivo recreativo do carnaval não seja influenciado por regras aparentes. É sobre essa conclusão podemos formar o pensamento de que o carnaval possui sim um aspecto artístico que se manifesta, sobretudo, na veste daquele que o frequenta. A fantasia tem a capacidade de resumir a característica livre e teatral dessa festa popular, por oferecer nas possibilidades de construção do vestuário, a escolha de criação de uma personalidade distinta da real, e que será realmente levada em consideração nas relações sociais ao longo do carnaval. Durante esse curto período do ano, classificamos, então, a rua, a avenida, o desfile e os bailes como um palco para que se exerça um novo papel, criado e desempenhado pelo folião, que assume papel de figurinista nesta situação, pronto para desenvolver uma roupa que irá dialogar com os demais, representando o personagem.


MARIANA SANTANA | ARTIGO

Contudo, mesmo o país se tornando um palco livre para as interpretações e performances diversas de seus cidadãos, a liberdade que o carnaval parece oferecer é na verdade, planejada. As camadas altas da sociedade apesar de se mostrarem humildes e próximas da população geral, ainda estão cumprindo seus papéis dominadores. Ou seja, a esfera social não muda suas divisões só porque é carnaval. A sociedade continua a mesma da vivenciada nos momentos de rotina, apenas fantasiada de um personagem que integra todos numa festa dita popular e exótica, mas que guarda a mesma essência do Brasil de todos os dias.

Carnaval de 1942 no Rio de Janeiro. Fonte: Blog CitizenGrave.

Referências Bibliográficas ABRANTES, Samuel. Heróis e bufões: o figurino encena. Rio de Janeiro: Editora Ágora da Ilha, 2001. BOUCHER, François. História do vestuário no ocidente: das origens aos nossos dias. São Paulo: Cosac Naify, 2010. BUARQUE, Chico. Noite dos Mascarados. In: CHICO BUARQUE. Chico Buarque de Hollanda, Volume 2. [S.I.]: Som Livre, 1967. 1 CD. Faixa 1. DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. PRESTON, Hall. 1942. 1fotografia, color. Disponível em: <http://citizengrave.blogspot.com.br/2012/06/o-carnaval-no-rio-de-janeiro-em-1942.html>. Acesso em: 13 mai 2014.


ENTREVISTA | GABRIELA PENNA

Gabriela Penna Entre os desenhos e figurinos criados pelo tio-av么, Gabriela Penna nos apresenta seu trabalho sobre o Alceu Penna, e nos mostra um pouco da influencia do tra莽o ic么nico deste artista gr谩fico brasileiro .


GABRIELA PENNA | ENTREVISTA

O que lhe motivou a estudar moda e direcionar sua pesquisa para o trabalho do Alceu Penna? GP Desde pequena o trabalho do Alceu esteve presente em minha vida. Nos almoços de domingo, meu avô paterno, Josaphat, mostrava os desenhos do irmão e me desafiava a fazer outros iguais. Imagina só! A família Penna tem muito orgulho do que ele representou para a sua época e, com certeza, passar essa memória para as novas gerações sempre foi algo importante. No fim da faculdade de Comunicação comecei a me aproximar da moda, cada vez mais, e, naturalmente, o reencontro com a obra do meu tio-avô foi inevitável. Esse enamoramento, já adulta, se converteu em um mestrado pelo Senac-SP sobre a coluna “As Garôtas” e, atualmente, em um doutorado em andamento na Universidade Federal de Goiás – UFG sobre outra faceta do ilustrador, não muito explorada – Alceu figurinista. Como artista gráfico e figurinista, qual a influência que você acredita que Alceu teve para a moda brasileira de sua época? GP Alceu Penna foi uma referência em moda e comportamento em meados do século XX. Teve uma projeção nacional pela revista O Cruzeiro. Pelas páginas da revista ensinou as brasileiras se vestirem de acordo com os hábitos e clima do Brasil, algo que não se via muito. As modas francesas e nor-

Alceu Penna. Fonte: Acervo Pessoal Gabriela Penna.

Te-americanas eram trazidas para cá sem nenhuma adaptação ou critério. Ele não desenhou apenas modelos bonitos e em consonância com o que se via lá fora, mas ensinou a brasileira a pensar antes de adotar qualquer moda, ter um olhar crítico e mais autoral. Isso era ter estilo e ser elegante para Alceu Penna. Acredito ser esse seu maior legado. Qual a influência que o trabalho dele possui para a moda atual? GP Vivemos em uma época em que a história tem um peso e influência crescente. A memória e o patrimônio tornaram-se imprescindíveis para se conceber a moda contemporânea. Não à toa, a obra de Alceu Penna tem vivido um comeback incrível. Creio que pensando nisso, a maior influência que o Alceu deixou para essa nova geração é a vontade de abraçar e reconhecer a moda nacional, entretanto, não como algo caricato e formatado, mas como um produto digno de circular internacionalmente. T Você acredita que o trabalho do Alceu tem o devido reconhecimento no mundo da moda?

Baiana Estilizada, Alceu Penna. Fonte: Google.

GP Como já havia dito, com a relevância que a memória tem ocupado na cena atual, o reconhecimento da importância do Alceu Penna é uma realidade, especialmente para quem estuda e trabalha com moda. Entretanto, devo dizer que essa percepção veio tardiamente. Desde sua morte em 1980 até o inicio dos anos 2000, os estudos e iniciativas culturais de resgate da sua obra foram muito pontuais. Tenho muita satisfação em ver, contudo, como essa cena já não procede mais. Cada vez mais TCC´s, dissertações, teses, livros contemplam


ENTREVISTA | GABRIELA PENNA

sua obra, além de iniciativas como o Minas Cult, idealizado pelo Paulo Borges do SPFW, o Memorial da Cultura Mineira – Vale, entre outros, que se ocuparam de homenageá-lo e resgatar a sua importância. Quais características você considera mais marcantes no trabalho dele? GB O traço do Alceu é muito marcante. É algo que sempre me chamou a atenção. Ele tinha um movimento. Quando digo isso, me refiro a ser cinético mesmo, flutuante. Se ele desenhasse uma saia, ela nunca estava parada, esticada ali, era desenhada com ondas e uma bossa quesó ele sabia dar. Seu desenho se movimentava para além das bordas do papel, tinha uma capacidade de sobreviver a sua materialidade ordinária. Essa característica o coloca ao lado de grandes ilustradores de moda como Erté, Iribe, Lepape. Como começou a parceria entre Alceu e Carmen Miranda, sendo este um dos trabalhos mais conhecidos dele? GB Na verdade, antes da parceria veio a amizade desde os tempos em que Alceu trabalhava para os cassinos do Rio de Janeiro, como Copacabana e Urca. Carmen era uma estrela em ascensão e ele um jovem figurinista e desenhista. Algum

tempo depois da proibição dos jogos no país pelo presidente Dutra, Carmen e Alceu se reencontraram em terras norteamericanas, especialmente na Feira Mundial em NY, em 1940. Daí em diante é que Alceu começou a palpitar, cada vez mais, no visual da amiga. Como Alceu colocou seu estilo como figurinista de Carmen? GB Veja bem, Alceu foi uma espécie de consultor informal da cantora. Não ocupou oficialmente esse cargo, até por que Alceu já tinha compromissos com a revista O Cruzeiro e Carmen viajava muito. Entretanto, mesmo com participações mais pontuais, ele influenciou o visual dela fortemente. Sabe aquele repuxado na lateral da saia que deixava à mostra as pernas? Foi ideia dele. Segundo Alceu, o figurino de Carmen estava muito monótono e ela, naturalmente, adorou. Até hoje, quem estuda os figurinos da cantora sabe que esse repuxado na saia foi um divisor de águas no seu visual.

Revista O Cruzeiro, 14 de Fevereiro de 1942. Fonte: Acervo pessoal Gabriela Penna.


GABRIELA PENNA | ENTREVISTA

Ainda sobre o trabalho dele para Carmen, qual você acha que eram suas referências para criar os figurinos? GB Carmen era uma verdadeira visão, longe de ser real. Essa característica alegórica dela é que permitiu Alceu criar como fazia melhor, livremente. Acredito que o Brasil no momento do Estado Novo de Getúlio, bem estereotipado, era a grande referência para Carmen Miranda. Entretanto, creio que o que mais Alceu trouxe para o figurino da estrela foi a sensualidade equivalente às grandes divas do cinema hollywoodiano como Marilyn Monroe e Liz Taylor. Menos caricata e mais mulher Como Alceu colocou seu estilo como figurinista de Carmen? GB Veja bem, Alceu foi uma espécie de consultor informal da cantora. Não ocupou oficialmente esse cargo, até por que Alceu já tinha compromissos com a revista O Cruzeiro e Carmen viajava muito. Entretanto, mesmo com participações mais pontuais, ele influenciou o visual dela fortemente. Sabe aquele repuxado na lateral da saia que deixava à mostra as pernas? Foi ideia dele. Segundo Alceu, o

Carmen Miranda e a fenda da saia. Fonte: Pinterest.

Revista O Cruzeiro, 8 de Fevereiro de 1958. Fonte: Acervo pessoal Gabriela Penna.

figurino de Carmen estava muito monótono e ela, naturalmente, adorou. Até hoje, quem estuda os figurinos da cantora sabe que esse repuxado na saia foi um divisor de águas no seu visual. .


ARTIGO | TAINAN FERNANDES

A figura do cangaceiro no cinema: um estudo sobre a simbologia do figurino do cangaceiro representado nos filmes “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Baile Perfumado” Por Tainan Fernandes ‘ “Banditismo por necessidade, banditismo por uma questão de classe ”¹ O bandido social é, em geral, membro de uma sociedade rural e, por razões várias, encarado como proscrito ou criminoso pelo Estado e pelos grandes proprietários. Apesar disso, continua a fazer parte da sociedade camponesa de que é originário e é considerado como herói por sua gente, seja ele um “justiceiro”, um “vingador” ou alguém que “rouba dos ricos” (DÓRIA, 1981, p. 11). Foi em meados do século XIX que apareceram os primeiros “figuras” chamados de cangaceiros na paisagem nordestina, frutos da seca e seus desdobramentos sobre a população pobre sertaneja. Nesse contexto, o povo comum só avistava duas opções de sobrevivência: a migração para zonas litorâneas e de serras, ou a entrada na dinâmica do banditismo, seja atuando como cangaceiros ou como coiteiros (não-cangaceiros que apoiavam e eram protegidos por cangaceiros, forneciam-lhes mantimentos, insumos e informações sobre a polícia), ou ainda incorporando-se às volantes que combatiam esses bandos de saqueadores. Outro motivo para a adesão ao cangaço poderia ser as desavenças entre as famílias interioranas, que exigiam o assassinato como cobrança de vingança e conferia ao assassino um juramento de morte que muitas vezes lhe impunha a fuga através do banditismo.

1. CHICO SCIENCE & NAÇÃO ZUMBI. Banditismo por uma questão de classe. In: Da Lama ao Caos. Faixa 2.


TAINAN FERNANDES | ARTIGO

Do primeiro momento do cangaço até meados da década de 1920, a indumentária do cangaceiro consistia em camisa e calça de algodão, chapéu, sandália e bornais em couro cru ausente de adornos, semelhante a do vaqueiro. Essa indumentária era utilitária justamente por proteger a pele exposta à aspereza de espinhos e galhos da mata na qual se escondiam e se movimentavam aos bandos. Ainda que surjam no período citado grandes nomes de admiração popular como Jesuíno Brilhante, João Calangro e Antônio Silvino, o alastramento da figura do cangaceiro como herói popular se dá na era de Lampião - entre 1920 e 1938 – o qual, além de demonstrar força e poder através da impetuosidade com que lidava com traidores, delatores e volantes, gostava de transmitir uma imagem de bandido rico e poderoso que exercia fascínio e respeito sobre o povo do sertão através da massiva ornamentação de seu vestuário (MONTEIRO, 2008). Foi no “reinado” de Lampião que se instaurou no cangaço a moda de bordar-se a couro tingido, tanto os bornais, como os cantis, cartucheiras, perneiras e o chapéu, com motivos florais e com a clássica estrela de oito pontas – símbolo que acreditavam trazer para si uma proteção tanto física quanto espiritual: devolvia tudo que lhe desejassem, de bom ou ruim, e os mantinha de “corpo fechado” – além da aplicação de moedas de prata nas correias do chapéu e na bandoleira e o uso de perfumes, lenços de seda no pescoço e anéis (PERNAMBUCANO DE MELO, 2012). Além do aprimoramento estético de Lampião e de Dadá, companheira do cangaceiro Corisco, os quais desenhavam, costuravam e bordavam muito bem, o enriquecimento da estética do cangaço foi desenvolvido porque foi esse o momento mais próspero também economicamente para os cangaceiros, já que estes aliavam-se a grandes fazendeiros e coronéis e eram pagos com largas quantias em dinheiro, e também porque nesse novo contexto econômico, o rebuscamento estético funcionava como prêmio de merecimento e demarcava a hierarquia de importância entre os membros do grupo – numa analogia às medalhas usadas pelos militares em seu fardamento. Data apenas desse período a presença feminina em bandos de cangaceiros, sendo estas muito respeitadas por todos e aceitas sob condição de esposa e nada a menos que isso. Essa imersão feminina à realidade dura do cangaço foi responsável por um certo apaziguamento de conduta dos cabras de Lampião e dele mesmo, quando se percebia a intercessão de Maria Bonita sobre os severos castigos aplicados à ermo por Lampião ou pelo suporte oferecido por Dadá, que costurava, bordava, presenteava, remediava, aconselhava e assistia aos nascimentos dos filhos do cangaço.


ARTIGO | TAINAN FERNANDES

Cartaz do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol. Fonte: Site Quero Poster.

“Que assim mal dividido, esse mundo anda errado. Que a terra é do homem, não é de Deus nem do Diabo ”² Por ser um dos tipos mais iconográficos da mitologia heroica brasileira, a figura do cangaceiro foi muitas vezes representada no cinema brasileiro . No entanto, sua representação imagética e espiritual foi retratada de formas diversas, de acordo com a ideologia proposta por cada estilo cinematográfico. Trataremos aqui a persona cangaceira proposta pelo Cinema Novo através do personagem Corisco, do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, 1964, em comparação ao Lampião retratado em Baile Perfumado, filme de Paulo Caldas e Lírio Ferreira de 1996. O Cinema Novo Brasileiro foi um movimento cinematográfico de meados da década de 1960 que buscou, inspirado pelos ideais da Nouvelle Vague francesa e pelo neo-realismo italiano, introduzir “(...) uma perspectiva crítica em relação ao cinema até então produzido no Brasil, por estúdios como os da Vera Cruz. Seus diretores, críticos e teóricos procuraram contrapor novas ideias aos valores estéticos de uma cultura cinematográfica dominada por interesses industriais” (OLIVEIRA, 2007). No intuito de “desalienar” o público, iniciou -se uma campanha de advertência cultural para a realidade, problematizando o cidadão comum brasileiro subjugado às provações e às injustiças às quais estava sujeitado tanto pelo espaço geográfico como pela exploração por parte dos poderosos, e apresentou como ícones o sertanejo nordestino e o favelado do sudeste. E é isso que deseja o grande nome do Cinema Novo brasileiro, Glauber Rocha, em Deus e o Diabo na Terra do Sol. O filme, com roteiro e direção suas, mostra a história do vaqueiro Manuel a partir do momento que assassina seu patrão coronel, revoltado com a exploração imposta por este, e por isso, precisa fugir de onde mora por estar sendo perseguido por jagunços que querem vingar a morte desse coronel. Manuel e sua esposa buscam refúgio no retiro do beato Sebastião, um dissidente líder religioso, mas o cenário desse fanatismo religioso e sua atuação sobre a população em geral acaba ensejando nos governantes e na Igreja Católica a necessidade de exterminar esse grupo e, então, o matador Antônio das Mortes acaba matando todos os seguidores do beato, enquanto Rosa, esposa de Manuel, mata o beato Sebastião por este ter sacrificado uma criança. Com o fim do grupo religioso, Manuel só vê refugio agora no cangaço e então, junta-se ao pequeno bando sobrevivente de Corisco, que resiste no cangaço depois da morte de Lampião. Nesse cenário, o cangaceiro é representado como figura resultante do contexto desfavorecido do sertanejo, que vive nos extremos tanto da violência quanto da religiosidade numa tentativa de escape. E para isso, mesmo objetivando problematizar a própria realidade, Glauber Rocha manipula a estética cinematográfica para que se firme uma simbologia, uma alegoria do Nordeste mais evidente, que é a estética da fome (Dídimo, 2010) e sua intrínseca denúncia. Além da iluminação contrastada representando o sol castigante, o diretor apresenta o cangaceiro num ambiente hostil e em estado de exaltação, com um figurino verossímil, mas enxuto, sem os adornamentos que permeiam a memória coletiva da figura do cangaceiro. Colocado assim, o Corisco de Glauber Rocha representa a face do “desespero” que ensejou o cangaço nordestino, e, para chocar, expõe este sujeito livre de seu encantamento, livre da mitologia a ele associada pela simbologia ostentativa de riqueza e sucesso que eram os bordados e as joias. A figura do cangaceiro aparece em seu declínio, distante agora da glória de outros tempos, perto de seu fim, de sua derrota e morte.

2. CORISCO. In: Deus e o Diabo na Terra do Sol.


TAINAN FERNANDES | ARTIGO

Lampião na cena de abertura do filme Baile Perfumado. Fonte: Blog 366 Filmes de A a Z.

“Eu carrego comigo coragem, dinheiro e bala”³ No filme Baile Perfumado, o cangaceiro é trabalhado em uma abordagem bastante diferente daquela de Glauber Rocha. Esse filme é catalogado como pertencente ao período da Retomada, movimento da década de 1990 que retoma a produção cinematográfica brasileira após um momento de hiato gerado principalmente por questões políticas nacionais. Há uma revisita ao tema nordeste e sua realidade mas desta vez, com outro objetivo:

os filmes da “retomada”, mesmo quando têm como cenário de seus roteiros ambientes socialmente degradados, especialmente o sertão ou a favela, desenvolvem uma narrativa melodramática. O enfoque recai sobre dramas individuais, os aspectos sociais mais amplos são obliterados ou colocados em plano secundário. Em outras palavras, as mazelas e contradições da sociedade brasileira servem apenas de moldura, não são discutidas (LEITE, 2005). Baile Perfumado mostra a história real do libanês Benjamin Abraão, um mascate que atuava no sertão nordestino e é responsável pelas únicas imagens de Lampião vivo, tanto por fotografia como por fita de vídeo. Portanto, por ser a imagem principal do filme, Lampião e seu bando são retratados sob a ótica do mascate, que busca registros do cotidiano do bando, de festas e outras atividades do cangaço, aproveitando a vontade de Lampião de exibir seus feitos e perpetuar seu nome e suas ações, chegando a encenar um combate falso com a polícia para que Abraão gravasse à fita e mostrasse a grandiosidade que Lampião gostava de esbanjar. O filme pernambucano mostra, então, o cangaceiro como o rei do sertão, que nesse contexto é próspero, fértil e feliz, cercado por uma vegetação luxuriante (ORICCHIO, 2003), e tem como objetivo representar o Rei do Cangaço em seu esplendor e glória, imbuído de todo poder e vaidade que lhe dão tanta fama e lhe permitem assumir o controle da situação sertaneja do Nordeste da década de 1930. Lampião é retratado com tamanha imponência que o filme se inicia com o cangaceiro e Maria Bonita trajados com as mais finas roupas sociais para o período – terno de linho branco e chapéu, vestido elegante e penteado moderno – exercendo sua liberdade de visitar o cinema num território onde é protegido. O cotidiano sob o cangaço também é consagrado, mostrando um lampião atrevido, ágil e inteligente, portando o mais adornado e chamativo figurino de combate. 3. CHICO SCIENCE & NAÇÃO ZUMBI. Sangue de Bairro. In: Afrociberdelia. Faixa 15.


ARTIGO | TAINAN FERNANDES

“O sertão vai virar mar” ⁴ Ao analisarmos as especificidades da imagem do cangaceiro apresentado pelos dois filmes trabalhados aqui, podemos perceber o figurino como símbolo elementar e significante para o cinema. O paupérrimo traje de Corisco entrega seu estado de decadência e miséria, alegórico que é do sertanejo oprimido denunciado pelo cinema engajado de Glauber Rocha, enquanto a ostentação que se vê no figurino de Lampião, que dança, bebe e ri, reforça a exaltação ao nordestino aventureiro, que “é antes de tudo um forte”, e ao cenário do Nordeste rico culturalmente que é demonstrado em Baile Perfumado. Ao trabalhar essa mesma persona, o cangaceiro, que supostamente deveria apresentar figurinos idênticos mas acaba se expressando com especificidades até contrastantes entre si, percebemos como o trabalho do figurinista vai além do cobrir o corpo do ator e do adequar o vestuário à plataforma escolhida para concretização da história a ser contada (cinema, teatro, dança...). O figurinista deve fazer um imersão na construção do personagem, entendê-lo a fundo, e compreender seu papel dentro do contexto criado. O figurino é antes de tudo simbologia. É ele que demarca o indivíduo, que funciona como vitrine que, no lugar de esconder o corpo, escancara o interior do personagem, expõe seu estilo de vida e seu lugar no universo dramático. E é isso que se percebe ao se comparar Deus e o Diabo na Terra do Sol e Baile Perfumado: é o visual dos personagens e seu detalhamento que atua como signo do que é proposto apresentar. É o figurino que coloca Corisco numa realidade dura, miserável, e também é aquele que enaltece Lampião como o atrevido rei do sertão.

4. SEBASTIÃO. Deus e o Diabo na Terra do Sol. Referências Bibliográficas BAILE Perfumado. Direção: Paulo Caldas e Lírio Ferreira. Pernambuco: RioFilmes, 1996. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=3Hw0SjxHUso>. Acesso em 6 mai. 2014. CHICO SCIENCE & NAÇÃO ZUMBI. Afrociberdelia. [S.I.]: Chaos, 1996. 1 CD. _______________________. Da Lama ao Caos. [S.I.]: Chaos, 1994. 1 CD. DEUS e o Diabo na Terra do Sol. Direção: Glauber Rocha. São Paulo: Copacabana Filmes, 1964. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=mS81fFWbJCY>. Acesso em 4 mai. 2014. DÍDIMO, Marcelo. O cangaço no cinema brasileiro. São Paulo: Annablume, 2010. DÓRIA, Carlos Alberto. O Cangaço. São Paulo: Brasiliense, 1981. EDITORA ESCRITURA. Jô Soares entrevista Frederico Pernambucano de Mello. 2012. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=8eZoRfK-Los>. Acesso em: 07 maio 2014. HERCOG, Alex. 35 - Baile Perfumado (Baile Perfumado) - Brasil (1997). 366 Filmes de A a Z, 12 abr. 2012. Disponível em: <http://366filmesdeaz.blogspot.com.br/2012/04/35-baile-perfumado-baile-perfumado.html>. Acesso em: 13 mai. 2014. LEITE, Sidney Ferreira. Cinema Brasileiro: das origens à retomada. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. MONTEIRO, Kiko. Cangaço ditou moda. Lampião Aceso,12 nov. 2008. Disponível em: <http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2008/11/cangao-ditou-moda.html>. Acesso: 07 maio 2014. OLIVEIRA, Ana. Cinema Novo. Tropicália, 2007. Disponível em: < http://tropicalia.com.br/leituras-complementares/uma-estetica-da-fome>. Acesso em: 06 maio 2014. ORICCHIO, Luiz Zanin. Cinema de novo: um balanço crítico da Retomada. São Paulo: Estação da Liberdade, 2003. [S.I.]. Pôster Deus e o Diabo na Terra do Sol. Quero Poster, [S.I.]. Disponível em: <http://www.queroposters.com.br/cinema/fotografias-cinema/crime/poster-deus-e-o-diabo-na-terra-do-sol.html>. Acesso em: 13 mai. 2014.


BRUNO DOURADO | ILUSTRAÇÃO

Tipos Cearenses tradição e inconsciente coletivo. O imaginário popular atribui um figurino aos tipos comuns cearenses, e, através da concepção de um arquétipo, constrói-se uma memória coletiva sobre a apresentação visual dessas personas populares. A indumentária tradicional é simbólica do papel social desses tipos na história cearense e representa a natureza de seus cotidianos e de suas atividades de sustento. O artista ‘ gráfico Bruno Dourado, nos apresenta uma obra um tanto surreal sobre esses personagens que preenchem a realidade cearense em um trabalho especial para a revista Trama.


ILUSTRAÇÃO | BRUNO DOURADO

Jangadeiro e Rendeira


BRUNO DOURADO | ILUSTRAÇÃO

Romeiros


ILUSTRAÇÃO | BRUNO DOURADO

Cangaceiros


BRUNO DOURADO | ILUSTRAÇÃO

Beatas


ILUSTRAÇÃO | BRUNO DOURADO

Vaqueiro


LANA BENIGNO | ENTREVISTA |

Lana Benigno ‘ Formada em Estilismo e Moda pela Universidade Federal do Ceará, Lana Benigno é uma atuante figurinista de nosso estado. Participou de renomadas produções locais e nacionais, e nos apresenta aqui seu posicionamento quanto à profissão e sua experiência criativa no ramo.


ENTREVISTA | LANA BENIGNO Fonte: Acervo Pessoal Lana Benigno

Como começou sua carreira como figurinista? LB Eu entrei no curso de Estilismo e Moda (UFC) na terceira turma, um período em que os cursos de Figurino de cena eram raros, então a melhor maneira de se aprender sobre Figurino era fazendo Figurino. O curso de extensão de Arte Dramática da UFC sempre finalizava o período com uma peça e propus fazer o figurino como estudante da UFC e aluna de Moda. A partir daí comecei a fazer figurinos para teatro, adereços, perucas. Foi depois de uma peça, O Braseiro, que consegui uma indicação para fazer estágio no Figurino em um Longa Metragem a ser realizado na cidade, As tentações do Irmão Sebastião (de José Araújo, feito entre 2000-2006). De estagiária de Figurino à assistente de Figurino, assistente de Cenografia, Assistente de Direção de Arte, Figurinista, Cenógrafa, Diretora de Arte, todas as funções do Departamento de Arte me interessavam e quanto mais diferentes as Locações (Amazônia, Minas Gerais, Sergipe, Rio de Janeiro, Santa Catarina,...), mais preciosas e producentes eram os trabalhos . Qual trabalho como figurinista mais marcou sua carreira? LB O Figurino do Longa Metragem O Homem de Lagoa Santa, de Renato Menezes, e Siri Ará, de Rosemberg Cariri.

Sobre esse trabalho conte um pouco do enredo? LB O Homem de Lagoa Santa fala sobre o cientista dinamarquês do séc. XIX em Minas Gerais e se caracteriza, principalmente, pelas diferenças culturais dos personagens, sendo importante evidenciar suas origens. O Homem de Lagoa Santa

Fonte: Acervo Pessoal Lana Benigno

O Homem de Lagoa Santa

Já Siri Ará tem uma linguagem alegórica e conta a saga da colonização da ultima capitania basileira, onde Portugueses (reisado) e Índios (Irmãos Aninceto) cruzam o sertão revivendo o passado. Assim, os personagens ou grupos de personagens têm um desenho bem diferenciado, como a índia Cajuí, que vem a parir o primeiro cearense e Isis, a burrinha do reisado que sai desse cortejo para seguir solitária pelo sertão em busca do seu amado (o padre) que foi seqüestrado pelos índios e está sendo progressivamente devorado (antropofagia). Still Siri Ará. Fonte: Acervo Pessoal Lana Benigno


LANA BENIGNO | ENTREVISTA | Croqui. Fonte: acervo pessoal Lara Benigno.

No Siri-Ará, um grupo de personagens, nominados de seres extraordinários pediam um desenho de Figurino além do humano, então o Mark Greiner colaborou vestindo, lindamente, este grupo de personagens.

Fonte: Acervo Pessoal Lana Benigno

Como foi o processo de criação da identidade visual dos personagens? LB A adaptação do guarda-roupa para a cena requer flexibilidade, um bom acervo de ideias, levantadas no Projeto, e um conhecimento técnico e cultural do profissional de Figurino ao desmanchar Idéia individual em função de uma criação coletiva, adaptando e recriando os princípios, garantindo a intenção. Todos os aspectos dependem de uma linguagem a ser definida, geralmente, pelo Diretor, cabendo ao Figurino se expressar como parte da materialidade da cena, apresentando uma aparência não meramente ilustrativa, mas como elemento revelador desta. Referências. Fonte: Acervo pessoal Lara Benigo

Quais são os quesitos necessários para ser um bom figurinista? LB Selecionador, administrador, pesquisador, configurador e observador/colecionador da humanidade são quesitos necessários para um profissional de Figurino.


Imagem disponĂ­vel em: http://www.pinterest.com/pin/431149364298008332/




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.