EXPEDIENTE Publicação: Blak Editora Editor: Talisson Morais Editor de desenvolvimento: Anderson Morais Editoração: Talisson Morais Fotografia: Talisson Morais, arquivo pessoais dos artistas Tratamento e manipulação de imagens: Talisson Morais Revisão: Laís Araújo Agradecimentos: Antônio Sérgio Morais, Tereza Cristina Maranhão Morais, Laís Araújo Morais, Anderson Maranhão Morais, Maria Raquel, Pedro Simões, Carolina Jaued, Xerel Alcantara, Desali, Ed-Mun, Mariana Fonseca Freitas, Graziele. Os textos O movimento Hip Hop, Dois casos brasileiros: São Paulo e Belo Horizonte e o glossário, são trechos retirados do livro Guia ilustrado de Graffiti e Quadrinhos. A introdução é uma citação à monografia Intervenção urbana: subversão no espaço público, de Mariana Fonseca Freitas.
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A presente publicação é voltada para a análise e promoção de autores e obras. O editor coloca-se à disposição para qualquer questão relativa a textos e imagens com os detentores dos direitos que não tenha sido possível contactar. Caixa Postal: 123 CEP: 30421-232 Belo Horizonte (MG) Brasil. smashingde@gmail.com Impresso em Belo Horizonte, na Aster Grafi, em 2010. Tiragem: 1.000
Omovimento Hip Hop
Dois casos brasileiros
Pichação e graffiti
Glossário
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INTRODUÇÃO
As inscrições urbanas são expressões legítimas do modo de vida contemporâneo. Elas englobam o graffiti, a pichação e as outras formas de livre expressão elementos presentes nas metrópoles contemporâneas.
por meio de ferramentas como o spray, rolinho e tinta látex. Os suportes são os mais diversificados oferecidos pela cidade, como muros, portões, viadutos, caçambas, passarelas, trens, etc.
O graffiti e a pichação são considerados, no Brasil, atividades ilícitas e a lei não faz distinção entre as duas práticas. As origens dessas práticas podem ser atribuídas à década de 60, quando imigrantes espalhavam pelas ruas e trens de Nova York seus apelidos como forma de produção de identidade, uma tentativa de superar a sensação de despertencimento ao meio em que se vive.
Nos anos 70, o termo graffiti passou a ser usado para se referir às pinturas, com conotações artísticas, preocupações estéticas e feitas com tinta spray3 e látex. O graffiti surge a partir da necessidade de criação no espaço urbano, assumindo a rua como espaço vital para a liberdade de expressão, questionando o acesso à cultura e o mercado de arte. Ele de algum modo subvertia, criava a sensação de violação e anarquia. O espaço urbano - espaço social e político - se transformava em um espaço de expressão artística que contestava as formas existentes. O graffiti seria, portanto uma nova forma de subverter o espaço público com todas as suas normas relativas à vida social, à arte e à vida política.
O termo pichação se referia a inscrições feitas com piche. Hoje se refere a pseudônimos e siglas – como forma de demarcação ostensiva de território bem como manifestações de protestos (palavras de ordem, frases de cunho político, poesias e reivindicações diversas) realizados com uma caligrafia própria
O movimento Hip Hop
No final dos anos 60, a juventude negra e hispânica das periferias de Nova Iorque sofria com o agravamento de sua condição: aumento das tensões raciais, do desemprego e da criminalidade. A guerra do Vietnã agravava ainda mais a crise: os soldados, em sua maioria negros, voltavam do conflito mutilados e viciados em drogas. Cansados da violência e do descaso das autoridades frente as suas questão e em meio aos ideais pacifistas promovidos pelo movimento hippie e por personalidades como Martin Luther King, surgem entre os negros grupos de resistência pacífica. Em meados da década de 60, o Black Power (Poder Negro) consolida o ativismo radical de alguns grupos conduzindo-os a uma nova consciência étnica, à conquista de direitos civis, políticos e econômicos. Do Black Power emergem os Black Panthers (Panteras Negras), grupo político que visava proteger e ajudar a comunidade negra norte-americana. Patrulhavam as ruas vestindo jaquetas de couro, boinas pretas e armados sob o amparo da lei que permitia o porte de arma de fogo a todo cidadão cuja integridade física fosse ameaçada. Defendendo uma comunidade discriminada e marginalizada nos guetos,
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reivindicavam a liberdade, a justiça, o direito ao emprego, à moradia, à terra e à educação. Neste contexto surge o hip hop, movimento composto de música (tocada pelo disk jokey), dança (break), poesia ritmada (rap) e artes visuais (graffiti). A experiência política do Black Power repercute no movimento com a reivindicação dos direitos de uma classe social cada vez mais arrochada pelo desemprego e precariedade do sistema educacional. Era a situação de uma juventude excluída, principalmente dos bairros negros e hispânicos. Na organização de festas de rua conhecidas como “bailes black”, o hip hop usava a criatividade, como a manipulação de um toca discos como instrumento, improvisando novas músicas sobre as bases já gravadas. Gestos fragmentados, ansiosos e acrobáticos, som frenético, martelador e sincopado, movimentos largos, rápidos e espontâneos dos sprays, fundiam novas tecnologias. O resultado é uma síntese de artes: poesia, música, dança, cenografia... Um grande happening metropolitano, reunindo inventividade, inovação e contestação, rea-
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firmando a capacidade dos jovens de perceberem, combinarem e representarem diferentes elementos do domínio da arte. A partir da Zulu Nation, organização não-governamental criada em 1973, pelo DK Afrika Bambaata, o hip hop se organiza e é reconhecido como cultura. Bambaata fundou a Zulu Nation para que não houvesse mais brigas e mortes entre os “irmãos de rua”. A proposta era substituir os conflitos entre as gangues que se confrontavam nos subúrbios por competições musicais de dança e de grafite. No Bronx estes encontros eram promovidos ao som dos sound-systems, aparelhos que contavam com dois toca discos, dois amplificadores e um microfone. O jamaicano Kool Herc introduziu as colagens de bases rítmicas, aproveitando os breaks das músicas e as primeiras narrativas feitas sobre estas bases. A partir de então, a atenção das festas se concentrou nas figuras do DK (discotecário) e do MC (mestre de cerimônia), dando origem ao rythm and poetry (ritmo e poesia), o RAP, com seu discurso de denúncia das questões de injustiça nos guetos. O RAP promove um discurso verbal, às vezes improvisado por um conjunto de rappers, centrado na fala proferida ao ritmo da músi-
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ca. Eventualmente emprega as bases tradicionais de cinco notas da percussão africana. A primeira música de que se tem notícia que misturava o vocal com a batida foi The lover In You, do grupo Sugarhill Gang, embora ainda não trouxesse o conteúdo de contestação característico do gênero. O primeiro rapper a tornar-se conhecido foi Grand Master Flash. Ele lançou um single chamado The Message, uma música que só tinha uma batida ritmada e um texto que falava sobre a miséria da vida e sobre o que a América fazia com seus filhos negros. O break-dance, estilo de dança performática que acompanhava as festas, nasce e cresce nos guetos seguindo o ritmo fragmentado da música. Inspirado nas performances de James Brown, o break sofreu variações sob a influência das lutas marciais difundidas pelo cinema e das diversas origens dos imigrantes que compunham a população do Bronx. Algumas coreografias remetiam ao movimento das hélices dos helicópteros da Guerra do Vietnã. Os dançarinos de break são chamados break boy e break girl, ou simplesmente b.boy e b.girl.
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Dois casos brasileiros: São Paulo e Belo Horizonte
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o Brasil ocorreram, na década de 60, movimentos sociais organizados por estudantes universitários que reivindicavam melhorias no sistema educacional. A partir de 1964, a ditadura militar impôs restrições às manifestações estudantis e de outros segmentos da sociedade. As lutas se intensificaram, fazendo crescer os conflitos nas ruas sob o poder do porrete, da prisão e da tortura. Os estudantes representavam a insatisfação de amplos setores sociais e, juntamente com os artistas, desempenharam importante papel neste contexto, utilizando-se da música, teatro, poesia e artes plásticas como formas de protesto. Pichações apareciam da noite para o dia nos muros, fachadas e prédios públicos durante passeatas e ocupações. As mensagens eram frases diretas contra a censura, a tortura, o imperialismo norte-americano e aclamavam a insurreição e a luta armada. No final dos anos 70, com o enfraquecimento da ditadura, o processo de abertura política no Brasil propiciou o retorno de atividades artísticas e manifestações culturais. Foi neste contexto que
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as pichações, desaparecidas com a repressão, reapareceram menos densas e mais poéticas. Frases enigmáticas e irônicas surgiram nas ruas, criando um jogo lúdico e imaginativo com a cidade: “Cão fila”, “Rendam-se terráqueos”, “Maria Clara, quero a gema”. Em São Paulo, formam-se grupos de artistas e estudantes que exploram o potencial conceitual do graffite como forma de intervenção urbana. Sob a influência da Pop-Art norte-americana, aparecem no cenário urbano paulista as imagens de artistas como Carlos Matuck, Waldemar Zaidler e Alex Vallauri, que em seus trabalhos se apropriam de personagens das histórias em quadrinhos e outros símbolos da cultura de massa. Retiravam as imagens do seu contexto original imprimindo-as em lugares públicos, emitindo mensagens integradas ao ambiente urbano. Vallauri em particular recupera uma técnica antiga, a stencil art (ou molde vazado, impressão realizada a partir de uma máscara recortada), empregada nos anos 30 pelos artistas da École de Paris. Sua produção chama a atenção da mídia e, em 1981, Vallauri participa
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da Bienal Internacional de São Paulo. Em 1985, volta à Bienal com a célebre “Festa na Casa da Rainha do Frango Assado”. O TupinãoDá, outro grupo atuante em São Paulo nos anos 80, formado por estudantes do meio universitário, promove, em 1987, diversas intervenções urbanas de grande porte que se tornaram emblemáticas, como a grafitagem do túnel da Rebouças. Integrado, dentre outros, por Jaime Prades, Milton Sogabe, José Carratu e, mais adiante, Carlos Delfino e Rui Amaral, o TupinãoDá realizou obras politizadas e conceituais – a utilização de giz sobre fundo preto, com a qual se explora a efemeridade do meio, é uma delas. Em 1987, o grupo chega a ocupar o pavilhão anexo na Bienal. As cabeças “africanas”, de John Howard, e os murais de Celso Gitahy, autor do livro O que é graffiti, são outros exemplos de graffites realizados por autores ligados às artes plásticas. Nos anos 80, começam a aparecer também manifestações culturais ligadas ao movimento hip hop. Nos grandes centros do país,
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alguns jovens passam a se encontrar para dançar e trocar idéias sobre as referências da moda vinda de Nova Iorque. Alguns pontos, como a estação São Bento, em São Paulo, e o Sunday’s, em Guarulhos, tornam-se lugares conhecidos de encontro de b.boys, rappers e grafiteiros. Entre os autores fortemente influenciados pela estética hip hop estão Rooney, Def Kid, Zecão, Guerra de Cores, Kaze e, principalmente, Os Gêmeos, que com seu estilo inconfundível ganharam projeção internacional e continuam ativos, ainda hoje, ao lado de outros como Speto e Binho. Em Belo Horizonte, que, assim como Brasília já era então um dos centos do hip hop mais ativos do Brasil, o desenvolvimento do graffiti acompanha as rodas de break e a difusão do movimento. A praça da Savassi, passa a ser um dos primeiros pontos de reunião onde, ao som de MC Pelé e do DJ Alberto, os jovens ensaiam em rodas de break os passos e o visual aprendido através dos primeiros videoclipes. O filme Beat Street, dirigido por Stan Lathan, em 1981, tornou-se referência. Apresentando o dia-a-dia de um grupo de jovens do
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gueto de Nova Iorque ligados ao hip hop, e estrelado por personagens como Afrika Bambaata, Beat Street aborda o graffite através do conflito entre um grafiteiro, que acredita em suas intervenções sobre os trens como uma forma de arte, e um pichador, que atropela metodicamente tudo o que o outro faz. Assim como no filme, cada grupo de break em Belo Horizonte passou a ter um desenhista talentoso para estampar seus próprios trajes. Para alguns autores esta atividade chegou a se tornar até lucrativa. Calças folgadas, toucas e roupas pintadas substituíram então as malhas listradas “tipo Adidas” e o cabelo black-power. Em algumas danceterias, os DJ’s trocaram o pacato som “charme” pela batida mais pesada do base e do daff abrindo espaço para os “rachas” de grupos como Break Crazy, do Padre Eustáquio, e Bestie Boy’s, da Cidade Industrial. Dentre os principais pontos de encontro à noite e no fim de semana estão a quadra poliesportiva do Vilarinho, o Máscara Negra e, mais adiante, o terminal turístico JK.
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Até o começo do movimento hip hop, as inscrições na cidade tinham sido predominantemente de caráter político. O cartunista Lacarmélio é apontado como um dos primeiros a realizar mensagens autopromocionais, espalhando pela cidade “Leia Celton”, ou simplesmente “Celton”, para divulgar as histórias do personagem homônimo, cujas revistas o autor vende ainda hoje, pessoalmente, nas esquinas de Belo Horizonte. Pioneiro do graffiti na cidade, o b.boy Dentinho, da Break Krazy, conta que se primeiro trabalho fora dos tradicionais pontos de encontro da galera no bairro foi no bowl do Anchieta. Por volta de 1987, os graffites de Dentinho, Ângelo, Beto, Prexeca, Silvinho, Sol, Ba, Nego, Vaguinho, GMC e Harllen, dentre outros, se alastram pelos muros dos bairros Carlos Prates, Caiçara, Cabana, Venda Nova e Planalto, nas regiões Noroeste, Norte e Oeste. Ângelo e Dentinho contam que, quando ainda não existiam graffites no Centro, saíram carregando dois painéis de madeirite grafitados da rua Padre Eus-
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táquio até a avenida Afonso Pena. Ali amarraram os painéis na grade do Parque Municipal. De maneira geral, os throw-up desta época eram constituídos por palavras aleatórias, tiradas de algum rap ou deixadas por autores inspirados que assinavam com spray, material então difícil de se conseguir e, teoricamente, fora do alcance dos adolescentes. O estilo e as referências pessoais de cada um complementavam o escasso material que aqui chegava através de capas de discos e filmes. Uma fonte importante de informação eram os relatos dos brasileiros que voltavam de Nova Iorque, como o grafiteiro Erick, de Governador Valadares. O intercâmbio com São Paulo, onde circulavam mais notícias e já atuavam figuras como DJ Thaíde, então b.boy da Back Spin Crew, também contribuiu para o desenvolvimento do movimento em Belo Horizonte. Nos anos 90, os graffites passam a ser realizados em pontos significativos do centro da cidade. Em 1991, GMC realiza um graffite na escadaria da SULACAP como homenagem ao MC Natal (Natalí-
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cio), falecido naquele ano. Em 1994, o mesmo GMC grafita o salão Preto e Branco, na galeria da Praça 7. Os proprietários desse salão promovem, dois anos depois, o evento Grafitando BH, com um debate e uma intervenção na Praça da Estação, nas paredes do Projeto Miguilim. Convidados como OsGêmeos, de São Paulo, e os principais grupos da cidade participam da iniciativa. Dentre eles: Harllen, Bin, Crazy Boys, Posse Sta. Luzia, além de veteranos como GMC, Dentinho, Ginho e Vaguinho, integrantes da crew Arte e Graffiti. Do evento participa também a Flit, grupo mais ligado ao ambiente universitário e às experiências paulistas com molde vazado. A busca pelo diálogo com diferentes suportes levará os integrantes da Flit à publicação da revista Graffiti 76% quadrinhos. A partir da segunda metade dos anos 90, a popularização do fenômeno grafite-pichação atinge a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) que, num primeiro momento, tenta inibir a prática reprimindo os infratores, em sua maioria menores de idade. A Lei n. 6.995, de novembro de 1995 proíbe a pichação, considerada como “o ato de inserir de-
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senhos obscenos ou escritas ininteligíveis nos bens móveis ou imóveis (...) sem autorização do proprietário, com o objetivo de sujar, destruir ou ofender a moral e os bons costumes”. Apesar de prever detenção e multa, a nova lei não conseguiu inibir o problema. “A pichação é uma escrita aparentemente sem memória e conteúdo. Temos que aprender a ler esta escrita. Estes jovens estão querendo dizer alguma coisa”. Em 1999, a partir desta interrogação do doutor Célio de Castro, então Prefeito de Belo Horizonte, a PBH busca um diálogo com grafiteiros e pichadores, criando o Projeto Guernica. Pela “via do conhecimento, da arte e da escuta.” o Guernica realiza oficinas em diferentes áreas da cidade e promove uma reflexão acerca do patrimônio e do visual urbano. O sucesso da exposição American Graffiti, realizada em 1998 no Palácio das Artes, fomenta a realização, ainda no ano seguinte, de um concurso que premia e expõe no mesmo espaço os trabalhos dos numerosos autores locais. No mesmo ano, cerca de 140 jovens se encontram no Instituto de Educação para fundar a AMG2, “Associação Mineira de Grafiteiros”.
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Pichação e graffiti
À
diferença de outros países, no Brasil são empregadas correntemente duas palavras para indicar as modernas inscrições nas paredes. Distinta de graffiti, termo com o qual se reconhece a estas manifestações uma intenção estética e de diálogo com suporte e transeuntes, pichação tem uma conotação pejorativa e remete às inscrições realizadas com piche. No senso comum, este ato está ligado a um processo anárquico, onde o que importa é transgredir, provocar e agredir o patrimônio alheio chamando a atenção sobre si. Ao mesmo tempo, as inscrições apontam para os limites e contrastes da sociedade moderna e do modelo econômico adotado por ela: os ícones promovidos pela mídia comercial convidam para um mundo fictício, um éden inatingível, criando deliberadamente para promover a marca e o nome de “alguém”. Justamente à perversidade deste modelo deve ser imputada a responsabilidade das inscrições terem adquirido, na modernidade, o caráter de um fenômeno de massa, quase de uma moda. Às declarações e manifestações de protesto que acompanham os muros desde a invenção da escrita se sobrepõem, hoje, apelidos realiza-
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"os piores de belo"
dos com uma caligrafia inusitada, por meio de spray, rolinho e tinta. Ao lado dos tag aparecem mensagens esporádicas como: “fui eu”, “somos sinistros”, “só de fuga”, e outras frases do tipo “tá pra surgir uma galera q pega mais broto”, “as outras tiram onda, a AR tira a praia inteira”, ou ainda “somos a triste opacidade dos nossos espectros futuros”. Provocatória, a produção de pichações coloca seus autores à margem da legalidade. A adrenalina é o principal “barato” do pichador e afeta o jovem justamente na idade em que aprendemos a conhecer os limites. Se aflora na adolescência, a prática do rabisco começa evidentemente antes, na escola. Aprendemos a escrever por imitação, copiando as letras do professor traçadas com giz no quadro negro. Na carteira, no banheiro e no canto dos livros didáticos, a ação lúdica do rabisco cresce nas entrelinhas do programa didático, nos momento de distração. Uma vez alcançada a rua, as inscrições se tornam um ato de “apropriação visual”: ao marcar seus itinerários pela cidade o pichador passa a interagir com o universo simbólico urbano.
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Sozinhos ou em grupo, os jovens pichadores atuam geralmente durante a noite, seguindo regras e critérios próprios. Na disputa pelo “ibope”, que garante a notoriedade do pichador, o que vale é a ousadia, a localização e a quantidade de escritas. Pichar em locais de grande circulação, de difícil acesso ou próximos a um posto de polícia, por exemplo, contribui para consagrar o autor. A realização de alguns “ataques” comporta estudo do local, planejamento da incursão, escolha do material, além de habilidade e coragem. Estas características determinam o sucesso do pichador em seu meio: o mais ousado passa a ser reconhecido e respeitado. Nas festas vira fatalmente alvo do interesse das mulheres. O grau de notoriedade do pichador influencia sua posição no ranking das galeras. Essa hierarquia muitas vezes é explícita na pichação com a colocação de números (01, 02 etc.). Organizados inclusive com carteirinhas, os principais pichadores de diferentes galeras chegam a se juntar em ulteriores grupos, como os Pichado-
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res de Elite (PE), de Belo Horizonte, que nos anos 90 se encontravam no Central Shopping. Entre os pichadores mais ativos nesta época em BH estão Gambôa, Jiraia e Cossi do CK (Comando Killer), que ligaram seu nome ao fenômeno da “blindagem”: no bairro ou nas avenidas, a supremacia de uma galera passou a ser declarada com a demarcação ostensiva do território, “atravessando” (riscando por cima) as marcas dos outros grupos. Na capital mineira, como em muitas outras cidades, a pichação acabou se tornando prática comum entre as torcidas organizadas dos grandes times de futebol. Nos anos 80, após a Máfia Azul pichar a sede do Atlético em Lourdes, o fenômeno generalizou-se. De fato, é nos grandes templos do futebol que a pichação adquire para o jovem o caráter dos grandes conflitos, e passa a integrar a coreografia mítica do ritual esportivo.
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Para além da agressão e dos eventuais danos ao patrimônio provocados pelas inscrições, o que mais intriga o pesquisador desta “guerrilha visual” é o fato de os pichadores terem criado uma linguagem necessariamente criptográfica, empregando pseudônimos, grafias e códigos aparentemente enigmáticos, incompreensíveis para o cidadão comum. Se perante a sociedade estas escritas permanecem anônimas, entre os jovens elas acabam por tornar-se uma segunda identidade. Como nas inscrições realizadas nos antigos rituais totêmicos, as pichações aludem justamente às relações que existem entre o pichador e o conjunto dos grupos que compartilham esta prática. Ao lado da tag, o pichador costuma colocar a sigla do grupo ao qual pertence (em alguns casos mais de um), sua posição no ranking da galera (01, 02 etc.) e, eventualmente, o nome do bairro ou da região onde mora. Outros dados, como a filiação a uma torcida organizada, completam a composição. O tempo de atuação do grupo, por exemplo “APB 7 anos”, também aparece
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de vez em quando. O nome de uma galera, aliás, pode ser perpetuado por mais de uma “geração” de pichadors. A propriedade mágica atribuída às inscrições ainda no paleolítico é sentida ainda hoje pelos pichadores que chamam suas marcas de “presa”, gíria que indica justamente a assinatura nos muros, capaz de evocar a “presença” de seu autor. Nesse sentido, a iniciação a esta prática pode representar a superação de um desafio pelo qual o adolescente é reconhecido perante o seu e os outros grupos. A escola, instituição que sempre relegou o desenho às margens dos programas educacionais e que hoje se queixa do escasso interesse dos alunos para a escrita e a leitura, pode reavaliar o potencial implícito nesta manifestação. Considerando que o interesse pelas inscrições, bem como pelo desenho, geralmente diminui com o fim da puberdade, a sociedade não deveria tratar a pichação simplesmente como um crime comum. A realização de desenhos e inscrições pode desempenhar um papel importante na formação da identidade do jovem, principalmente no que diz respeito à sua auto-estima e relação com o grupo.
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Glossário
O grafite hip hop mantém um vocabulário próprio, com termos específicos que são compartilhados por grafiteiros de diversos países do mundo, envolvendo atitudes, moda e estilos. Tag: assinatura do nome ou apelido do grafiteiro. “Presa”, presença. Bomb (bombardeio): produção intensa e maciça de escritos.
sional para dar volume a desenhos e letras. Free style (estilo livre): trabalho livre, improvisado. Throw-up (vômito) ou “grapicho”: estilo de rápida execução, conhecido por usar poucas cores contrastantes, geralmente duas.
Bullet (boleta): letras arredondadas e “infladas”.
Cap: o bico de lata. Existem vários tipos, podem soltar um jato fino (skin cap, ou skinny) ou largo (fat cap ou hardcore).
3D: o grafite tridimensional é, talvez, o estilo mais cobiçado entre os grafiteiros da new school. Explora o efeito tridimen-
Fanzine (abreviação de fanatic for magazine: fanático por revistas): revista produzida de forma independente, geralmente foto-
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copiada, que funciona como veículo de comunicação entre os grafiteiros. Flick: uma foto de grafite. Outline e powerline: linha de contorno que pode remeter a certos efeitos próprios da linguagem dos quadrinhos. Piece: grafite realizado com primor ou que ocupa uma área delimitada. Piece Book: livro com desenhos, tags e rascunhos do grafiteiro. Toy (brinquedo): expressão utilizada para indicar um principiante ou alguém que gra-
fita apenas por moda. Whole car: grafite que ocupa a fachada inteira do vagão. Pode ser de cima abaixo (top to top) e de fora a fora (end to end). Wild style (estilo selvagem), ou tribal: estilo complexo, agressivo, composto por letras entrelaçadas entre si através de setas e traços retorcidos. Característico da old scholl, o wil style é considerado um dos estilos mais difíceis de se fazer. Hip e hop são gírias norte-americanas: hip é a abreviação de uma outra gíria, hipster (pessoa atualizada com modismos, manias) e hop significa: baile, viagem, ir-se.
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Maria Raquel
Nome: Maria Raquel
bateu. Mas a diversão de pintar está nessas coisas, toda vez que saio para pintar volto cheia de história pra contar.
Idade: 25 Anos
O que acha do graffiti em Belo Horizonte? Eu adoro BH e adoro pintar aqui. Acho que aqui não tem muita gente pintando (se compararmos com SP), mas, tem muita gente boa. Acho que em BH o graffiti ainda é muito marginalizado e não é muito bem visto pelas pessoas em geral. Belo Horizonte é uma grande cidade pequena e a maioria das pessoas é muito retrógrada. Quem conhece um pouco de graffiti acha legal e valoriza, mas a maior parte do povo vê aquilo como vandalismo. Enquanto em São Paulo o graffiti já tem um reconhecimento mais e já se voltou para o lado cultural da coisa.
Quando começou com o graffiti? Como começou? Comecei a pintar há mais ou menos dois anos quando conheci o More, da Kamikaze Crew. Ele já pintava a algum tempo e no início eu saía pra pintar com ele só acompanhando, ajudando a passar o látex, mas não pintava nada próprio não. Desse modo, meu interesse pelo graffiti foi só crescendo até que chegou uma hora que eu decidi pintar alguma coisa que fosse criação minha. Já teve algum problema com a polícia ou com moradores locais por causa dos seus trabalhos? Eu moro atualmente em BH e em Itabira, então meus bolinhos estão espalhados nessas duas cidades. Itabira é uma cidade pequena, desse modo, a maioria das pessoas ainda tem certa dificuldade para entender o graffiti. Alguns acham que é vandalismo e, se me vêm pintando, chamam a polícia e implicam. Outros já acham que alguém me pagou para fazer aquilo, não entendem que eu posso escolher um lugar para pintar só porque eu gosto de fazer aquilo. Mas já tive alguns problemas pintando em BH. Quando você está na rua, tem de estar disposto a tudo: as pessoas que te veem pintando têm sempre alguma reação e sempre passam gritando, xingando ou elogiando. A polícia já apareceu algumas vezes, já tive que parar alguns bolinhos pela metade porque o dono do local apareceu e uma velhinha já quase me
Cidades por onde passou fazendo graffiti: Eu pinto sempre em BH e em Itabira. Mas, em Itabira é muito diferente, pois praticamente não existe nada de graffiti. As pessoas olham meus bolinhos sem achar bonito ou feio, mas querendo entender por que aquilo tá ali, por que alguém pinta alguma coisa de graça. Mas acho importante continuar colorindo a cidade, até pra tentar mudar de alguma forma a cabeça do povo de lá e pra incentivar mais gente a começar a pintar. Quais são suas influências? Uma das minhas maiores influências artísticas é o Keith Haring. Eu gosto de artistas que seguem esse estilo com cores bem fortes e desenhos e formas bem simples. Me impressiona como desenhos bobos e até mesmo infantis podem ser capazes de encantar e passar uma mensagem tão forte.
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Ed-Mun Nome: d-Mun) rnardo (E Edgar Be Idade: 28
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Belo raffiti em cha do g a e u q O com te? je não começou Horizon lhor, ho Quando bem me ? u e ento, é v ço v a e e te av e m h á d n J co Como ais nada , já dese 7 m 9 9 e c 1 anto. a te o c m n d e n aco si no seu Comecei os escolares qua r o p articim u ern tos que p na escola cada nos cad dos even amigos a ri e is d o io d a to m n conhece P. a um eve ir- po são em S levaram no no ba a que me o sm zene esse m passou fa o ajudei graffiti n or onde Daí entã p . s H e d B a a , a M id s C ro Florest mado “o i: Juiz deles cha do graffit Espírito Santo, i. it ff o grupo ra g m s miulo, e u a d r P a ta o id ã in c S p umas nos” a a de Fora, alg jo muito a não ma com via le b o ro ã p N de tenho algum s locais neiras. re o Paulo on d Já teve o ra ã o S m ra m a p co r u s? se polícia o trabalho igos. dos seus polí- muitos am por causa roblemas com a ado, ncias? ve p as influê Nunca ti fiz graffiti autoriz ose Quais são su stras, árv re a p to il m p in p , se , is a a o d ci re n s a n u e q g a s ele ente s im as. normalm policiais, quando ir A es, pesso m ped res, pared ra a p é aproxima r conversa ial. começam e trabalho comerc d to n e orçam o graffiti?
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Figo Nome: Pedro Simões Quando começou? Como começou? Comecei pixando em 96 e o interesse por graffiti surgiu em 99. Já teve algum problema com a polícia ou com moradores locais por causa dos seus trabalhos? Nesses mais de 10 anos pintando na rua, é impossível não ter problemas com a polícia. Atualmente respondo por 2 processos por crime ambiental. O que acha do graffiti em Belo Horizonte? Não é querendo ser saudosista, mas acho que o graffiti aqui em BH já foi muito mais interessante,
a pesar de hoje ter muito mais artistas com um alto nível técnico do que na época que comecei, acho que éramos muito mais unidos e verdadeiros. Cidades por onde passou fazendo seus trampos: As cidades eu não sei todas, mas além de Minas Gerais, os estados são: Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Paraná. Quais são suas influências? Me identifico mais com wildstyle americano clássico como CAN2, BATES etc...
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Krol Nome: Carolina Idade: 21 anos mo começou? Quando começou? Co trabalhava com a arte Já 8. 200 em Comecei de 2006 e já conhecia des dos stickers (adesivos) heci o graffiti. Até que con muito do mundo do os meus adear rat ret a par u mo Testa que me cha a primeira ros. Depois da minh sivos e idéias nos mu movimento o , que i mais. Até por experiência não largue se não existia, qua te on riz Ho lo Be do graffiti feminino em resentar as mulheres. querendo também rep com moradores loma com a polícia ou Já teve algum proble s trabalhos? cais por causa dos seu o o muro não sendo tive problemas, mesm Com a polícia nunca ois para tirar foto e dep gar che de , radores sim autorizado. Com mo tampar os desenhos. a par ado o, riscado, manch ver o muro todo pintad
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O que acha do graffiti em Belo Horizonte? Acho que existe muitos graffitiiros de talento, só que muita desunião e intrigas. A arte urbana em Belo Horizonte cresceu muito e toda a população pode participar e entender melhor o que é o graffiti . E é uma arte que pode ser vista sem distinções, está na rua e para todos. Cidades por onde passou fazendo seus trampo: Rio de janeiro (Barra de São João), São Paulo (São Bernardo do Campo), Itabira e Lagoa Santa Quais são suas influências? Gosto de muitos artistas como a Nina, o Toz, da flash back, a Minhau e acompanho os seus trabalhos. O que me influenciou e me influencia até hoje é o cotidiano e principalmente o mundo infantil.
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Xerelll Atuante na arte de rua. Começou a se interessar por arte urbana no ano de 1995, quando fotografava desenhos espontâneos, escritas, pichações e graffiti, apartir dai, desenvolveu um interesse maior pelas tags “assinaturas estilizadas.“ Passou então a produzir seus proprios lambes em varios formatos e disseminar pela cidade. Seu desenho um signo de um rosto retangular sem corpo e articulações e sem menssagem ou assinatura pode ser visto pelas ruas com intenção de A historia se passa no “ futuro “ ano causar provocações em torno do seu de 1984 na Inglaterra, parte integrante do significado. mega bloco da oceania, imaginando por Xerlllalcantara atua com intervenções Orwell tem este nome por ser uma conurbana usando varios objetos e materiais gregação de paises de todos os oceanos. diversos. A transformação da realidade é o Em 2005 fragmentou seu personagem e tema principal de 1984. fez uma adaptação ao mais famoso romanDisfarçado de democracia a ce de Eric Arthur Blair com seu pseudônimo oceania vive um totalitarismo de George Orwell, ( 1903-50 ).Eric arthur Blair desde que a ingsoc “ o partido “ nasceu na India e foi educado na Inglaterra. Jorchegou ao poder sob a batuta nalista, critico e romancista, autor do livro 1984. do onipresente grande irmão um dos mais influente escritores ingleses do sec. xx. ( Big Brother ).
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Desali Nome: Desali Idade: 25 anos
u? o começo eçou? Com as ruas m co o d Quan ando oleque pix Comecei m . ro ir de meu ba u a polícia o blema com ro p s m o d gu sa Já teve al is por cau dores loca com mora na rua hos? seus trabal e, problemas e tretas s papeis n om gu h al s o ar e n br si o S tive que as já s porcos, , se la es ro d re semp o por causa id et d es it e ficar no faz parte. rdados fdp, joão cu, fa te? o Horizon ite em Bel ff ra a g ad o n d a jo ve O que ach mente não alguns affite atual esmo e só m o Sobre o gr ov n o, ri ó e BH, at d st as te n ru novo e co indo pelas rg su ra a jo o ve ss e s transgre lambes qu dá-lo egada mai p an a m e m d u o p m eles te que você be pos m am la tr o s d rreio, meu vantagem co a ate vi o as d in m o to pelo mund o desde o interior de d en rr estão co na ginga. ências? suas influ o de meus Quais são uências sã fl in s ai p ndelau, ci n ada e o esta Minhas pri lundria arm cu l, re xe amigos o foda! esses cara sã
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