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ESPECIAL - 30 ANOS DO MST DE MINAS GERAIS - 2018
MST MG 30 anos, semeando e alimentando a ousadia
Entre morros e vales o trem da história segue construindo a democratização da terra e reconquistando a dignidade humana
01 de Junho de 1993 - MST ocupa latifúndio em Tumiritinga. Surge nossa regional do Vale do Rio Doce.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nasceu, como muitas ocupações de terras, ao final de uma longa noite escura. A alvorada das greves operárias, da campanha pela Anistia geral e irrestrita, o surgimento das Comunidades Eclesiais de Base e o fortalecimento da teologia da libertação, os novos movimentos sociais urbanos e
as Diretas Já, que encerravam a ditadura militar permitiram a retomada da luta pela terra e pela reforma agrária no Brasil. Eram posseiros, trabalhadores atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros, pequenos agricultores... trabalhadores rurais sem terras, sem o direito de produzir alimentos. Expulsos por um projeto autoritário para o campo, que ampliava o con-
trole da agricultura nas mãos de grandes conglomerados agroindustriais. Destas contradições e dos 500 anos de uma sociedade baseada no latifúndio, é que fundamos, em 1984, um movimento social autônomo, de luta pela terra, pela Reforma Agrária e pelas transformações sociais necessárias para o nosso país. Em 35 anos conquistamos a terra para mais de 350 mil fa-
mílias, hoje, assentadas em todo país. Nossa luta formou homens e mulheres, que reconquistaram a própria cidadania como sujeitos de suas histórias e não como subalternos. Nosso compromisso com a formação humana se expressa no orgulho que temos ao dizer que nenhuma criança passa fome nos assentamentos de reforma agrária.
Conhecer a história para pensar o futuro
MST 30 ANOS - OCUPANDO A Completar 30 anos e ser o mais antigo movimento camponês já existente na História do Brasil, organizado em 24 estados, é reafirmar o valor da solidariedade e o compromisso com uma sociedade mais justa e igualitária; é manter aceso o legado de milhares de lutadoras/es do povo; é exercer cotidianamente a capacidade de se indignar e agir para transformar; é não perder o valor do estudo e aprender sempre. E, fundamentalmente, é reafirmar nosso compromisso em organizar a classe trabalhadora contra todas as formas de injustiça. Em Minas Gerais somos filhas e filhos da luta dos posseiros por sua terra, sendo simbólico para nossa história a luta dos posseiros de Teófilo Otoni que perdurou de 1945 a 1948. A organização dos posseiros foI duramente reprimidas pelas milicias armadas e fazendeiros da região, marcando um período de
A grande região dos Vales Essas três regiões, que agregam o Leste e Nordeste Mineiro, foram o berço da criação do MST em Minas Gerais. Nesta região se deu uma das maiores resistências dos Povos Indígenas sob ataques dos brancos. Os índios Borun habitavam todo o Leste mineiro, o Norte do Espírito Santo e o Sul da Bahia. O Vale do Mucuri é ainda hoje o berço do campesinato mineiro. Desde 1988, que o MST chega na região com a ocupação da Fazenda Aruega em Novo Cruzeiro, que se tornou um símbolo de resistência à repressão militar, onde a PM criou uma ferramenta para capturar foices e batizou de “aruega”. Atualmente temos 120 famílias assentadas na região em quatro assentamentos, sendo dois em Novo cruzeiro, um em Itaipé, Maxacali e outro em Teófilo Otoni. No Assentamento Aruega funciona uma Escola Estadual de Ensino Fundamental com 200 educandos do assentamento e comunidades vizinhas. O Vale do Rio Doce é a região que mais tem assentamentos do MST, são 13 assentamentos com 543 famílias e mais de 500 famílias acampadas, organizadas
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em comunidades com escola, campo de futebol, centro de formação e lazer, igrejas, uma grande produção de alimentos, etc. Porém, também é a região mais degradada de Minas Gerais, marcada pela produção de gado de forma extensiva e atrasada. Também nasce aqui a UDR (União Democrática Ruralista) conhecida por sua repressão e perseguição aos que lutam para democratizar a terra no Brasil. Foi a região que mais sofreu com o crime de Mariana, pois atingiu o Rio Doce, hoje totalmente contaminado em seus mais de 600 KM de extensão. Dos 13 assentamentos conquistados um dos mais expressivos é o Assentamento Oziel Alves Pereira, em Governador Valadares. Conquistado em abril de 1996, a antiga Fazenda do Ministério havia sido palco de disputa e reivindicação das Ligas Camponesas na década de 1960, antes do Golpe Militar. Essa fazenda se tornou o QG dos militares e dali saiu o comando da repressão aos movimentos sociais. O Vale do Jequitinhonha (Regional Rosinha Maxacali), assim como o Mucuri, é um berço do campesinato, mas também é o berço do coronelismo, que utiliza a seca do sertão, a cerca do latifúndio, e o poder público como mecanismo de controle e dominação. Aqui,
muita violência à luta pela terra no país. E foi nessa região que o MST organizou sua primeira ocupação com mais de 400 famílias em 1988, na fazenda Aruega, dando continuidade a luta dos posseiros do Vale do Mucuri. Herdamos também o legado da luta das ligas camponesas, organização que nasceu em 1955 em terras Pernambucanas e chegaram a ser mais de 1200 espalhadas pelo Brasil a fora. Os anos 50 foram anos de revoltas camponesas, crescia a luta pela terra no Brasil, e foi em Minas Gerais, um dos focos desse conflito e território tradicionalmente oligárquico, que o golpe militar tem seu estopim, onde uma comemoração dos trabalhadores no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Governador Valadares é atacada pelos fazendeiros da região, nas terras da antiga fazenda Ministério, onde hoje é o Assentamento Oziel Alves Pereira. o MST tem 195 famílias assentadas e mais de 200 acampadas, que seguem em luta e resistência demonstrando que um outro projeto de sociedade é possível. No entanto, foi em Felisburgo que tivemos o maior Massacre dos Sem Terra em Minas Gerais. No dia da Consciência Negra, 20 de novembro de 2004, cinco sem-terra morreram e 20 ficaram
feridos após ataque de 17 pistoleiros comandados pelo fazendeiro Adriano Chafik, condenado 13 anos depois a mais de 100 anos de prisão. O que Pedro Munhoz disse em forma de poema na época do massacre se tornou realidade: TOMBARAM CINCO SEM TERRA, MAS NOS SEGUIMOS EM FRENTE.
Mulheres paralisam os trens da Vale em Jornada Nacional de Lutas, 2008
Campanha Justiça para Felisburgo, pela condenação de Adriano Chafik, 2012
JORNAL SEM TERRA • ESPECIAL 30 ANOS EM MINAS GERAIS • 2018
HISTÓRIA EM MINAS GERAIS Regional Quilombo Campo Grande (Sul de Minas) Caracterizada pela grande produção de café em forma de monocultura, produção de leite e também do grande complexo da barragem de furnas. É o símbolo do um pedaço mineiro chamado “Minas”, sendo que a outra parte chamada “gerais” está ao norte. Esta é a região dos “campos”, Campo do Meio, Belo, Altos, Florido... e já foi um dos maiores Quilombos da historia do Brasil. Nos últimos anos, o Sul de Minas tem sido o palco de uma das batalhas mais intensas: a Usina Ariadinópolis. Um latifúndio falido que serve de especulação para grupos de grileiros que ganham dinheiro por meio da empresa “Massa Falida Cápia”. Atualmente mais de 400 famílias resistem na área há quase 20 anos. Também temos 114 famílias nos Assentamentos 1° do Sul, Santo Dias e Nova Conquista que são grandes exemplos de produção agroecológica. E não podemos esquecer do Café Guaí, marca que tem atravessado fronteiras.
Regional Olga Benário (Triângulo Mineiro) E nesse trem da história ocupada pelo MST em Minas, chegamos na região marcada pela resistência das populações indígenas e negra, marcada nas cidades da região que carregam em seus nomes essa memória: Ituiutaba, Iturama, Itumbiara (divisa de Goias com Minas), Araxá, a principal cidade da região, e Uberlândia, o maior centro atacadista da América Latina. Nesse território também estão instaladas as principais empresas multinacionais do agronegócio: Bayer, Monsanto, Dupont, Cargil, Singenta. Mas é também onde está o MST com 220 famílias em nove assentamentos e vários acampamentos.
Regional Iara Iavelberg (Região Metropolitana de BH) Região da capital dos mineiros, das grandes greves operarias, também das grandes mineradoras destruidoras dos bens naturais, é onde está o centro do poder politico. As grandes mobilizações das massas populares sempre ocorrem aqui, bem como a produção e comercialização de alimentos saudáveis também adquirem um caráter estratégico para a Reforma Agrária Popular da região. Temos 147 famílias organizadas em cinco assentamentos e dois grandes acampamentos nas fazendas de Eike Batista, que reivindicamos para fins de Reforma Agrária.
Entrega da Medalha da Inconfidência ao MST, 1999
Nas primeiras ocupações em Minas Gerais a polícia criou uma arma para enfrentar os Sem Terra que foi chamada de Aruega
Regional (Norte de Minas) E chegamos no Semiárido dos coronéis e do Grande Sertão Veredas, do latifúndio atrasado, das grandes monoculturas de eucalipto e da grilagem de terras devolutas e com forte atuação das mineradoras. Mas também a terra da resistência dos geraizeiros, quilombos, vazanteiros e da forte cultura popular enraizada no campesinato e refletida nas feiras, nos batuques e congados. Aqui o MST organiza 112 famílias em quatro assentamentos e vários acampamentos por toda a região. Além da Cooperativa Veredas da Terra, que fornece produtos para todo país.
Marcha Popular pelo Brasil em BH, 1999
Regional Antônio Ventura (Zona da Mata) A região da Serra da Mantiqueira, também grande produtora de café, aves e leite, corredor ao Rio de Janeiro na época colonial. O MST organiza 173 famílias assentadas e dois acampamentos. A área mais simbólica da região foi a Fazenda Fortaleza de Santana em Goianá, ocupada pelo MST e hoje Assentamento Dênis Gonçalves. Nesta fazenda foram utilizados os três tipos de trabalho: a escravização de negros e índios, o trabalho “livre” de parceiros colonos e o trabalho de imigrantes estrangeiros. Foi a primeira fazenda a ter energia elétrica e por lá passaram autoridades simbólicas na manutenção desse sistema, como D Pedro I.
Abraço à ocupação urbana Dandara (BH) no Encontro Estadual dos Sem Terrinha, 2011
Regional Ismene Mendes (Alto Paranaíba) A região do Cerrado Mineiro tem grandes plantações de grãos do latifúndio, da produção de café e de leite. Estamos organizados com 30 famílias assentadas em Patos de Minas que se destacam pela grande produção de leite, além de organizar acampamento com 80 famílias.
JORNAL SEM TERRA • ESPECIAL 30 ANOS EM MINAS GERAIS • 2018
Marcha por Reforma Agária Popular em BH, 2014
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MST-MG 30 anos semea e alimentando a ousad
Madrugada Camponesa (Thiago de Mello)
Madrugada camponesa, faz escuro ainda no chão, mas é preciso plantar. A noite já foi mais noite a manhã já vai chegar. Não vale mais a canção feita de medo e arremedo para enganar solidão Agora vale a verdade cantada simples e sempre agora vale a alegria que se constrói dia a dia feita de canto e de pão.
Ocupação de lançamento da Jornada de 30 anos, 5 de julho de 2018
ando dia!
Reforma agrária popular construindo o caminho
Dos encontros de movimentos sociais e das lutas conjuntas, como a greve dos professores em 2011, nasceu a aliança de classe chamada “Quem Luta Educa”
No VI Congresso Nacional do MST, realizado em fevereiro de 2014, em Brasília, apontamos para a construção da Reforma Agrária Popular, que se expressa em nosso Programa Agrário. Entendemos que a Reforma Agrária só será implementada com o acúmulo de forças, resultada de uma aliança entre camponesas/es com trabalhadoras/ es urbanos. Isso só será possível
a partir da construção de uma força social, capaz de reconhecer que a humanidade precisa produzir alimentos saudáveis, respeitando os bens naturais. Esse apontamento nos leva ao debate sobre a democratização do acesso à terra, pois temos um modelo h eg e m ô n i c o d e p r o d u ç ã o e desenvolvimento para o campo, o agronegócio, que se apropria dos
territórios e das formas de vida dali.Assim como a Terra, os demais bens naturais como a água, as florestas e toda sua biodiversidade, os minérios, não podem ser tratados como mercadoria para apropriação privada. São bens comuns da humanidade e esta deve debater sobre o uso e cuidado responsável dos mesmos. Nesse sentido, a Reforma Agrária Popular aponta para
uma construção cultural da identidade social e política do povo brasileiro, com suas expressões de resistência, construindo novas relações de gênero igualitárias e de respeito as diversidade de culto e religiosidade. Em Minas Gerais, o MST tem construído diversas iniciativas que apontam para o processo da Reforma Agrária Popular.
A Reforma agrária só será implantada com o acúmulo de forças e aliança entre camponesas/es e trabalhadoras/es urbanos
Festival de Arte e Cultura da Reforma Agrária Em 2016, realizamos o Festival Nacional de Arte e Cultura da Reforma Agrária e em 2017 realizou-se o Circuito Mineiro de Arte e Cultura da Reforma Agrária, que passou por 7 regiões de I Encontro Regional Antônio Ventura - Zona da Mata, 2012 Minas e teve uma etapa estadual, em Belo Horizonte. O Festival apresenta as diversas Semeando Agroflorestas dimensões da Reforma Agrária A partir da ação de produção de nascentes e matas ciliares. O obje- Popular, que vai desde a produção mudas de espécies nativas, frutífe- tivo é a produção de água e estabe- com matriz agroecológica, a muras e medicinais tem se efetivado a lecer formas de produzir alimentos dança cultural dos hábitos alimenimplantação de agroflorestas como com diversidade. Durante três anos, tares, expressões culturais musicais sistemas produtivos que propiciam o programa irá produzir mais de e poéticas, e o cuidado na relação com a terra em uma perspectiva a recuperação de áreas degradadas, 3 milhões de mudas. emancipadora. É nesse espaço
Escola em Aruega, a primeira do MST-MG.
que buscamos apontar para uma nova sociabilidade que apresenta outras relações humanas, onde haja respeito a diversidade cultural, religiosa, étnico-racial e que traga cotidianamente os processo de resistência de um povo. Logo, o Festival se configura em uma grande mostra de uma cultura politica que queremos reafirmar na construção de um novo projeto de sociedade. Apresentando a partir disso, experiências concretas para afirmar que o novo é uma semente que germina ainda na existência da velha ordem.
Festival de Arte e Cultura da Reforma Agrária, 2017
JORNAL SEM TERRA • ESPECIAL 30 ANOS EM MINAS GERAIS • 2018
Jornada de Alfabetização “Sim eu Posso”
Em Minas Gerais somos 3 mil famílias acampadas e 1600 famílias assentadas. Estamos organizados em 58 municípios e 9 regionais. Também temos os setores de Produção, Cooperação e Meio Ambiente, Educação, Cultura, Comunicação, Formação Política, Finanças, Frente de Massas
Acontece em 8 municípios do estado. Entre educadoras/es e coordenadoras/es, são 130 militantes que formam uma brigada com a desafiadora tarefa de alfabetizar. Ao todo são 1500 educandas/os que serão beneficiadas/os com o projeto, um número ainda pequeno diante da realidade concreta do analfabetismo em Minas. No entanto, a Jornada tem proposta de ser permanente com a perspectiva de erradicar o analfabetismo em vários municípios. Entendemos que para um novo projeto de sociedade o povo precisa ter conhecimento, ler o mundo através de inúmeras linguagens, a escrita e a leitura é fundamental para libertação.
Programa de Segurança Alimentar O programa vem sendo implantado em 77 áreas de acampamentos em todo estado de Minas, chegando a um total de 4 mil famílias. Tem como objetivo a implantação de arranjos produtivos agroecológicos e que incentivem a cooperação, visto que são formados grupos de no mínimo seis famílias para desenvolver a produção coletivamente.
Massificação
Marcha Popular pelo Brasil, 1999
Os acampamentos Maria da Conceição e Pátria Livre, localizados na região metropolitana de Belo Horizonte,organiza aproximadamente 1000 famílias e são exemplos de um novo formato da massificação no MST, que trazem uma síntese do projeto de Reforma Agrária Popular. A prática cotidiana da luta das famílias acampadas tem sido organizada a partir da produção agroecológica, construção de escola, espaço de saúde, que conformam essa experiência desde o primeiro dia da ocupação. Ambos acampamentos foram iniciados nas Jornadas Nacionais de Luta do 8 de março e pela Reforma Agrária na Terra dos Corruptos, são ocupações nas terras de Eike Batista que apontam para a sociedade os reais inimigos.
Cooperação
Lula visita acampamento Maria da Conceição - 8 de março, em Itatiaiuçu, 2017
JORNAL SEM TERRA • ESPECIAL 30 ANOS EM MINAS GERAIS • 2018
Atualmente quatro cooperativas organizadas no estado, uma no Triangulo, no Norte, no Sul e na Zona da Mata. No último encontro das Cooperativas realizado em maio de 2018, decidiu-se pela construção de uma cooperativa central que passe a organizar as iniciativas de cooperação estaduais e fortaleça essa proposta de superação conjunta dos desafios existentes na produção.
Edição-chefe: Iris Pacheco. Revisão: Geanini Hackbardt. Projeto gráfico e diagramação: Talita Aquino. Tiragem: 10 mil exemplares. Todos os textos do Jornal Sem Terra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material. Acesse nossa Página na internet: www.mst.org.br.